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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Índia: a tragédia da Covid-19 ameaça convertê-la numa nova Peste Negra

 A pandemia parece ter fugido ao controle na Índia: seria uma reprodução da Peste Negra do século XIV? Provavelmente...

Paulo Roberto de Almeida

Covid na Índia: por que a tragédia da pandemia no país asiático ameaça o mundo todo

"Nunca vi uma situação tão assustadora. Não posso acreditar que estamos na capital da Índia", diz Jayant Malhotra à BBC. "As pessoas não estão recebendo oxigênio e estão morrendo como animais."

Malhotra tem ajudado em um crematório na capital da Índia, Delhi, onde hospitais estão sofrendo com uma onda sem precedentes de infecções por coronavírus.

O país registrou um recorde global de novos casos pelo quinto dia consecutivo. Foram 320 mil novos casos de infecção nesta terça (27) e o número de mortos se aproxima de 200 mil.

Enquanto a Índia sofre com esse surto - semelhante ao que o Brasil passou e ainda passa -, China, Estados Unidos, grande parte da Europa Ocidental e partes da África e sudeste da Ásia registraram mortes em declínio nas duas semanas anteriores a 25 de abril.

Alguns países estão suspendendo as restrições de circulação - a União Europeia até sugeriu autorizar que os americanos vacinados possam viajar para a Europa neste verão.

Mas será que a piora da situação na Índia pode se tornar um grande problema para todo o mundo?

Qual é o tamanho da crise da covid da Índia?

Em fevereiro, com mortes por dia na casa das centenas e casos em torno de 12 mil, muitos na Índia estavam esperançosos de que o país havia escapado do pior da pandemia.

Mas o país tem relatado mais de 200 mil novos casos de covid-19 diariamente desde 17 de abril - muito além do pico anterior de 93 mil casos por dia em setembro do ano passado.

As mortes também têm aumentado - uma média de 2.336 pessoas morreram na Índia por dia na semana até 25 de abril - o dobro do número durante o pico da primeira onda. No Brasil, com uma população menor que a da Índia, a média diária da mesma semana foi 2.465, segundo dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde).

Para o repórter especialista em ciência e saúde da BBC James Gallagher, a Índia está "batalhando". "O medo palpável me lembra do início da pandemia, quando o coronavírus ainda era uma entidade desconhecida. A covid pode ser letal mesmo com cuidados médicos perfeitos, mas quando os hospitais ficam sobrecarregados, as vidas que poderiam ter sido salvas são perdidas."

A situação é particularmente terrível em Delhi, onde não há mais leitos de UTI.

Muitos hospitais estão recusando novos pacientes e pelo menos dois viram pacientes morrerem depois que o suprimento de oxigênio acabou.

Parentes de pessoas doentes estão apelando nas redes sociais por vagas em hospitais, suprimentos de oxigênio e máquinas de ventilação mecânica.

Para complicar a resposta ao surto, os laboratórios também estão sobrecarregados e estão demorando até três dias para devolver os resultados dos testes de covid.

Os crematórios, por sua vez, estão funcionando 24 horas por dia.

Cenas semelhantes estão ocorrendo em outras grandes cidades. No total, a Índia confirmou quase 17 milhões de infecções e 192 mil mortes.

Mas é altamente provável que esses números subestimem as infecções e mortes.

A enorme população do país e seus problemas logísticos tornam muito difícil fazer o teste de covid ou registrar com precisão as mortes, tornando muito mais desafiador saber a escala exata da crise na Índia do que na Europa ou nos EUA, por exemplo.

O quão ruim pode ficar?

"Infelizmente, nas próximas semanas a situação vai piorar significativamente", adverte Gallagher.

A Índia espera vacinar 250 milhões de pessoas até julho

"Uma lição, aprendida uma e outra vez, é que um aumento nos casos leva a um aumento nas mortes algumas semanas depois", diz ele

"Mesmo se a Índia pudesse impedir a propagação do vírus, as mortes continuariam a aumentar exponencialmente, pois muitas pessoas já foram infectadas. Claro, não há sinal de que as infecções estão se estabilizando - até onde os casos continuarão a subir dependerá do sucesso dos lockdowns e do ritmo da imunização."

É importante registrar que a Índia ainda não tem o maior número de casos nem mortes - os EUA tiveram até agora 32 milhões de casos e 572 mil mortes, de acordo com dados compilados pelo Centro de Recursos Coronavírus Johns Hopkins na segunda-feira (26 de abril). O Brasil registra mais de 14 milhões de casos e 391 mil mortes.

A Índia tampouco está no topo da lista de casos ou mortes por milhão de habitantes - grande parte da Europa e da América Latina está relatando números muito maiores.

Mas é o tamanho da população na Índia e o aumento dramático de casos e mortes que estão causando tanta preocupação.

"Nunca vimos uma situação como esta, em que o sistema de saúde não seja capaz de lidar com o peso dos números atuais e haja, no fundo, um aumento acentuado e contínuo de novos casos", Gautam Menon, professor de física e biologia e especialista na modelagem de doenças infecciosas, disse à BBC.

Quando os serviços de saúde entram em colapso, as pessoas morrem por todas as causas em um número muito maior - mortes que não se refletem nas estatísticas do coronavírus.

Além disso, as operadoras de saúde na Índia também têm desafios muito maiores para cobrir sua vasta população e muitos indianos não têm acesso a nenhum serviço de saúde.

O que isso significa para o resto do mundo?

A pandemia é uma ameaça global.

Desde os primeiros dias, cientistas e especialistas em saúde rastrearam a infecção por coronavírus movendo-se de um país para outro, impulsionada por viagens aéreas e uma economia mundial altamente globalizada.

As fronteiras nacionais têm representado até agora uma barreira muito limitada à propagação, e é impraticável - senão impossível - impor proibições de viagens e fechar fronteiras indefinidamente.

Portanto, o que acontece na Índia certamente terá repercussões por outros países, especialmente porque o país tem a maior diáspora do mundo. Além disso, o descontrole de infecções pode levar ao surgimento de variantes que, potencialmente, podem resistir a vacinas.

"A pandemia nos ensinou que o problema de um país é problema de todos", acrescenta James Gallagher.

"O coronavírus foi detectado pela primeira vez em uma cidade na China, agora está em todos os lugares. O número recorde de casos na Índia pode se espalhar para outros países, razão pela qual muitos introduziram restrições de viagem, e altos níveis de infecção são um terreno fértil para novas variantes do vírus."

Uma nova ameaça nasceu na Índia?

E as condições na Índia podem ser uma notícia muito ruim para a luta global contra a covid-19.

"A alta população e densidade da Índia é uma incubadora perfeita para este vírus experimentar mutações", diz Ravi Gupta, professor de microbiologia clínica da Universidade de Cambridge.

Se o vírus tiver tempo para sofrer mutação em tais condições ideais, isso poderá prolongar e aumentar a gravidade da pandemia em todo o mundo.

"Quanto mais oportunidades o vírus tiver de sofrer mutação, maior será a probabilidade de encontrar uma maneira de infectar até mesmo as pessoas que foram vacinadas", acrescenta James Gallagher.

Novas variantes do vírus do Reino Unido, Brasil e África do Sul já causaram problemas durante esta pandemia, se espalhando pelo mundo, e o professor Menon alerta para novas variantes na Índia.

"Sabe-se que alguns deles estão associados a regiões da proteína spike que permitem que os vírus se fixem melhor às células e reduzem a ligação de anticorpos", disse ele.

