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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Economia (in)Constitucional Brasileira (Jorge Vianna) - resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha minha, publicada em formato ultra-resumido, que reproduzo in totum logo abaixo: 



6. “Economia (in)constitucional brasileira”, Brasília, 27 agosto 2004, 3 p. Resenha de Jorge Vianna Monteiro, Lições de Economia Constitucional Brasileira (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 308 p.). Publicada em formato resumido, sob o título de “Economia (in)constitucional” na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 4, novembro 2004, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1756:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1321. Relação de Publicados nº 528.

A economia (in)constitucionalImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
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O conceito de políticas públicas apresenta diferentes acepções, segundo seu enunciador seja um tecnocrata governamental, um empresário privado, um acadêmico ou um cidadão, contribuinte compulsório das rendas federais e usuário aleatório dos serviços públicos, menos serviços do que públicos. O empresário rogará pragas contra o Estado regulacionista e tributariamente insaciável. O acadêmico formulará explicações para a realidade, segundo seja partidário da intervenção desse Estado ou um "neoliberal" convencido.

Jorge Vianna Monteiro tem vasta experiência em políticas públicas, sendo professor e autor de muitos livros. Este resume seu conhecimento teórico e prático sobre o modo de funcionamento da economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação progressiva pelo Estado administrativo. Da leitura conclui-se que vamos continuar afogados num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já providenciaram suas "bóias" fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais. Talvez ainda surja algum jurista querendo "constitucionalizar" a economia informal. O tempora, o mores!

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

A economia (in)constitucional brasileira

Resenha de:
Jorge Vianna Monteiro

Lições de Economia Constitucional Brasileira

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 308 p.

