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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Brasil: um pais improdutivo? Assim parece... - Editorial Estadao

Um país improdutivo

11 de março de 2014 
Editorial O Estado de S.Paulo
A combinação perversa de baixo crescimento, inflação elevada e contas externas em deterioração reflete a baixa eficiência da economia brasileira, batida com folga nos últimos anos tanto pelos competidores mais dinâmicos da Ásia quanto por vários vizinhos sul-americanos. Nos últimos 25 anos o Brasil foi um retardatário na corrida da produtividade, como têm indicado estudos de respeitadas instituições públicas e privadas. Segundo relatório recém-publicado pela consultoria McKinsey & Company, a produtividade do trabalho cresceu em média, no Brasil, 1% ao ano no quarto de século até 2012. No mesmo período, o aumento anual chegou a 4,7% na Coreia do Sul, 3,3% no Peru, 2,4% no Chile e 1,6% nos Estados Unidos. Diferentes estudos podem apresentar diferenças nos resultados numéricos, mas a conclusão básica é a mesma, em todos os casos, e ajuda a entender a perda de vigor da economia nacional, nos últimos anos, e o baixo poder de competição de sua indústria.
Sem ganhos consideráveis de eficiência, o Brasil continuará incapaz de avançar em ritmo semelhante ao de outros países emergentes, nos próximos anos. A expansão econômica do País tem dependido excessivamente da incorporação de mão de obra. Os ganhos provenientes dessa incorporação tendem a diminuir, com a mudança demográfica e a expansão mais lenta da oferta de trabalho. Cada vez mais o aumento do PIB dependerá da produtividade gerada por investimentos em educação, inovação, máquinas, equipamentos e infraestrutura.
Em todos esses quesitos o Brasil está atrasado. Principalmente nos últimos dez anos, o governo escolheu prioridades erradas para a educação; demorou a se preocupar com a infraestrutura; administrou mal os próprios gastos; desperdiçou recursos com empresas selecionadas; e adotou uma política industrial anacrônica, baseada no protecionismo.
Segundo o Ipea, entre 1992 e 2001, o aumento do PIB per capita foi derivado quase totalmente (uma parcela de 93,23%) dos ganhos de produtividade. Nos dez anos seguintes essa fatia encolheu para 70,63%, enquanto cresceu a importância da absorção de mão de obra.
De acordo com o mesmo estudo, publicado em setembro de 2013, a agropecuária foi o setor com maior aumento de produtividade entre 2000 e 2009 - uma taxa média anual de 3,8%. Nesse período, na indústria de transformação a perda anual foi de 0,8%. Entre 2007 e 2010 houve um ganho acumulado de 6% na indústria de transformação (pouco mais de 1% ao ano) e de 20% na de extração mineral.
Análise mais recente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) apontou um aumento de 2,4% na produtividade do setor em 2013, quando a produção cresceu 1,2%, as horas pagas diminuíram 1,3% e o nível de emprego caiu 1,1%. A ocupação diminuiu e as empresas, aparentemente, retiveram a mão de obra com melhores qualificações. No triênio, no entanto, a produtividade aumentou em média apenas 0,6% ao ano.
"Esse é um fator preponderante", segundo a análise, para explicar a perda de competitividade do produto nacional diante do estrangeiro tanto no mercado interno como no externo. Essa perda, perceptível há anos, explica a participação crescente dos importados no mercado nacional de bens industriais e o déficit brasileiro no comércio de manufaturados e semimanufaturados.
Nem com o aumento de produtividade estimado para 2013 a indústria nacional se tornou mais capaz de competir, porque esse ganho foi anulado, segundo o estudo do Iedi, por um aumento salarial equivalente. No triênio, o custo da mão de obra subiu 3,2% em média, por ano, superando de longe a elevação de eficiência da mão de obra. Esse descompasso entre salário e produtividade na indústria tem sido apontado em relatórios do Banco Central (BC) como um importante fator inflacionário. Essa relação, conhecida há muito tempo, é um lugar comum nos manuais de análise econômica. Os formuladores da política econômica parecem ignorá-la.

