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quarta-feira, 28 de abril de 2021

O desmonte do Estado brasileiro - Felipe Salto

Destaco um trecho: "Mais um exemplo da situação crítica das despesas de custeio e manutenção da máquina e de programas essenciais está no Ministério das Relações Exteriores. Após os cortes e bloqueios, o Itamaraty contará com despesas discricionárias de R$ 551 milhões. Em 2016, o orçamento foi quase três vezes maior (R$ 1,5 bilhão)."

A verdade é que o MRE, para o governo, vale menos que o aluguel de carros para a presidência e as benesses para a família presidencial.

Paulo Roberto de Almeida

 O desmonte do Estado brasileiro

Felipe Salto

O Estado de S. Paulo, Espaço Aberto, 27 de abril de 2021

Reduz-se cada vez mais a despesa essencial para o funcionamento da máquina pública


É sintomático que o Orçamento de 2021 tenha sido sancionado em bases irrealistas. Os cortes promovidos pelo Poder Executivo devem permitir o cumprimento do teto, mas ao preço de desmontar o Estado brasileiro. Na ausência de mudanças estruturais no gasto obrigatório, reduz-se cada vez mais a despesa essencial para o funcionamento da máquina pública.

O chamado shutdown não acontece da noite para o dia. Na verdade, políticas públicas essenciais estão sendo desidratadas ao longo dos últimos anos. Dada a opção pelo teto de gastos, mas sem avanços para conter a despesa mandatória, a fatura vai recaindo sobre o gasto discricionário (mais exposto à tesoura).

Em 2021, o caso do censo demográfico é emblemático. Em pleno ano de pandemia, quando se processam mudanças sociais e econômicas profundas, o Ministério da Economia anunciou que a pesquisa não será realizada. Motivo? Falta de orçamento.

O último censo realizado foi em 2010 e custou R$ 1,1 bilhão. Atualizado pelo IPCA e pelo aumento do número de domicílios, o orçamento do programa deveria ser de R$ 2,8 bilhões em 2021. O censo fundamenta a análise, o planejamento e a formulação de uma miríade de políticas sociais, econômicas, educacionais, etc. Os cortes anunciados levaram o orçamento dessa pesquisa a cerca de R$ 53 milhões. Na verdade, esse gasto não será sequer suficiente para preparar a realização do censo em 2022.

As despesas discricionárias do Executivo estão orçadas em R$ 74,6 bilhões para 2021. É o menor nível da série. O Ministério da Educação ficou com R$ 8,9 bilhões. Somando as emendas de relator-geral, vai a cerca de R$ 10 bilhões. Em 2016 as despesas discricionárias executadas nessa área totalizaram R$ 21,8 bilhões. Isto é, o valor de 2021 corresponde à metade do observado cinco anos atrás. Isso sem considerar a inflação do período. Isto é, uma redução brutal.

Na pasta da Saúde, as discricionárias do Executivo ficaram em R$ 15,5 bilhões, apenas meio bilhão acima do valor observado em 2016. Somando as emendas de relator-geral remanescentes (após os cortes do presidente da República), esse valor sobe para R$ 23,3 bilhões. Ainda assim, é um patamar muito baixo, sobretudo quando comparado a 2020 (o dobro), que também foi um ano de pandemia.

O governo argumenta que os recursos adicionais necessários à saúde serão executados por meio dos chamados créditos extraordinários, que de fato estão sendo autorizados por medidas provisórias. Aliás, alterou-se o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para deixar essas e outras despesas novas de fora da meta fiscal de déficit primário fixada em lei (receitas menos despesas, exceto juros da dívida).

Em benefício da transparência, o ideal seria ter mudado a meta de déficit (R$ 247,1 bilhões). A outra regra fiscal, o teto de gastos, já estaria resolvida, porque todo crédito extraordinário - desde que justificadas a imprevisibilidade e a urgência â não é contabilizado nas despesas sujeitas ao limite constitucional. Estimo, preliminarmente, que o déficit primário efetivo, o que afeta a dívida pública, poderá ficar em torno de R$ 290 bilhões neste ano.

Mais um exemplo da situação crítica das despesas de custeio e manutenção da máquina e de programas essenciais está no Ministério das Relações Exteriores. Após os cortes e bloqueios, o Itamaraty contará com despesas discricionárias de R$ 551 milhões. Em 2016, o orçamento foi quase três vezes maior (R$ 1,5 bilhão).

Na verdade, o remanejamento de verbas promovido via vetos ao Orçamento e bloqueios de despesas por decreto promoveu um corte geral de cerca de R$ 29 bilhões. Esse valor é próximo das contas feitas pela Instituição Fiscal Independente (IFI), R$ 31,9 bilhões, em março. No início da semana passada o governo soltou na imprensa que R$ 20 bilhões seriam suficientes para cumprir o teto de gastos. Errou.

Os cortes realizados mantiveram um orçamento elevado para áreas como Desenvolvimento Regional, cuja discricionária total (Executivo) será de R$ 1,5 bilhão mais R$ 6 bilhões em emendas de relator-geral não atingidas pelos vetos presidenciais. Em 2016 gastou-se R$ 1,3 bilhão e em 2020, R$ 4,4 bilhões.

Se o risco de paralisação de políticas essenciais se materializar, como é provável que continue a ocorrer, o governo sofrerá pressões para desbloquear o que foi tesourado por decreto. Os vetos, vale dizer, só poderiam ser revertidos pelo Congresso. Esses cortes deverão preservar o teto, mas de maneira perigosa e ineficiente.

No ano passado o governo não planejou o Orçamento público de 2021 para um cenário de recrudescimento da crise pandêmica. O plano deveria ser realista e coerente com a responsabilidade fiscal. Já se sabia das dificuldades a serem enfrentadas neste ano, dos riscos de novas ondas da covid19 e da precariedade social, econômica e fiscal.

O "deixa como está para ver como é que fica" custou caro. Após os cortes, pode-se até cumprir o teto, mas não sem um desmonte do Estado brasileiro. Ou isso ou vão acumular uma montanha de contas a pagar para 2022.

*

DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI)

Bolsonaro faz Brasil perder dinheiro internacional para Amazônia, diz analista Natalie Unterstell - João Fellet (BBC Brasil)

 Bolsonaro faz Brasil perder dinheiro internacional para Amazônia, diz analista

João Fellet - @joaofellet

Da BBC News Brasil em São Paulo

A postura do governo Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente está fazendo com que o Brasil perca espaço e recursos em negociações internacionais sobre o clima, diz à BBC News Brasil Natalie Unterstell, fundadora e diretora do think tank (centro de pesquisas e debates) Talanoa, voltado a políticas ambientais e climáticas.

Já países como Colômbia e Indonésia, segundo ela, estão aproveitando as oportunidades que se abrem para nações com grandes florestas tropicais — cuja preservação é considerada crucial para o combate à mudança do clima.

"Se o Brasil deixar, e o Brasil está deixando, esse espaço será ocupado por outros países", afirma Unterstell em entrevista à BBC News Brasil.

As negociações globais sobre a proteção de florestas ganharam um impulso com a posse de Joe Biden como presidente dos EUA, em janeiro. Na campanha, Biden propôs que países ricos se reúnam para fornecer US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia.

O americano convocou na semana passada uma reunião virtual sobre as mudanças climáticas com líderes de 40 países, entre os quais o Brasil. No encontro, foi anunciada uma iniciativa entre EUA, Reino Unido, Noruega e empresas privadas para canalizar doações voltadas à preservação de florestas mundo afora.