"É impossível limitar a disseminação de variantes. A variante B.1.617 (que foi identificada pela primeira vez na Índia) já foi vista em vários países fora da Índia, provavelmente como resultado da importação."

O professor Menon avisa que os vírus continuarão a sofrer mutações e evoluirão para escapar da imunidade que uma infecção anterior ou vacinação pode proporcionar.

A questão agora é quão rápido isso pode acontecer.

"Sabemos que o SARS-CoV-2 pode sofrer mutação para alcançar mais transmissibilidade, a partir de nossa observação das múltiplas variantes em todo o mundo. Até agora, acreditamos que as vacinas ainda devem permanecer eficazes contra essas novas variantes, mas isso pode mudar no futuro."

Como a Índia (e o resto do mundo) pode impedir essa propagação?

Esforços internacionais estão em andamento para ajudar a Índia a administrar sua escassez crítica de oxigênio e o aumento devastador de casos da covid-19.

O Reino Unido começou a enviar ventiladores e dispositivos concentradores de oxigênio e os EUA estão suspendendo a proibição de envio de matérias-primas ao exterior, permitindo que a Índia produza mais da vacina AstraZeneca.

Vários países também estão se oferecendo para enviar equipes médicas e EPIs para ajudar.

O governo indiano aprovou planos para mais de 500 usinas de geração de oxigênio em todo o país para aumentar o abastecimento.

Mas essas são medidas para tentar prevenir mortes, não infecções. O que o mundo precisa é de um aumento dramático na capacidade da Índia de vacinar sua população e prevenir a propagação do vírus.

O país pode ter tido motivos para ter esperança no início da pandemia - quando se trata de fabricação de vacinas, o país é uma potência.

Ele administra um programa de imunização massivo, fabrica 60% das vacinas do mundo e abriga meia dúzia de grandes fabricantes.

Mas "um programa de vacinação de adultos em grande escala contra um patógeno virulento como o SARS-Cov2, o vírus que causa a covid-19, está apresentando desafios sem precedentes", de acordo com o correspondente da BBC Índia Soutik Biswas.

A campanha de vacinação da Índia, a maior do mundo, começou em 16 de janeiro e visa cobrir 250 milhões de pessoas até julho. Até ao momento, acredita-se que "apenas" cerca de 118 milhões de pessoas receberam a primeira dose. Isso representa menos de 9% da população.

Inicialmente limitada a profissionais de saúde e pessoal da linha de frente, a vacinação foi estendida em etapas para pessoas com mais de 45 anos.

Mas a escala da tarefa de imunizar uma população tão grande e os problemas logísticos e de infraestrutura que o país apresenta estão complicando a implementação.

Especialistas dizem que a campanha de vacinação precisa acelerar muito mais para atingir sua meta.

"Não está claro se o país tem vacinas e capacidade estadual suficientes para acelerar a movimentação e expandir a cobertura para incluir os jovens", diz Biswas.

Até que uma população tão grande seja vacinada com sucesso, as infecções no país representarão um risco para o mundo inteiro.

"O problema de doenças infecciosas como a covid-19 não é problema de uma única nação ou mesmo de um pequeno grupo de nações. É verdadeiramente global em suas implicações", diz o professor Menon.

"Precisamos de mais cooperação internacional em testes, vacinas e pesquisas para o bem maior do mundo."

Como as autoridades de saúde pública e os políticos têm dito desde os primeiros dias da pandemia, "ninguém está seguro até que todos estejam seguros".

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56900334


Carência de vacinas: entre o Brasil e a Índia, os EUA ficam com esta, diz Ricupero (Valor)

 EUA tendem a privilegiar Índia e não Brasil ao doar vacinas, diz Ricupero

Embaixador e conselheiro emérito do Cebri diz na Live do Valor que Brasil tem chances, mas "governo não ajuda", enquanto Índia é considerada estratégica pelos americanos

Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio

27/04/2021 12h57  Atualizado há 59 minutos

O embaixador e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rubens Ricupero, afirma que o Brasil tem chances, mas está muito mal posicionado para receber excedente de vacinas contra covid-19 a ser doado pelos Estados Unidos. "O governo não ajuda", resume o diplomata, que já atuou em Washington. Ricupero analisou o cenário na Live do Valor desta terça-feira.

Ricupero afirma que há muito pouco excedente de vacinas no mundo, a maior parte restrita aos Estados Unidos, além de volumes pouco significativos em países menores, como Israel e Emirados Árabes Unidos.

"O que há de excedente de vacinas no mundo é muito pouco. Mesmo nos Estados Unidos, o que há de concreto são 10 milhões de doses da AstraZeneca. O resto [outras 50 milhões de doses] são estimativas de produção futura, de maio e junho", diz. Na visão do embaixador, no entanto, a doação de imunizantes pelos EUA é movimento em "franca evolução".

"Os americanos resistiram muito à ideia de exportar vacina enquanto toda a sua população não fosse vacinada. Mas agora isso mudou, embora ainda não esteja muito claro como vai acontecer. No início deram a impressão de que privilegiariam o consórcio Covax Facility, da OMS. Agora devem usar isso como instrumento de influência diplomática direta", diz Ricupero. Para ele, os EUA devem aderir à noção de diplomacia da vacina, praticada desde o início da crise por nações como China e Índia.

A Índia, que permitiu exportação de vacinas prontas e insumos no início, teria se arrependido com o agravamento da crise e registros diários de 350 mil novos casos de covid-19. O país, na visão de Ricupero, será o principal beneficiário das doações norte-americanas.

"Os Estados Unidos devem privilegiar a Índia na doação de vacinas. Essa preferência tem componente de geoestratégia", diz o diplomata ao citar a aliança dos EUA com Índia, Japão e Austrália, com quem formam o Grupo Quad (quadrilátero) na região do indo-pacífico a fim de fazer frente à China. "Já o Brasil não tem tanta importância estratégica e isso pesa", afirma Ricupero.

Mesmo assim, ele acredita que o Brasil tem chances por razões estruturais, embora tenha dinamitado o "componente de simpatia". "O Brasil é um país do hemisfério ocidental, tem relações fortes e históricas com os EUA e se qualifica pela dimensão do desastre sanitário. Mas o governo não ajuda."

Ricupero menciona, ainda, que o Brasil pode comprar ou permutar vacinas com os EUA diferentemente de países mais pobres, como os africanos. A estratégia já teria sido vocalizada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mantém contato com autoridades americanas e já teria dado como opção o pagamento ou adiantamento de doses a serem repostas posteriormente com o avanço da produção brasileira para uso diplomático dos EUA.

A entrevista, conduzida pelas repórteres Marsílea Gombata, da editoria Internacional, Daniela Chiaretti, especial de meio ambiente, do Valor em São Paulo, pode ser assistida na íntegra pelo site e pelas páginas do Valor no YouTube e no LinkedIn.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/04/27/eua-devem-privilegiar-india-ao-doar-vacinas-brasil-esta-mal-posicionado-diz-ricupero.ghtml


Chanceler acidental bombando, na denúncia de suas falcatruas e mentiras como suposto balanço - Academia.edu de Paulo Roberto de Almeida

 Sucesso, não exatamente do patético chanceler acidental, mas de minha denúncia de seu balanço mequetrefe, cheio de mentiras e justificativas delirantes.