Mercosul: uma sucessao de erros no comercio com a Argentina - Editorial Estadao

Uma dependência desastrosa

12 de março de 2014 | 2h 10
Editorial O Estado de S.Paulo

Mais uma operação de salvamento do comércio entre Brasil e Argentina será discutida nos próximos dias pelos governos dos dois maiores sócios do Mercosul. Além do vínculo ideológico entre a Casa Rosada e o Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff leva em conta, com certeza, uma segunda motivação, tão importante quanto prosaica. O mercado argentino continua sendo um dos principais destinos dos manufaturados brasileiros - mais importante do que seria, se a política externa brasileira tivesse mantido, a partir de 2003, o tradicional pragmatismo do Itamaraty. Como a Argentina está muito perto de uma crise cambial, as autoridades brasileiras poderão, segundo se informa em Brasília, favorecer o uso mais amplo das moedas nacionais nas trocas bilaterais.

Esse expediente já foi tentado há alguns anos, mas sem sucesso. Como era previsível, o comércio continuou baseado no dólar, porque os empresários pouco se interessaram pela alternativa. Mas a política da presidente Cristina Kirchner, fiel ao padrão imposto por seu marido, tornou cada vez mais difícil um intercâmbio normal entre os sócios do Mercosul.
O problema da forma de pagamento volta à agenda, neste momento, porque a situação argentina se agravou continuamente desde a eclosão da crise global, em 2008. Suas importações ficaram sujeitas, nos anos seguintes, a um protecionismo crescente e a regras severas de controle cambial - uma situação cada vez mais incômoda para as empresas brasileiras.
A discussão sobre o uso das moedas nacionais já começou entre os governos dos dois países, com alguma participação de empresários, segundo o Estado noticiou ontem. O arranjo pode ser complementado com um esquema de financiamento bancado pelo lado brasileiro. Se algo desse tipo se confirmar, o governo argentino terá conseguido, finalmente, abrir a empresas de seu país o acesso ao crédito oficial brasileiro. Essa tem sido uma antiga reivindicação da presidente Cristina Kirchner.
O governo brasileiro tem geralmente cedido às pretensões argentinas, quando se trata de fixar as condições de comércio entre os dois países. Essa boa vontade tem sido em grande parte ditada por afinidade ideológica - os dois governos têm apoiado o bolivarianismo - e também pela ilusão de uma liderança regional brasileira. Aceitar as imposições de alguns vizinhos seria parte do preço dessa liderança imaginária. Mas outro fator vem ganhando peso crescente: a dependência excessiva do mercado argentino, consequência de uma série de erros estratégicos da diplomacia econômica petista.
No ano passado a Argentina absorveu 8,1% das exportações brasileiras. A parcela vendida pelo Brasil aos EUA, de 10,3%, foi pouco maior. A China tem sido o único mercado individual com participação maior que a americana e a argentina na absorção de produtos brasileiros (19% no ano passado).
O crescente problema cambial argentino torna essa dependência cada vez mais perigosa. No primeiro bimestre deste ano, o Brasil vendeu à Argentina 16% menos, em valor, do que em janeiro e fevereiro de 2013. O lado brasileiro ainda foi superavitário, mas a redução das vendas prejudicou seriamente o resultado geral do comércio.
Estados Unidos e União Europeia também são importantes mercados para a indústria brasileira. No primeiro bimestre, 45% das exportações para os Estados Unidos foram de manufaturados. Incluídos os semimanufaturados, a proporção das vendas industriais chegou a 66,23%. Esse comércio poderia ser muito mais dinâmico, se os governos brasileiro e argentino houvessem apoiado, há cerca de dez anos, a conclusão do acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Outros sul-americanos negociaram acordos com os EUA e com outros países avançados e com isso dinamizaram suas exportações. O Brasil ficou preso a um Mercosul emperrado. Nem as negociações com a União Europeia foram concluídas, em grande parte por causa da resistência argentina. A desastrosa dependência do mercado argentino é uma das consequências desses erros. 