A iniciativa, que já conta com US$ 1 bilhão, foi comparada ao Fundo Amazônia — mecanismo paralisado no governo Bolsonaro e que tinha o Brasil como único beneficiário. Agora, se quiser participar da nova iniciativa, o Brasil terá de concorrer com outras nações.

Unterstell afirma ainda que, embora o governo federal cobre recursos internacionais para a preservação da Amazônia, há hoje cerca de R$ 3,4 bilhões em caixa que poderiam ser usados para esse fim.

O valor é a soma de recursos do Fundo Amazônia (R$ 2,9 bilhões) e do Fundo Verde do Clima (R$ 522 milhões) que foram doados ao Brasil, mas jamais gastos.

Até que os impasses que travam os pagamentos sejam sanados, diz ela, é improvável que o país receba novas doações.

Formada em administração de empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Unterstell acompanhou como observadora da sociedade civil a negociação do acordo que criou o Fundo Amazônia, em 2008.

Abastecido principalmente pela Noruega (93,8%) e Alemanha (5,7%), o fundo busca estimular ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia brasileira.

Os doadores suspenderam o funcionamento do fundo quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou reduzir o papel da sociedade civil no conselho que gere os repasses.

Unterstell trabalhou ainda no governo do Amazonas e, entre 2011 e 2013, foi negociadora do Ministério do Meio Ambiente em debates internacionais sobre a proteção de florestas. Em 2018, candidatou-se a deputada federal pelo Podemos, mas não se elegeu.

Neste ano, Unterstell se candidatou outra vez — agora a uma vaga no conselho de supervisores (Board of Overseers) da Universidade Harvard, onde fez mestrado em Administração Pública entre 2015 e 2016.

Formado por ex-alunos, o conselho é responsável por aprovar a escolha do presidente da universidade e seus dirigentes.

Unterstell integra um movimento que cobra a universidade a deixar de investir em empresas de combustíveis fósseis.

Uma das mais renomadas universidades do mundo, Harvard tem cerca de US$ 41 bilhões em investimentos, usados para financiar a instituição. A eleição se encerra em 18 de maio.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Qual o saldo para o mundo do evento sobre o clima convocado por Biden?

Natalie Unterstell - Segundo a Convenção-Quadro da ONU sobre Clima, estamos em uma rota que nos levará a um aumento de 3,6 graus da temperatura até o final do século.

Seria um cenário catastrófico, em que todos os recifes de corais ficariam esbranquiçados, haveria degelo da calota polar e uma grande instabilidade climática.

Essa cúpula foi marcada pra tentar melhorar as ofertas dos grandes emissores. Dos 18 maiores emissores, só dois tinham colocado metas mais progressistas na mesa: o Reino Unido e a União Europeia.

Foi um bom começo principalmente porque os EUA colocam uma meta muito, muito ambiciosa — de reduzir entre 50 e 52% suas emissões até 2030 (em relação a 2005). E isso fez o ponteiro mexer, criou-se uma efeito dominó positivo.

O Japão melhorou de 26% para 46% a sua oferta de redução de emissões para 2030. O Canadá também melhorou.

Os EUA muito habilmente colocaram sua diplomacia para trabalhar com os países que mais dependem de carvão: Japão, China, Índia, Coreia do Sul. E foram bem sucedidos.

A Coreia do Sul anunciou que não vai mais financiar a extração de carvão no exterior. A própria China disse que vai reduzir o consumo de carvão. Então acho que se começou a asfixiar realmente essa tecnologia decadente.

BBC News Brasil - Os anúncios são suficientes para evitarmos o aumento de 3,6 graus?

Unterstell - Não. Dados preliminares do Climate Action Tracker (organização de cientistas que calcula o impacto das metas de emissões dos países) mostram que as novas metas reduziram em 12% a 14% a previsão de emissões globais até 2030.

É insuficiente. Vamos precisar de novas rodadas até o final do ano para que países que não colocaram novidades na mesa, como a China e a Índia, melhorem suas metas.

BBC News Brasil - Biden diz que o combate às mudanças climáticas será um dos eixos de seu governo. Qual o impacto disso para o resto do mundo?

Unterstell - Um é a mobilização do setor privado americano para a transição energética (rumo a fontes menos poluentes). Isso gera novos padrões e tem um efeito cascata para o resto do mundo.

Os EUA estão usando o setor privado para conversar com os outros países. Com a Índia, por exemplo, estão tentando mobilizar investidores e financiadores privados americanos para a transição energética naquele país. Poucos países têm uma alavanca com essa dimensão e capilaridade.

O outro ponto é em relação a comércio. Em seu plano de governo, Biden disse que levaria em conta riscos climáticos ao estabelecer acordos comerciais. Eles estão numa via de alinhamento com a União Europeia nesse sentido.

Vamos começar a ver uma convergência de padrões tanto de investimento quanto de comércio levando em conta a questão da mudança do clima. Isso muda tudo.

BBC News Brasil - E qual foi o saldo para o Brasil do evento de Biden?

Unterstell - O saldo não é positivo. Bolsonaro claramente mudou o tom — aquele tom mais ofensivo que existiu, por exemplo, nas últimas assembleias gerais da ONU — para um tom bastante defensivo.

Mas não apresentou nenhuma meta nova para 2030. Vários países firmaram acordos bilaterais com os Estados Unidos na agenda de clima. O Brasil não firmou nada bilateral, isso também é notável.

Outro ponto é que a conferência anunciou um mecanismo global para florestas, indicando que a gente perdeu a oportunidade de ter um mecanismo só para a gente.

BBC News Brasil - Você se refere à LEAF (sigla em inglês para "diminuindo o desmatamento por meio da aceleração do financiamento florestal", iniciativa anunciada por EUA, Noruega, Reino Unido e empresas privadas). O que achou do mecanismo?

Unterstell - Vejo-o com muitos bons olhos porque ele vai buscar recursos privados para fazer um pagamento por resultado. A ideia foi concebida aqui no Brasil (no Fundo Amazônia).

Tem várias grandes empresas envolvidas, como Amazon, Nestlé e Airbnb. Isso vai possibilitar que jurisdições que consigam demonstrar resultados de redução do desmatamento recebam recompensas.

Também acho muito interessante que a LEAF não mire só governos nacionais, mas também governos subnacionais, como estados e municípios.

A gente ainda não sabe quem vai operar o mecanismo, há muitos detalhes a serem esclarecidos, mas me parece um novo boost de energia para a questão da redução do desmatamento.

BBC News Brasil- Governadores de Estados amazônicos têm tentado sem sucesso destravar os repasses do Fundo Amazônia. O LEAF poderia ser uma alternativa para eles?

Unterstell - Acho que essa é a melhor chance de acessarmos o LEAF. Vinte e quatro governos estaduais — exceto Rondônia, Roraima e Santa Catarina — enviaram uma carta ao Biden indicando sua disposição e interesse em atrair investimentos diretamente para zerar as emissões e zerar o desmatamento.

Acho bastante positivo. Porém, esses governos não têm jurisdição total sobre seus territórios. Há neles terras que são de competência da União, como terras indígenas, parques nacionais e terras devolutas federais.

Mesmo que existam recursos para esses governos estaduais, eles não vão poder resolver o problema nas terras federais, então a gente não pode esquecer da responsabilidade da União em fazer a lição de casa.