Estas são as estatísticas de downloads de trabalhos meus ou postados por mim na plataforma Academia.edu nos últimos 30 dias: 

 

Title

30 Day Views

30 Day Uniques

3889) Balanco de uma gestao catastrofica: a Era dos Absurdos no Itamaraty (2021)

383

316

Jose Guilherme Merquior: um Intelectual Brasileiro (2021)

167

124

O Itamaraty na Cultura Brasileira (2001)

163

115

Um Ornitorrinco no Itamaraty: cronicas do Itamaraty bolsolavista - Ereto da Brocha (2020)

137

102

A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos

136

104

Especulacoes sobre a evolucao da ordem global do seculo XXI, a luz do Direito Internacional e da Politica Mundial (2021)

87

72

 


terça-feira, 27 de abril de 2021

A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano - Paulo Roberto de Almeida

 A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano

 

Paulo Roberto de Almeida

Professor de Economia Política no Uniceub

 

 

O desenvolvimentismo parece ter sido a doença infantil do processo latino-americano de desenvolvimento numa determinada etapa de sua história. Propagado pela Comissão Econômica para a América Latina, da ONU, desde a segunda metade dos anos 1940, ele se consagrou como a ideologia básica da CEPAL na década seguinte e persistiu como uma espécie de fantasma a pairar sobre as faculdades latino-americanas de economia durante a maior parte das décadas seguintes, mesmo se seus supostos méritos foram postos à prova durante boa parte do último terço do século XX, tendo sido praticamente dissolvido no ecletismo do aperfeiçoamento teórico e metodológico dessas faculdades em tempos mais recentes.

O desenvolvimento, como processo de transformação social e econômica, pode ser aferido com base em dados objetivos, de crescimento e distribuição de seus resultados; já o desenvolvimentismo é um conceito totalmente político, para não dizer uma ideologia. O desenvolvimentismo, como ideologia, está claramente ligado à vertente cepaliana do keynesianismo aplicado na América Latina a partir dos trabalhos de Raul Prebisch na CEPAL.

No seguimento dos trabalhos de Raul Prebisch, na CEPAL, desde o início dos anos 1950, muitos autores partiam do pressuposto de que as políticas teriam de ser necessariamente desenvolvimentistas, de forma apriorística, sem qualquer fundamentação nos dados econômicos e sem qualquer avaliação isenta dos resultados das políticas implementadas. Na verdade, o que se tinha era um processo de substituição de importações, que não é exclusivo da experiência latino-americana, e sim está presente em todas as demais experiências de industrialização, com exceção da original.

Desenvolvimentismo era um conceito de natureza política, inteiramente dependente de como cientistas políticos ou economistas do desenvolvimento manipulavam esse conceito. O historiador econômico, por sua vez, pode no máximo examinar como certas políticas contribuíram, ou não, para um processo de desenvolvimento sustentado, e a isto deveria se resumir seu trabalho de caráter histórico; o conceito em si, porém, não possui qualquer historicidade, e sim o processo real, que precisa ser examinado com base em dados objetivos, não em afirmações.

A rigor, o único processo histórico induzido por um Estado desenvolvimentista explícito foi a construção industrial realizada sob o stalinismo; todas as experiências asiáticas ou latino-americanas foram realizadas pelo setor privado, com o benefício eventual de políticas públicas, geralmente de caráter protecionista ou realizando investimentos setoriais e em infraestrutura. O Brasil, por exemplo, durante 4/5 de sua história econômica, teve seu crescimento sustentado a partir de fora, como fornecedor de produtos primários. Mas, a partir de certo momento, passou-se a privilegiar o mercado interno, e houve crescimento, que por sua vez deixou o Brasil numa situação de total disparidade em relação às médias mundiais relativas a coeficientes de abertura externa, o que é claramente negativo para o seu processo de crescimento, e mais ainda de desenvolvimento.

A América Latina poderia ter se industrializado mesmo na ausência de políticas ativas por parte dos respectivos Estados nacionais, da mesma forma como a Ásia, pois a industrialização corresponde a um processo de diversificação econômica que se reproduz de modos distintos em diferentes contextos societais. O papel do Estado no caso da AL e da Ásia tem sido sobrevalorizado indevidamente, fazendo dele o centro do processo, quando ele é um autor relevante, mas não indispensável. Aliás, a América Latina já vinha se industrializando antes da era das políticas ativas, como a Europa periférica por sinal.

Para vários autores adeptos da ideologia, só o Estado seria capaz, ou teria o dever, de arbitrar estímulos e compensações entre classes e setores da sociedade, sejam estas de que natureza forem; não se concebe que o próprio processo histórico, ou mecanismos de mercado possam ir acomodando diferenças de poder político e econômico, ou alterações patrimoniais, que sempre refletem a estrutura do processo produtivo, com determinadas categorias de produtores ficando mais ricos do que outros, e acumulando poder, portanto; talvez tenha sido o caso da Alemanha e do Japão, para ficar nos casos clássicos, mas provavelmente não foi o caso pioneiro da Grã-Bretanha e logo em seguida dos EUA. Muitos autores assumem a premissa de que esse processo tem que ser guiado por um propósito determinado, e não se pode aceitar a ideia da espontaneidade do processo histórico, que parece ter sido o caso inglês. O Estado é sempre capturado por interesses políticos, sociais e econômicos de determinados grupos que se organizam para conquistar e manter o poder político, ou seja, o governo.

Mas, a história mundial das experiências de industrialização, ou de desenvolvimento, é muito mais diversa do que a suposição de que apenas a regulação estatal de políticas industriais pode superar um suposto atraso, que é sempre relativo. Um economista americano de origem russa, Alexander Gerschenkron, formulou hipóteses bastante interessantes sobre as “vantagens do atraso”, ou seja, o fato que os países retardatários não precisam reproduzir todo o processo dos itinerários originais, e podem partir da tecnologia mais avançada, já disponível quando eles começam seu próprio itinerário de industrialização.

Vários outros exemplos podem ser examinados. Quais são eles? Se conhece a Alemanha do século XIX, o Japão no século XIX, a Coreia a partir dos anos 1960, e o próprio Brasil dos anos do regime militar. No período recente, tivemos mais dois exemplos de impulsos industrializadores mesmo na ausência de uma ideologia desenvolvimentista. Os dois maiores países que parecem se converter em locomotivas do crescimento, a China e a Índia, exibem taxas robustas de crescimento não como um presente do Estado, mas justamente porque se inseriram nas grandes redes produtivas da globalização capitalista, por terem feito reformas internas no sentido pró-mercado, por atraírem investimentos estrangeiros e por terem capitalistas nacionais que se lançam na competição internacional.

Em síntese, não existe um Estado desenvolvimentista, a não ser no discurso dos sociólogos. O que existe são políticas ditas desenvolvimentistas impulsionadas por certos governos durante certo tempo, mas mesmo essa caracterização é enganosa, pois o que existe, de fato, são políticas intervencionistas do governo na economia; se elas são, ou foram, desenvolvimentistas, isto só poderá ser visto ex-post. As fracassadas não entram na categoria, a despeito de terem sido exatamente iguais a outras que frutificaram e receberam essa caracterização; aí é preciso ver quais as fontes reais de crescimento, pois sem ele não existe desenvolvimentismo, e saber se houve políticas coerentes nesse sentido; as experiências bem sucedidas de industrialização da Alemanha no século XIX e do Japão no início do século XX podem ser chamadas de desenvolvimentistas? E as da Coreia a partir dos anos 1960? Certamente as da América Latina, a partir dos anos 1950 entram nessa categoria, mais por autodenominação do que por resultados efetivos, pois parece que a América Latina falhou miseravelmente em seus objetivos, a despeito mesmo de processos dinâmicos de desenvolvimento industrial; olhando a economia mundial, a participação da América Latina no comércio mundial de manufaturas, não apenas é medíocre, como recua ao longo das últimas 4 décadas, com a Ásia Pacífico tomando claramente o lugar da América Latina. Isso é desenvolvimentismo? Se for, foi completamente fracassado e frustrado.