Uma nova historia dos judeus, pelas palavras, por Simon Schama - Dwight Garner (book review)


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Simon Schama, the prolific and protean British historian whose topics have included the French Revolutionand the history of art, arrives now with a history of the Jewish people, and it’s a multimedia happening: two books and a five-part television documentary being broadcast on the BBC and PBS.
The first volume, “The Story of the Jews: Finding the Words 1000 BC-1492 AD,” is before us. The second, out this fall, takes us up to the present day. It bears a rather more somber subtitle: “When Words Fail: 1492-Present.”
It’s no accident that the subtitles alight on language. Mr. Schama is a wordy, frequently witty writer about a wordy, witty culture. Considering the Dead Sea Scrolls, for example, he can’t help summarizing a bit of the implied content in one of them this way: “We are going to write the enemy into capitulation! Surrender to our verbosity or else!”
Mr. Schama’s own verbosity offers deep pleasures. If he occasionally writes the reader into capitulation — there are more zealots and harlots, uprootings and assaults, curses and hymns, doves and asses, and parched throats and sacrificed goats in this book than you can easily keep in your head at one time — he mostly wears his erudition lightly.
Photo

CreditSonny Figueroa/The New York Times
This story has, to be sure, been related many times before. “Anyone venturing into Jewish history has to be dauntingly aware,” Mr. Schama observes, “of the immense mountain ranges of multivolume scholarship towering behind him.” His is the kind of book that more academic historians sometimes disparage as paddling in a genre that’s been described as, “read 10 books, write an 11th.”
But Mr. Schama’s “The Story of the Jews” is exemplary popular history. It’s engaged, literate, alert to recent scholarship and, at moments, winningly personal. Observing the ancient jugs and amphorae and other kitchenware unearthed during an archaeological dig, for example, he spies a beautiful baking tray and comments, “I am suddenly at home in this kitchen, preparing a meal, reaching for the oil.”
Jewish history has survived, thanks to its people’s intense literacy. “From the beginning of the culture’s own self-consciousness, to be Jewish was to be Bookish,” Mr. Schama writes. Jews carried the Torah everywhere, sometimes in miniaturized versions on their persons. Burning it was little use; these people had it memorized.
The Torah had everything a mentally omnivorous culture needed. Mr. Schama describes it as “compact, transferable history, law, wisdom, poetic chant, prophecy, consolation and self-strengthening counsel.” Yet that the Jews have come so close to annihilation so many times also demonstrates the limits of words alone. As Mr. Schama writes elsewhere, “There are certain things poetry can’t do: prolong the life of doomed states, for example.”
Mr. Schama’s history commences around the time Jews began to be thought of, by scholars, as a unified people; it ends with the Spanish Inquisition and the Jews’ expulsion from Spain. In between, the author swivels among civilizations, depicting Jewish life in the ancient Near East, in the Roman and Hellenistic world, and mingled with early Christianity and Islam. His narrative stresses that Jews have not been, as is often imagined, a culture apart; their culture has busily intermingled with many others.
    Mr. Schama mediates between historians. He lingers on the “procession of pink-faced Anglos — Bible scholars, missionaries, military engineers, mappers and surveyors, kitted out with their measuring tapes, their candles, notebooks, sketchbooks and pencils, accompanied by their NCOs and fellah-guides,” who have crisscrossed biblical lands, searching for relics.
    Photo

