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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Política fiscal e política monetaria no Brasil: incongruencias?


Política fiscal não substitui a política monetária do BC
O Estado de S.Paulo, 27 de Setembro de 2011

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao explicar em Washington a política econômica do Brasil, declarou que o governo havia decidido substituir a política monetária pela fiscal. Isso não é novidade para quem acompanha a evolução da economia brasileira. Na recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), sob a influência do governo, as autoridades monetárias tomaram uma decisão que as levou perto da renúncia à política de metas de inflação. Mas nunca o ministro havia sido tão explícito em relação à mudança da política econômica.
Existe, no entanto, uma grande dúvida quanto às possibilidades dessa substituição, dado o contexto da economia brasileira.
A política monetária não se limita ao aumento ou queda da taxa de juros básica. Também atua sobre o volume do crédito, seja por meio do recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista ou a prazo, seja por meio de exigências quanto ao capital das instituições financeiras em relação a seus empréstimos, com o objetivo principal de evitar o excesso de liquidez.
No seu arsenal de instrumentos de controle, pode escolher o que tem o efeito mais rápido sobre a atitude dos bancos em relação à expansão de crédito. Mas o grande inimigo dos instrumentos da política monetária é o governo, que pode injetar na economia uma grande liquidez por meio de seus gastos, sejam eles financiados por emissões monetárias ou pela captação de recursos com a emissão de títulos da dívida pública colocados especialmente no exterior. E esse excesso de liquidez, se favorece a atividade econômica, sem dúvida propicia uma elevação das pressões inflacionárias.
Em princípio, a política fiscal poderia contribuir para a contenção da alta dos preços, aliviando a carga tributária das empresas. Essa, porém, não é a orientação do Ministério da Fazenda, que deixou claro que não pretende reduzir as despesas do governo e continuará alimentando a liquidez da economia. O esforço de poupança se limitará a não gastar todo o excesso de arrecadação. Ou seja, não se reduz a carga tributária; ao contrário, ela é ampliada com o novo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Deste modo, os gastos do governo - cada vez maiores e menos produtivos, uma vez que o que menos se privilegia são os investimentos em infraestrutura - criam uma pressão de demanda que a produção nacional não pode atender, recorrendo as empresas à importação de componentes para ter preços mais condizentes com os dos produtos estrangeiros.
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O BC e a subversão dos fatos - a mais longa marcha