Os países avançados, na verdade, sempre tiveram taxas mais modestas de crescimento, o que é absolutamente natural; taxas mais vigorosas só em países emergentes, a partir da segunda metade do século XX, e alguns deles tiveram comportamento errático nessa área, o que é claramente o caso da América Latina, e do Brasil; e isso não tem nada a ver com o liberalismo, pois as crises ocorreram também em governos tidos por desenvolvimentistas. Mas as políticas nacionais de desenvolvimento industrial são completamente diferentes umas das outras: as bases do crescimento da China são completamente diferentes das da Coreia, assim como ambas são diferentes das que foram seguidas na América Latina. No caso do Brasil, TODOS os seus governos, desde a primeira era Vargas, e mesmo antes, tiveram políticas industriais, geralmente de protecionismo aberto, de mercantilismo, de câmbio favorável, e de subsídios a perder de vista, todos! Algumas dessas políticas foram bem sucedidas, outras não.

Em conclusão, o desenvolvimentismo NUNCA foi objeto de um debate relevante na história econômica do século XX; no máximo foi uma construção cepaliana, ou prebischiana, que agitou as mentes de sociólogos, mais do que de economistas, da América Latina. Mas seus resultados efetivos, antes e agora, parecem ter sido frustrantes. Quais são os grandes exemplos de desenvolvimento rápido em função de tal ideologia? Quais os países que mais cresceram nos últimos 20 ou 30 anos? Eles o fizeram por força de ideias e políticas desenvolvimentistas? Duvidoso. Um dos países que mais cresceu desde os anos 1990, e que ingressou no “clube dos ricos”, a OCDE, foi o Chile. Ele o fez por políticas desenvolvimentistas? Depende do que se entende por políticas desenvolvimentistas. O Chile parece ter aderido às formulações da escola liberal de Chicago, mas mesmo isso é questionável. O que ele fez foi aproveitar suas vantagens comparativas para inserir-se no comércio internacional, algo que o velho mestre Eugênio Gudin preconizava para o Brasil desde os anos 1940. Mas, esta é uma história que precisa ser contada em outro contexto e em outra oportunidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27 de abril de 2021

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Relacoes econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil na longa duração: 200 anos de história (2021) - Paulo Roberto de Almeida

 Aos interessados na minha palestra, podem acessar a íntegra aqui:  

Palestra "Relações econômicas externas e inserção econômica interna...O Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília promoveu em 26/04/2021 palestra proferida pelo Embaixador e Professor Paulo Roberto de Almeida, sob o...youtube.com



Relacoes econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil na longa duração: 200 anos de história (2021) - Paulo Roberto de Almeida

Apresentação em formato pdf:

https://www.academia.edu/47748934/3888_Relacoes_economicas_externas_e_insercao_economica_internacional_do_Brasil_na_longa_duracao_200_anos_de_historia_2021_

Palestra "Relações econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil"

Evento online 
26 de abril de 2021, 16h>18h 

Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília convida para a palestra a ser proferida pelo Embaixador e Professor Paulo Roberto de Almeida, sob o tema Relações Econômicas Externas e Inserção Econômica Internacional do Brasil: 200 anos de história

O evento foi transmitido por meio da Plataforma Sympla Streaming (Zoom) no dia 26/04/2021, a partir das 16:00h. 

Tópicos da Conferência:

  • Estruturas econômicas ao final do regime colonial e ao início da independência
  • A lenta construção de uma economia nacional, preservado características históricas
  • Novas tendências no alvorecer da República: projeto industrializador nacionalista
  • Emergência do Estado promotor nas crises do entre guerras: dirigismo tecnocrático
  • O grande debate Simonsen-Gudin em 1944-45: derrota da teoria, vitória da prática
  • A industrialização substitutiva como projeto do Estado nacional: protecionismo
  • A modernização introvertida do regime militar: uma potência voltada para si mesma
  • A tímida abertura internacional da redemocratização: reformas parciais e erráticas
  • O desenvolvimentismo como obsessão nacional da política econômica externa
  • Impasses, contradições de um país industrializado para dentro: ajustes insuficientes
  • Os grandes desafios da inserção global do Brasil: projeto não partilhado pelas elites
  • A economia global, parcialmente interdependente, do século XXI e o Brasil: perspectivas

 Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e senior research fellow do Centro de Estudos Globais. Dono de uma vastíssima obra que versa sobre história da política externa e da economia brasileira e história internacional, tem dezenas de trabalhos publicados no Brasil e no exterior. É professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

Sobre o organizador

Centro de Estudos Globais - Universidade de Brasília

O Centro de Estudos Globais é um laboratório da Universidade de Brasília que reúne grupos de pesquisa avançada dedicados ao estudo, debate e investigação de excelência sobre os temas e questões das Relações Internacionais contemporâneas.

O ex-chanceler acidental pretende continuar mentindo - Fabio Zanini (FSP)

 O patético pior ministro das relações exteriores em 200 anos de história do Itamaraty não poderá mentir impunemente enquanto eu estiver atento.

Paulo Roberto de Almeida 

Após queda, Ernesto Araújo vira mártir da direita e é estimulado a se candidatar

Ex-ministro das Relações Exteriores estreita laços com olavistas e usa redes sociais para se defender

Fábio Zanini
Folha de S. Paulo, 24.abr.2021 às 23h15

SÃO PAULO- Nos pouco mais de dois anos em que esteve à frente do Itamaraty, Ernesto Araújo fez da oposição ao “globalismo” uma de suas marcas. Nas primeiras semanas depois de deixar o cargo, em 29 de março, agregou outro termo à sua lista de alvos: o “multilateralismo mágico”.

“O multilateralismo mágico é onde se diz ‘multilateralismo’ e pronto. Esse jogo não joguei”, escreveu em sua conta no Twitter, que recentemente passou de 800 mil seguidores. Já é mais popular que a de ex-colegas de governo como Onyx Lorenzoni (796 mil), Marcos Pontes (494 mil) e Ricardo Salles (461 mil).

A postagem recebeu diversos elogios de apoiadores, muitos expressando inconformismo com a saída de Ernesto do cargo, o que mostra sua crescente popularidade na base conservadora. Desde que retornou à planície do Itamaraty, após um longo processo de desgaste interno e com a opinião pública, Ernesto deu sinais de que não pretende desperdiçar o capital político que adquiriu junto à direita bolsonarista.

Passou a usar o Twitter para se defender das acusações de que teria negligenciado a compra de vacinas contra a Covid-19, principal fator que levou à sua queda. “Nunca houve uma crise de vacinas. A política externa que conduzi jamais acarretou problemas à vacinação. O que houve foi a armação de uma falsa narrativa, como parte da tentativa de extinguir a chama transformadora e popular do governo e retirar o Ministério das Relações Exteriores desse projeto”, escreveu ele, em 17 de abril.

