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sábado, 7 de agosto de 2010
Uma pequena licao de politica monetaria - Rubem de Freitas Novaes
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 05/10/2004
Money matters
Milton Friedman
Pela importância da Teoria Monetária, é pouco e insuficiente o conhecimento dos diversos agentes econômicos sobre os seus principais aspectos. De início, cabem alguns comentários sobre os conceitos de moeda. A Base Monetária (High Powered Money) corresponde à emissão primária de moeda decorrente de déficits públicos, de operações de open market e/ou de acúmulo de reservas externas. Da Base Monetária chega-se ao conceito de M1 = Meios de Pagamento (Papel Moeda em Poder do Público + Depósitos à Vista nos Bancos) através de um mecanismo de multiplicação bancária que depende fundamentalmente dos recolhimentos compulsórios dos bancos junto ao Bacen. A partir de M1 derivam-se outros conceitos de moeda à medida que se agregam ativos financeiros com diferentes graus de liquidez (moneyness). Assim é que, para chegar ao conceito mais amplo de M4, adicionamos, aos tradicionais Meios de Pagamento, os Depósitos de Poupança, CDB`s, Letras de Câmbio e Imobiliárias, Quotas de Fundos de Renda Fixa e os Títulos Públicos Federais, Estaduais e Municipais mantidos pelo setor não-financeiro.
Aqui chegamos às primeiras questões importantes relativas à condução da política monetária: Que conceito usar? Qual das definições de moeda tem mais a ver com as flutuações da demanda agregada e, por conseguinte, com as variações do PIB nominal (PIB real + inflação)? Seguindo um passo adiante, perguntamos: Com que defasagem a moeda influencia o Produto? Terá esta defasagem constância no tempo, dependente que é da velocidade de circulação da moeda? Finalmente, e sem muita chance de obtenção de uma resposta precisa: Como se distribui o impacto da política monetária entre crescimento real e inflação?
Algumas destas questões fizeram com que diversos Bancos Centrais optassem por trabalhar dentro de regimes de metas de inflação, focados preferencialmente no controle das taxas básicas de juros, o que já foi motivo de análise em outro artigo (“Meta de inflação na encruzilhada”, O Estado de S. Paulo, 02/03/2003). Para a nossa análise presente, importa notar que, se as “zonas cinzentas” mostradas justificam cautelas no manejo das rédeas da política monetária, não justificam, entretanto, o grau de desconsideração que está havendo no acompanhamento dos principais agregados, como se moeda, de repente, não mais importasse. (Já repararam que a imprensa especializada do Brasil, com raras exceções, deixou de publicar os dados de expansão monetária e de crédito em suas séries estatísticas? A ausência destes indicadores até que se justificava quando o ritmo inflacionário mudava constantemente de patamares, tornando muito volátil a velocidade de circulação da moeda. Mas não se justifica hoje, quando a quase constância da inflação estabiliza o impacto monetário sobre a economia).
Não precisa ser formado na Universidade de Chicago para levar a moeda muito a sério. Algumas conclusões sobre o tema são aceitas por todos os economistas de ponta, oriundos das mais diferentes escolas. Vejamos, por exemplo, o que diz a respeito o professor Olivier Blanchard, ex Harvard e hoje no MIT, quando apresenta os consensos da profissão em seu livro-texto “Macroeconomia”: - “A política monetária afeta o produto real no curto-prazo, mas não no médio ou longo-prazo. Eventualmente, uma taxa maior de expansão monetária acaba por se traduzir, numa relação um por um, em maior taxa de inflação”. Segundo Blanchard, só não há consenso sobre a extensão do “curto-prazo”.
Pois bem, as estatísticas fornecidas pelo Bacen nos mostram que os indicadores monetários para o país estão crescendo a taxas anuais extremamente exageradas. No final de julho, M1 apresentava expansão anual, ponta a ponta, de 23% e M4 de 21%. O volume total de operações de crédito do sistema financeiro, imagem espelhada da evolução monetária, também em final de julho, apresentava crescimento anual de 17%. Estes dados, como não poderia deixar de ser, estão refletidos na forte expansão de demanda agregada hoje verificada.
É indiscutível que nossa economia necessitava de uma injeção de ânimo, após a estagnação de 2003. Mas há de se agir com cautela. Segundo nossos melhores especialistas, com a exceção honrosa do professor Delfim Netto (que acredita na possibilidade de substancial mudança no ânimo empreendedor de nosso empresariado privado), estamos hoje restritos, pela escassez de investimentos, a um crescimento sustentável não muito superior a 3% ao ano. Como não crescemos em 2003, podemos crescer até 6% este ano. Mas, a partir daí, a manutenção do ritmo atual esbarrará em muitos gargalos, inclusive infraestruturais. Dadas as limitações da oferta, uma expansão da moeda e do crédito próxima de 20% ao ano, se não for apenas pontual, comandará certamente uma inflação na casa dos dois dígitos.
Como vimos, de início, o controle monetário se dá fundamentalmente no controle da Base (emissão primária). Para agir, o governo terá de alargar ainda mais o seu superávit operacional, oferecer remuneração atrativa que evite a “monetização” da dívida pública (como a dívida pública tem ordem de grandeza dez vezes superior à da Base Monetária, basta 1% de monetização para expandir a moeda em cerca de 10%) e/ou postergar os planos porventura existentes de acumular reservas externas. O câmbio contido na faixa atual e uma fortíssima austeridade fiscal (leia-se: contenção de despesas correntes a ponto de praticamente eliminar o déficit nominal) podem aliviar o peso incidente sobre a política de financiamento da dívida pública. Caso contrário, o Bacen só poderá conduzir-nos a taxas responsáveis de crescimento monetário, praticando taxas muito altas de juros reais. Fica o alerta!
* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.
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