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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Politica economica: de Chicago para Joaquim Levy - Rubem de Freitas Novaes

Acho que tudo está dito, mas se me permite, talvez eu complete um pouco:
Caro Joaquim Levy,
Pense em sua biografia e em sua responsabilidade para com o povo brasileiro. Não participe de uma farsa ou da montagem de um espetáculo que pode respingar sobre sua própria reputação, de homem comprometido com o bem-estar da população e com o progresso do país, de economista coerente com certos princípios, que você aprendeu em Chicago, justamente.
Paulo Roberto de Almeida

De: CHICAGO     Para: JOAQUIM LEVY 
 Rubem de Freitas Novaes*
Caro Levy,
A você demos o título de Ph.D. em Economia e isto lhe impõe certas responsabilidades. Como bem sabe, nestes 45 anos que se passaram desde a criação do Prêmio Nobel para economistas, nada menos que 30 professores laureados eram de alguma forma associados à Universidade de Chicago. Milton Friedman e Friedrich Von Hayek, ex professores nossos, só ficam atrás de Karl Marx, Adam Smith e John Maynard Keynes nas citações na literatura, o que os coloca entre os 5 economistas mais influentes da História. Milton Friedman, seu mestre, é considerado por muitos, inclusive pelo keynesiano Gregory Mankiw, de Harvard, como “o economista do século XX”. Influenciamos sobremaneira a revolução liberal da segunda metade do século passado, ajudando a moldar a política econômica de Reagan e Thatcher e dando as bases para o processo de globalização que viria atingir inclusive a China. Aí, na sua América Latina, colegas seus, orientados por nossos professores, transformaram o Chile, de um país apenas mediano na década de 70, na economia mais rica da região em termos per capita e no país menos corrupto, já que a redução com simplificação do Estado é a melhor receita para o combate da corrupção. Nada impede que o mesmo processo saneador possa ocorrer no Brasil,
Ficamos satisfeitos em ver que, num momento de quase desespero, diante de tantos problemas acumulados por imperícia da atual equipe econômica, o nome de um típico “Chicago-boy” foi lembrado para correções de rumo e para evitar a perda do grau de investimento do Brasil. Entretanto, como você está bem ciente, a situação chegou a um ponto crítico onde não restam graus de liberdade para os gestores da economia. Seja na inflação, no crescimento, nas contas correntes, nas contas públicas, na confiança empresarial, para onde quer que olhemos, o quadro é preocupante. Até nas reservas externas passamos a correr riscos, caso não se altere a percepção das agências de “rating” em relação ao Brasil.
Pois bem, diante de um quadro dramático como este, um só Ministro ciente do que precisa ser feito não basta para a obtenção de resultados consistentes. É obra para todo um governo que precisa estar imbuído dos mesmos convencimentos sobre a natureza dos problemas e sobre as melhores medidas a serem implementadas. É aqui que começam nossas preocupações. A Presidente não acredita no nosso receituário e pode ser tida como adversária de nosso ideário liberal. Tememos que esteja usando o prestígio de um novo ministro perante o mercado apenas para evitar crises iminentes. Ao anunciar a sua escolha oficialmente, não se deu ao trabalho de prestigiá-lo comparecendo à entrevista. Seu companheiro de Ministério fez questão de lembrar a todos que você, Levy, seria Ministro de um governo reeleito pelo voto popular, sinal portanto de continuidade. Em lugar de uma posse com todas as pompas de praxe, onde comparece usualmente metade do PIB para o beija-mão e se faz a apresentação de uma equipe ministerial consistente, foi-lhe oferecida uma salinha de transição no terceiro andar do Palácio, onde você ficará dependente dos préstimos de ministros veteranos que, diga-se de passagem, não lhe dedicam qualquer apreço. Parece que você está sendo devidamente “enquadrado” num sistema pré-existente e tratado simplesmente como um assessor da “Presidenta” para assuntos de cortes orçamentários. Para quem imaginava que você chegaria com espírito de curador interventor, com total liberdade e autonomia para gerir a economia, foi uma decepção.
Caso se confirme um quadro de limitações e impedimentos para a adoção de uma administração nos moldes Palocci/Meirelles, sua gestão não terá êxito e os resultados negativos serão debitados a você e a seu liberalismo ortodoxo. Portanto, daqui de Hyde Park, Chicago, desejamos que você consiga contornar as dificuldades e honrar a tradição de coerência e sucesso no trato da economia que carrega em seus ombros. E que nunca abandone seus princípios!