    Simon SchamaCreditOxford Film and Television
    The author himself combs through all manner of historical evidence, and is winsome about much of it. “So much classical history can be written in its plumbing,” he says. We realize that Josephus is the first real Jewish historian, Mr. Schama comments, “when, with a twinge of guilt, he introduces his mother into the action.”
    At moments, this volume breaks into broad comedy. There is an extended riff on the surreptitious pickling that surely occurred on the Sabbath (“Woe betide you, O illicit pickler!”) that is nearly worth the price of admission alone.
    But comedy “The Story of the Jews” is not. To study Jewish history is to study what it means to be hurt, to be despised, to be considered filthy and homicidal. Mr. Schama is thorough on the vindictive paranoia that has run rampant through history. He pauses to detail, in particular, the Judeophobic mobs in 12th- and 13th-century England who slaughtered and expelled Jews on the slightest of pretexts, a bit of history his country pretends, he suggests, did not occur.
    Mr. Shama writes: “How can God permit such a thing to happen to His People? That’s what we always ask when cinders smart the eyes and we begin to spit soot.” Jewish faith and resilience are awesome to observe in this volume.
    Mr. Schama is Jewish, but not especially religious. (I find it impossible to apply the term “nonobservant” to someone who observes so well.) Yet he is aware that there are essentially two Jewish stories running parallel to each other: “one from the archaeological record, one through the infinitely edited, redacted, anthologized, revised work that will end up as the Hebrew Bible.”
    His loyalty is obviously to the hard evidence. At the same time, he declares that “the ‘minimalist’ view of the Bible as wholly fictitious, and unhooked from historical reality, may be as much of a mistake as the biblical literalism it sought to supersede.”
    As much as Mr. Schama revels in the language of Jewish religious texts, it’s the secular commentary he more often thrills to. He pauses to praise the medieval philosopher Maimonides’s “lip-smacking, fist-punching relish for detail.” Finding a scrap of text on a pottery shard, Mr. Schama suggests, is like discovering “the equivalent of a Hebrew tweet.” Sometimes, he writes, “the tweets turn into true texts: stories of grievances, anxieties, prophecies, boasts.”
    It’s a point this pungent book makes over and over: “In this story you don’t escape the words.”

    THE STORY OF THE JEWS

    Finding the Words 1000 BC-1492 AD
    By Simon Schama
    Illustrated. 496 pages. Ecco. $39.99.

    A nova governanca internacional: uma web livre, democratica,universal...

    Ou seja, tudo aquilo que incomoda os tiranos e os totalitários, que andam por ai soltos, no Brasil, e assassinando estudantes na Venezuela.
    Paulo Roberto de Almeida


    As the Web Turns 25, Its Creator Talks About Its Future


    In 1989, Tim Berners-Lee, a software engineer, sat in his small office at CERN, the European Organization for Nuclear Research near Geneva and started work on a new system called the World Wide Web.
    On Wednesday, that project, now simply called the web, will celebrate its 25th anniversary, and Mr. Berners-Lee is looking ahead at the next 25.
    But this moment comes with a cloud. The creators of the web, including Mr. Berners-Lee, worry that companies and telecommunications outlets could destroy the open nature that made it flourish in their quest to make more money.

    Slide Show

    A Quarter Century of the World Wide Web

    Marc Andreessen, now a notable technology investor, was part of a team that created the first graphical web browser, called Mosaic. He went on to help create Netscape,  the first browser that had widespread adoption.
    Today, more than two people in five are connected to the web. Every minute, billions of connected people send each other hundreds of millions of messages, share 20 million photos and exchange at least $15 million in goods and services, according to the World Wide Web Foundation.
    Of course, Mr. Berners-Lee had no idea that what he was building would have such an effect on society or grow so large.
    “I spent a lot of time trying to make sure people could put anything on the web, that it was universal,” he said in an interview. “Obviously, I had no idea that people would put literally everything on it.”
    Since then, “everything” has included the GIF, (pronounced “jif,” like the brand of peanut butter, rather than with a hard G sound), memes, Google, Facebook, Twitter, news sites, Pets.com, YouTube and billions of web pages, by some estimates.
    Mr. Berners-Lee wrote the first web page editor and web browser in his office at CERN, and by the end of 1990 the first web page was posted online.
    One of the most important aspects of the growth of the web came in April 1993, when the technology was made available for anyone to use, royalty-free.
    While Mr. Berners-Lee said he was incredibly grateful for what the web has done since those early days, he warned that people need to realize that a current battle around so-called network neutrality could permanently harm the future of the web.
    The idea behind net neutrality is simple: The web material we see on our laptops and smartphones, whether from Google or a nondescript blog, should flow freely through the Internet, regardless of its origin or creator. No one gets special treatment. But companies like Verizon hope some people will pay more to get preferential treatment and reach customers quicker.
    “The web should be a neutral medium. The openness of the web is really, really important,” Mr. Berners-Lee said. “It’s important for the open markets, for the economy and for democracy.”
    He worries that people online have no idea what could be at stake if large telecommunications companies took control of the web and the type of material we now have access to without any blockades or speed barriers.
    Pascal Lauener/Reuters“I spent a lot of time trying to make sure people could put anything on the web,” Tim Berners-Lee said.
    Mr. Berners-Lee said he planned to spend the next year working with web consortiums to spread awareness of these issues. “It’s possible that people end up taking the web for granted and having it pulled out from underneath them,” he said.
    In addition to helping further net neutrality, the World Wide Web Consortium, the leading web standards organization, hopes to help get the billions of people who are not on the web connected to it.
    In a news release, the consortium said the goal was to bring those people to the web via mobile phones, which cost lest than traditional laptops and Internet connections.
    To help celebrate the web’s birthday, Mr. Berners-Lee, the World Wide Web Foundation and the World Wide Web Consortium are asking people to share birthday greetings on social media using the #web25 hashtag, and select greetings will be posted online.