BBC News Brasil - Por mais que estejam se mobilizando para atrair recursos, vários Estados amazônicos estão hoje sob forte influência de políticos que defendem reduzir unidades de conservação, privatizar terras públicas e anistiar grileiros. Qual a chance de prevalecer a visão conservacionista?

Unterstell - De fato tem um jogo de forças, e estamos vendo esse jogo pender para o desmatamento em regiões que antes eram conservadas, como o sul do Amazonas.

É muito preocupante. Isso diz respeito a algo que ainda precisa ser melhor elaborado na sociedade brasileira, que é a tradução das oportunidades de conservação no local.

Isso ainda não está claro em todos os lugares, e acho que esse é o grande desafio que a gente tem agora. Vamos imaginar que venham recursos vultuosos para governos subnacionais na Amazônia no próximo ano. Como que isso vai fazer com que o jogo vire localmente?

Sou relativamente otimista porque no passado a gente já viu esse jogo acontecer. A gente teve momentos de enfrentamento dessas forças e, por algum tempo, foi possível que forças mais reformistas e pró-conservação vencessem. Então é uma questão de equilibrar o jogo, que hoje está muito balanceado para o lado da destruição.

Também é sempre bom lembrar que o resto do mundo está adotando novos padrões de comércio e de investimento. Fala-se de um mundo livre de desmatamento. Isso cada vez mais vai fazer pressão no âmbito nacional, cada vez vai percolar mais e vai chegar mais na ponta. E aí acho que algumas dessas forças vão ser moderadas.

BBC News Brasil - Há outros países ocupando hoje o espaço que o Brasil já ocupou nos debates sobre a proteção das florestas?

Unterstell - Com certeza. Países vizinhos, como a Colômbia, estão percebendo a oportunidade e um vácuo que o Brasil está deixando em relação à proteção da Amazônia e se posicionando super bem para estabelecer acordos bilaterais para participar de vários mecanismos.

Lá fora, a Indonésia tem muitos problemas, mas está muito ciente das oportunidades que existem. Não à toa, tem feito inúmeros projetos para captar recursos públicos internacionais para a questão de clima e tentado criar mecanismos privados.

Se o Brasil deixar, e o Brasil está deixando, esse espaço será ocupado por outros países.

BBC News Brasil - O governo federal diz que o Brasil deve ser pago pela comunidade internacional por resultados já alcançados no passado. Qual sua opinião?

Unterstell - Essa é uma polêmica que foi instalada pelo próprio governo federal. Sim, existe um mecanismo para ser pago por resultados, o Green Climate Fund (Fundo Verde do Clima).

O Brasil pegou US$ 96 milhões desse mecanismo, e só não pegou mais porque não executou o recurso.

O governo federal diz que temos resultados do passado a receber, e temos, mas a gente só não recebeu ainda porque não gastamos o que já recebemos.

Isso é bastante contraditório com o discurso do governo atual. E tem uma outra questão também, que é a do próprio Fundo Amazônia continuar travado há dois anos. A governança foi desestabelecida.

A gente não tem mais o Comitê Orientador do Fundo Amazônia e, com isso, existem R$ 2,9 bilhões parados no fundo.

O sinal que isso gera para qualquer outro potencial parceiro internacional é muito ruim. Primeiro porque não há confiança na governança. Não se tem certeza se o Brasil, se entrar num acordo, não vai quebrá-lo como fez com a Noruega e a Alemanha no caso do Fundo Amazônia.

E se o Brasil tem R$ 2,9 bilhões parados, por que grandes empresas e outros governos vão priorizar dar recursos ao Brasil? Esse fechamento do espaço é baseado em evidências muito concretas de que o Brasil não está a fim, está mal posicionado nesse jogo.

Não é que esteja faltando recurso. Tem novas promessas vindo aí, o Biden disse que vai colocar aquilo que tinha prometido, a França dobrou sua contribuição. Então as perspectivas são de que quem chegar com bons projetos, com boas justificativas vai conseguir levar.

BBC News Brasil - Muito se fala sobre a necessidade de remunerar as pessoas na ponta que preservam a floresta. Há discussões internacionais sobre esse tema?

Unterstell - Elas nunca chegam nesse nível, porque isso tem a ver com a soberania nacional de cada país. Cada país é livre para estabelecer seus mecanismos.

Mas eu acho que cada vez mais se vê isso como um serviço que precisa ser pago. Afinal, existe um trabalho em torno de manter uma floresta em pé além do que está na lei, cuidar de terra indígena, garantir vigilância. Tudo isso tem um valor para a sociedade brasileira e global.

Estamos começando a pensar nisso como empregos. Tem uma coisa muito legal no plano do Biden que poderia nos inspirar. É a ideia de ter o que eles se chamam de Civilian Conservation Corps (brigadas civis de conservação).

Foi assim que o (ex-presidente Franklin Delano) Roosevelt, lá no New Deal (1933-1937), conseguiu empregar 3 milhões de pessoas nos Estados Unidos fazendo-os restaurar a vegetação e cuidar de parques.

Biden colocou isso no programa dele, e essa seria uma discussão superinteressante aqui, e prática.

Digamos que existam recursos — e existem — para a gente captar a cooperação internacional. Para onde vai isso? Por que não pensar, por exemplo, que o Pantanal precisa ser restaurado?

Isso geraria emprego na ponta, faria as pessoas serem pagas por um serviço, por alguma entrega concreta. Mas infelizmente o nosso nível de discussão no Brasil está muito opaco, a gente ainda não consegue nem pensar em sair da pandemia.

BBC News Brasil - O que achou do programa Floresta +, lançado recentemente pelo governo Bolsonaro, e que também prevê remunerar quem preserva o meio ambiente?

Unterstell - Pode ser um programa interessante, mas ainda tem pouca informação pública a respeito dele — sobre sua governança, por exemplo.

A gente precisaria entender com mais clareza quem está de fato o guiando, e se a sociedade participa. Por exemplo: eles falam em pagar povos indígenas. Quem são os povos indígenas que estão sendo chamados para essa conversa?

BBC News Brasil - Temos visto muitas grandes empresas anunciando medidas contra as mudanças climáticas. O quanto disso é marketing, e o quanto isso realmente muda o jogo?

Unterstell - Tem as duas coisas. Alguns segmentos estão sob muita pressão — o dos frigoríficos, por exemplo. E ele sabem muito bem que não vai bastar fazer um serviço de relações públicas. Não é à toa que uma grande empresa do setor anunciou recentemente o compromisso de chegar ao net zero (equilíbrio entre emissão e absorção de carbono em suas atividades) em 2040.

Depois uma concorrente anunciou a mesma coisa, e outra foi mais ambiciosa e puxou a meta para 2035.

Há razões muito concretas para essa corrida, que é o acesso a mercados internacionais, a questão da reputação, e também motivos financeiros. O desinvestimento (retirada de recursos por parte de investidores) já é um risco material para alguns desses setores.

Metas anunciadas em conferência climática foram ambiciosas, mas será preciso mais para evitar catástrofe, diz analista; acima, protesto em Washington por ações contra mudanças climáticas

Mas isso precisa ser para valer. Precisamos pensar no Brasil na accountability, no monitoramento desses compromissos.

O grande risco que eu vejo hoje é que tem uma corrida para o net zero no mundo inteiro, mas no Brasil muitos acham que basta fazer a conta de emissões e comprar créditos para compensar.

Só que os créditos foram criados para serem transitórios. É preciso investir para trocar tecnologias e zerar as emissões.

BBC News Brasil - O que acha do movimento de grandes empresas brasileiras que, diante da alta no desmatamento na Amazônia, têm se manifestado publicamente e cobrado o governo a agir? Isso é novo?