*O autor é Ph.D. pela Universidade de Chicago
http://www.institutoliberal.org.br/blog/de-chicago-para-joaquim-levy/

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Economia brasileira: a lenta deterioracao causada pela politica companheira - Rubem de Freitas Novaes

A realidade que aponta Rubem Novaes eu seu artigo desta data no Globo, vem sendo anunciada aqui há muito tempo. A política econômica companheira, feita por keynesianos rústicos -- de "botequim", como eu costumo dizer -- vai levar o Brasil para o brejo, lentamente, pois os companheiros não têm coragem sequer para implementar de uma vez só suas receitas malucas.
Da mais alta cúpula aos técnicos de confiança das autoridades econômicas, a crença generalizada é nas banalidades keynesianas: demanda agregada, estímulo ao consumo, baixar juros, subsídios para a produção, controle de capitais e vai por aí.
Não existe nenhum exemplo de país no mundo que tenha se desenvolvido apostando no consumo. 
Mas esses keynesianos de botequim, os maiores quero dizer, sequer aprenderam economia, apenas alguns rudimentos, com aquelas simplificações simplérrimas (com perdão pela redundância) que eles estão agora enfiando goela abaixo do Brasil e dos brasileiros. 
Tenho pena dos empresários, dos capitalistas de forma geral, que têm de suportar incompetentes no governo e que vêem seus negócios se estiolando pouco a pouco, em função dessas políticas malucas e do horrível ambiente de negócios que predomina no Brasil, que se tornou um país caro, não por problemas cambiais, mas por ter um Estado extorsivo, perdulário, corrupto e fraudulente, com políticas equivocadas em praticamente todos os setores.
Paulo Roberto de Almeida 

O Sapo na Panela
Artigo de Opinião
Rubem de Freitas Novaes
O Globo, 3/01/2014

Nossa história é fértil em exemplos de barbeiragens na condução da política econômica, todas elas causadoras de expressivos custos para a população. Para ficar apenas no passado mais recente, podemos aqui relembrar do congelamento de preços do Plano Cruzado, do sequestro de ativos financeiros do Plano Collor, da banda diagonal endógena de Chico Lopes e da destruição patrimonial da Petrobras, iniciada no governo Lula e ainda em curso. 

Medidas desastradas como essas, se tornadas usuais, além de desorganizarem o aparelho econômico, vão minando a credibilidade das autoridades constituídas. Larry Summers, professor e ex-reitor da Universidade de Harvard, costuma dizer, com propriedade, que a confiança é o fator mais barato para o desenvolvimento de um país. Afinal, basta ao governante fazer tudo direitinho, de acordo com reconhecidos bons princípios de gestão econômica, que os mercados se animam e os empresários libertam seus melhores instintos animais, fazendo a máquina funcionar. 

Aqui no Brasil, a equipe econômica, comandada pela presidente, tem adotado o que ficou conhecido como a nova matriz econômica , uma combinação de heterodoxias concebida em nossos piores ambientes tecnoideológicos. Em síntese, essa nova matriz consiste de uma política fiscal frouxa, juros baixos, crédito farto e subsidiado nos bancos públicos, câmbio desvalorizado e proteção tarifária para estimular a indústria nacional. Não fosse a rebeldia do Banco Central, elevando os juros básicos, a matriz estaria intacta até os dias de hoje. 

Pois bem, a nova política foi anunciada com pompas, mas, infelizmente, seus resultados, já decorridos três anos do governo Dilma, são os piores possíveis. Seja no crescimento econômico, seja nas contas correntes com o exterior, seja no terreno da inflação, seja na geração de emprego, seja no que fizeram com nossas contas públicas, desestruturando-as completamente, as coisas andam tão pretas que Paulo Guedes, escrevendo para O GLOBO, ousou dizer: Ou muda a política da equipe econômica, ou Dilma muda a equipe econômica, ou o país muda de presidente. 