    Temas de politica externa 3: Perspectivas da nova governança internacional: desafios para o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

    3. Perspectivas da nova governança internacional: desafios para o Brasil
    Paulo Roberto de Almeida 

    Governança é um termo equivocado, em primeiro lugar porque não se trata propriamente de governança, em segundo lugar porque não é exatamente nova, e em terceiro lugar porque não é, verdadeiramente, internacional. Em todas as épocas, quase todos os homens, e as mulheres também, são atacados pela miopia do conjunturalismo, e pelo mal do exclusivismo societal.
    Todas as sociedades, e o mundo com elas, estão mudando o tempo todo, e as interpretações sobre tudo isso também mudam. Os habitantes da Europa pós-romana não tinham consciência de que estavam vivendo na Idade Média, ou de que eles fossem “medievais”. Os habitantes da Itália do século XIV não tinham ideia de que estavam entrando no “Renascimento”, e os “modernos” nunca souberam quando entraram e, pior, quando saíram dessa tal de Era Moderna. Alguns, em geral os marxistas, acreditam que foi só na revolução francesa, e que a partir daí vivemos numa coisa chamada Era Contemporânea. Que seja: eu me considero muito satisfeito por ser contemporâneo de mim mesmo, e sempre achei o futurismo um pouco ingênuo (sem falar de algumas tendências notoriamente fascistas, mais passons...).
    A tribo dos historiadores, sempre eles, ainda não se entendeu sobre quando começou, e quando acabou, o século XX, e talvez nem mesmo o século XIX. Parece que este último começou em 1815, na derrota de Napoleão – que tinha a sua própria noção de governança – e terminou com os canhões de agosto de 1914, num dos episódios mais insensatos da governança da belíssima Belle Époque. E parece que o século XX começou em 1918 – o marxista Hobsbawm prefere que seja em 1917 – e terminou em 1989, com a queda do muro de Berlim, ou em 1991, com o colapso da União Soviética, vocês escolhem.
     A implosão daquele formidável império escravocrata representou, para um czar contemporâneo, a “maior catástrofe geopolítica do século XX”. Concordo com ele, mas com essa pequena diferença de que acho que se tratou da melhor e da mais positiva “catástrofe” jamais ocorrida na história da humanidade: ela permitiu, pela primeira vez em três gerações – ou seja, nos 75 anos de “construção do socialismo”, defendido até o fim por Hobsbawm e, ainda hoje, por vários outros aloprados – libertar dois terços da população mundial da opressão dos engenheiros sociais para começar, finalmente, a construção de um novo tipo de governança internacional, como pretendia George Bush (pai), em 1992, ao falar de uma “nova ordem internacional.” Pois bem, sabemos do que veio depois, na China (Praça da “Paz Celestial”) ou na própria Rússia, para demonstrar como são efêmeras, e enganosas, essas proclamações de “novas ordens” ou de uma “nova governança internacional”.
    Pois bem, não existe tal coisa, mas existem arranjos circunstanciais, no mais das vezes temporários, sobre determinadas regras que devem presidir às relações entre os Estados, garantindo um mínimo de convivência entre os mais poderosos entre eles, para evitar que eles se entredevorem em guerras totais e conflitos monumentais. Assim foi com as guerras de religião que resultaram nos tratados de Westfália; assim foi com as guerras napoleônicas, que redundaram nos acordos de Viena; assim foi com a Primeira Guerra Mundial – era para ser apenas a última das guerras europeias, e foi chamada de Grande Guerra até 1939 – que terminou com a humilhação da Alemanha no tratado de Versalhes; assim foi na Segunda Grande Guerra – esta sim, mundial – e que terminou, não em San Francisco, mas em Ialta e Potsdam, no máximo em Dumbarton Oaks, quando foram traçados os contornos da “nova governança internacional” que resistiria aos anos da Guerra Fria, até 1989, ou 1991, justamente.