Lourdes Sola*
O Estado de S.Paulo, 29 de setembro de 2011

Os 'Fatos são Subversivos' é o título de um livro de Garton Ash, um dos mais lúcidos "historiadores do presente". É um chamado à responsabilidade histórica dos formuladores de políticas públicas que se valem de conjunturas de grande incerteza para fazer valer suas prioridades. "Os fatos são subversivos (...) porque subvertem os argumentos dos líderes democráticos eleitos tanto quanto dos ditadores (...), porque subvertem as mentiras, as meias-verdades e os mitos de todos aqueles de fala fácil". O argumento reporta-se a um contexto de incerteza ainda mais extremo do que o atual cenário econômico. Mira as mentiras e meias-verdades oficiais que levaram o povo e o Congresso americanos a legitimar a invasão do Iraque e à guerra no Afeganistão em resposta ao 11 de Setembro. Sem esses recursos, retóricos, mas nada inofensivos, a História mundial teria sido outra.
O que dá um sentido trágico a essa constatação é a impossibilidade de reverter o que foi consumado com apoio em meias-verdades e mitos. Restam dois recursos corretivos: as lições de História que os fatos propiciam e a oportunidade para uma correção de rumos. Mesmo assim, há uma boa dose de otimismo na constatação de Garton Ash, porque ancorada num suposto forte: a vigência de instituições democráticas e de uma mídia investigativa, graças às quais cedo ou tarde os fatos virão à luz. No essencial, tem razão, pois toda tentativa de impedir que os fatos venham à tona traz à luz também um déficit democrático. Que as decisões da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ilustram. Ao subtrair da agenda pública a disparidade entre a taxa oficial e a taxa efetiva da inflação, com medidas legais restritivas à autonomia de consultores e jornalistas, lança luz sobre a subordinação do Judiciário ao Executivo - e sobre indícios anteriores de regressão autoritária.
No novo contexto de incerteza global voltam a entrar em pauta entre emergentes temas correlatos, como inflação, disciplina fiscal e monetária, papel do mercado interno e crescimento. No Brasil volta à cena um velho espectro - a questão da autonomia do Banco Central (BC) - que os mercados e os analistas julgavam exorcizado desde 1999, graças ao mandato (informal) para exercer sua autoridade no marco de um conjunto de regras e normas, caracterizado como regime de metas de inflação. O debate que se seguiu à redução abrupta da taxa de juros interbancária dá o que pensar. Há convergência entre analistas quanto aos rumos da política econômica: substituição do regime de metas de inflação por metas ad hoc para a taxa de juros, adoção de uma banda oculta para as variações na taxa de câmbio. Dá o que pensar, também, sobre o modo de fazer política do governo. Por um lado, há elementos que reforçam o contraste entre a nossa trajetória e a da Argentina. O presidente do BC, o ministro da Fazenda e assessores informais do governo vieram a público legitimar tecnicamente as medidas mencionadas - sob o escrutínio dos seus pares. Com isso atestam a vigência (tênue) de um requisito democrático: a prestação de contas pelos decisores e a chance de responsabilização futura por suas apostas. Isso compõe o quadro de credibilidade econômica acumulada ao longo dos últimos anos, graças à qual foi afastada a possibilidade de reproduzirmos o padrão errático da Argentina - o "efeito vodca".
Há duas questões intrigantes a respeito. Em que momento definidor se consolidou a divergência de rumos entre os dois países? Além disso, o argumento sobre a função subversiva dos fatos pressupõe que, uma vez revelados, a capacidade para elaborá-los está dada e bem distribuída. Seria assim sempre? A resposta à primeira questão é simples: os momentos definidores foram as decisões políticas tomadas em duas encruzilhadas, em resposta aos choques externos de 1999 e 2002-2003. Respectivamente, a adoção do tripé regime de metas de inflação-flutuação cambial-superávit primário e a opção pela continuidade em 2002-2003 e nos anos seguintes. Esse rumo é posto em causa pelo governo, de forma concertada e pouco transparente. Baseia-se na aposta numa crise sistêmica internacional deflacionária, que estaria a exigir políticas fiscal e monetária expansivas aqui e agora. É uma questão em aberto, mas não se esgota nisso. Vale a pena refletir também nos termos de Garton Ash. Na hipótese de que o horizonte de crescimento dos emergentes seja menos negro do que o suposto, quais as chances de que uma nova onda inflacionária em 2012-2013 tenha um efeito subversivo sobre os mitos, as ideologias e meias-verdades de curso oficial?
Há razões para ceticismo, estruturais e históricas. As democracias de massa, num mundo globalizado, caracterizam-se pela existência de um hiato entre a democratização das informações, por um lado, e a capacidade de elaborá-las adequadamente, por outro. A experiência da inflação e das flutuações no poder de compra internacional da moeda é imediata, brindada por indicadores diários nos jornais televisivos. Dependemos da intermediação de vários atores sociais para elaborar o que significam - incluídos os que detêm o saber especializado, os ideólogos, os legisladores.
A experiência histórica também justifica o ceticismo. Uma das características da trajetória econômica brasileira é a opção pelo que caracterizo como "fuga para a frente". Diante da falsa disjuntiva estabilidade ou crescimento, reapresentada em encruzilhadas históricas como 1956-1957, ou quando dos choques do petróleo no governo Geisel, ou no Plano Cruzado, recria-se um impulso inexorável: por políticas expansionistas, ponto. Hoje enfrentamos um teste de estresse. Mas se explica a resistência à institucionalização da autonomia do Banco Central. É histórica, mas contou com a cumplicidade dos mercados para os quais essa é uma questão residual - até evidência em contrário.
* Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Oxford, professora aposentada da USP, é membro da Academia Brasileira de Ciências.

sábado, 7 de agosto de 2010

Uma pequena licao de politica monetaria - Rubem de Freitas Novaes

ALERTA MONETÁRIO
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 05/10/2004