            O conceito de “políticas públicas” apresenta diferentes acepções, segundo seu enunciador seja um tecnocrata governamental, um empresário privado, um acadêmico ou um simples cidadão “sofredor”, contribuinte compulsório das rendas federais e usuário altamente aleatório dos chamados serviços públicos, menos serviços do que públicos, sobretudo nas áreas de saúde, educação ou rodovias. O empresário rogará pragas incontáveis contra o Estado regulacionista e tributariamente insaciável, ao passo que o acadêmico formulará explicações alternativas para essa realidade, segundo ele seja partidário da intervenção necessária desse Estado ou um “neoliberal” convencido.
            Jorge Vianna Monteiro tem uma vasta experiência em políticas públicas, sendo professor desde longos anos e autor de muitos livros nas áreas de economia brasileira, de planejamento estratégico e governamental e no bem mais problemático terreno das complexas interações entre o substrato econômico da sociedade e as políticas públicas desenhadas pelo Estado – ou pelos governos – para “organizar o crescimento” e “distribuir o desenvolvimento”. Como ele indica, o cidadão comum tende a ignorar a “extraordinária inovação institucional” que acompanhou a trajetória da economia brasileira nos últimos anos, representada por uma rede de controles governamentais que ameaçam de erosão as instituições do governo representativo e contribuem, de certa forma, para o atual quadro de instabilidade de regras (inclusive a partir de sua própria fonte constitucional).
            Este livro resume o conhecimento teórico e prático do autor sobre o modo de funcionamento da economia brasileira ao longo das últimas décadas, oferecendo sua interpretação de um processo de erosão relativa do Estado constitucional e sua superação progressiva pelo Estado administrativo. O quadro analítico de Vianna Monteiro é baseado no trabalho teórico do prêmio Nobel de economia James Buchanan, que ele define como seu “herói intelectual”, autor, justamente, de uma obra clássica nessa área, Constitutional Political Economy (1990). O livro começa precisamente pela discussão das “escolhas públicas”, sistematizadas teoricamente por Buchanan, partidário de uma “política sem romantismo”, o que só pode ser obtido a partir de uma economia fortemente enraizada na institucionalidade. Ele se debruça, em seguida, sobre as características da própria economia política brasileira, a partir de seu ambiente institucional, não apenas pós-Constituição de 1988, mas igualmente pós-emendas e toda a parafernália de instrumentos que alimentam o que ele chama de “voracidade e caos promovidos pelo governo na área tributária” (p. 67). A despeito do apregoado “neoliberalismo” do governo nos anos 90, o que se tem, na verdade, é o “poder que cresce e cresce”. A própria “facilidade” em mexer na Constituição leva a que “o governo acaba por ser incentivado a ampliar sua influência na economia nacional” (p. 105).
            O terceiro capítulo trata, precisamente, da “concentração de poder”, ou seja, a hipertrofia do poder decisório sob a forma de iniciativas legislativas do próprio poder executivo (duplicação do número de medidas provisórias sobre a produção legislativa “normal”). Esta parte também confirma o paradoxo: “o apego á ideologia econômica liberal, com as decorrentes medidas de redução do tamanho físico do Estado, não necessariamente resulta em um Estado menos intervencionista” (p. 143). Em outras palavras, o alegado neoliberalismo é uma balela. O capítulo quarto introduz a atmosfera de crise, vivida a partir das turbulências financeiras da segunda metade dos anos 90, quando, sintomaticamente, se começa a falar de uma autoridade monetária independente, ao mesmo tempo em que aumenta ainda mais a intrusão fiscal do Estado na vida dos agentes econômicos (pessoas físicas e jurídicas).
            A construção da credibilidade na política econômica do governo, objeto do capítulo 5, se dá igualmente de forma contraditória, já que o crescente intervencionismo aumenta a volatilidade intrínseca do jogo econômico, mas aqui já entramos no novo governo, inaugurado em janeiro de 2003. O grande “cabo de guerra”, aqui, é a fixação da taxa de juros, obsessão constante de toda uma ala do PT e de outras forças políticas, a começar pelo vice-presidente. O “caso Anatel” (fixação de tarifas de telefonia) é outro exemplo de controvérsia política, envolvendo inclusive o Judiciário. A despeito das intenções do governo de demonstrar transparência e accountability, ele continua a promover “avassaladora regulação econômica” (p. 200). O resultado desses sinais contraditórios emitidos a cada momento pelo governo – formado por um bando de novos zealots, que são os burocratas do banco central – pode ser um “otimismo de resultados”, em confronto com o “pessimismo dos processos”.
            O sexto capítulo trata dos comportamentos políticos em períodos eleitorais, quando tendem a mudar a quantidade e a qualidade das políticas públicas, ao passo que o capítulo sétimo aborda a nova fase de crises a partir de 2001 (energética, externa e institucional). A alegada “flutuação da moeda” não evita sucessivas intervenções do banco central no mercado cambial, para sustentar uma determinada cotação do dólar. Da mesma forma, a emissão do decreto 4.489, de novembro de 2002, que trata do acesso de burocratas da receita à movimentação financeira de pessoas físicas, confirma que permanece “ilimitada a capacidade do governo para gerar novas formas de incerteza” (p. 283). Em face de tantas e tão diversas exações, o autor conclui que se torna “necessário passar à etapa crítica de constitucionalizar a política econômica” (p. 292), o que pode soar irônico, em face de outras tantas e tão diversas disposições da Carta que tratam da economia e da política econômica na tradição recente do constitucionalismo brasileiro. Aparentemente, vamos continuar afogados, pelo futuro previsível, num mar de leis, decretos, MPs e outras medidas administrativas. Muitos já providenciaram suas “bóias” fiscais, pela evasão, elisão e fuga de capitais, enquanto a maioria submergiu na economia informal. Talvez ainda surja algum jurista querendo “constitucionalizar” a economia informal, decretando em seguida que a legalidade econômica foi “restaurada”. O tempora, o mores!
           