É da sabedoria popular a história do sapo na panela. Segundo a fábula, se jogarmos o sapo na água fervente ele salta e se salva. Mas, se a água for esquentando aos poucos, o sapo vai se acostumando e acaba cozido. Nossos governantes de esquerda conhecem bem esta fábula e nunca adotarão medidas extremas tipo estatização do sistema bancário ou congelamento generalizado de preços. Seriam dramáticas demais e causariam forte reação. Também não acho que o sapo morrerá. Mas, considerado o viés da cúpula econômica do governo e o nosso atual quadro político, parece-me que a hipótese de paulatina argentinização da economia brasileira é mais provável do que qualquer outra hipótese mais radical. A água ainda vai esquentar por muito tempo. 

A hipótese de argentinização da economia brasileira é mais provável do que qualquer outra opção mais radical.

Rubem de Freitas Novaes é economista

segunda-feira, 8 de julho de 2013

BNDES, again (e para pior...) - Rubem F. Novaes

E o BNDES, hein?

RUBEM F. NOVAES*
.
BNDES, à noite. Edifício-sede, Rio de Janeiro, RJ.Ficamos todos finalmente sabendo, através da Imprensa, do sofisticado e grandioso projeto de anexo ao edifício-sede do BNDES. Como agravante, seguiu-se o anúncio da criação de mais uma diretoria, agora para cuidar da América Latina. Não tenho dúvidas em afirmar que qualquer assessoria organizacional iria mostrar excesso de funcionários e a possibilidade de acomodar o contingente de pessoal realmente necessário para o funcionamento do Banco dentro dos limites do edifício existente. Se recursos estão sobrando, a esterilização junto ao BACEN é alternativa superior à imobilização em prédios, ao socorro de “campeões nacionais, à diplomacia bolivariana e ao empreguismo de “companheiros”.
Deixando de lado evidentes desvios de objetivo, o grande engano técnico cometido por entusiastas expansionistas do Banco – e isto vale para qualquer Banco de Desenvolvimento – está em supor que os projetos submetidos à sua apreciação são viabilizados graças ao crédito concedido.  A verdade é que o crédito subsidiado, oferecido como mecanismo de indução a projetos privados ditos prioritários, está sempre viabilizando o pior projeto (projeto marginal), dentro do rol de alternativas à disposição da empresa solicitante. Afinal, dinheiro não tem carimbo, não é mesmo?
Para entender o raciocínio, suponha-se, na escala mais simples, que um cidadão tenha dois projetos em vista: construir uma casa ou passar um ano viajando pelo exterior. Admitindo que só tenha recursos para efetivar uma das duas opções, nosso cidadão está decidido pela priorização da casa própria. Nisto, surge a possibilidade de um financiamento público em condições atrativas, desde que o projeto apresentado seja “prioritário”. O que faz nosso cidadão hipotético? Ele apresenta, à agência do governo, o projeto da casa própria (nada mais prioritário!), que seria materializado de qualquer modo com os recursos pré-existentes, e viabiliza, com os novos recursos, a sua viagem ao exterior. Isto se não pegar o dinheiro, com uma mão, e, com a outra, aplicar imediatamente no mercado financeiro a juros mais altos (alternativa sempre existente). O beneficiário do crédito ficará satisfeito, o banco oficial também, e todos nós, ludibriados. Registre-se que o entendimento deste processo tirou de moda a criação de Bancos de Desenvolvimento, pelo menos no âmbito acadêmico.
É certo que, quando de sua criação, em meados do século passado, o BNDES tinha fortes argumentos em sua defesa. Nosso mercado de capitais era praticamente inexistente, nossas empresas não tinham acesso ao mercado internacional de crédito de longo-prazo e era importante criar uma cultura de avaliação e acompanhamento de projetos, principalmente na esfera pública. Hoje, estas condições não mais se verificam. Se uma empresa é boa e tem bons projetos, não precisa do BNDES. Se é ruim e seus projetos são ruins, é o BNDES que não deve apoiá-la. Se é ruim, mas tem perspectivas de salvação, caberá a empresas de “venture capital”, que têm competência para tal, reestruturá-la para levá-la adiante.
Neste novo mundo econômico de grande sofisticação e agilidade do mercado de capitais, mesmo sem falar dos efeitos maléficos da “bolsa-empresário” sobre a distribuição da renda, nem da cooptação política de empresários por governantes de plantão, caberia ao BNDES programar-se para, eventualmente, deixar de existir.
*ECONOMISTA com doutorado pela Universidade de Chicago. Foi diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.
Artigo originalmente publicado em O Globo sob o título “Ludibriados”, em 28.04.2013 [N. do Autor]

