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quarta-feira, 18 de agosto de 2010
O Estado a que chegamos (pois é...)
Editorial O Globo, 18.08.2010
O aparelhamento da máquina pública decorrente de interesses político-ideológicos e o loteamento de áreas do Estado por motivação fisiológica são duas pragas da política brasileira que respondem por boa parte da má aplicação do dinheiro do contribuinte, já esmagado sob uma carga tributária de mais de 35% do PIB, recorde no bloco dos emergentes.
É típica do aparelhamento de origem política a ocupação do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelos chamados “movimentos sociais” — MST e similares. Nesta privatização daninha da coisa pública, o contribuinte também não está a salvo de desvios criminosos do seu dinheiro.
Vide indícios fulgurantes de expropriação de recursos públicos existentes na prestação de contas de entidades criadas neste âmbito “social” apenas para ter acesso ao Tesouro. Isto quando prestam contas. É assim que ações violentas de invasão de propriedades terminam financiadas pelo Erário.
O empreguismo e loteamento de cargos por razões fisiológicas também têm símbolos na Era Lula. Justiça se faça, trata-se de mazelas tradicionais no Brasil, infelizmente. Não surgiram de 2003 para cá. Mas o governo, por não ter querido ou sabido fixar limites à voracidade de partidos da base parlamentar, convive com situações como a dos Correios.
Na estatal, hoje prestadora de maus serviços, chefias nomeadas por caciques partidários se dedicaram a arrematar propinas para caixa dois de legendas. Não faltou a grotesca cena, gravada, em que Maurício Marinho, autoproclamado representante do petebista Roberto Jefferson na ECT, literalmente embolsa um maço de dinheiro entregue por um fornecedor da estatal. Ali começaria o escândalo do mensalão e acabaria de vez a virgindade do PT.
Este é o contexto no qual surge a informação, apurada pelo GLOBO, de que 399 relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), feitos apartir de 2009 sobre a atuação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), apontam para uma conta de R$ 1,02 bilhão proveniente de superfaturamento de obras e outros malfeitos. Em linguagem direta: roubo, desfalque.
O Dnit faz jus ao fato de ser o velho Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) com outro nome. Pois o DNER foi fechado no governo FH devido ao longo histórico de corrupção da autarquia. Como se vê, reencarnou no Dnit com o mesmo DNA. A ação de quadrilhas no departamento, retalhado entre apaniguados políticos, chega a ser rocambolesca.
No início do mês, o superintendente do departamento no Ceará, Guedes Ceará, e outras pessoas foram presos pela Polícia Federal sob a acusação de participar do desvio de R$ 5,5 milhões do orçamento de obras. Guedes havia sido indicado pelo ex-governador Lúcio Alcântara, do PR.
Se forem consultadas auditorias do TCU na Infraero surgirão casos semelhantes. Enquanto isso, a população se arrisca em estradas federais mal conservadas e padece em aeroportos há tempos incapazes de atender ao crescente volume de passageiros. O assunto serve de munição de campanha eleitoral. Mas, haja o que houver nas urnas, o próximo governo bem que poderia atenuar o bombeamento de recursos do Tesouro para grupos que se especializaram em capturar dinheiro público, à esquerda e à direita.
Quando mais não seja, por inteligência: vai aparecer mais dinheiro para financiar despesas efetivas.
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