Money matters
Milton Friedman

Pela importância da Teoria Monetária, é pouco e insuficiente o conhecimento dos diversos agentes econômicos sobre os seus principais aspectos. De início, cabem alguns comentários sobre os conceitos de moeda. A Base Monetária (High Powered Money) corresponde à emissão primária de moeda decorrente de déficits públicos, de operações de open market e/ou de acúmulo de reservas externas. Da Base Monetária chega-se ao conceito de M1 = Meios de Pagamento (Papel Moeda em Poder do Público + Depósitos à Vista nos Bancos) através de um mecanismo de multiplicação bancária que depende fundamentalmente dos recolhimentos compulsórios dos bancos junto ao Bacen. A partir de M1 derivam-se outros conceitos de moeda à medida que se agregam ativos financeiros com diferentes graus de liquidez (moneyness). Assim é que, para chegar ao conceito mais amplo de M4, adicionamos, aos tradicionais Meios de Pagamento, os Depósitos de Poupança, CDB`s, Letras de Câmbio e Imobiliárias, Quotas de Fundos de Renda Fixa e os Títulos Públicos Federais, Estaduais e Municipais mantidos pelo setor não-financeiro.

Aqui chegamos às primeiras questões importantes relativas à condução da política monetária: Que conceito usar? Qual das definições de moeda tem mais a ver com as flutuações da demanda agregada e, por conseguinte, com as variações do PIB nominal (PIB real + inflação)? Seguindo um passo adiante, perguntamos: Com que defasagem a moeda influencia o Produto? Terá esta defasagem constância no tempo, dependente que é da velocidade de circulação da moeda? Finalmente, e sem muita chance de obtenção de uma resposta precisa: Como se distribui o impacto da política monetária entre crescimento real e inflação?

Algumas destas questões fizeram com que diversos Bancos Centrais optassem por trabalhar dentro de regimes de metas de inflação, focados preferencialmente no controle das taxas básicas de juros, o que já foi motivo de análise em outro artigo (“Meta de inflação na encruzilhada”, O Estado de S. Paulo, 02/03/2003). Para a nossa análise presente, importa notar que, se as “zonas cinzentas” mostradas justificam cautelas no manejo das rédeas da política monetária, não justificam, entretanto, o grau de desconsideração que está havendo no acompanhamento dos principais agregados, como se moeda, de repente, não mais importasse. (Já repararam que a imprensa especializada do Brasil, com raras exceções, deixou de publicar os dados de expansão monetária e de crédito em suas séries estatísticas? A ausência destes indicadores até que se justificava quando o ritmo inflacionário mudava constantemente de patamares, tornando muito volátil a velocidade de circulação da moeda. Mas não se justifica hoje, quando a quase constância da inflação estabiliza o impacto monetário sobre a economia).

Não precisa ser formado na Universidade de Chicago para levar a moeda muito a sério. Algumas conclusões sobre o tema são aceitas por todos os economistas de ponta, oriundos das mais diferentes escolas. Vejamos, por exemplo, o que diz a respeito o professor Olivier Blanchard, ex Harvard e hoje no MIT, quando apresenta os consensos da profissão em seu livro-texto “Macroeconomia”: - “A política monetária afeta o produto real no curto-prazo, mas não no médio ou longo-prazo. Eventualmente, uma taxa maior de expansão monetária acaba por se traduzir, numa relação um por um, em maior taxa de inflação”. Segundo Blanchard, só não há consenso sobre a extensão do “curto-prazo”.

Pois bem, as estatísticas fornecidas pelo Bacen nos mostram que os indicadores monetários para o país estão crescendo a taxas anuais extremamente exageradas. No final de julho, M1 apresentava expansão anual, ponta a ponta, de 23% e M4 de 21%. O volume total de operações de crédito do sistema financeiro, imagem espelhada da evolução monetária, também em final de julho, apresentava crescimento anual de 17%. Estes dados, como não poderia deixar de ser, estão refletidos na forte expansão de demanda agregada hoje verificada.