Ernesto também retomou seu blog pessoal, o “Metapolítica”, em que escrevia posts que o cacifaram, em 2018, para ser escolhido chanceler. Em 10 de abril, publicou uma longa defesa de sua gestão.

Na última segunda-feira (19), ele foi anunciado como um dos participantes de uma superlive em homenagem ao escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo e da chamada “nova direita”.

Participaram integrantes da nata do olavismo, como o dono do canal Terça Livre, Allan dos Santos, o youtuber católico Bernardo Kuster e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Ernesto, no entanto, acabou cancelando a presença na última hora, devido, diz ele, a um imprevisto.

“O Ernesto é visto como um soldado fiel. Ele fez o que precisou ser feito, trabalhou na agenda do presidente e, na hora que precisou ser sacrificado, saiu quieto”, afirma Silvio Grimaldo, diretor-executivo do jornal conservador Brasil Sem Medo e responsável por conduzir a live dos olavistas.

As circunstâncias da queda do ex-ministro, diz Grimaldo, o tornaram um mártir entre os conservadores.

“Ele é muito querido, visto como um sujeito com as ideias corretas, e uma surpresa. Ninguém conhecia o Ernesto, ele apareceu e fez a política externa que todo mundo esperava. É um conservador puro sangue.”

Outro participante da live, o empresário e influenciador digital Leandro Ruschel diz que “a base conservadora entende que Ernesto é um sujeito que foi fiel aos seus princípios e acabou caindo por conta disso”. “Infelizmente, ele acabou sendo alvo do rolo compressor da esquerda global, que não tolera a possibilidade do Brasil ser uma nação soberana, liderando um movimento conservador”, afirma Ruschel.

Entre bolsonaristas em redes sociais, o nome de Ernesto como um possível nome na eleição do ano que vem passou a ser mencionado, numa articulação que envolveria também candidaturas como as dos ministros Damares Alves (Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), além do ex-titular da Educação Abraham Weintraub.

Ex-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) é um entusiasta da ideia. “Estamos precisando de bons senadores. Adoraria que ele saísse para senador, para pautar o impeachment dos ministros do STF [Supremo Tribunal Federal]. O Brasil ganharia muito com alguém com coragem, como o Ernesto”, afirma.

Para o deputado, o ex-chanceler foi alvo de uma conspiração capitaneada pelo PSDB. “Uma conspiração montada pelo Aécio [Neves, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara] e pelo Senado. Foi uma articulação espúria com o centrão, e as pessoas reconhecem isso”, diz.

Já Ruschel e Grimaldo avaliam que o ex-chanceler pode ser mais útil fora da política partidária. O influenciador digital vê em Ernesto um perfil de educador, o que, diz ele, "talvez ajudasse mais o movimento" caso se dedicasse a tal função. Para Grimaldo, o ex-ministro tem condições de ajudar a construir uma base conservadora sólida no país. “Hoje o movimento conservador é uma força eleitoral, mas não é uma força política. Consegue eleger candidatos, mas não consegue fazer pressão para colocar suas pautas para andar. O Ernesto, pela projeção que teve, pela clareza de ideias, tem a capacidade de pegar várias forças conservadoras no Brasil e articular debaixo de um guarda-chuva só”, afirma.

Procurado pela Folha para falar sobre sua militância conservadora e possível candidatura, o ex-ministro não respondeu ao pedido de entrevista. Ernesto está de férias até 30 de abril, lotado na Secretaria de Gestão Administrativa do Itamaraty, um posto burocrático e visto como transitório, até que o governo encontre um local adequado para ele no exterior.

Uma alternativa é o posto de representante brasileiro junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos, em Paris, cargo que não necessita de confirmação pelo Senado, Casa na qual o ex-ministro coleciona vários desafetos.

Segundo a legislação, Ernesto terá de se licenciar da carreira caso se candidate a cargo eletivo.

Procurada, a assessoria do Itamaraty afirmou que as manifestações políticas de Ernesto seguem o que determina a lei 11.440/06, conhecida como regime jurídico dos servidores do serviço exterior. No artigo 27, a regra afirma que manifestações públicas de servidores do ministério sobre política externa devem ter “anuência da autoridade competente”.

O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, afirma também que a regra deve ser seguida “à luz dos preceitos constitucionais de livre manifestação do pensamento”. Ou seja, Ernesto poderá seguir tuitando, blogando e participando de lives livremente, ao menos por enquanto.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/apos-queda-ernesto-vira-martir-da-direita-e-e-estimulado-a-se-candidatar.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw

Duas tragédias da pandemia: Brasil e Índia - Jamil Chade (UOL) e Paulo Roberto de Almeida

 Por mais triste que tenha sido a trajetória da Covid-19 no Brasil, sob o desgoverno inepto do capitão incompetente — que provocou muito mais mortes do que ocorreria “naturalmente” —, ela não é nada comparada ao que ainda vai ocorrer na triste e catastrófica experiência da Índia: haverá mortes às centenas de milhares, infelizmente, e isso vai perturbar o fornecimento de vacinas e insumos para o resto mundo, para o Brasil inclusive. Ou seja, uma tragédia magnificada!

Paulo Roberto de Almeida 


Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia

Jamil Chade
Colunista do UOL
26/04/2021 04h00

Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia
APRIL 26, 2021
A comunidade internacional se mobiliza para ajudar a Índia a superar seu pior momento da pandemia da covid-19, com a organização do envio de oxigênio, equipamentos, máscaras e até insumos para vacinas. A resposta global se contrasta com a reação tímida que ocorreu no momento em que o Brasil vivia, há poucas semanas, o que a OMS chegou a chamar de "inferno".

No domingo, a Índia voltou a registrar mais de 340 mil novos casos da doença, com 2,8 mil mortes. Hospitais lotados e escassez de produtos, porém, são sinais de que a crise pode se aprofundar ainda mais.

No final da semana passada, o chanceler indiano, S. Jaishankar, fez um apelo por ajuda internacional e promoveu um encontro virtual com governos da Alemanha, EUA e UE. Poucas horas depois, tanques de oxigênio estavam sendo enviados pelo governo de Cingapura. Na Arábia Saudita, sinais de que uma ajuda seria organizada também foram dados.

Um gesto similar ainda foi anunciado por parte dos Emirados Árabes Unidos, além da UE e Rússia. Mesmo entidades da sociedade civil no Paquistão também ofereceram ajuda. Mesmo o governo rival do Paquistão fez questão de "expressar solidariedade" com os indianos.

Nos EUA, a Casa Branca anunciou no final de semana que iria providenciar insumos para a produção de vacinas, assim como testes e respiradores. "Os EUA estão trabalhando 24 horas por dia para enviar os recursos disponíveis", disse uma porta-voz do governo americano.

Um gesto positivo também foi feito no fim de semana por Anthony Fauci, líder da resposta americana à pandemia, que indicou que Washington ajudará os indianos a aumentar sua produção local de vacinas.

Já o Reino Unido seguiu o exemplo de outros governos prometendo o envio de oxigênio. O primeiro-ministro, Boris Johnson, afirmou que seu país estaria "ao lado da índia como amigo e parceiro".

Parte da preocupação da comunidade internacional é de que, fora de controle, a pandemia na Índia possa gerar novas mutações do vírus, ameaçando uma vez mais o restante dos países.

Mas o mundo também contava com a Índia para ser a maior fornecedora de vacinas. Com a crise atingindo novos patamares no país, o governo local tem sido obrigado a proibir as exportações de doses para poder atender sua própria população. Em janeiro, antes da nova onda de infecções, o primeiro-ministro Narendra Modi usou um discurso no Fórum Econômico Mundial para garantir ao mundo que seu país abasteceria a todos com vacinas.