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Banco dos Amigos dos Companheiros e Asseclas em Geral, vulgo BNDES - Rubem F. Novaes

Ludibriados 
Rubem F. Novaes
O Globo, 28/04/2013

Ficamos todos finalmente sabendo, através da imprensa, do sofisticado e grandioso projeto de anexo ao edifício-sede do BNDES. Como agravante, seguiu-se o anúncio da criação de mais uma diretoria, agora para cuidar da América Latina. Não tenho dúvidas em afirmar que qualquer assessoria organizacional iria mostrar excesso de funcionários e a possibilidade de acomodar o contingente de pessoal realmente necessário para o funcionamento do Banco dentro dos limites do edifício existente. Se recursos estão sobrando, a esterilização junto ao Banco Central é alternativa superior à imobilização em prédios, ao socorro de "campeões nacionais, à diplomacia bolivariana e ao empreguismo de "companheiros".
Deixando de lado evidentes desvios de objetivo, o grande engano técnico cometido por entusiastas expansionistas do Banco - e isto vale para qualquer Banco de Desenvolvimento - está em supor que os projetos submetidos à sua apreciação são viabilizados graças ao crédito concedido. A verdade é que o crédito subsidiado, oferecido como mecanismo de indução a projetos privados ditos prioritários, está sempre viabilizando o pior projeto (projeto marginal), dentro do rol de alternativas à disposição da empresa solicitante. Afinal, dinheiro não tem carimbo, não é mesmo?
Para entender o raciocínio, suponha-se, na escala mais simples, que um cidadão tenha dois projetos em vista: construir uma casa ou passar um ano viajando pelo exterior. Admitindo que só tenha recursos para efetivar uma das duas opções, nosso cidadão está decidido pela priorização da casa própria. Nisto, surge a possibilidade de um financiamento público em condições atrativas, desde que o projeto apresentado seja "prioritário". O que faz nosso cidadão hipotético? Ele apresenta, à agência do governo, o projeto da casa própria (nada mais prioritário!), que seria materializado de qualquer modo com os recursos preexistentes, e viabiliza, com os novos recursos, a sua viagem ao exterior. Isto se não pegar o dinheiro, com uma mão, e, com a outra, aplicar imediatamente no mercado financeiro a juros mais altos (alternativa sempre existente). O beneficiário do crédito ficará satisfeito, o banco oficial também e todos nós, ludibriados. Registre-se que o entendimento deste processo tirou de moda a criação de Bancos de Desenvolvimento, pelo menos no âmbito acadêmico.
É certo que, quando de sua criação, em meados do século passado, o BNDES tinha fortes argumentos em sua defesa. Nosso mercado de capitais era praticamente inexistente, nossas empresas não tinham acesso ao mercado internacional de crédito de longo prazo e era importante criar uma cultura de avaliação e acompanhamento de projetos, principalmente na esfera pública. Hoje, estas condições não mais se verificam. Se uma empresa é boa e tem bons projetos, não precisa do BNDES. Se é ruim e seus projetos são ruins, é o BNDES que não deve apoiá-la. Se é ruim, mas tem perspectivas de salvação, caberá a empresas de "venture capital", que têm competência para tal, reestruturá-la para levá-la adiante.
Neste novo mundo econômico de grande sofisticação e agilidade do mercado de capitais, mesmo sem falar dos efeitos maléficos da "bolsa empresário" sobre a distribuição da renda, nem da cooptação política de empresários por governantes de plantão, caberia ao BNDES programar-se para, eventualmente, deixar de existir.