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 agosto 2004

Industria brasileira nos anos 90 (livro) - resenha de Mario Salerno

Mais uma reprodução de um livro que pode ter sua importância para analisar a indústria brasileira em épocas passadas, numa resenha feita por acadêmico então trabalhando no Ipea:


Um balanço dos anos 1990ImprimirE-mail
Mario Sergio Salerno
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O livro - uma coletânea de oito capítulos precedidos por breve e genérica introdução -realiza um balanço da abertura da economia brasileira ao comércio internacional e ao investimento direto externo (IDE) realizada nos anos 1990 para sustentar o processo de privatizações e os desequilíbrios na balança comercial que se seguiram à paridade cambial introduzida pelo plano Real. Para tanto, analisa as conseqüências do IDE, os impactos da abertura sobre o conteúdo importado na indústria, a inserção internacional das grandes empresas de capital nacional, os padrões de integração comercial das filiais de empresas transnacionais, as características e impactos das empresas estrangeiras no comércio exterior brasileiro, o papel do Mercosul no processo de internacionalização comercial do Brasil e o Mercosul em si, finalizando com considerações sobre política industrial.

Um problema comum em coletâneas é a heterogeneidade das contribuições. A obra em análise não foge à regra. Ela poderia ser muito potencializada se houvesse uma amarração entre os capítulos - por exemplo, numa introdução ou num capítulo final que fizesse um balanço crítico, comparasse resultados e análises em que as discussões se repetem.

Os autores discutem a literatura que considerava que as transnacionais incrementariam as exportações e a competitividade da economia, sendo as importações um movimento passageiro, que cessaria quando os investimentos industriais se concretizassem. Levantam dados empíricos para contestar tal movimento "virtuoso". Esse é o ponto alto do livro. Os dados mostram que o aumento do IDE não se refletiu na taxa de investimento, pois uma parte considerável foi destinada à compra de ativos já existentes, ao contrário do que ocorreu na China, onde 95% do IDE foi canalizado para novos ativos. O peso das empresas estrangeiras passou de 27% para 42% do faturamento total da indústria brasileira; as filiais de empresas estrangeiras não exportaram proporcionalmente mais e importaram 26% mais do que as nacionais de mesmo tamanho e setor. O processo de abertura dos anos 1990 não resultou em maior presença mundial das empresas nem dos produtos brasileiros, mas aumentou o passivo externo e o consumo de bens intermediários produzidos alhures. Para os mercados centrais eram enviadas fundamentalmente commodities, ao passo que o Mercosul contribuiu para melhorar a inserção de produtos manufaturados.

Se os autores obtêm sucesso nas suas teses sobre as características e o efeito da abertura nos anos 1990, nada falam sobre o ímpeto exportador nos anos 2000, que abre um caminho alternativo de pesquisa. A desvalorização cambial e o regime de câmbio flutuante introduziram um novo cenário, mas há evidências de que as empresas remanescentes saíram fortalecidas, o que, aliado ao incentivo às exportações, principalmente a partir de 2003, promoveu uma forte mudança no quadro externo brasileiro.

Mario Sergio Salerno

O espetaculo do crescimento (William Easterly) - Ottoni Fernandes

Reproduzo abaixo uma resenha do então editor da revista Desafios do Desenvolvimento (edição 3, 1/10/2004), Ottoni Fernandes Jr., sobre livro importante de William Easterly publicado no Brasil:


Em busca das causas do desenvolvimentoImprimirE-mail
Ottoni Fernandes Jr.
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O editor optou pelo marketing ao traduzir o livro de William Easterly, apoiado na frase do Presidente Lula que no ano passado prometeu, antes da hora, um "espetáculo do crescimento". Melhor teria sido usar "A ilusória busca do crescimento", que diz muito mais sobre o conteúdo do livro. Analisar as razões por que alguns países alcançaram sucesso no seu desenvolvimento e outros ficaram para trás tem sido a preocupação de inúmeros economistas, sociólogos e historiadores. Quase sempre apoiados em extensas séries de dados macroeconômicos e sociais e num elevado poder de computação. Mas existe pouco consenso.