É indiscutível que nossa economia necessitava de uma injeção de ânimo, após a estagnação de 2003. Mas há de se agir com cautela. Segundo nossos melhores especialistas, com a exceção honrosa do professor Delfim Netto (que acredita na possibilidade de substancial mudança no ânimo empreendedor de nosso empresariado privado), estamos hoje restritos, pela escassez de investimentos, a um crescimento sustentável não muito superior a 3% ao ano. Como não crescemos em 2003, podemos crescer até 6% este ano. Mas, a partir daí, a manutenção do ritmo atual esbarrará em muitos gargalos, inclusive infraestruturais. Dadas as limitações da oferta, uma expansão da moeda e do crédito próxima de 20% ao ano, se não for apenas pontual, comandará certamente uma inflação na casa dos dois dígitos.

Como vimos, de início, o controle monetário se dá fundamentalmente no controle da Base (emissão primária). Para agir, o governo terá de alargar ainda mais o seu superávit operacional, oferecer remuneração atrativa que evite a “monetização” da dívida pública (como a dívida pública tem ordem de grandeza dez vezes superior à da Base Monetária, basta 1% de monetização para expandir a moeda em cerca de 10%) e/ou postergar os planos porventura existentes de acumular reservas externas. O câmbio contido na faixa atual e uma fortíssima austeridade fiscal (leia-se: contenção de despesas correntes a ponto de praticamente eliminar o déficit nominal) podem aliviar o peso incidente sobre a política de financiamento da dívida pública. Caso contrário, o Bacen só poderá conduzir-nos a taxas responsáveis de crescimento monetário, praticando taxas muito altas de juros reais. Fica o alerta!

* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O enigma dos juros altos no Brasil - Rubem de Freitas Novaes

Um texto antigo, mas ainda plenamente válido em suas considerações sobre política monetária, política fiscal, mercados de capitais.

O ENIGMA DOS ALTOS JUROS
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 17/09/2003

Faz pouco tempo, bacharéis em Direito e economistas realizaram, em datas próximas, importantes encontros na cidade de São Paulo. Como era previsível, a festa dos bacharéis, comemorando o centenário do Centro Acadêmico XI de Agosto, recebeu maiores atenções da opinião pública do que a homenagem prestada por entidades de classe a Pérsio Arida, eleito “Economista do Ano–2003”. A razão, muito simples: o desgaste sofrido pela profissão econômica, após quase três décadas de crescimento medíocre do país. Registre-se que ainda chegou a haver certa recuperação de imagem quando o Plano Real conseguiu debelar uma robusta inflação, sem impor grandes custos à sociedade. Mas, logo, a persistência de baixos índices de desenvolvimento recolocou a profissão na fase de inferno astral. Afinal de contas, se os do ramo não conseguem contribuir com políticas públicas para a melhoria do bem-estar do povo, para que servem?

O fato é que os economistas mais bem equipados têm se dedicado cada vez mais ao estudo dos aspectos monetários e financeiros (inflação, juros e câmbio), abandonando a ênfase que era dada no passado às questões ligadas à promoção do crescimento e do emprego, reconhecidas como o “lado real” da Economia. (Quem sabe a criação, na BMF, de um contrato futuro para a taxa de crescimento do PIB não ajudaria a recuperar o interesse da profissão para os temas do desenvolvimento?).

Em boa parte, a mudança de ênfase dos nossos colegas pode ser atribuída à atração exercida pelos melhores salários do mercado financeiro. Mas não se pode desconsiderar o fato de que os economistas descobriram, de moto próprio, que têm um papel bem mais limitado a cumprir na sociedade do que aquele implícito, por exemplo, nos ideais do “New Deal”, de Roosevelt, ou no pensamento dominante da CEPAL. Com efeito, nossos mais destacados estudiosos concluíram, em boa hora, que o melhor planejamento estatal é aquele voltado apenas para as funções precípuas de governo; que o melhor programa social resume-se na mera distribuição de renda para os mais desfavorecidos; que a melhor política industrial é a ausência de política industrial; que a melhor política cambial é a de moedas flutuantes; etc. e que, em síntese, o ideal é que as regras do jogo sejam sempre claras e estáveis, sem deixar lugar para grande ativismo das autoridades públicas. Com isso, a classe recolheu-se a uma menor significância, a despeito dos reclamos daqueles que, dotados de espírito corporativo mais aguçado, lutavam contra a perda de funções e postos no mercado de trabalho.