Unterstell - É bem novo. Me chamou muito a atenção que, em agosto de 2019, 230 investidores e asset managers (administradores de fundos de investimento) globais, incluindo dois brasileiros, tenham mandado uma carta ao presidente da República sobre controlar as queimadas.

Nunca tinha visto uma carta de investidores endereçada ao chefe de Estado, e depois dessa arrancada começou uma onda de ativismo corporativo aqui no Brasil bastante relevante. A gente vê uma mobilização, e isso elevou bastante a percepção de que a pauta ambiental também é econômica.

O empresariado já se ligou que a gente está vivendo num mundo em que meio ambiente, a mudança do clima impõem riscos financeiros, não só reputacionais. É positivo.

Agora, isso vai controlar o desmatamento? Não. Se a gente não tiver ação de Estado para regular e fazer cobrança das empresas, pode ser que tudo isso só fique no plano retórico.

BBC News Brasil- O clima e o meio ambiente são hoje temas centrais na política da Europa e dos EUA. Como compara esse cenário ao da política no Brasil?

Unterstell - O que vem acontecendo nesses países é uma espécie de insurgência verde para além dos partidos verdes. Nos EUA, a questão ambiental se conectou com demandas de saúde e com demandas de emprego locais.

Não é à toa que Biden se elege prometendo criar empregos na transição climática, porque é isso que as pessoas querem, empregos de boa qualidade.

No Brasil, não estamos ainda formando um pipeline de políticos e de partidos com capacidade de disputar espaço com essa mesma leitura.

A gente produziu uma Constituinte nos anos 80 com um capítulo de meio ambiente e um capítulo de povos indígenas. Houve uma construção superbonita em relação à democracia, à participação, então a nossa democracia conseguiu produzir uma coisa fantástica lá atrás.

Mas a gente até hoje não viu de nenhum partido qualquer proposta de Green New Deal (plano de investimentos governamentais focado em tecnologias verdes; o termo é inspirado no New Deal, programa que tirou os EUA da grande recessão de 1929).

E, mesmo com todos os desafios que a gente teve nesses últimos dois anos, como Brumadinho, o vazamento de óleo no Nordeste, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, a gente não viu uma produção legislativa para dar resposta.

É preocupante. Não vejo o mesmo nível de interesse e de compreensão sobre o tema entre os políticos brasileiros.

BBC News Brasil- Nem na esquerda?

Unterstell - Nem na direita, nem na esquerda. Seria muito importante que o PT, que possivelmente vai ter um candidato majoritário na próxima eleição, olhasse a questão do pré-sal e a questão do petróleo à luz dos desafios da mudança do clima.

Essa discussão precisa ser feita, já que o partido e seu maior expoente continuam falando desse mundo e apostando nele, sem reconhecer os desafios que a gente tem na pauta climática.

E a Petrobrás precisa ter uma visão estratégica em relação à transição, de como ela vai voltar a investir em fontes renováveis — os investimentos dela hoje são pífios nessa área.

Pensar qual é a vida útil dessas reservas e como o país pode melhor utilizar esses recursos. Como as regiões hoje dependentes das arrecadações do petróleo vão ficar? Esses planos de transição são inevitáveis.

https://www.bbc.com/portuguese/institutional-56906691


Índia: a tragédia da Covid-19 ameaça convertê-la numa nova Peste Negra

 A pandemia parece ter fugido ao controle na Índia: seria uma reprodução da Peste Negra do século XIV? Provavelmente...

Paulo Roberto de Almeida

Covid na Índia: por que a tragédia da pandemia no país asiático ameaça o mundo todo

"Nunca vi uma situação tão assustadora. Não posso acreditar que estamos na capital da Índia", diz Jayant Malhotra à BBC. "As pessoas não estão recebendo oxigênio e estão morrendo como animais."

Malhotra tem ajudado em um crematório na capital da Índia, Delhi, onde hospitais estão sofrendo com uma onda sem precedentes de infecções por coronavírus.

O país registrou um recorde global de novos casos pelo quinto dia consecutivo. Foram 320 mil novos casos de infecção nesta terça (27) e o número de mortos se aproxima de 200 mil.

Enquanto a Índia sofre com esse surto - semelhante ao que o Brasil passou e ainda passa -, China, Estados Unidos, grande parte da Europa Ocidental e partes da África e sudeste da Ásia registraram mortes em declínio nas duas semanas anteriores a 25 de abril.

Alguns países estão suspendendo as restrições de circulação - a União Europeia até sugeriu autorizar que os americanos vacinados possam viajar para a Europa neste verão.

Mas será que a piora da situação na Índia pode se tornar um grande problema para todo o mundo?

Qual é o tamanho da crise da covid da Índia?

Em fevereiro, com mortes por dia na casa das centenas e casos em torno de 12 mil, muitos na Índia estavam esperançosos de que o país havia escapado do pior da pandemia.

Mas o país tem relatado mais de 200 mil novos casos de covid-19 diariamente desde 17 de abril - muito além do pico anterior de 93 mil casos por dia em setembro do ano passado.

As mortes também têm aumentado - uma média de 2.336 pessoas morreram na Índia por dia na semana até 25 de abril - o dobro do número durante o pico da primeira onda. No Brasil, com uma população menor que a da Índia, a média diária da mesma semana foi 2.465, segundo dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde).

Para o repórter especialista em ciência e saúde da BBC James Gallagher, a Índia está "batalhando". "O medo palpável me lembra do início da pandemia, quando o coronavírus ainda era uma entidade desconhecida. A covid pode ser letal mesmo com cuidados médicos perfeitos, mas quando os hospitais ficam sobrecarregados, as vidas que poderiam ter sido salvas são perdidas."

A situação é particularmente terrível em Delhi, onde não há mais leitos de UTI.

Muitos hospitais estão recusando novos pacientes e pelo menos dois viram pacientes morrerem depois que o suprimento de oxigênio acabou.

Parentes de pessoas doentes estão apelando nas redes sociais por vagas em hospitais, suprimentos de oxigênio e máquinas de ventilação mecânica.

Para complicar a resposta ao surto, os laboratórios também estão sobrecarregados e estão demorando até três dias para devolver os resultados dos testes de covid.

Os crematórios, por sua vez, estão funcionando 24 horas por dia.

Cenas semelhantes estão ocorrendo em outras grandes cidades. No total, a Índia confirmou quase 17 milhões de infecções e 192 mil mortes.

Mas é altamente provável que esses números subestimem as infecções e mortes.

A enorme população do país e seus problemas logísticos tornam muito difícil fazer o teste de covid ou registrar com precisão as mortes, tornando muito mais desafiador saber a escala exata da crise na Índia do que na Europa ou nos EUA, por exemplo.

O quão ruim pode ficar?

"Infelizmente, nas próximas semanas a situação vai piorar significativamente", adverte Gallagher.

A Índia espera vacinar 250 milhões de pessoas até julho

"Uma lição, aprendida uma e outra vez, é que um aumento nos casos leva a um aumento nas mortes algumas semanas depois", diz ele

"Mesmo se a Índia pudesse impedir a propagação do vírus, as mortes continuariam a aumentar exponencialmente, pois muitas pessoas já foram infectadas. Claro, não há sinal de que as infecções estão se estabilizando - até onde os casos continuarão a subir dependerá do sucesso dos lockdowns e do ritmo da imunização."