Easterly escreveu o livro em 2001, quando ainda trabalhava no Banco Mundial, onde ingressou em 1985, depois de conseguir um doutorado de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. Depois de analisar ciclos recentes de crescimento de vários países, ele considera errônea a afirmação de que o crescimento econômico depende fundamentalmente do investimento em máquinas, da clássica taxa de investimento. Considera essa hipótese um tipo de fundamentalismo econômico. A ajuda externa também não funcionou para tirar países da pobreza, pois quase sempre foi dissipada por dirigentes corruptos. Instituições sólidas, consensualmente reconhecidas pela população e por agentes econômicos podem ter mais impacto em impulsionar o desenvolvimento, afirma.

O livro de Easterly se apóia em várias obras da literatura econômica e também em sua experiência como assessor da Divisão de Macroeconomia e Crescimento do Banco Mundial, que lhe permitiu conhecer de perto inúmeros países pobres ou em desenvolvimento. Em sua avaliação, o desenvolvimento ocorre quando todos os agentes têm acesso aos incentivos corretos. Ele reconhece que a difusão de novas tecnologias, num ambiente macroeconômico estável, é muito importante. Um dos exemplos citados é a indústria de confecções de Bangladesh. Ela surgiu em 1979 graças å iniciativa do empreendedor Noorul Quader, que criou a Desh Garments, que fabricou 43 mil camisas no seu primeiro ano de funcionamento e em 2001 faturava 2 bilhões de dólares anuais e garantia 54% das exportações de todo o país. Quader resolveu investir em conhecimento e foi buscar tecnologia na Coréia do Sul, para onde levou 130 funcionários para treinamento. O contrato de transferência de tecnologia foi cancelado em 1981 e em 1987 a Desh Garments já produzia 2,3 milhões de camisas ao ano. Mais importante, tornou-se um pólo de irradiação, pois seus funcionários saíram para criar novas confecções, deflagrando um círculo virtuoso de mais investimento e crescimento.

Easterly deixou o Banco Mundial em 2001 e atualmente é professor da Universidade de Nova York. Nesse livro não foge de uma abordagem neoliberal e diversos economistas criticam algumas de suas inferências, pois ele estaria tratando relações como causalidades.

Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária (Joseph Stiglitz) - Resenha Paulo R Almeida

Mais uma resenha minha publicada na revista do Ipea:


5. “Entre a economia e as relações internacionais”, Brasília, 24 setembro 2004, 3 p. Resenha de Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald: Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária (São Paulo: Francis, 2004, 440 p.). Publicada na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 3, outubro 2004, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1751:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1331. Relação de Publicados nº 525.

Entre a economia e as relações internacionais

Resenha de
Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald
Rumo a um Novo Paradigma em Economia Monetária
São Paulo: Francis, 2004, 440 p.