"O mundo precisa apoiar a Índia, da mesma forma que a Índia ajuda o mundo", declarou o chanceler do país nas redes sociais.

Bolsonaro e Itamaraty tiveram dificuldades para obter apoio
A mobilização, porém, se contrasta com a resposta global que o governo brasileiro recebeu de parceiros internacionais quando saiu pelo mundo para pedir socorro. Ainda no início do ano e no pior momento da pandemia em Manaus, o então chanceler Ernesto Araújo não conseguiu que seu maior aliado - Donald Trump - enviasse oxigênio para a cidade. A ajuda acabou vindo de Nicolas Maduro, que nunca foi agradecido pelo governo.

Recursos também chegaram de ongs estrangeiras, assim como do governo da Espanha. Madri anunciou na semana passada a doação de medicamentos do kit intubação, usado no tratamento de pacientes graves internados com covid-19.

Em abril de 2020, enquanto a OMS lançava um mecanismo global para distribuir vacinas aos países em desenvolvimento, Araújo evitou fazer parte e, no primeiro encontro da iniciativa, o governo brasileiro sequer estava presente. Semanas depois, sob pressão, o Itamaraty decidiu aderir ao projeto.

Para negociadores, porém, a falta de uma resposta internacional mais sólida ao Brasil é resultado de dois anos de uma política externa do governo Bolsonaro que ofendeu líderes estrangeiros, rompeu relações com tradicionais parceiros e transformou a diplomacia em um braço da ofensiva ideológica da extrema-direita.

Durante os primeiros meses da pandemia, o governo brasileiro ainda criticou a direção da OMS, não compareceu a reuniões com a China e atacou propostas da Índia

Nas últimas semanas, governadores e senadores fizeram apelos para que entidades internacionais e parceiros ampliassem a ajuda ao Brasil.

Com a OMS, a esperança é de que a entidade consiga enviar 4 milhões de doses de vacinas até o final de abril. O volume, porém, se refere a uma entrega que já estava prevista. Mas que, diante da escassez do produto, havia sido colocada em questão. Para maio, serão mais 4 milhões de doses, também dentro do cronograma.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/26/timida-com-brasil-comunidade-internacional-se-mobiliza-para-socorrer-india.htm

Pensamentos do chanceler acidental - Paulo Roberto de Almeida, Metropoles

 Pensamentos do chanceler acidental

Paulo Roberto de Almeida

Antigamente, no tempo em que os animais falavam, havia o famoso livrinho vermelho dos “Pensamentos do Presidente Mao”, a bíblia dos jovens estudantes que estavam à frente da Revolução Cultural que o tirano chinês promoveu para se defender das acusações de seus adversários no PCC de que havia provocado a morte de 40 milhões de concidadãos com seu plano demencial do Grande Salto Para a Frente (1959-62).

Mao conseguiu matar mais 4 milhões de chineses (inclusive membros do partido) e destruir as universidades chinesas, superando largamente Stalin e Hitler (juntos) na sua sanha genocida.

Esqueçam tudo isso: depois, sob Deng Xiaoping, o PCC se transformou na maior máquina de construção do capitalismo num só país de toda a história econômica mundial, e conseguiu triunfalmente.

Agora, um poder mais alto se alevanta: o “Pensamento do Camarada Ernesto”, o patético chanceler acidental que conseguiu DESTRUIR uma das mais cultas instituições do Estado brasileiro, o Itamaraty, que afundou na lama o prestígio da diplomacia profissional brasileira, que rebaixou a níveis inimagináveis a imagem do Brasil no mundo e que ainda insiste em propagar a mediocridade sumamente ridícula de seu “pensamento” (sic três vezes), fazendo sua escolinha da pataquadas — no que ele transformou a Funag — publicar suas pérolas demenciais em referência de leitura para os diplomatas.

Mas isso ele vinha costurando desde o final de 2020, da mesma forma como já tinha feito uma coleção das bobagens que proclamou ao longo de 2019 no início do ano seguinte.

Nunca, em nenhum tempo na história do Itamaraty e da Funag, se tinha empenhado o tempo e o esforço de funcionários das duas instituições no esforço rigorosamente inútil de coletar tantas bobagens por centimetro quadrado, para tentar imitar a demência do presidente Mao. 

Nunca antes na história deste país, a loucura de um diplomata desequilibrado conseguiu ser difundida sob o abrigo, não de um, mas de dois ISBNs, que são os códigos sob os quais se catalogam os livros, esses discretos objetos de propagação de pensamentos úteis ao progresso da Humanidade.

Ainda falta mais uma contribuição da Funag para a difusão da mais demencial obra de confusão mental que um chanceler destrambelhado conseguiu imprimir ao já constrangido Itamaraty: coletar e publicar mais três meses (janeiro a março de 2021) do “pensamento” do camarada Ernesto, sem esquecer a culminação dessa loucura, que foi o seu mentiroso “balanço de gestão”, que eu estraçalhei numa avaliação que fiz e tornei disponível aos curiosos (neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/mentiras-falcatruas-e-falacias-do-ex.html?m=1).

O infeliz, patético e destruidor ex-chanceler acidental não se peja de se expor ao ridículo e de arrastar em sua demência precoce uma instituição tão respeitável quanto o Itamaraty. Mas não passa pelo meu crivo de resenhista implacável.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26/04/2021


Itamaraty publica livro com o pensamento de Ernesto Araújo

Volume disponível para download gratuito traz discursos, entrevistas e artigos do ex-chanceler ao longo de 2020

Raphael Veleda

Metropoles, 25/04/2021 20:27

Demitido do cargo de ministro das Relações Exteriores há quase um mês, no dia 29 de março, o diplomata Ernesto Araújo está divulgando um livro que o Itamaraty publicou. Na obra “Política externa: soberania, democracia e liberdade”, figuram discursos, textos e entrevistas concedidas pelo então ministro ao longo de 2020.

Segundo a apresentação, trata-se de “fonte primária fundamental para todos os que se interessem por conhecer e estudar a nova política externa brasileira, baseada nos eixos da democracia; da transformação econômica e do desenvolvimento; da soberania; e dos valores da nação brasileira, eixos conjugados pelo conceito de liberdade”.

Entre os registros no livro está uma entrevista ao canal Terça Livre, do influenciador bolsonarista Allan dos Santos, investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito dos atos antidemocráticos e no das fake news, ambos sob a relatoria do ministro Alexandre de Morais.

Nessa entrevista, em fevereiro de 2020, Ernesto falou sobre “tecno-totalitarismo”, “democracias pós-nacionais” e “aliança liberal conservadora”, além de atacar o globalismo ao estilo de seu guru intelectual, o escritor Olavo de Carvalho.

Na época, o então chanceler compartilhou um trecho em vídeo de sua fala.

O volume traz ainda um dos textos mais famosos (e polêmicos) do ex-chanceler, intitulado “Chegou o comunavírus“, que ele publicou em seu blog em abril do ano passado, fazendo comparações entre a quarentena contra o coronavírus e os campos de concentração nazistas, gerando protestos da comunidade judaica no Brasil e até nos Estados Unidos.

O livro está disponível para download gratuito e foi editado pela Fundação Alexandre Gusmão (Funag), um braço do Itamaraty voltado à documentação.