    Bem, não houve aqui nenhuma grande catástrofe mundial, apenas uma feliz primavera dos povos (da Europa oriental), mas ela foi geopoliticamente importante, sem nenhuma dúvida. Mas, espíritos nostálgicos estão sempre querendo restabelecer as glórias de tempos passados, da mãe Rússia, da nova Roma, do novo Império do Meio. Essa tal de “nova governança internacional”, como vemos, não existe; o que existem são arranjos temporários, e circunstanciais, para acomodar os interesses dos Estados mais poderosos, os únicos capazes de moldar, de influenciar, ou de compor a agenda internacional que passa a ser debatida – jamais resolvida – em foros de cooperação do tipo da ONU e suas agências especializadas, que minimizam os conflitos e até conseguem, de vez em quando, administrar alguns (mas apenas quando isso convém às grandes potências).
    Sim, para este aprendiz de historiador, não haverá mais guerras globais, não acontecerão novos, futuros, eventos catastróficos, contrapondo diretamente essas grandes potências da atualidade, uma vez que elas não podem se permitir o mútuo aniquilamento num conflito nuclear. O que haverá, como já chamei em um trabalho anterior, será, já é, uma “Guerra Fria econômica”, uma competição – não por novas fontes de matérias primas e produtos estratégicos, uma vez que o sistema comercial multilateral é suficientemente aberto para permitir acomodações – por vantagens econômicas temporárias e circunstanciais, uma vez que as governanças econômicas nacionais – estas, sim, bem reais – precisam acomodar as necessidades de emprego, de renda, de prosperidade, para os seus próprios povos, embora também existam elites predatórias que estão bem mais ocupadas em explorar o seu próprio povo (sim, existe, e é mais comum e frequente do que se pensa).
    Por todos os argumentos alinhados acima considero um pouco bizantino qualquer debate sobre as perspectivas da “nova governança internacional” e os seus “desafios para o Brasil”. Cada um, segundo sua formação, informação e deformação ideológica terá a sua interpretação do que seja essa tal de “nova governança internacional”, terá a sua noção das perspectivas dessa coisa no futuro próximo, e terá as suas recomendações a fazer no que considera serem os “desafios para o Brasil” nesse imbróglio de palavras, ideias, conceitos e opiniões. Eu, como não sou muito afeito a debates bizantinos, prefiro deixar em paz as tais de perspectivas da “nova governança internacional” e me concentrar nos desafios brasileiros para o próprio Brasil.
    Sim, sou um otimista incurável, e considero que o mundo nunca foi tão bom quanto é hoje, para o Brasil e para quaisquer outros países da chamada comunidade internacional. A globalização – ou melhor, sua terceira onda, enfim liberta da praga do tal de socialismo internacional – oferece as melhores oportunidades para o pleno desenvolvimento das vantagens ricardianas de cada nação e permite aproveitar muitas chances de capacitação técnica, tecnológica, científica e educacional para o integral desenvolvimento dos seus povos, à condição que eles sejam livres e abertos a seus influxos inovadores (e desafiadores, para ficar no tema). A China, por exemplo, o Império do Meio, ofereceu pelo menos um terço da taxa de crescimento do PIB para o Brasil na última década, ao empurrar os preços das matérias primas para alturas nunca antes conhecidas na história econômica mundial; de certa forma, o Brasil surfou na bonança da economia mundial durante esses anos todos, uma vez que raramente enfrentou os desafios de fazer reformas adaptativas às novas condições da economia mundial. Sim, acho que os nossos pecados começam por aí mesmo.