            A moeda é irrelevante. O crédito é que é importante. Estas poderiam ser as duas lições sintéticas deste livro, tão denso de argumentos quanto elegante na redação (a despeito das muitas equações e gráficos de tendência). Ele poderia ainda ostentar como subtítulo: o crédito global e seus benefícios.
            Com efeito, à diferença do seu libelo anterior contra a economia global e o FMI (A Globalização e seus malefícios), ou da sua história compacta (e imediata) sobre Os Exuberantes Anos 90, este livro deixa a atmosfera carregada das manifestações anti-globalização para penetrar no ambiente geralmente mais circunspecto dos cenáculos dedicados aos debates teóricos. Como indica sua apresentação, ao contrário da teoria monetária prevalecente, este livro se concentra “não no papel da moeda como facilitador de transações, mas no papel do crédito como facilitador de atividades econômicas de maneira geral”. O novo “paradigma” referido no título enfatiza a demanda e a oferta de fundos de empréstimo, o que requer a compreensão das imperfeições da informação e do papel dos bancos.
O livro derivou de palestras que os autores deram em 1999 a convite da Banca Commerciale Italiana e da Università Commerciale Luigi Bocconi, leituras que tinham o propósito de unir teoria econômica e prática política, fazendo, justamente, a junção entre a economia que se estuda nas academias e a realidade da economia global. Os dois pesquisadores universitários vinham trabalhando suas teses por quase duas décadas, quando o trabalho teórico foi interrompido ao longo de sete anos, quando Stiglitz assumiu os cargos de presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, depois como economista chefe e vice-presidente do Banco Mundial, período no qual ele se desentendeu com seus colegas do FMI pela maneira como eles estavam administrando a série de crises financeiras dos países asiáticos. Esse período tumultuado ofereceu, aparentemente, um campo de teste para essas idéias e eles saíram convencidos de que não apenas elas estavam certas, como eram importantes e relevantes: “se as perspectivas de política monetária que estávamos desenvolvendo tivessem sido amplamente adotadas, o FMI poderia ter administrado muito melhor a crise financeira global de 1979-1999”.
É possível, mas, assim como os caminhos do inferno, os itinerários da “história virtual” (what if?) ‑ o “se” que a frase acima explicita ‑, podem estar pavimentados de boas intenções: não saberemos jamais se os exercícios de “economia alternativa”, propostos de forma estridente por Stiglitz a partir de seu escritório no BIRD, disparando rajadas de petardos oratórios contra seus colegas do FMI, teriam ou não sido mais eficientes na superação das crises financeiras, do que as medidas contracionistas recomendadas pelo Fundo.
Pode ser, mas o teste real já não pode mais ser realizado, e temos de nos contentar com este tratamento relativamente pioneiro de questões importantes da economia monetária, descrito por eles mesmos como um “desafio à ortodoxia”. O ponto mais importante do livro está justamente em ressaltar que o crédito não é uma mercadoria igual às outras e que os manuais de economia, que se concentram na moeda como meio de troca, falham redondamente em seus objetivos conceituais. O livro se situa, assim, no campo da economia institucional, já que ele ressalta o papel central dos bancos no sistema de crédito, um sistema de “equilíbrio geral” de crédito mais amplo cujas interdependências são tão importantes quanto aquelas tradicionalmente discutidas nos mercados de bens e serviços.A parte empírica do livro toma embasamento nas relações monetárias e nas práticas de política monetária ocorridas nos Estados Unidos e em outros países, no período recente ou ao longo das últimas décadas, quando mudanças importantes ocorreram na estrutura institucional do sistema bancário. Os autores argumentam que as mudanças nas relações monetárias ao longo do tempo e as diferenças entre os países podem estar ligadas às variações institucionais no sistema bancário. Em momentos de crise, a política monetária passa a desempenhar um papel crucial e é aí, acreditam os autores, que os modelos tradicionais de economia monetária falham de maneira dramática. Eles argumentam que “a incapacidade de entender aspectos cruciais das instituições financeiras e de suas mudanças está por trás de alguns fracassos recentes das políticas macroeconômicas, incluindo a recessão dos Estados Unidos em 1991 e as severas recessões e depressões do Leste Asiático que começaram em 1997”.
Pode-se concordar com os principais argumentos dos autores, tanto em sua coerência intrínseca do ponto de vista da teoria econômica como de sua utilidade prática do ponto de vista das políticas efetivamente aplicadas, mas dificilmente se poderia argüir que o foco principal deste novo “paradigma” de economia monetária é realmente novo ou inédito. Afinal de contas, desde o Renascimento, banqueiros como os Médici, os Pazzi e os Strozzi, na Florença de Maquiavel, já tinham percebido que a moeda em si não era relevante para sua atividade de banqueiros “multinacionais” (ou em todo caso, multi-europeus e mediterrâneos): foram eles, afinal, que criaram essa nova tecnologia revolucionária para a história do capitalismo, que se chama crédito (ainda que na forma de saque bancário), liberando o comércio das restrições anteriores e criando uma “economia global” da ponta setentrional do continente europeu até os portos do Oriente Próximo, então conhecido como Levante. Os banqueiros são os verdadeiros heróis da economia monetária, nos tempos turbulentos de Maquiavel, ou nos tempos turbulentos da globalização financeira, tão bem analisada neste livro “paradigmático”.