É importante registrar que a Índia ainda não tem o maior número de casos nem mortes - os EUA tiveram até agora 32 milhões de casos e 572 mil mortes, de acordo com dados compilados pelo Centro de Recursos Coronavírus Johns Hopkins na segunda-feira (26 de abril). O Brasil registra mais de 14 milhões de casos e 391 mil mortes.

A Índia tampouco está no topo da lista de casos ou mortes por milhão de habitantes - grande parte da Europa e da América Latina está relatando números muito maiores.

Mas é o tamanho da população na Índia e o aumento dramático de casos e mortes que estão causando tanta preocupação.

"Nunca vimos uma situação como esta, em que o sistema de saúde não seja capaz de lidar com o peso dos números atuais e haja, no fundo, um aumento acentuado e contínuo de novos casos", Gautam Menon, professor de física e biologia e especialista na modelagem de doenças infecciosas, disse à BBC.

Quando os serviços de saúde entram em colapso, as pessoas morrem por todas as causas em um número muito maior - mortes que não se refletem nas estatísticas do coronavírus.

Além disso, as operadoras de saúde na Índia também têm desafios muito maiores para cobrir sua vasta população e muitos indianos não têm acesso a nenhum serviço de saúde.

O que isso significa para o resto do mundo?

A pandemia é uma ameaça global.

Desde os primeiros dias, cientistas e especialistas em saúde rastrearam a infecção por coronavírus movendo-se de um país para outro, impulsionada por viagens aéreas e uma economia mundial altamente globalizada.

As fronteiras nacionais têm representado até agora uma barreira muito limitada à propagação, e é impraticável - senão impossível - impor proibições de viagens e fechar fronteiras indefinidamente.

Portanto, o que acontece na Índia certamente terá repercussões por outros países, especialmente porque o país tem a maior diáspora do mundo. Além disso, o descontrole de infecções pode levar ao surgimento de variantes que, potencialmente, podem resistir a vacinas.

"A pandemia nos ensinou que o problema de um país é problema de todos", acrescenta James Gallagher.

"O coronavírus foi detectado pela primeira vez em uma cidade na China, agora está em todos os lugares. O número recorde de casos na Índia pode se espalhar para outros países, razão pela qual muitos introduziram restrições de viagem, e altos níveis de infecção são um terreno fértil para novas variantes do vírus."

Uma nova ameaça nasceu na Índia?

E as condições na Índia podem ser uma notícia muito ruim para a luta global contra a covid-19.

"A alta população e densidade da Índia é uma incubadora perfeita para este vírus experimentar mutações", diz Ravi Gupta, professor de microbiologia clínica da Universidade de Cambridge.

Se o vírus tiver tempo para sofrer mutação em tais condições ideais, isso poderá prolongar e aumentar a gravidade da pandemia em todo o mundo.

"Quanto mais oportunidades o vírus tiver de sofrer mutação, maior será a probabilidade de encontrar uma maneira de infectar até mesmo as pessoas que foram vacinadas", acrescenta James Gallagher.

Novas variantes do vírus do Reino Unido, Brasil e África do Sul já causaram problemas durante esta pandemia, se espalhando pelo mundo, e o professor Menon alerta para novas variantes na Índia.

"Sabe-se que alguns deles estão associados a regiões da proteína spike que permitem que os vírus se fixem melhor às células e reduzem a ligação de anticorpos", disse ele.

"É impossível limitar a disseminação de variantes. A variante B.1.617 (que foi identificada pela primeira vez na Índia) já foi vista em vários países fora da Índia, provavelmente como resultado da importação."

O professor Menon avisa que os vírus continuarão a sofrer mutações e evoluirão para escapar da imunidade que uma infecção anterior ou vacinação pode proporcionar.

A questão agora é quão rápido isso pode acontecer.

"Sabemos que o SARS-CoV-2 pode sofrer mutação para alcançar mais transmissibilidade, a partir de nossa observação das múltiplas variantes em todo o mundo. Até agora, acreditamos que as vacinas ainda devem permanecer eficazes contra essas novas variantes, mas isso pode mudar no futuro."

Como a Índia (e o resto do mundo) pode impedir essa propagação?

Esforços internacionais estão em andamento para ajudar a Índia a administrar sua escassez crítica de oxigênio e o aumento devastador de casos da covid-19.

O Reino Unido começou a enviar ventiladores e dispositivos concentradores de oxigênio e os EUA estão suspendendo a proibição de envio de matérias-primas ao exterior, permitindo que a Índia produza mais da vacina AstraZeneca.

Vários países também estão se oferecendo para enviar equipes médicas e EPIs para ajudar.

O governo indiano aprovou planos para mais de 500 usinas de geração de oxigênio em todo o país para aumentar o abastecimento.

Mas essas são medidas para tentar prevenir mortes, não infecções. O que o mundo precisa é de um aumento dramático na capacidade da Índia de vacinar sua população e prevenir a propagação do vírus.

O país pode ter tido motivos para ter esperança no início da pandemia - quando se trata de fabricação de vacinas, o país é uma potência.

Ele administra um programa de imunização massivo, fabrica 60% das vacinas do mundo e abriga meia dúzia de grandes fabricantes.

Mas "um programa de vacinação de adultos em grande escala contra um patógeno virulento como o SARS-Cov2, o vírus que causa a covid-19, está apresentando desafios sem precedentes", de acordo com o correspondente da BBC Índia Soutik Biswas.

A campanha de vacinação da Índia, a maior do mundo, começou em 16 de janeiro e visa cobrir 250 milhões de pessoas até julho. Até ao momento, acredita-se que "apenas" cerca de 118 milhões de pessoas receberam a primeira dose. Isso representa menos de 9% da população.

Inicialmente limitada a profissionais de saúde e pessoal da linha de frente, a vacinação foi estendida em etapas para pessoas com mais de 45 anos.

Mas a escala da tarefa de imunizar uma população tão grande e os problemas logísticos e de infraestrutura que o país apresenta estão complicando a implementação.

Especialistas dizem que a campanha de vacinação precisa acelerar muito mais para atingir sua meta.

"Não está claro se o país tem vacinas e capacidade estadual suficientes para acelerar a movimentação e expandir a cobertura para incluir os jovens", diz Biswas.

Até que uma população tão grande seja vacinada com sucesso, as infecções no país representarão um risco para o mundo inteiro.

"O problema de doenças infecciosas como a covid-19 não é problema de uma única nação ou mesmo de um pequeno grupo de nações. É verdadeiramente global em suas implicações", diz o professor Menon.

"Precisamos de mais cooperação internacional em testes, vacinas e pesquisas para o bem maior do mundo."

Como as autoridades de saúde pública e os políticos têm dito desde os primeiros dias da pandemia, "ninguém está seguro até que todos estejam seguros".

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56900334


Carência de vacinas: entre o Brasil e a Índia, os EUA ficam com esta, diz Ricupero (Valor)

 EUA tendem a privilegiar Índia e não Brasil ao doar vacinas, diz Ricupero

Embaixador e conselheiro emérito do Cebri diz na Live do Valor que Brasil tem chances, mas "governo não ajuda", enquanto Índia é considerada estratégica pelos americanos

Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio

27/04/2021 12h57  Atualizado há 59 minutos

O embaixador e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rubens Ricupero, afirma que o Brasil tem chances, mas está muito mal posicionado para receber excedente de vacinas contra covid-19 a ser doado pelos Estados Unidos. "O governo não ajuda", resume o diplomata, que já atuou em Washington. Ricupero analisou o cenário na Live do Valor desta terça-feira.