Rubens F. Novais ´economista, foi diretor do BNDES e presidente do Sebrae

sábado, 7 de agosto de 2010

Uma pequena licao de politica monetaria - Rubem de Freitas Novaes

ALERTA MONETÁRIO
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 05/10/2004

Money matters
Milton Friedman

Pela importância da Teoria Monetária, é pouco e insuficiente o conhecimento dos diversos agentes econômicos sobre os seus principais aspectos. De início, cabem alguns comentários sobre os conceitos de moeda. A Base Monetária (High Powered Money) corresponde à emissão primária de moeda decorrente de déficits públicos, de operações de open market e/ou de acúmulo de reservas externas. Da Base Monetária chega-se ao conceito de M1 = Meios de Pagamento (Papel Moeda em Poder do Público + Depósitos à Vista nos Bancos) através de um mecanismo de multiplicação bancária que depende fundamentalmente dos recolhimentos compulsórios dos bancos junto ao Bacen. A partir de M1 derivam-se outros conceitos de moeda à medida que se agregam ativos financeiros com diferentes graus de liquidez (moneyness). Assim é que, para chegar ao conceito mais amplo de M4, adicionamos, aos tradicionais Meios de Pagamento, os Depósitos de Poupança, CDB`s, Letras de Câmbio e Imobiliárias, Quotas de Fundos de Renda Fixa e os Títulos Públicos Federais, Estaduais e Municipais mantidos pelo setor não-financeiro.

Aqui chegamos às primeiras questões importantes relativas à condução da política monetária: Que conceito usar? Qual das definições de moeda tem mais a ver com as flutuações da demanda agregada e, por conseguinte, com as variações do PIB nominal (PIB real + inflação)? Seguindo um passo adiante, perguntamos: Com que defasagem a moeda influencia o Produto? Terá esta defasagem constância no tempo, dependente que é da velocidade de circulação da moeda? Finalmente, e sem muita chance de obtenção de uma resposta precisa: Como se distribui o impacto da política monetária entre crescimento real e inflação?

Algumas destas questões fizeram com que diversos Bancos Centrais optassem por trabalhar dentro de regimes de metas de inflação, focados preferencialmente no controle das taxas básicas de juros, o que já foi motivo de análise em outro artigo (“Meta de inflação na encruzilhada”, O Estado de S. Paulo, 02/03/2003). Para a nossa análise presente, importa notar que, se as “zonas cinzentas” mostradas justificam cautelas no manejo das rédeas da política monetária, não justificam, entretanto, o grau de desconsideração que está havendo no acompanhamento dos principais agregados, como se moeda, de repente, não mais importasse. (Já repararam que a imprensa especializada do Brasil, com raras exceções, deixou de publicar os dados de expansão monetária e de crédito em suas séries estatísticas? A ausência destes indicadores até que se justificava quando o ritmo inflacionário mudava constantemente de patamares, tornando muito volátil a velocidade de circulação da moeda. Mas não se justifica hoje, quando a quase constância da inflação estabiliza o impacto monetário sobre a economia).

Não precisa ser formado na Universidade de Chicago para levar a moeda muito a sério. Algumas conclusões sobre o tema são aceitas por todos os economistas de ponta, oriundos das mais diferentes escolas. Vejamos, por exemplo, o que diz a respeito o professor Olivier Blanchard, ex Harvard e hoje no MIT, quando apresenta os consensos da profissão em seu livro-texto “Macroeconomia”: - “A política monetária afeta o produto real no curto-prazo, mas não no médio ou longo-prazo. Eventualmente, uma taxa maior de expansão monetária acaba por se traduzir, numa relação um por um, em maior taxa de inflação”. Segundo Blanchard, só não há consenso sobre a extensão do “curto-prazo”.

Pois bem, as estatísticas fornecidas pelo Bacen nos mostram que os indicadores monetários para o país estão crescendo a taxas anuais extremamente exageradas. No final de julho, M1 apresentava expansão anual, ponta a ponta, de 23% e M4 de 21%. O volume total de operações de crédito do sistema financeiro, imagem espelhada da evolução monetária, também em final de julho, apresentava crescimento anual de 17%. Estes dados, como não poderia deixar de ser, estão refletidos na forte expansão de demanda agregada hoje verificada.