Paulo Roberto de Almeida

A voracidade tributaria da Uniao (e inconstitucional tambem) - DCI

Diaário do Comércio e Indústria, 30/01/12 - 00:00 > POLÍTICA

Governo retém verba de município, diz Lima


Brasília - A União não só se apodera da maior e melhor fatia do bolo tributário do País - cerca de 60% - como ainda retém recursos que deveriam ser repassados para estados e municípios. Nos últimos três anos, o valor travado ficou em R$ 6,7 bilhões e ainda falta liberar outros R$ 4 bilhões.

Quem reclama é o deputado federal Júlio César Lima (PSD-PI), especialista em tributos, ex-prefeito de Guadalupe (PI) e presidente da Frente Parlamentar Municipalista.

Fala com conhecimento na condição de procurador fiscal aposentado e autor de livro que trata sobre a questão dos repasses da União - Brasil em Dados Comparados das Unidades Federadas.

"Somando-se tudo isso, nós teremos dinheiro suficiente, pago aos estados e municípios através dos órgãos responsáveis, para que os investimentos já feitos não sejam perdidos, e as ações executadas pelos prefeitos tenham uma continuidade", protestou, em entrevista exclusiva ao DCI. Ele promete cobrar uma solução depois da reabertura do Congresso, no próximo dia 1º de fevereiro.

Em defesa de mais recursos para os municípios, Lima não acredita que isso aumente os casos de corrupção que têm levado à cassação de vários prefeitos. "Todas as obras feitas pelos prefeitos são as mais baratas do Brasil quando se analisa o custo da obra, dividido por habitante", opina.

DCI: Neste momento, qual é o projeto que mais toma espaço e tempo na Frente Parlamentar Municipalista?
Júlio César Lima: Um deles acontece dentro da Comissão de Finanças e Tributação, da qual sou membro titular, para que o governo, por meio da Receita, possa ser mais transparente. Por diversas vezes eu tenho identificado a retenção de recursos não compartilhados com estados e municípios, através do FPM [Fundo de Participação dos Municípios], principalmente. Esses recursos são oriundos do Refis 1, 2, 3, 4 e do Refis da Crise. Além do Refis, tem também o refinanciamento de dívidas administrativas e depósitos judiciais que nos dois últimos anos, 2010 e 2011, nós fizemos a União pagar, através da classificação da Receita e do Tesouro Nacional, R$ 6,7 bilhões para o FPM [Fundo de Participação dos Municípios], o FPE [Fundo de Participação dos Estados] e o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]. Ainda mais: como não tínhamos como classificar esses recursos, o fizeram provisoriamente, por meio da Portaria 232/09, que autoriza a classificação provisória. Mas essa portaria também diz que, logo em seguida, deve ser feita a definitiva, e o governo nunca, nunca, fez a classificação definitiva. Então, os municípios têm uma diferença significativa a receber. E o governo nos prometeu que pagaria tão logo fosse definida a consolidação dos restos a pagar. Isso era para ter sido feito em dezembro, e depois foi transferido para janeiro, mas, até hoje, ninguém se manifestou. Nós estamos atentos à reabertura dos trabalhos legislativos, no próximo dia 2, para que possamos reivindicar esse direito dos municípios. 

DCI: Por que o governo demora tanto a repassar esses recursos?
JC: O governo diz que tem dificuldade de classificar esses recursos. Eu já entendo diferente. Se eles tivessem boa vontade e menos negligência, todo o processo poderia ser feito com mais agilidade. Eles pagaram de 2009 a 2011 os R$ 6,7 bilhões e calculo que eles ainda devem pagar mais ou menos a mesma quantia. O importante é que nós continuemos lutando, pois, se ninguém se manifestar, aí, sim, eles não vão pagar nunca. Estamos também sempre exigindo mais transparência de todo esse processo. Eu já propus que quando o contribuinte pagar seu imposto seja colocado o percentual no próprio site, pois, assim, tudo poderá ser verificado em tempo real. Agora, a nossa luta é em relação ao Refis, nós queremos que aconteça a mesma coisa.