Voltando à festa dos economistas, nela Pérsio Arida - com a autoridade de quem muito contribuiu, juntamente com Simonsen, Chico Lopes, Lara Resende e Gustavo Franco, para decifrar o enigma da inflação inercial – propôs que seus companheiros de profissão se debruçassem sobre as razões pelas quais a taxa de juros natural no Brasil (taxa real neutra em termos de influência sobre a inflação) situa-se em patamar tão elevado - entre 8,5% e 10% ao ano, na ponta da captação - impondo-nos uma grave restrição à retomada do crescimento sustentável.

Aceitando seu desafio, naquilo que é permitido expor em tão curto espaço, ressalto que a questão da determinação da taxa de juros real pode ser vista sob duas óticas: a do mercado monetário e a do mercado de fundos para investimento. No primeiro caso, cabe destacar o expressivo tamanho de nossa dívida pública e o fato de que sua ordem de grandeza é dez vezes superior a da base monetária. A dificuldade está em que o país, ao longo de sua história relativamente recente, já tabelou a correção monetária, criou tributações extraordinárias sobre os rendimentos de seus títulos e seqüestrou as aplicações financeiras da população. Além disso, volta e meia ouvem-se sugestões tentadoras no sentido do “default” da dívida pública. Não é de admirar que os credores de tão volumosa quantia exijam uma bela remuneração para oferta-la.

Muitos analistas, erroneamente, acreditam que o “mercado” não tem alternativas para a aplicação de sua “caixa” e que o Tesouro, com igual sucesso, poderia financiar-se a taxas bem mais baixas. Ledo engano. Uma remuneração inadequada levaria à monetização de certa parcela da dívida pública (já vimos isto com clareza no segundo semestre de 2002), com impactos amplificados sobre a base monetária (considerando-se que, para cada 1% de monetização, aumentamos em 10% a oferta monetária) e efeitos desastrosos para o controle da inflação.

Em relação ao mercado de poupança e investimento, algumas considerações se impõem: vivemos num país com excelentes oportunidades de investimento, propiciadas pela ampla disponibilidade de recursos naturais, energia e mão-de-obra barata. A isto se contrapõe uma forte escassez de fundos de poupança, para determinar uma taxa de juros de equilíbrio muito elevada. Podemos agir sobre a poupança privada se, a exemplo de outros países, como o Chile, voltarmos a nossa Previdência para um regime de capitalização bem administrado. Do setor público, teria de ser demandado um esforço enorme de enxugamento, em todos os níveis de governo, para reverter uma despoupança líquida que hoje atinge a 3% do PIB. Finalmente, para estimular a poupança externa, teríamos de atuar basicamente sobre a percepção de risco Brasil, oferecendo regras estáveis e amistosas, respeito aos contratos e obediência aos direitos de propriedade.

Como vemos, nenhuma das ações é de fácil materialização e teria poder de influenciar de forma importante a nossa taxa “natural” no curto-prazo. O país tem enfraquecido a sua capacidade de poupar há muitos anos e a situação do endividamento público, se não é calamitosa, ao menos é preocupante . Um quadro como este só é mutável aos poucos e exige um somatório de medidas na direção correta. Infelizmente, não será possível um lance de genialidade (como foi a construção da URV no desmonte da inflação inercial) para a solução do enigma que Arida nos coloca. Permanece o consolo de que, nas condições de hoje, ainda há um belo espaço para a queda expressiva nos juros.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Alternancia onde não deve ser feita: politica monetaria...