É indiscutível que nossa economia necessitava de uma injeção de ânimo, após a estagnação de 2003. Mas há de se agir com cautela. Segundo nossos melhores especialistas, com a exceção honrosa do professor Delfim Netto (que acredita na possibilidade de substancial mudança no ânimo empreendedor de nosso empresariado privado), estamos hoje restritos, pela escassez de investimentos, a um crescimento sustentável não muito superior a 3% ao ano. Como não crescemos em 2003, podemos crescer até 6% este ano. Mas, a partir daí, a manutenção do ritmo atual esbarrará em muitos gargalos, inclusive infraestruturais. Dadas as limitações da oferta, uma expansão da moeda e do crédito próxima de 20% ao ano, se não for apenas pontual, comandará certamente uma inflação na casa dos dois dígitos.

Como vimos, de início, o controle monetário se dá fundamentalmente no controle da Base (emissão primária). Para agir, o governo terá de alargar ainda mais o seu superávit operacional, oferecer remuneração atrativa que evite a “monetização” da dívida pública (como a dívida pública tem ordem de grandeza dez vezes superior à da Base Monetária, basta 1% de monetização para expandir a moeda em cerca de 10%) e/ou postergar os planos porventura existentes de acumular reservas externas. O câmbio contido na faixa atual e uma fortíssima austeridade fiscal (leia-se: contenção de despesas correntes a ponto de praticamente eliminar o déficit nominal) podem aliviar o peso incidente sobre a política de financiamento da dívida pública. Caso contrário, o Bacen só poderá conduzir-nos a taxas responsáveis de crescimento monetário, praticando taxas muito altas de juros reais. Fica o alerta!

* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quatro maneiras de gastar o dinheiro - descubra a mais inteligente

A mais inteligente, obviamente, não é aquela que domina, predominantamente, no Brasil. Se você deduzir as razões, já terá bons motivos para fazer as boas escolhas nas próximas eleições...

COMBATENDO O MONSTRO LEVIATÃ
Rubem de Freitas Novaes*
O Estado de S. Paulo, 27/06/2004

O Professor Milton Friedman, detentor do Prêmio Nobel de Economia e emérito professor da Universidade de Chicago, tem-nos ensinado que, sob a ótica da origem e do destino, há quatro maneiras de movimentar dinheiro. Pode-se, numa primeira hipótese, usar recursos próprios para gastos em benefício próprio. Assim se dão as transações privadas realizadas em mercados livres. Neste caso, há o “olho-do-dono” garantindo a devida atenção, tanto para os gastos, como para a qualidade do que está sendo adquirido.

Numa segunda hipótese, recursos próprios seriam gastos em benefício de terceiros. É o caso, por exemplo, de presentes oferecidos. Haveria toda a preocupação com os custos, mas nem sempre se cuidaria com o mesmo denodo da mercadoria adquirida.

Outra situação ocorre quando recursos de terceiros são gastos em benefício de terceiros. É o caso típico da ação governamental quando o Estado simplesmente transfere fundos de um lado para o outro (o que acontece apenas em parte, já que a máquina estatal tem seus custos). Aqui, não são dedicados os cuidados devidos, nem para os gastos, nem para os benefícios que os justificariam.

A última hipótese, mais dramática, dá-se quando recursos de terceiros são usados em benefício próprio. Ocorre, por exemplo, quando a burocracia estatal encontra meios de utilizar os recursos do contribuinte para estabelecer vantagens corporativas, apropriando-se indevidamente de uma parcela significativa da renda nacional. Neste caso, configura-se uma situação conducente a todo tipo de abusos, já que o esforço de arrecadação será levado às últimas conseqüências com vista à maximização dos benefícios daqueles que estão encastelados no poder.

No Brasil de hoje, sem medo de errar, pode-se afirmar que cerca de 40% do PIB já é transacionado ineficientemente sob as duas últimas formas examinadas. Destaque-se que, segundo estudos do Banco Mundial, apenas 14% dos recursos destinados a Programas Sociais chegam efetivamente às mãos da população pobre. Também, estudos conduzidos pelo BNDES, no passado, mostraram que mais de 50% dos Programas Sociais de cunho paternalista desapareciam no custeio da burocracia, em perdas de mercadorias, em custos de transporte e na corrupção. Desperdícios e distorção de objetivos são a marca dos programas governamentais.