DCI: E o senhor tem ideia de quanto ainda falta pagar?
JC: Eu estimo em pelo menos R$ 4 bilhões a mais. Isso sem contar com o que foi arrecadado pelo Refis da Crise nos meses de outubro a dezembro. Somando-se tudo isso, eu acredito que nós teremos dinheiro suficiente, pago aos estados e municípios através dos órgãos responsáveis, para que os investimentos já feitos não sejam perdidos e para que as ações executadas pelos prefeitos tenham uma continuidade.

DCI: Sobre os royalties do pré-sal, há algo que a Frente pretende fazer para reivindicar esse direito?
JC: Nós vamos lutar com toda a nossa força política dentro da Frente Parlamentar para que o projeto sobre os royalties do petróleo seja votado. É inconcebível que o governo use de alguns instrumentos para adiar essa votação. Porque todos os royalties produzidos pelo petróleo e principalmente do pré-sal vem do mar. Logo, o mar pertence à União e a União é de todo o povo brasileiro. Nós queremos mudar e mudar com responsabilidade. Nós queremos que o País cresça e que todos os estados cresçam e usufruam desse privilégio, principalmente os estados das regiões mais pobres, do norte e nordeste do Brasil, precisam de mais recursos. Nós entendemos que o critério mais justo é do FPE, mais compensador e redistribuidor, o que diminui a diferença entre ricos e pobres é a divisão.

DCI: A qual outro projeto a Frente pretende se dedicar em 2012?
JC: Nós vamos lutar para a Reforma Tributária. Essa reforma precisa ser focada um pouco mais na redistribuição compensatória da carga tributária brasileira. O atual sistema fiscal é muito injusto e concentra muito o dinheiro na mão dos ricos em detrimento dos pobres. A grande diferença está na tributação do ICMS, que é maior do que o Imposto de Renda, do que o Cofins e do que as contribuições previdenciárias. Nós queremos que essa tributação do ICMS seja no destino e no consumo, como já é com os três maiores contribuintes da atividade, que são energia, comunicação e petróleo. Esperamos que fazendo isso possamos atribuir uma capacidade de arrecadar mais nos estados mais necessitados, como no nordeste, que precisa desta redistribuição do ICMS para comprar no destino, não na origem.

DCI: O que atrasa o crescimento dos municípios brasileiros?
JC: O povo brasileiro não mora nem na União nem nos estados, mas sim nos municípios. E é lá que nós temos os problemas que precisamos resolver para proporcionar melhor qualidade de vida aos brasileiros. Cada município tem um gestor que está diretamente relacionado com seu povo e sua gente. Todas as obras feitas pelos prefeitos são as mais baratas do Brasil quando se analisa o custo da obra, dividido por habitante. E entendo que, nestes 10 anos do pacto federativo, os municípios, que têm cerca de 16% de toda a arrecadação de tributos da União, possam aumentar essa arrecadação para 20% ou 22%; os estados, que têm torno de 24%, possam chegar aos 30%; e a União, que tem cerca de 60%, possa cair para 50% ou 40%. Dessa forma, estaremos transferindo a responsabilidade para os municípios. E eu acredito que mesmo com todas as anomalias - como corrupção, que infelizmente se propaga no meio político, principalmente entre os prefeitos, que são maior número -, com ação eficaz dos órgãos fiscalizadores, teremos um resultado muito melhor do que temos hoje. Precisamos descentralizar os recursos, atender melhor as condições de cada município, para consequentemente, darmos assistência ao que mais precisa.

DCI: Por que os prefeitos são os políticos que mais têm suas contas contestadas e mais têm sofrido pedidos de cassação?
JC: Na minha opinião, quanto mais fragilizado o ente federado, mais fragilizados seus ocupantes, os prefeitos. Como eu já disse, eles estão em maior número. No Brasil são mais de cinco mil. Também vemos que os municípios não são bem municípios e não possuem assessorias essencialmente qualificadas, como nos estados. Por isso os municípios acabam ficando mais frágeis e suscetíveis a erros, sendo assim, mais prejudicados.