O lado perverso da alternância
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 17.5.2010

A herança mais importante a ser legada pelo governo Lula é o sucesso de sua política econômica e, em menor medida, de suas políticas sociais. Com todas as qualificações que possam ser feitas, consolidou-se a recuperação da credibilidade do País iniciada no governo anterior e criaram-se condições básicas para o crescimento sustentado. É essencial preservar essa conquista.
É dessa perspectiva que deve ser analisada a tempestuosa entrevista do principal candidato oposicionista à eleição presidencial sobre a política econômica do atual governo e, em especial, a política monetária. O candidato foi extremamente crítico da atuação do Banco Central (BC), insistindo nas oportunidades perdidas para a redução da taxa de juros. Curiosamente, omitiu-se quanto às crescentes peraltices na política fiscal do governo, conduzida, segundo ele, por "homens sérios". Diversas alegações do ex-governador não correspondem aos fatos, como, por exemplo, de que o Brasil aumentou juros quando o resto do mundo os havia reduzido. Em particular, foi ventilada uma revolucionária teoria sobre "efeitos psicológicos" na determinação da taxa de juros: relevantes são as variações, e não os níveis das taxas. A bobagem deve ser levada a sério, pois permite delinear o tipo de interferência sobre o Banco Central que poderia ocorrer no caso de vitória da oposição.
A política monetária no Brasil lida com limitações à redução da taxa de juros que têm que ver com o desempenho fiscal. Se as contas públicas forem efetivamente postas em ordem, haverá espaço para taxas de juros. Não há milagre "psicológico" que remova essa restrição. É claro que sempre haverá a possibilidade de buscar o ajuste por meio de mais permissividade com relação à inflação. Isso implicaria, entretanto, o sucateamento do regime de metas de inflação, hipótese ainda não ventilada pelo candidato, embora seja evidente a sua antipatia visceral por essa forma de condução da política monetária.
A repercussão negativa da entrevista suscitou tentativas de remendo não muito convincentes. Mencionou-se até a "intervenção" dos governos europeus no Banco Central Europeu para equacionar a crise financeira grega e o seu contágio. O argumento parece potente para explicar exatamente o contrário. De fato, a despeito da autonomia do Banco Central Europeu, foi possível, em meio à crise, buscar ação coordenada que defendesse da melhor forma possível a estabilidade financeira europeia. Já o posicionamento oficioso do PSDB envolve substancial esforço em reescrever a história da crise de 2008, trocando datas e detectando quase imaginária deflação, com base no comportamento do Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M). Talvez não seja irrelevante lembrar que o índice de preços que baliza o regime de metas é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que teve comportamento diferente do IGP-M.
A entrevista foi infeliz não apenas no conteúdo, como na forma. A julgar por suas declarações, os que dele discordam ou são obtusos ou mal-intencionados. Não foi um bom trailer do que poderá ser o processo decisório de um eventual governo Serra. E, pior, relativizou as críticas que são habitualmente feitas ao autoritarismo enfático da candidata da situação. Uma democracia madura requer um sistema de pesos e contrapesos sofisticado para que se evitem abusos e sejam minimizados os erros no exercício do poder. Isso se aplica tanto à diretoria do Banco Central quanto ao presidente da República. Nem os diretores do Banco Central nem os candidatos a presidente da República são infalíveis. O candidato parece reconhecer apenas a falibilidade dos banqueiros centrais.
A crítica de Serra à política monetária abriu espaço para que a candidata da situação se apresentasse, em contraste com sua postura no passado, como defensora do Banco Central. Configura-se uma situação esdrúxula na qual o candidato do PSDB consolida sua postura de crítico da política econômica herdada pelo governo Lula do governo Fernando Henrique Cardoso, enquanto Dilma tece loas à autonomia do BC. Quem tem boa memória se lembrará das reticências, quando não da discordância explícita, de José Serra a diversos aspectos da política econômica desde a implantação do Plano Real - que levou à sua saída do Ministério do Planejamento rumo ao Ministério da Saúde -, que escalaram depois de 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
O argumento mais poderoso para justificar o voto em candidatos de oposição é a alternância no poder. A coalizão liderada pelo presidente Lula tem aparelhado a máquina pública, com o objetivo claro de dificultar a reversão das políticas que lhe são caras. É difundida a percepção de que esse processo foi muito além do desejável e que deveria ser revertido. A entrevista de Serra dá margem à interpretação de que, caso eleito, a alternância se faria sentir de forma contundente na condução da política monetária. Seria uma lamentável reversão que não consulta os interesses do País. Talvez ainda haja tempo para que o candidato reformule suas ideias.

*Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor tutular no Departamento de Economia da PUC-Rio.