Veja a divulgação que Ernesto fez de seu livro neste domingo (25/4):

Pensamento completo do ex-chanceler

A Funag já havia editado um livro com textos e entrevistas de Ernesto em 2019, o “A nova política externa brasileira: seleção de discursos, artigos e entrevistas do Ministro das Relações Exteriores”.

O link para baixar o novo livro do ex-chanceler é este. São, ao todo 62 textos, que ocupam mais de 700 páginas.

https://www.metropoles.com/brasil/itamaraty-publica-livro-com-o-pensamento-de-ernesto-araujo


O Brasil e o genocídio dos Armênios - Paulo Roberto de Almeida

 O genocídio dos Armênios: cada vez mais atual (e o Brasil, o que vai fazer?)

Quando Hitler estava planejando o genocídio dos judeus, ele se “inspirou” no massacre dos armênios pelos Otomanos durante a Grande Guerra: “Quem se lembra agora dos Armênios?”, ele afirmou.

Pois Joe Biden se lembrou agora, como outros líderes ocidentais se lembraram antes dele. 

Mas o peso dos EUA — cujos cônsules no Império Otomano informaram e alertaram o Departamento de Estado sobre os terriveis massacres, talvez 1,5 milhão de vítimas — é notavelmente maior, e os turcos não poderão retaliar como já fizeram em outros casos.

O Brasil tem um certo número de Armênios, inclusive diplomatas:  eles vão pressionar o Congresso para que o Brasil siga desta vez os EUA numa causa claramente humanitária?

Eu acho que o Itamaraty poderia examinar a questão!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26/04/2021

Política energética no Brasil: debate e apresentação de livro organizado por Alexandre Hage - colaboração Paulo Roberto de Almeida

A convite do professor Alexandre Hage, participei do livro que ele organizou sobre políticas energéticas no Brasil e no mundo, segundo este registro que efetuei: 

1343. “O quadro global das questões energéticas: o Brasil e o mundo”, Brasília, 16 janeiro 2018, 25 p. Contribuição a livro organizado por Alexandre Hage. Publicado in: José Alexandre Altahyde Hage (org.): Política energética no Brasil: sua participação no desenvolvimento e no relacionamento internacional (Curitiba: Editora Appris, 2020, 370 p.; ISBN: 978-85-473-4201-2; ISBN digital: 978-85-473-4202-9), pp. 13-40; disponível no site da Editora (link: https://www.editoraappris.com.br/produto/3756-poltica-energtica-no-brasil-sua-participao-no-desenvolvimento-e-no-relacionamento-internacional). Apresentação no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/trabalho-mais-recente-publicado-energia.html) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42781220/O_quadro_global_das_questoes_energeticas_o_Brasil_e_o_mundo_2020_). Relação de Originais n. 3229.

 Posteriormente, fizemos um debate online, segundo este registro que fiz: 

3771. “Política energética no Brasil: sua participação no desenvolvimento econômico e no relacionamento internacional”, Brasília, 16 outubro 2020, 1 p. Lançamento de livro homônimo em formato virtual, no dia 19/10/2020, 14hs, em evento organizado pelo Nupri/Caeni da USP; notas sintéticas para desenvolvimento oral. Debate realizado em 19/10/2020, via online (link: https://www.youtube.com/watch?v=7SRf-ohN2PU).

 O debate foi realizado e eis sua ementa no Canal YouTube: 

Seminário - Debate sobre a Política Energética no Brasil (19.10.2020)

O livro Política energética no Brasil: sua participação do desenvolvimento econômico e no relacionamento internacional (Editora Appris, 2020) foi organizado por José Alexandre Altahyde Hage (UNIFESP) e é uma excelente oportunidade para se aprofundar em diversos momentos em que o Brasil explorou o seu potencial energético no século XX. Políticas voltadas para o melhor aproveitamento do petróleo, gás natural, biocombustíveis, etanol e energia nuclear são alguns dos temas que o livro aborda. A gravação é resultado de mais uma das atividades promovidas pela parceria CAENI e NUPRI da Universidade de São Paulo e contou com a colaboração de alguns dos autores do livro: Paulo Roberto de Almeida (MRE), José Alexandre Altahyde Hage (UNIFESP), Alencar Chaves Braga (Petrobrás) e Vanessa Braga Matijascic (USP). Veja o debate e, principalmente, acompanhe o que o livro pode oferecer para você no endereço eletrônico da editora.

Neste link: 

https://www.youtube.com/watch?v=7SRf-ohN2PU


domingo, 25 de abril de 2021

Negacionismo Fiscal - Gustavo Franco

 

03:18:11 | 25/04/2021 | Economia | O Estado de S. Paulo |

Negacionismo Fiscal

Gustavo H.B. Franco


A palavra está na moda, infelizmente.

Ouve-se negacionismo a todo momento, até demais.

Aconteceu recentemente com outras palavras emproadas como protagonismo, narrativa, ressignificar, empoderar, resiliência, disruptivo, assertivo. Há muitas assim, pegajosas e que subitamente parecem brotar de todas as bocas e não se consegue duas frases sem nelas tropeçar.

São palavras que funcionam como um adereço extravagante, como um cinto ou bolsa que possui uma grife de meio metro, pintada de dourado, e que transforma os usuários em uma propaganda ambulante, e os define pelo seu pertencimento a uma tribo.

Use uma dessas palavras, e as pessoas vão se lembrar de você as pronunciando, sem se dar conta sobre o que você estava falando.

Dentre essas palavras de grife, as que comandam mais respeitabilidade são as que terminam com "ismo", um sufixo geralmente utilizado para designar filosofias, teorias, movimentos artísticos. Quem usa "protagonismo" vira entendido em relações internacionais, e quem fala de "narrativa" se mostra um "insider" em estudos culturais contemporâneos.

Tudo isso não obstante, a ideia de negacionismo descreve com precisão a postura típica de líderes populistas diante de técnicos e experts, incluindo os da medicina convencional, eis que esse tipo de político não admite qualquer mediação em seu relacionamento com o "povo". Para eles, não existe ciência, só narrativa.

O negacionismo é primo-irmão da pseudociência, e por isso mesmo, tal como se passa com os líderes populistas, é muito mais popular do que se pensa. Quem não gosta de uma solução mágica e de uma cura milagrosa? Em geral, as pessoas não acreditam em superstições, mas se divertem em praticá-las, sobretudo se são inofensivas.

Como horóscopo de jornal. Vai que funciona.

Nessa parte do mundo em especial, tendo em vista nosso desapego ao real, à hegemonia da intuição e à desconfiança para com o racional, conforme a descrição de Mario Vargas Llosa, a popularidade da medicina alternativa é gigante. E, se é assim com a medicina, imagine com a economia.

O negacionismo tomou a economia há muitos anos, e apenas agora, com a pandemia e com os absurdos gerados pelo negacionismo médico, é que se percebe a exata estrutura conceitual do charlatanismo. É claro que há negacionismo em todas as outras áreas do conhecimento, talvez mais na economia que em qualquer outra.

Quanto perdemos com a busca de soluções mágicas para problemas econômicos? Um caso em evidência, nessa semana que passou, é a encrenca do Orçamento.

Os detalhes técnicos são menos importantes que atentar para o modo como os representantes do povo fazem as escolhas sociais. São os parlamentares eleitos que devem escolher entre o Bolsa Família e o Bolsa Empresário, ou entre a habitação popular e o submarino nuclear (ou as fragatas da Marinha), ou entre os auxílios emergenciais e as emendas parlamentares paroquiais.