Errado está quem trabalha com a hipótese ingênua de que a ação governamental se dá fundamentalmente na busca do interesse público. Hoje, explica-se muito melhor a performance dos governos admitindo-se que políticos e burocratas cuidam prioritariamente de garantir vantagens particulares. Segundo a “Teoria da Escolha Pública” (James Buchanan e Gordon Tullock), de aceitação generalizada, indivíduos, grupos ou setores organizados valem-se da legislação e dos programas governamentais para fazer prevalecer seus interesses específicos, os mais egoístas. Como os benefícios para a burocracia, para a classe política e para os diversos grupos de pressão são palpáveis e imediatos, diferentemente dos custos de seu financiamento, que se dispersam por milhões de contribuintes não organizados para a defesa de seus interesses, surge o efeito orçamentário assimétrico que faz crescer descontroladamente os tentáculos do monstro estatal.

O fenômeno da expansão dos orçamentos públicos, como fatia da renda nacional, tem sido suficientemente mostrado e nossos empresários amiúde apontam para as dificuldades de competir neste mundo globalizado, quando outros países, assemelhados ao nosso, impõem carga tributária ao setor privado equivalente à metade da nossa. Se aqui campeiam a informalidade, a pirataria e o contrabando, não é porque nosso caráter seja pior que o de outros povos. Mas, sim, porque há toda uma indução para jogar a atividade empresarial na chamada economia submersa, longe dos olhos da burocracia estatal.

Mais recentemente, passamos a tomar ciência de uma distorção ainda mais séria: em escala crescente, confundem-se os interesses do Partido dominante com os do Governo; e deste com o Estado. E os mais graduados funcionários públicos cuidam de defender ferozmente interesses de classe a ponto de José Nêumanne (Estadão, 16/06/2004) chamar nosso país de “República-sindicato”, onde pretensos representantes do povo agem como “dirigentes sindicais reivindicando poderes e regalias em proveito deles próprios”.

Parece que a Sociedade está, pouco a pouco, tomando plena consciência dos perigos em jogo. Afinal, não são poucos os artigos e editoriais na imprensa alertando para a voracidade fiscal de nossos governantes e para os riscos do “aparelhamento” do Estado. Faltam agora surgir lideranças políticas que, abraçando as teses efetivamente liberais, nos permitam lutar em condições de êxito contra o monstro Leviatã.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE

domingo, 2 de maio de 2010

Uma pequena grande aula sobre o mercado

A "aula", na verdade um artigo de jornal, é de 2002, mas permanece atual. Aliás, seria atual mesmo se estivéssemos em 2.500 antes de Cristo, ou se fossemos projetos para 3.500AD, ou seja, ela é intemporal, e se trata apenas e simplesmente de uma aula de economia elementar...

O MERCADO
Mas o que é o mercado?

Rubem de Freitas Novaes *
Valor Econômico, 28/08/2002

Em reunião recente com empresários, o candidato Ciro Gomes declarou estar se “lixando” para o Mercado, para delírio de seus novos seguidores de esquerda. Lula, e o seu PT, bem como Serra e Garotinho, também não morrem de amores por este ente abstrato. A “marcação a mercado”, regra de valoração de ativos, passou a ser sinônimo de prejuízo nos fundos de investimento. Ancelmo Góis, conhecido colunista, define mercado como “um ser nervoso, meio canalha, que frita países no óleo como se fossem pastéis”. Pois bem, mercado agora é expressão maldita (quase tanto como FMI), catalisadora de ódios e frustrações.

A que exatamente estava se referindo o candidato Ciro e o que passa pela cabeça da maioria das pessoas quando a imprensa fala, cotidianamente, do “Mercado” e de suas reações aos diversos fatos políticos e econômicos? (Consta que, somente neste ano, a palavra foi publicada, em O Globo e na Folha de S. Paulo, mais de 15 mil vezes).

Parece-me que o que fica no imaginário das pessoas é a cena de um conjunto de economistas engravatados, pertencentes a instituições financeiras (muitas delas estrangeiras), recém formados em boas universidades americanas, todos repetindo na mídia, em atitude de auto-defesa, os mesmos argumentos e previsões. Somam-se a esta cena a dos operadores frenéticos, berrando ordens de compra e venda nas Bolsas e a dos “traders”, nervosos em suas mesas, agarrados simultaneamente a dois telefones e atentos à tela do computador, recheada de cotações e notícias de todo o mundo.