Ricupero afirma que há muito pouco excedente de vacinas no mundo, a maior parte restrita aos Estados Unidos, além de volumes pouco significativos em países menores, como Israel e Emirados Árabes Unidos.

"O que há de excedente de vacinas no mundo é muito pouco. Mesmo nos Estados Unidos, o que há de concreto são 10 milhões de doses da AstraZeneca. O resto [outras 50 milhões de doses] são estimativas de produção futura, de maio e junho", diz. Na visão do embaixador, no entanto, a doação de imunizantes pelos EUA é movimento em "franca evolução".

"Os americanos resistiram muito à ideia de exportar vacina enquanto toda a sua população não fosse vacinada. Mas agora isso mudou, embora ainda não esteja muito claro como vai acontecer. No início deram a impressão de que privilegiariam o consórcio Covax Facility, da OMS. Agora devem usar isso como instrumento de influência diplomática direta", diz Ricupero. Para ele, os EUA devem aderir à noção de diplomacia da vacina, praticada desde o início da crise por nações como China e Índia.

A Índia, que permitiu exportação de vacinas prontas e insumos no início, teria se arrependido com o agravamento da crise e registros diários de 350 mil novos casos de covid-19. O país, na visão de Ricupero, será o principal beneficiário das doações norte-americanas.

"Os Estados Unidos devem privilegiar a Índia na doação de vacinas. Essa preferência tem componente de geoestratégia", diz o diplomata ao citar a aliança dos EUA com Índia, Japão e Austrália, com quem formam o Grupo Quad (quadrilátero) na região do indo-pacífico a fim de fazer frente à China. "Já o Brasil não tem tanta importância estratégica e isso pesa", afirma Ricupero.

Mesmo assim, ele acredita que o Brasil tem chances por razões estruturais, embora tenha dinamitado o "componente de simpatia". "O Brasil é um país do hemisfério ocidental, tem relações fortes e históricas com os EUA e se qualifica pela dimensão do desastre sanitário. Mas o governo não ajuda."

Ricupero menciona, ainda, que o Brasil pode comprar ou permutar vacinas com os EUA diferentemente de países mais pobres, como os africanos. A estratégia já teria sido vocalizada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mantém contato com autoridades americanas e já teria dado como opção o pagamento ou adiantamento de doses a serem repostas posteriormente com o avanço da produção brasileira para uso diplomático dos EUA.

A entrevista, conduzida pelas repórteres Marsílea Gombata, da editoria Internacional, Daniela Chiaretti, especial de meio ambiente, do Valor em São Paulo, pode ser assistida na íntegra pelo site e pelas páginas do Valor no YouTube e no LinkedIn.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/04/27/eua-devem-privilegiar-india-ao-doar-vacinas-brasil-esta-mal-posicionado-diz-ricupero.ghtml


Chanceler acidental bombando, na denúncia de suas falcatruas e mentiras como suposto balanço - Academia.edu de Paulo Roberto de Almeida

 Sucesso, não exatamente do patético chanceler acidental, mas de minha denúncia de seu balanço mequetrefe, cheio de mentiras e justificativas delirantes.

Estas são as estatísticas de downloads de trabalhos meus ou postados por mim na plataforma Academia.edu nos últimos 30 dias: 

 

Title

30 Day Views

30 Day Uniques

3889) Balanco de uma gestao catastrofica: a Era dos Absurdos no Itamaraty (2021)

383

316

Jose Guilherme Merquior: um Intelectual Brasileiro (2021)

167

124

O Itamaraty na Cultura Brasileira (2001)

163

115

Um Ornitorrinco no Itamaraty: cronicas do Itamaraty bolsolavista - Ereto da Brocha (2020)

137

102

A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos

136

104

Especulacoes sobre a evolucao da ordem global do seculo XXI, a luz do Direito Internacional e da Politica Mundial (2021)

87

72

 


terça-feira, 27 de abril de 2021

A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano - Paulo Roberto de Almeida

 A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano

 

Paulo Roberto de Almeida

Professor de Economia Política no Uniceub

 

 

O desenvolvimentismo parece ter sido a doença infantil do processo latino-americano de desenvolvimento numa determinada etapa de sua história. Propagado pela Comissão Econômica para a América Latina, da ONU, desde a segunda metade dos anos 1940, ele se consagrou como a ideologia básica da CEPAL na década seguinte e persistiu como uma espécie de fantasma a pairar sobre as faculdades latino-americanas de economia durante a maior parte das décadas seguintes, mesmo se seus supostos méritos foram postos à prova durante boa parte do último terço do século XX, tendo sido praticamente dissolvido no ecletismo do aperfeiçoamento teórico e metodológico dessas faculdades em tempos mais recentes.

O desenvolvimento, como processo de transformação social e econômica, pode ser aferido com base em dados objetivos, de crescimento e distribuição de seus resultados; já o desenvolvimentismo é um conceito totalmente político, para não dizer uma ideologia. O desenvolvimentismo, como ideologia, está claramente ligado à vertente cepaliana do keynesianismo aplicado na América Latina a partir dos trabalhos de Raul Prebisch na CEPAL.

No seguimento dos trabalhos de Raul Prebisch, na CEPAL, desde o início dos anos 1950, muitos autores partiam do pressuposto de que as políticas teriam de ser necessariamente desenvolvimentistas, de forma apriorística, sem qualquer fundamentação nos dados econômicos e sem qualquer avaliação isenta dos resultados das políticas implementadas. Na verdade, o que se tinha era um processo de substituição de importações, que não é exclusivo da experiência latino-americana, e sim está presente em todas as demais experiências de industrialização, com exceção da original.

Desenvolvimentismo era um conceito de natureza política, inteiramente dependente de como cientistas políticos ou economistas do desenvolvimento manipulavam esse conceito. O historiador econômico, por sua vez, pode no máximo examinar como certas políticas contribuíram, ou não, para um processo de desenvolvimento sustentado, e a isto deveria se resumir seu trabalho de caráter histórico; o conceito em si, porém, não possui qualquer historicidade, e sim o processo real, que precisa ser examinado com base em dados objetivos, não em afirmações.

A rigor, o único processo histórico induzido por um Estado desenvolvimentista explícito foi a construção industrial realizada sob o stalinismo; todas as experiências asiáticas ou latino-americanas foram realizadas pelo setor privado, com o benefício eventual de políticas públicas, geralmente de caráter protecionista ou realizando investimentos setoriais e em infraestrutura. O Brasil, por exemplo, durante 4/5 de sua história econômica, teve seu crescimento sustentado a partir de fora, como fornecedor de produtos primários. Mas, a partir de certo momento, passou-se a privilegiar o mercado interno, e houve crescimento, que por sua vez deixou o Brasil numa situação de total disparidade em relação às médias mundiais relativas a coeficientes de abertura externa, o que é claramente negativo para o seu processo de crescimento, e mais ainda de desenvolvimento.

A América Latina poderia ter se industrializado mesmo na ausência de políticas ativas por parte dos respectivos Estados nacionais, da mesma forma como a Ásia, pois a industrialização corresponde a um processo de diversificação econômica que se reproduz de modos distintos em diferentes contextos societais. O papel do Estado no caso da AL e da Ásia tem sido sobrevalorizado indevidamente, fazendo dele o centro do processo, quando ele é um autor relevante, mas não indispensável. Aliás, a América Latina já vinha se industrializando antes da era das políticas ativas, como a Europa periférica por sinal.

