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terça-feira, 24 de agosto de 2010
Os Brasilianistas, versão 2010
Paulo Roberto de Almeida
Há uma crença, em diferentes meios, de que os brasilianistas andavam “desaparecidos” e que, não mais que de repente, com o governo Lula, eles voltaram à berlinda, ou novos brasilianistas vieram substituir os antigos, que já estavam aposentados há muito.
Nada mais equivocado. Os brasilianistas continuam onde sempre estavam: fazendo pesquisas sobre o Brasil em universidades americanas (com menor incidência em outras universidades, de países europeus, por exemplo), dando cursos de pós-graduação e orientando trabalhos de mestrado ou de doutoramento em temáticas brasileiras, viajando regularmente ao Brasil e mantendo programas de cooperação com departamentos, faculdades ou institutos de estudo e de pesquisa no Brasil.
A impressão equivocada de que eles tinham “saído de cena” se prende, na verdade, à própria situação política brasileira desde a redemocratização. Os brasilianistas foram relevantes, em certa medida, durante o regime militar e certa “repressão” – na verdade mais constrangimentos do que obstáculos absolutos – a estudos sobre os militares, por exemplo, ou sobre os movimentos de esquerda e outros temas considerados sensíveis durante aquele período. Os brasilianistas não tinham problemas, aparentemente, em manter contato com a imprensa e dar entrevistas sobre questões econômicas e políticas, às quais era dado o devido destaque nos meios de comunicação do Brasil, mais, aparentemente, do que pesquisas ou entrevistas de seus colegas brasileiros. Embora essa seja apenas uma impressão subjetiva, sem maior fundamentação na realidade, ela tinha alguma razão de ser, inclusive pelo acesso de alguns brasilianistas a personalidades do regime, aparentemente fora do alcance dos pesquisadores brasileiros (o que também não corresponde inteiramente à verdade).
Não existe uma “nova onda” de brasilianistas, embora a própria evolução do Brasil – social, política, econômica e internacional –, de um lado, e as novas tendências metodológicas e temáticas na academia americana, de outro lado, tenham levado os estudos brasileiros nas universidades americanas a novos focos de interesse.
É preciso considerar que os brasilianistas “clássicos”, se assim podemos chamá-los – correspondendo à geração conhecida como “filhos de Fidel”, ou seja, os que receberam ajuda governamental para aumentar o conhecimento americano sobre os países da região que poderiam conhecer evolução similar à de Cuba – trataram de realizar pesquisas de largo espectro, produzindo obras de síntese sobre o desenvolvimento econômico e político do Brasil que se tornaram incontornáveis na bibliografia especializada. Pode-se também dizer que eles participaram do processo de estabelecimento e consolidação dos programas de pós-graduacao no Brasl, naquela época (início dos anos 1960) ainda inexistentes ou iniciantes. Uma vez realizada a “substituição de importações” na área de pós-graduação, o Brasil se tornou menos dependente dessas vozes e opiniões. Na redemocratização, sua importância pareceu diminuir, mas eles continuaram onde sempre estiveram, fazendo seu trabalho metódico e bem fundamentado de pesquisa e elaboração de trabalhos sobre o Brasil.
Deve-se esclarecer que os brasilianistas “só existem” no Brasil, pois nos EUA eles são professores de suas especialidades respectivas, dando aulas de graduação de história, ciências políticas, antropologia, etc. Na pós-graduação, eles podem focar mais diretamente no Brasil, e alguns se tornam quase exclusivos nessa área, mas nunca totalmente.
Nas últimas décadas, as universidades americanas foram “assoladas” por novos campos e novos métodos de pesquisa, como micro-história, gênero, história cultural, etc, o que explica, também, que os novos brasilianistas tenham se dedicado a novas temáticas que seus orientadores da geração anterior. O termo brasilianista só deveria ser aplicado, de fato, se as novas gerações fizessem do Brasil seu foco principal de estudo, o que nem sempre é o caso. Não existe uma demanda específica por brasilianistas nas universidades americanas, sendo mais comum os estudos latino-americanistas (e quase todas as faculdades de humanidades mantêm programas interdisciplinares, geralmente historiadores, sociólogos e antropólogos, de estudos latino-americanos).
Surgem, assim, trabalhos específicos sobre a mulher, sobre os homossexuais, sobre aspectos de nossa história cultural e, crescentemente, sobre estudos de meio ambiente. Também se conservam as velhas especialidades, com trabalhos sobre movimentos sociais, história e sistema político, desenvolvimento econômico e outros na mesma linha tradicional. Samba e futebol podem ser, e são estudados, mas mais pelo enfoque cultural, ou antropológico, que não tem nenhuma conotação “exótica”, e sim com apoio em metodologias consagradas nesses campos de estudo.
Pode-se dizer que o campo de estudos brasileiros se caracteriza hoje por uma intensa troca de experiências e intercâmbio de estudos especializados entre brasileiros e “estrangeiros”, tanto que os encontros de especialistas de estudos brasileiros – seja na Latin American Studies Association, LASA, ou a própria BRASA – reúnem igual número de “estrangeiros” (ou americanos), e brasileiros.
Pode-se dizer que o interesse pelo Brasil cresceu muito nos últimos anos no plano jornalístico, e talvez isso tenha reflexos no meio acadêmico, mas seria preciso uma averiguação mais cuidadosa. Certamente a presença de Lula à frente do Brasil, sua forte projeção no exterior – bem mais no plano jornalístico, volta-se a sublinhar – pode ter sido responsável por esse aparente “renascimento” dos estudos brasileiros, inclusive em países não tradicionais no campo (como a China, por exemplo). Mas os programas acadêmicos seguem ritmo próprio, que não é direta ou imediatamente impactado pela realidade jornalística. Pode-se, provavelmente, detectar maior afluxo de estudiosos da língua portuguesa do Brasil nos programas de letras, mas a abertura ou consolidação de novos campos de estudo, com recrutamento adicional de novos pesquisadores e professores focados exclusivamente nos estudos brasileiros se faz em ritmo mais lento, correspondendo aos interesses dos próprios pesquisadores dentro do campo mais consagrado de estudos latino-americanos.
De novo mesmo na área brasilianista é a criação do Instituto de Estudos Brasileiros Jorge Paulo Lemann (Lemann Institute for Brazilian Studies), na Universidade do Illinois em Urbana-Champaign, dirigido pelo professor Joseph Love, um historiador consagrado da primeira geração. Mas, se trata de uma iniciativa do conhecido investidor brasileiro para estimular o intercâmbio acadêmico nos dois sentidos, e talvez até para formar quadros de qualidade nos problemas do Brasil dos dois países, sem a mesma conotação dos antigos programas “brasilianistas” da era da Guerra Fria. Acredito que esse Instituto, que deverá acolher o Secretariado da Brazilian Studies Association em 2011, e realizar o próximo congresso da Brasa naquela cidade em 2012, constituirá um importante fator de estímulo aos estudos brasileiros nos EUA, podendo acolher também pesquisadores de diversos outros países. Trata-se de excelente iniciativa capaz de moldar a próxima geração de estudiosos brasileiros nos EUA, quando a primeira – dos quais um dos principais representantes é o Professor Werner Baer, que é justamente, “Lemann Professor of Economics” da University of Illinois at Urbana-Champaign – já está praticamente se aposentando quando não chegando ao seu termo lógico.
Paulo Roberto de Almeida (Shanghai, 25 de agosto de 2010)
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