Amigos, Mercado não é nada disto! Mercado é Gerdau e Antônio Ermírio. É o quitandeiro da esquina e o dono da vendinha na favela. É o pequeno produtor rural e o barqueiro que vende mercadorias no mais longínquo rio no interior da Amazônia. É a empregada doméstica e o mecânico de automóveis. Mercado somos todos nós quando tomamos nossas decisões de onde trabalhar, o que produzir e o que comprar e vender. O mercado financeiro também é Mercado, mas apenas uma parte dele. E não se esqueçam que por trás daqueles rapazes agitados, dando ordens nas Bolsas, existe a figura e a vontade dos clientes, que tomam decisões pensadas, muitas vezes fruto de discussões em órgãos colegiados, formados por profissionais experientes e ponderados.

Nesta hora de tanta confusão convém recordar Milton Friedman, que costumava ministrar o curso Price Theory I, para os alunos pós-graduados da Universidade de Chicago. Suas aulas, pelo interesse que geravam, inclusive para estudantes de outras disciplinas, tinham que ser oferecidas em um auditório. Mesmo os que dele discordavam tinham por ele o respeito reverencial comum a quem está diante de um grande pensador. Curiosamente, ele entrava, para a sua primeira aula, exibindo um simples lápis nas mãos.

- Sabem de onde vem a madeira deste lápis? , perguntava.
- Das florestas canadenses, respondia.

- E a grafite?
- De minas africanas.

- E a borracha?
- Da Malásia.

- E o aço que envolve a borracha?
- Do Brasil.

Pois bem, dizia ele, estes produtos, vindos de diferentes e distantes partes do mundo, sofreram beneficiamentos, foram transportados e se juntaram em algum lugar, onde alguma empresa, com algum trabalho, os transformou num lápis. Qualquer de nós, em qualquer lugar do mundo, pode ir ao comércio da esquina e adquirir, por uns míseros centavos, um lápis como este. Vocês já pararam para refletir sobre isto? Concluía.

Não precisava dizer mais nada! Imaginem tentar substituir este processo descrito, que é o mais simples possível numa economia capitalista, por decisões centralizadas. Principalmente em países, como o nosso, reconhecidamente ineficientes em seus serviços públicos.

No nosso dia a dia nos deparamos com milhares de situações e opções sobre as quais não refletimos convenientemente. Damos tudo por certo, garantido, esquecendo os méritos de quem ou do que nos propiciou estas inúmeras possibilidades de escolha. É óbvio que o sistema de produção e comércio, fundado em decisões voluntárias (sistema de mercado), tem falhas e requer correções, aqui e ali (não esquecendo que o governo também é imperfeito em suas intervenções). Mas, se pararmos para pensar na sua complexidade e, ao mesmo tempo, na simplicidade de suas soluções, nunca mais daremos ao termo mercado uma conotação pejorativa.

Retornando ao mercado financeiro, que parece ser o foco principal dos candidatos, é preciso saber melhor, daqui por diante, o significado exato de “acabar com a ciranda financeira”, “eliminar a agiotagem” ou expressões similares, tão usadas em campanha. Será acabar com o financiamento da dívida pública por meios voluntários? Será terminar com o mecanismo livre pelo qual se recolhe a poupança de uns para emprestar a outros, que está na essência do sistema bancário? Ou será, como propôs o professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ e antigo militante do PT, intervir nos Bancos, no dia seguinte à posse, com verdadeira tropa de choque (Polícia Federal, Receita, Bacen etc.), “para impedir que a liberalização financeira continue a promover o tráfico de drogas e armas além de instabilidade e crise”?

O professor José Scheinkman, da Universidade de Princeton, acaba de aceitar a responsabilidade de assessorar o candidato Ciro Gomes na feitura de seu programa governamental. Espero que Scheinkman, com quem convivi no ambiente acadêmico de Chicago e que tantas estórias ouviu, como essa do lápis de Friedman, possa , agora que está envolvido na campanha presidencial, lançar suas luzes sobre o assunto e difundir tranqüilidade.

* O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado na Universidade de Chicago.