Para vários autores adeptos da ideologia, só o Estado seria capaz, ou teria o dever, de arbitrar estímulos e compensações entre classes e setores da sociedade, sejam estas de que natureza forem; não se concebe que o próprio processo histórico, ou mecanismos de mercado possam ir acomodando diferenças de poder político e econômico, ou alterações patrimoniais, que sempre refletem a estrutura do processo produtivo, com determinadas categorias de produtores ficando mais ricos do que outros, e acumulando poder, portanto; talvez tenha sido o caso da Alemanha e do Japão, para ficar nos casos clássicos, mas provavelmente não foi o caso pioneiro da Grã-Bretanha e logo em seguida dos EUA. Muitos autores assumem a premissa de que esse processo tem que ser guiado por um propósito determinado, e não se pode aceitar a ideia da espontaneidade do processo histórico, que parece ter sido o caso inglês. O Estado é sempre capturado por interesses políticos, sociais e econômicos de determinados grupos que se organizam para conquistar e manter o poder político, ou seja, o governo.

Mas, a história mundial das experiências de industrialização, ou de desenvolvimento, é muito mais diversa do que a suposição de que apenas a regulação estatal de políticas industriais pode superar um suposto atraso, que é sempre relativo. Um economista americano de origem russa, Alexander Gerschenkron, formulou hipóteses bastante interessantes sobre as “vantagens do atraso”, ou seja, o fato que os países retardatários não precisam reproduzir todo o processo dos itinerários originais, e podem partir da tecnologia mais avançada, já disponível quando eles começam seu próprio itinerário de industrialização.

Vários outros exemplos podem ser examinados. Quais são eles? Se conhece a Alemanha do século XIX, o Japão no século XIX, a Coreia a partir dos anos 1960, e o próprio Brasil dos anos do regime militar. No período recente, tivemos mais dois exemplos de impulsos industrializadores mesmo na ausência de uma ideologia desenvolvimentista. Os dois maiores países que parecem se converter em locomotivas do crescimento, a China e a Índia, exibem taxas robustas de crescimento não como um presente do Estado, mas justamente porque se inseriram nas grandes redes produtivas da globalização capitalista, por terem feito reformas internas no sentido pró-mercado, por atraírem investimentos estrangeiros e por terem capitalistas nacionais que se lançam na competição internacional.

Em síntese, não existe um Estado desenvolvimentista, a não ser no discurso dos sociólogos. O que existe são políticas ditas desenvolvimentistas impulsionadas por certos governos durante certo tempo, mas mesmo essa caracterização é enganosa, pois o que existe, de fato, são políticas intervencionistas do governo na economia; se elas são, ou foram, desenvolvimentistas, isto só poderá ser visto ex-post. As fracassadas não entram na categoria, a despeito de terem sido exatamente iguais a outras que frutificaram e receberam essa caracterização; aí é preciso ver quais as fontes reais de crescimento, pois sem ele não existe desenvolvimentismo, e saber se houve políticas coerentes nesse sentido; as experiências bem sucedidas de industrialização da Alemanha no século XIX e do Japão no início do século XX podem ser chamadas de desenvolvimentistas? E as da Coreia a partir dos anos 1960? Certamente as da América Latina, a partir dos anos 1950 entram nessa categoria, mais por autodenominação do que por resultados efetivos, pois parece que a América Latina falhou miseravelmente em seus objetivos, a despeito mesmo de processos dinâmicos de desenvolvimento industrial; olhando a economia mundial, a participação da América Latina no comércio mundial de manufaturas, não apenas é medíocre, como recua ao longo das últimas 4 décadas, com a Ásia Pacífico tomando claramente o lugar da América Latina. Isso é desenvolvimentismo? Se for, foi completamente fracassado e frustrado.

Os países avançados, na verdade, sempre tiveram taxas mais modestas de crescimento, o que é absolutamente natural; taxas mais vigorosas só em países emergentes, a partir da segunda metade do século XX, e alguns deles tiveram comportamento errático nessa área, o que é claramente o caso da América Latina, e do Brasil; e isso não tem nada a ver com o liberalismo, pois as crises ocorreram também em governos tidos por desenvolvimentistas. Mas as políticas nacionais de desenvolvimento industrial são completamente diferentes umas das outras: as bases do crescimento da China são completamente diferentes das da Coreia, assim como ambas são diferentes das que foram seguidas na América Latina. No caso do Brasil, TODOS os seus governos, desde a primeira era Vargas, e mesmo antes, tiveram políticas industriais, geralmente de protecionismo aberto, de mercantilismo, de câmbio favorável, e de subsídios a perder de vista, todos! Algumas dessas políticas foram bem sucedidas, outras não.

Em conclusão, o desenvolvimentismo NUNCA foi objeto de um debate relevante na história econômica do século XX; no máximo foi uma construção cepaliana, ou prebischiana, que agitou as mentes de sociólogos, mais do que de economistas, da América Latina. Mas seus resultados efetivos, antes e agora, parecem ter sido frustrantes. Quais são os grandes exemplos de desenvolvimento rápido em função de tal ideologia? Quais os países que mais cresceram nos últimos 20 ou 30 anos? Eles o fizeram por força de ideias e políticas desenvolvimentistas? Duvidoso. Um dos países que mais cresceu desde os anos 1990, e que ingressou no “clube dos ricos”, a OCDE, foi o Chile. Ele o fez por políticas desenvolvimentistas? Depende do que se entende por políticas desenvolvimentistas. O Chile parece ter aderido às formulações da escola liberal de Chicago, mas mesmo isso é questionável. O que ele fez foi aproveitar suas vantagens comparativas para inserir-se no comércio internacional, algo que o velho mestre Eugênio Gudin preconizava para o Brasil desde os anos 1940. Mas, esta é uma história que precisa ser contada em outro contexto e em outra oportunidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27 de abril de 2021

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Relacoes econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil na longa duração: 200 anos de história (2021) - Paulo Roberto de Almeida

 Aos interessados na minha palestra, podem acessar a íntegra aqui:  

Palestra "Relações econômicas externas e inserção econômica interna...O Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília promoveu em 26/04/2021 palestra proferida pelo Embaixador e Professor Paulo Roberto de Almeida, sob o...youtube.com



Relacoes econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil na longa duração: 200 anos de história (2021) - Paulo Roberto de Almeida

Apresentação em formato pdf:

https://www.academia.edu/47748934/3888_Relacoes_economicas_externas_e_insercao_economica_internacional_do_Brasil_na_longa_duracao_200_anos_de_historia_2021_

Palestra "Relações econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil"

Evento online 
26 de abril de 2021, 16h>18h 

Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília convida para a palestra a ser proferida pelo Embaixador e Professor Paulo Roberto de Almeida, sob o tema Relações Econômicas Externas e Inserção Econômica Internacional do Brasil: 200 anos de história

O evento foi transmitido por meio da Plataforma Sympla Streaming (Zoom) no dia 26/04/2021, a partir das 16:00h. 