Entretanto, no Brasil, por estranho que pareça, o Parlamento não gosta de escolhas, pois sempre há perdedores.

A melhor escapatória, e de longe a mais comum, consiste em questionar a necessidade de escolher, negandose a reconhecer a existência de qualquer limitação aos recursos existentes.

Só assim é possível ficar com o almoço e com o dinheiro. Muitos parlamentares preferem duvidar da escassez, para não competir entre si ou confrontar seus coleguinhas.

Parece sempre mais cômodo antagonizar o pessoal da área econômica.

Ou mesmo a própria ideia de responsabilidade fiscal. Ou negar a existência de "restrições orçamentárias".

Ou dizer que o ministro esconde o dinheiro.

Não será sempre necessário, conveniente e fotogênico duvidar da escassez e, heroicamente, explorar a possibilidade de realizar todos os sonhos, a despeito das (im)possibilidades? Vai que funciona.

Esse é o negacionismo fiscal, uma doença antiga, fácil de se contrair em Brasília, pois começa com a compulsão em não desagradar ninguém, prossegue com nosso espírito aventureiro (o gosto pela solução mágica) e parece ganhar nova vitalidade com a pandemia.

*

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS

Conversações com Stalin - Milova Djilas (La prensa)

 

LA FELICIDAD DE LOS LIBROS

Cara a cara con Stalin

Ciertos hechos y ciertos personajes de la historia atrapan por completo nuestra imaginación. Tienen fulgor hipnótico; una y otra vez volvemos a ellos tratando de descifrarlos. Iósif Vissariónovich Dzhugashvili, mejor conocido como Stalin, es uno de ellos. “Desde el punto de vista del humanismo y de la libertad, la historia no ha conocido un déspota tan brutal y cínico como él. Metódico, como los criminales que lo subordinan todo a la realización de una pasión delictuosa, era uno de esos dogmáticos extraños y terribles, que son capaces de destruir al noventa y nueve por ciento de los seres humanos para dar la ‘felicidad’ al uno por ciento restante“, lo describió un idealista que lo admiraba, se reunió cuatro veces cara a cara con el monstruo y terminó repudiándolo, incluso en letra impresa, lo que le valió más años de cárcel, no en la Unión Soviética, sino en otra dictadura roja, la del croata Josip Broz Tito.

El autor de la cita es el escritor y revolucionario 
Milovan Djilas (Mojkovac 1911-Belgrado, 1995), uno de los cuatro dirigentes más poderosos de la Yugoslavia comunista que emergió de la Segunda Guerra Mundial, pero una década más tarde cayó en desgracia por haber denunciado los vicios del sistema, en particular la llamadanomenklatura, condenada con toda razón y justicia en un libro que dio vuelta al mundo a partir de 1957: La nueva clase.

En uno de los mejores artículos periodísticos publicados en 2020 (http://www.laprensa.com.ar/493030-La-nueva-clase.note.aspx), Dardo Gasparré ha demostrado que los filosas denuncias de Djilas respecto a la nueva casta gobernante que se había enseñoreado detrás de la Cortina de Hierro podrían aplicarse perfectamente a la Argentina de nuestro tiempo.
 

La nueva clase ofendió a los Señores Bolcheviques que se vengaron extendiendo los años de cárcel de Djilas. En 1961, el régimen de Tito liberó al pensador montenegrino (al fin y al cabo era uno de los suyos), quien aprovechó la ocasión para escribir Conversaciones con Stalin con el propósito de ilustrar a los investigadores, “y en especial a los que luchan por una existencia humana más libre”.

Seix Barral lo publicó en España en 1963, edición de ciento setenta páginas que ha llegado a nuestras manos y nos gustaría recomendar a todo lector amante de la Historia en general, y al interesado en particular en esa aberración llamada “comunismo”.

Djilas, que nunca abjuró de sus ideas marxistas, organizó el libro en cuatro partes que lo dicen todo: Entusiasmo (1944); Dudas (1945); Desilusión (1948); Conclusiones. Y añadió una esclarecedora sección de ‘Notas biográficas‘.

El libro ofrece información de primera mano sobre el monstruo, con quien el vicario de Tito compartió no sólo discusiones políticas y estratégicas en el Kremlin, sino también esas cenas grotescas de más seis horas con que se relajaban Stalin, el glotón, y su camarilla, árbitros de la vida o la muerte de millones de personas:

 “En estas cenas se decidía la suerte del gran imperio ruso, la de los nuevos territorios adquiridos y, hasta cierto punto, la de la raza humana. Lo más seguro es que aquellas cenas no les inspirarán a aquellos ‘ingenieros del espíritu’ grandes empresas pero allí, probablemente, se enterraron muchas’.

PEQUEÑO BARRIGON

 Así describe el montenegrino a Stalin en su primer encuentro:

“Me sorprendió lo pequeño y mal construido que era. Tenía el tórax estrecho y los brazos las piernas, largos. Movía el brazo y el hombro izquierdos con dificultad y rigidez. Gozaba de una buena barriga y tenía poco pelo aunque no llegaba a la calvicie. Su cara era blanca, excepto las mejillas, coloreadas de un rosa intenso. Más tarde supe que ese colorido tan característico de quienes permanecen mucho sentados mucho tiempo en trabajos de oficina, era conocido como ‘tez del Kremlin’ en las altas esferas soviéticas. Los dientes de Stalin eran oscuros, irregulares y metidos hacia dentro. Su bigote no era muy espeso y tendía a ser lacio. Pese a todo, su cabeza no desagradaba; había en ella algo popular, campesino y patriarcal, que, junto a sus ojos pardos, constituía una curiosa mezcla de severidad y picardía”.

Los retratos de los serviles colaboradores del tirano son interesantísimos: Dimitrov, Molotov, Beria, Zadanov, Malenkov, Jruschev, entre otros. Una curiosidad: casi todos eran petisos, en el Politburó estaliniano casi no había hombres altos.

El libro parece una novela de aprendizaje. Djilas va de la fe del carbonero al escepticismo. “En aquella época creía aun que era posible ser comunista sin dejar de ser hombre libre”, escribe en la página ochenta y cinco. Le desagrada especialmente la rusificación de la Revolución de Octubre, lo que implicaba “atraso, primitivismo, chauvinismo, sentido de superioridad‘. Pero halla en el Gran Jefe una cualidad honorable: “tenía gran sentido del humor; humor áspero, seguro de sí mismo pero dotado de finura y profundidad”. Como el diablo, añadimos.

Una se va de este libro necesario con una obsesión en la cabeza. El régimen comunista de ayer y el neocomunismo de hoy es una calamidad para la especie humana, que favorece el ascenso de los chiflados en los que “cualquier delito es posible”, por lo tanto debe ser combatido con todas las armas intelectuales a nuestro alcance allí donde se encuentre, en La Habana, Caracas o Pyongyang. Stalin, “cuyo gusto por los crímenes gratuitos era propio de un Calígula, y poseía además la refinada crueldad de un Borgia y la brutalidad de Iván el Terrible“, fue la consecuencia lógica de un régimen de partido único. La alternancia en el poder es nuestro mejor seguro de vida.

Hay un pensamiento del tirano, delineado en 1945, que quizás explique mucho del mundo actual:
 

Hoy en día el socialismo es posible incluso bajo la monarquía inglesa. La revolución no es siempre necesaria...