    Como diz um velho preceito, fica difícil ajudar alguém que não quer ajudar-se a si mesmo, e o Brasil tem falhado miseravelmente nessa missão. Todos os nossos problemas, à diferença do que andam proclamando por aí – crise mundial, tsunami financeiro, concorrência desleal e outras bobagens – são exclusivamente “made in Brazil”, nenhum deles é causado por qualquer ameaça externa, exploração estrangeira ou cupidez de especuladores internacionais. Senão vejamos.
    Insuficiência de infraestrutura? O mundo tem dinheiro sobrando para investir, bastando marcos regulatórios adequados e estabilidade de regras. Baixa capacidade de inovação? O mundo está aberto ao comércio de tecnologia, mas mais importante do que o intercâmbio de produtos é o comércio de ideias, razão pela qual nossas universidades deveriam não só serem mais abertas à internacionalização, como sobretudo abertas à osmose com o mundo empresarial. Corrupção? É coisa nossa, de vez em quando envolvendo algum capitalista estrangeiro, mas apenas porque aqui existem pessoas dispostas a meter a mão em algum dinheiro que só pode entrar regulado por algum governo maroto. Má qualidade da educação? Só tenho uma resposta, e um único culpado: o idiota do Paulo Freire, que aliás é “patrono da educação brasileira”.
    Vejamos outras mazelas “made in Brazil”. Déficit habitacional, caos nos transportes urbanos, desastres ambientais e humanos provocados por ocupações irregulares, criminalidade ascendente, deterioração do simples sentido da ordem e do respeito ao patrimônio público – evidentes nessas manifestações espontâneas ou organizadas que terminam em depredações – e a inflação renitente que insiste em podar, todo ano, uma parte do poder de compra do brasileiro? Tudo isso não tem nada a ver com o ambiente externo ou ameaças vindas de fora. São males genuinamente nossos, fabricados, entretidos, mantidos e aumentados aqui mesmo, em parte pela chamada “pressão das massas” e os desejos de “inclusão social”, mas muito mais pela imprevidência, despreparo e incompetência das políticas públicas, macroeconômicas e setoriais, que deveriam se ocupar justamente desses problemas prioritários do Brasil.
    Ou seja, o Brasil não tem um problema, sequer desafios, de governança internacional, mas ele tem muitos problemas brasileiros, que só poderão ter respostas aqui dentro. Com isso não quero dizer que o Brasil deva esquecer o ambiente externo, desprezar a tal de “nova governança internacional” e passar os próximos dez anos tentando resolver os seus problemas internos. Mas acredito que o Brasil já daria uma imensa contribuição à ordem internacional se respondesse pelo seu exemplo com boas e eficazes soluções para os problemas da boa governança econômica – estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros – e também para os problemas de governança política e social: boa gestão pública, sem muita corrupção e barganhas indecorosas, instituições independentes (sem o predomínio de uma sobre as demais), boa qualidade da educação pública, da infraestrutura, gastos sociais que não signifiquem simplesmente um subsídio ao consumo dos mais pobres (mas que os capacitem para ganhar sua renda e seu sustento nos mercados, em lugar da assistência pública), enfim, uma série de ações que são tão evidentes aos olhos e mentes dos estadistas sensatos que nem seria preciso ficar aqui repetindo o manual da boa governança. Acredito que um bom diagnóstico de situação já represente um bom começo para a formulação e execução de políticas que caminhem no sentido da boa governança interna.
    Quanto à governança internacional, acredito que os bons exemplos podem também começar aqui dentro: defesa da democracia, dos direitos humanos, não ingerência nos assuntos internos de outros povos (mas também solidariedade em relação a certas situações de opressão e de desrespeito notório aos direitos humanos), enfim, todos esses valores que nunca juramos na escola mas que seria bom que começássemos a defender, inclusive lá fora. Já seria uma excelente contribuição para a boa governança internacional. Oxalá.


    12/03/2014