Tópicos da Conferência:

  • Estruturas econômicas ao final do regime colonial e ao início da independência
  • A lenta construção de uma economia nacional, preservado características históricas
  • Novas tendências no alvorecer da República: projeto industrializador nacionalista
  • Emergência do Estado promotor nas crises do entre guerras: dirigismo tecnocrático
  • O grande debate Simonsen-Gudin em 1944-45: derrota da teoria, vitória da prática
  • A industrialização substitutiva como projeto do Estado nacional: protecionismo
  • A modernização introvertida do regime militar: uma potência voltada para si mesma
  • A tímida abertura internacional da redemocratização: reformas parciais e erráticas
  • O desenvolvimentismo como obsessão nacional da política econômica externa
  • Impasses, contradições de um país industrializado para dentro: ajustes insuficientes
  • Os grandes desafios da inserção global do Brasil: projeto não partilhado pelas elites
  • A economia global, parcialmente interdependente, do século XXI e o Brasil: perspectivas

 Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e senior research fellow do Centro de Estudos Globais. Dono de uma vastíssima obra que versa sobre história da política externa e da economia brasileira e história internacional, tem dezenas de trabalhos publicados no Brasil e no exterior. É professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

Sobre o organizador

Centro de Estudos Globais - Universidade de Brasília

O Centro de Estudos Globais é um laboratório da Universidade de Brasília que reúne grupos de pesquisa avançada dedicados ao estudo, debate e investigação de excelência sobre os temas e questões das Relações Internacionais contemporâneas.

O ex-chanceler acidental pretende continuar mentindo - Fabio Zanini (FSP)

 O patético pior ministro das relações exteriores em 200 anos de história do Itamaraty não poderá mentir impunemente enquanto eu estiver atento.

Paulo Roberto de Almeida 

Após queda, Ernesto Araújo vira mártir da direita e é estimulado a se candidatar

Ex-ministro das Relações Exteriores estreita laços com olavistas e usa redes sociais para se defender

Fábio Zanini
Folha de S. Paulo, 24.abr.2021 às 23h15

SÃO PAULO- Nos pouco mais de dois anos em que esteve à frente do Itamaraty, Ernesto Araújo fez da oposição ao “globalismo” uma de suas marcas. Nas primeiras semanas depois de deixar o cargo, em 29 de março, agregou outro termo à sua lista de alvos: o “multilateralismo mágico”.

“O multilateralismo mágico é onde se diz ‘multilateralismo’ e pronto. Esse jogo não joguei”, escreveu em sua conta no Twitter, que recentemente passou de 800 mil seguidores. Já é mais popular que a de ex-colegas de governo como Onyx Lorenzoni (796 mil), Marcos Pontes (494 mil) e Ricardo Salles (461 mil).

A postagem recebeu diversos elogios de apoiadores, muitos expressando inconformismo com a saída de Ernesto do cargo, o que mostra sua crescente popularidade na base conservadora. Desde que retornou à planície do Itamaraty, após um longo processo de desgaste interno e com a opinião pública, Ernesto deu sinais de que não pretende desperdiçar o capital político que adquiriu junto à direita bolsonarista.

Passou a usar o Twitter para se defender das acusações de que teria negligenciado a compra de vacinas contra a Covid-19, principal fator que levou à sua queda. “Nunca houve uma crise de vacinas. A política externa que conduzi jamais acarretou problemas à vacinação. O que houve foi a armação de uma falsa narrativa, como parte da tentativa de extinguir a chama transformadora e popular do governo e retirar o Ministério das Relações Exteriores desse projeto”, escreveu ele, em 17 de abril.

Ernesto também retomou seu blog pessoal, o “Metapolítica”, em que escrevia posts que o cacifaram, em 2018, para ser escolhido chanceler. Em 10 de abril, publicou uma longa defesa de sua gestão.

Na última segunda-feira (19), ele foi anunciado como um dos participantes de uma superlive em homenagem ao escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo e da chamada “nova direita”.

Participaram integrantes da nata do olavismo, como o dono do canal Terça Livre, Allan dos Santos, o youtuber católico Bernardo Kuster e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Ernesto, no entanto, acabou cancelando a presença na última hora, devido, diz ele, a um imprevisto.

“O Ernesto é visto como um soldado fiel. Ele fez o que precisou ser feito, trabalhou na agenda do presidente e, na hora que precisou ser sacrificado, saiu quieto”, afirma Silvio Grimaldo, diretor-executivo do jornal conservador Brasil Sem Medo e responsável por conduzir a live dos olavistas.

As circunstâncias da queda do ex-ministro, diz Grimaldo, o tornaram um mártir entre os conservadores.

“Ele é muito querido, visto como um sujeito com as ideias corretas, e uma surpresa. Ninguém conhecia o Ernesto, ele apareceu e fez a política externa que todo mundo esperava. É um conservador puro sangue.”

Outro participante da live, o empresário e influenciador digital Leandro Ruschel diz que “a base conservadora entende que Ernesto é um sujeito que foi fiel aos seus princípios e acabou caindo por conta disso”. “Infelizmente, ele acabou sendo alvo do rolo compressor da esquerda global, que não tolera a possibilidade do Brasil ser uma nação soberana, liderando um movimento conservador”, afirma Ruschel.

Entre bolsonaristas em redes sociais, o nome de Ernesto como um possível nome na eleição do ano que vem passou a ser mencionado, numa articulação que envolveria também candidaturas como as dos ministros Damares Alves (Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), além do ex-titular da Educação Abraham Weintraub.

Ex-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) é um entusiasta da ideia. “Estamos precisando de bons senadores. Adoraria que ele saísse para senador, para pautar o impeachment dos ministros do STF [Supremo Tribunal Federal]. O Brasil ganharia muito com alguém com coragem, como o Ernesto”, afirma.

Para o deputado, o ex-chanceler foi alvo de uma conspiração capitaneada pelo PSDB. “Uma conspiração montada pelo Aécio [Neves, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara] e pelo Senado. Foi uma articulação espúria com o centrão, e as pessoas reconhecem isso”, diz.

Já Ruschel e Grimaldo avaliam que o ex-chanceler pode ser mais útil fora da política partidária. O influenciador digital vê em Ernesto um perfil de educador, o que, diz ele, "talvez ajudasse mais o movimento" caso se dedicasse a tal função. Para Grimaldo, o ex-ministro tem condições de ajudar a construir uma base conservadora sólida no país. “Hoje o movimento conservador é uma força eleitoral, mas não é uma força política. Consegue eleger candidatos, mas não consegue fazer pressão para colocar suas pautas para andar. O Ernesto, pela projeção que teve, pela clareza de ideias, tem a capacidade de pegar várias forças conservadoras no Brasil e articular debaixo de um guarda-chuva só”, afirma.

Procurado pela Folha para falar sobre sua militância conservadora e possível candidatura, o ex-ministro não respondeu ao pedido de entrevista. Ernesto está de férias até 30 de abril, lotado na Secretaria de Gestão Administrativa do Itamaraty, um posto burocrático e visto como transitório, até que o governo encontre um local adequado para ele no exterior.

Uma alternativa é o posto de representante brasileiro junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos, em Paris, cargo que não necessita de confirmação pelo Senado, Casa na qual o ex-ministro coleciona vários desafetos.

Segundo a legislação, Ernesto terá de se licenciar da carreira caso se candidate a cargo eletivo.

Procurada, a assessoria do Itamaraty afirmou que as manifestações políticas de Ernesto seguem o que determina a lei 11.440/06, conhecida como regime jurídico dos servidores do serviço exterior. No artigo 27, a regra afirma que manifestações públicas de servidores do ministério sobre política externa devem ter “anuência da autoridade competente”.

O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, afirma também que a regra deve ser seguida “à luz dos preceitos constitucionais de livre manifestação do pensamento”. Ou seja, Ernesto poderá seguir tuitando, blogando e participando de lives livremente, ao menos por enquanto.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/apos-queda-ernesto-vira-martir-da-direita-e-e-estimulado-a-se-candidatar.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw