O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A tragedia da diplomacia americana sob Trump - William J. Burns (Foreign Affairs)

Se ouso mimetizar o artigo de Bill Burns, seria para também lamentar o desmantelamento da diplomacia brasileira, mas não desde meio século apenas, como ele faz, mas nos últimos DUZENTOS ANOS. José Bonifácio foi nosso primeiro chanceler, e conduziu um delicado processo de afirmação do novo Estado em construção e seu reconhecimento no plano internacional, inclusive por meio de sua atuação como constituinte, até ser afastado e exilado pelo imperador, o que mergulhou a diplomacia numa primeira fase de confusão e incertezas. 
Com o início do funcionamento pleno da Assembleia Geral, e o escrutínio que os parlamentares exerceram sobre a diplomacia, o papel da diplomacia na construção da nação – para usar o título que o embaixador Rubens Ricupero deu ao seu livro que já nasceu clássico – pode se exercer de maneira plena, e ao longo das décadas seguintes a política externa do Estado serviu aos interesses nacionais, de forma bem estruturada e consciente, com poucas exceções (como a infeliz defesa inconsequentemente do tráfico e da escravidão). Depois, a despeito de uma representação bem mais voltada para a defesa de um Brasil oligárquico e desigual, a diplomacia continuou servindo de maneira efetiva e adequada ao processo de modernização do Brasil. 
Mesmo durante o regime militar – quando eu ingressei na diplomacia profissional – e a despeito de uma adesão de princípio do lado do Ocidente, na defesa contra uma suposta ameaça comunista, a diplomacia serviu com sua proverbial competência ao esforço de modernização material do Brasil, ainda que menos enfática na defesa da democracia e dos direitos humanos. Na redemocratização, e até recentemente, a diplomacia profissional foi absolutamente essencial na configuração e conformação de um papel e de uma imagem internacional eminentemente positivos para o Brasil, como um todo, com alguns problemas que detectei durante a era lulopetista, dada a empatia dos companheiros por regimes execráveis na região, como a ditadura castrista e os bolivarianos chavistas, além da corrupção nos negócios com ditaduras africanas e os mesmos regimes em nossa região.
O que se vê na atualidade, porém, é um rebaixamento inacreditável dos padrões de qualidade da nossa diplomacia, devido à direção aloprada exercida sobre o Itamaraty por um serviçal da Família Bolsonaro e seus gurus ineptos e incompetentes em relações internacionais. Isso passa, evidentemente, pelo próprio chefe de Estado, um notório inepto nesse quesito, pelo seu filho ambicioso, mas despreparado para qualquer função na diplomacia, pelo atual conselheiro presidencial nessa área, um verdadeiro true believer fundamentalista, discípulo do suposto guia das novas orientações governamentais, um cidadão sem qualquer qualificação em assuntos internacionais. Juntos, esses responsáveis conduziram a diplomacia brasileira a uma "demolição" inacreditável, para usar o conceito de Bill Burns, uma adesão sabuja e grotesca a um outro desmantelador da diplomacia americana, o presidente trambiqueiro que está destruindo toda a ordem internacional construída laboriosamente pelos Estados Unidos desde Bretton Woods. 
A atual diplomacia brasileira envergonha o país e o corpo profissional de diplomatas, e eu tenho os personagens acima citados como responsáveis por essa diminuição de nossa reputação e pelo rebaixamento do prestígio internacional do Brasil.
Isso passará, um dia, estou seguro disso. Por enquanto fico na resistência.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de outubro de 2019


The Demolition of U.S. Diplomacy

Not Since Joe McCarthy Has the State Department Suffered Such a Devastating Blow

In my three and a half decades as a U.S. Foreign Service officer, proudly serving five presidents and ten secretaries of state from both parties, I’ve never seen an attack on diplomacy as damaging, to both the State Department as an institution and our international influence, as the one now underway.
The contemptible mistreatment of Marie Yovanovitch—the ambassador to Ukraine who was dismissed for getting in the way of the president’s scheme to solicit foreign interference in U.S. elections—is just the latest example of President Donald Trump’s dangerous brand of diplomatic malpractice. His is a diplomacy of narcissism, bent on advancing private interests at the expense of our national interests.
Ambassador Yovanovitch is not the first professional diplomat to find herself in political crosshairs in the history of the State Department. Trump is not the first demagogue to bully career personnel. And Secretary of State Mike Pompeo is not the first secretary of state derelict in his duty. But the damage from this assault—coming from within the executive branch itself, after nearly three years of unceasing diplomatic self-sabotage, and at a particularly fragile geopolitical moment—will likely prove to be even more severe to both diplomatic tradecraft and U.S. foreign policy.

THE NEW MCCARTHYISM

Almost 70 years ago, in the early years of the Cold War, Senator Joseph McCarthy conducted a savage campaign against “disloyalty” in the State Department. Partisan investigators, untethered to evidence or ethics, forced out 81 department employees in the first half of the 1950s. Among them was John Paton Davies, Jr., an accomplished China hand. His sin was to foresee the communist victory in the Chinese Civil War. Davies was subjected to nine security and loyalty investigations, none of which substantiated the paranoid accusation that he was a communist sympathizer. Nevertheless, in a moment of profound political cowardice, Secretary of State John Foster Dulles fired him.

Purging Davies and his colleagues was not only wrong but also foolish. The loss of such expertise blinded American diplomacy on China for a generation and had a chilling effect on the department and its morale. One of the United States’ most distinguished diplomats, George Kennan, was also pushed out of the Foreign Service during this era. He tried to defend Davies, who had served with him in Moscow and on the Policy Planning Staff, to little avail. Years later, Kennan wrote in his memoirs that McCarthy’s onslaught and the department’s failure to defend its employees was the most “sobering and disillusioning” episode of his long career.
That Senator McCarthy’s chief counsel, Roy Cohn, was also Donald Trump’s lawyer and mentor is one of history’s sad ironies. Trump’s scorched-earth tactics, casual relationship with truth, and contempt for career public service bear more than a passing resemblance to the playbook that Cohn wrote for McCarthy. And when Trump cried out for a “new Roy Cohn” to replace the late original, it was hardly a surprise that former New York Mayor Rudy Giuliani appeared—or that he dove into the muck of the Ukraine scandal and agitated for the removal of a career ambassador whose integrity and expertise proved to be an obstruction.
One might imagine that the State Department’s leadership would stand up to the president and for its personnel—so many of whom are doing hard jobs in hard places around the world. If only that were the case.

Trump’s scorched-earth tactics, casual relationship with truth, and contempt for career public service bear more than a passing resemblance to the playbook that Cohn wrote for McCarthy.
Instead, today’s leaders have shown no more spine than Dulles did. Secretary Pompeo apparently worked around the embassy in Kiev to advance the president’s private agenda, allowed specious opposition research about Yovanovitch to circulate around the department, and sat on his hands as Trump slandered Yovanovitch on the infamous call with Ukrainian President Volodymyr Zelensky and warned ominously that “she’s going to go through some things.” The ghost of Roy Cohn was smiling somewhere.
Even before the Ukraine mess, the Trump administration had been waging a war on diplomacy for nearly three years. The White House regularly pushes historic cuts to diplomacy and development spending, which is already 19 times smaller than the defense budget. Career diplomats are sidelined, with only one of 28 assistant secretary-rank positions filled by a Foreign Service officer, and more ambassadorships going to political appointees in this administration than in any in recent history. One-fifth of ambassadorships remain unfilled, including critical posts.
Not coincidentally, applications to join the Foreign Service have declined precipitously, with fewer people taking the entrance exam in 2019 than in more than two decades. The pace of resignations by career professionals is depressing, the pernicious practice of retaliation against individual officers just because they worked on controversial issues in the last administration is damning, and the silence from the department’s leadership is deafening.

AGAINST THE AMERICAN INTEREST

Last spring, I wrote an essay in Foreign Affairs called “The Lost Art of American Diplomacy.” It was meant less as an elegy than as a reminder of diplomacy’s significance. I’m feeling much more elegiac today.
To clean up the institutional wreckage in the State Department will take many years. The damage to our influence and reputation may prove to be even longer lasting—and harder to repair.
The practical consequences are not hard to discern. If a U.S. ambassador doesn’t speak for the president, and the embassy is seen as an enemy of the White House, why would the local government take seriously its diplomatic messages? Why use official channels, rather than speak directly to the president’s personal lawyer and his grifting confidants? If the key to unlocking aid is stroking the president’s vanity, why undertake the hard work of economic or political reform, with all the risks that entails?

For dictators, Trump is the gift that keeps on giving, a non-stop advertisement for Western self-dealing.
The president’s actions distort diplomatic practice and decapitate the American interest. Because of them, a new Ukrainian administration is all the more exposed to corruption and democratic backsliding, and all the more vulnerable to Russian manipulation and aggression. Russian President Vladimir Putin, professionally trained to manufacture compromising material on all sorts of opponents, couldn’t have produced a more disruptive document than the summary of the Trump-Zelensky call last July, which has sowed political dysfunction in both Washington and Kiev.
By using his public office for personal gain, Trump has affirmed Putin’s long-held conviction—shared by autocrats the world over—that Americans are just as venal and self-absorbed as they are, just more hypocritical about it. For dictators, Trump is the gift that keeps on giving, a non-stop advertisement for Western self-dealing. So much for enlightened self-interest. So much for the power of our example. So much for our credibility.
We are digging a deep hole for ourselves in a world that is changing fast, filled with players who won’t wait for us to stop digging and a landscape that is quickly hardening against U.S. interests. Our allies are confused. Our adversaries are quick to take advantage. The institutions and coalitions we shaped over decades are wobbling. The confidence of the American people in the power and purpose of disciplined American leadership is evaporating.

THE URGENCY OF RENEWAL

The Trump administration’s dereliction of duty takes place at a time when the United States will need to rely on diplomacy more, not less, to advance its interests and values in an ever more competitive world.
I closed my essay six months ago on a reasonably optimistic note. I acknowledged that a long, tough journey lay ahead—that American diplomacy would take a lot longer to fix than it has taken to break. But I also emphasized the opportunity before us, which the malpractice of the Trump administration has thrown into sharp relief. The journey toward renewal will be even more arduous now, and even more urgent.

A arma do riso como resistência democrática- Paulo Roberto de Almeida

A resistência pela via do humor.
Paulo Roberto de Almeida

A melhor maneira de retirar legitimidade a um governo medíocre e perverso, do ponto de vista dos valores democráticos, é abrir caminho para o seu enfraquecimento, pela via do ridiculo e da chacota. 
Não cabe opor-lhe resistência organizada em movimentos contrários, pois isso poderia dividir ainda mais a sociedade e resultar em violência, o que sempre oferece riscos para a institucionalidade democrática.
Expor as vísceras de um governo desprezível pelo método do riso e da gozação permite que as pessoas reflitam sobre a fragilidade dos aparentemente poderosos, contrariando seus desejos de serem vistos como grandiosos e esclarecidos.
Não por outra razão, cartunistas, chargistas, humoristas, cronistas do desenho caricatural, são vistos como os piores inimigos de ditadores e de personalidades autoritárias, e por vezes sofrem as consequências por serem os reveladores dos ridículos desses seres grotestos. 
Hitler terminou com o riso na Alemanha de Weimar. Stalin tinha horror aos poetas livres. Mao fez pior: anunciou a politica das “mil flores” para depois ceifá-las impiedosamente na primeira grande onda de repressão política.
Minha mensagem pessoal aos democratas da atualidade brasileira: o governo da Bolsofamiglia é absolutamente ridículo, e como tal deve ser considerado por todos aqueles que ainda conservam certo sentido de humor nas presentes circunstâncias.
No que me concerne particularmente, a Bolsodiplomacia expõe o Brasil e o Itamaraty ao desprestígio universal, e por isso suas características ridículas devem ser expostas claramente por todos os profissionais da carreira que prezam pela dignidade da instituição.
Cabe, finalmente, recorrer ao velho latim, não para qualquer tipo de exibicionismo ridículo como faz habitualmente o chanceler acidental, mas para reforçar o nosso método:
Ridendo castigat mores!
Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 18/10/2019

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Harold Bloom: uma memória prodigiosa (NYRBooks)

‘His Mind Was Itself a Library’: Harold Bloom, 1930–2019

Tanya MarcuseHarold Bloom, June 2019
When my wife, the photographer Tanya Marcuse, and I went to visit Harold Bloom at his home in New Haven in June, for Tanya to take his portrait, we didn’t plan to spend time in his study. As we knew from a previous visit, Bloom was too weak to move far from the cluttered dining room table where he both worked—writing, or rather dictating, several books at any one time—and received the many admirers, protégés, and students who paid him visits, at his invitation. His study was far away, up two flights of stairs that Bloom had not been able to climb for several years. But he insisted we go there, to see a William Blake watercolor hanging on the wall.
We were Bloom’s only company that morning, apart from his caregivers; his wife, Jeanne, was out shopping, and he seemed lonely at his table, a king without a court. Perhaps his stream of well-wishers had dried up, frightened by his extreme frailty. Bloom’s hands were skeletal and palsied, their skin nearly translucent; yet his eyes, and his mind, were sharp. He willingly, even proudly, posed for Tanya’s portrait camera, insisting that his chair—into which he was strapped by a safety harness—be repositioned to give a better angle. Then, he sent us upstairs.
In the wood-paneled room on the house’s third floor, where Bloom had studied and written for decades, we took stock of a life of letters such as few have led and fewer still, in the screen-ridden ages to come, will lead again. Every shelf swelled with the works of matchless poets and timeless critics; thinner volumes were wedged sideways above the serried rows. Stacks of more recent volumes lay about the floor; a quick glance revealed that most, perhaps all, had been lovingly inscribed by their authors. A plain cardboard box marked “Articles on Harold” contained piles of newspaper and magazine profiles. The faded Blake print was nearly lost amid a welter of words, words, words.
Across the hall were two small rooms, one an ancient bathroom, another a bedroom likely not slept in for years. We wondered how hard it must have been for Bloom to abandon this floor, when his strength would no longer allow him to reach it. By then, as we knew from a daughter of ours who’d studied with him, his mind was itself a library, containing vast stretches of Shakespeare, Stevens, Donne, Dickinson, Bishop, and many others. He needed no books to teach English poetry; he quoted at length, from memory, passages he had lived with for decades. A cadre of literature students, whom he addressed as “children,” met in his home for these virtuosic classes once his physical decline had immobilized him. Some found his manner patronizing or patriarchal; his habit of praising women’s looks made many squirm, and more serious allegations have been reported. But no one could deny his critical insight.
Back downstairs in the dining room, Bloom inscribed for us one of his latest volumes, an entry in his four-part series on “Shakespeare’s Personalities.” As his shaking hand struggled to sign his name, I thought of the line from As You Like It describing extreme old age: “Sans teeth, sans eyes, sans taste, sans everything.” Yet Bloom, at eighty-nine, still had his teeth and vision, and his taste—his appreciation of great verse, especially—seemed only to grow with the passage of time. His life did not end in “second childishness and mere oblivion,” the fate of senility forecast in that play, but in clarity, knowledge, and grace. 
Tanya MarcuseBloom’s study, New Haven, June 2019

Investimentos no Brasil - Marcelo Suano (Ibmec-SP)

Organização estudantil no IBMEC-SP com enfoques nos estudos filosóficos da economia sob o ponto de vista da ética liberal.

Editor: Professor Doutor Marcelo Suano 

1. Introdução
No dia 25 de abril de 2019, ocorreu um evento no Hotel Renaissance em São Paulo, no qual foi lançado, em associação da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) com o Ministério da Economia e o das Relações Exteriores, a nova plataforma para atrair investimentos para o país: o Ombudsman para investimentos diretos. O evento teve como orador principal, Marcos Troyjo, diplomata de carreira e codiretor do BRIC Lab na Columbia University, que assumiu o cargo de Secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Com esse evento, o presente artigo se propõe a apresentar um panorama do Brasil quanto aos investimentos estrangeiro, a transnacionalização das empresas brasileiras e a posição do Brasil no quadro das organizações internacionais.
Mas, antes de apresentar o panorama do Brasil, é importante mostrar algumas definições quanto aos investimentos. Elas seguem a convenção de organismos transnacionais,) que é adotada internacionalmente para a elaboração do Balanço de Pagamentos de um país, o qual é um registro das transações de residentes e não residentes que envolvem capital (cifra), bens, serviços e renda. O primeiro manual foi proposto pelo FMI em 1948. Desde então, foram publicadas 6 atualizações, sendo a última em 2008. A OCDE, então, encarregou-se de convencionar as definições de investimentos. São duas que cabem no escopo do texto: a “direto” e a “em portfolio[1].
O “investimento direto” ocorre por meio da compra de participação societária numa empresa ou por instrumentos de dívidas, ou seja, empréstimos. Enquanto o investimento em carteira é aquele cujo título de propriedade ou dívida pode ser facilmente negociado, tanto para iniciar como para encerrar uma operação de investimento. Um bom exemplo para ilustrar, respectivamente, os dois tipos de investimentos convencionados são a compra dos territórios de exploração do pré-sal e a compra de ações da Petrobras. Ao passo que o primeiro tem maior tempo até ser encerrado, o segundo pode ser executado com alguns cliques de um mouse no monitor de um computador.
2. Panorama Brasil
Nesta segunda parte, haverá duas abordagens, a primeira tendo o Brasil como destino de recursos internacionais, e a segunda como fonte de investidores nos demais países. O ponto a ser demonstrado é que o Brasil não é somente um receptor, mas tronou-se um investidor expressivo no novo cenário globalizado. 
Prova disso é o dado da razão entre o valor da posição dos investimentos dos EUA no Brasil e o valor da posição de investimentos nos EUA. Nos anos 2000, tal razão era de 41 para 1, já em 2011 atingiu 14 para 1, considerando um aumento da posição americana desde 2007[2]. Embora esse resultado demonstre a capacidade de investimento daquela que já foi a 6ª maior economia do mundo, o número oscilou muito na crise ocorrida no governo da presidente Dilma Rousseff.
Outro ponto que corrobora essa afirmação é o número e a evolução do investimento brasileiro direto no estrangeiro na última década. O Brasil detém posição, isto é, um estoque recorde de investimentos, na cifra de R$ 768 bilhões, composta por R$ 540 bilhões da compra de participação social e R$ 228 bilhões de operações de empréstimos intercompanhia, tendo um crescimento de 9,2% em relação a 2016[3]. O Investimento Brasileiro no Estrangeiro atingiu um crescimento de 12,8% em relação a 2016, chegando à cifra de R$ 387 bilhões, sendo R$ 358 bilhões em participação societária e 29 bilhões em operações de empréstimo intercompanhia[4]. Interessante notar que a razão entre a posição brasileira no exterior e a do exterior no Brasil é de 1 para 2. 
No que tange aos fluxos, ou seja, a medição do ingresso no período de um ano, o investimento direto no país apresentou ingresso líquido(saldo) de US$ 68,5 bilhões, mantendo o patamar de 3% do PIB desde 2014.
Quanto ao destino dos investimentos brasileiros no exterior, faz-se necessário explicar o porquê de a maior parte do investimento se destinar as Ilhas Cayman e as Ilhas Virgens Britânicas (Ver figura 1), de modo a não gerar algum mal-entendido. Esses investimentos se concentram em paraísos fiscais pelo motivo que o levam a ter este nome: a baixa tributação. Assim, grande parte do volume investido é redirecionado a outro destino. Isso é feito porque as empresas no país de recebimento imediato são veículos para acessar os mercados financeiros internacionais, constituindo, assim, uma cadeia de investimentos, e tendo em mais de um nível cerca de 55% do valor investido. O Banco Central apresenta um esquema simplificado de fluxos, que está neste texto ilustrado na figura 2.
Figura 1- Principais destinos do Investimento Estrangeiro Direito Brasileiro.
Figura 2- Exemplo de cadeia de investimento no exterior.
Outro ponto que prova que o Brasil é um investidor expressivo foi a atuação do BNDES no financiamento à exportação de serviços de engenharia na linha de crédito Exim pós-embarque. O programa financiou a comercialização de bens e serviços brasileiros para 15 países e por 20 anos[5]. O programa teve um desembolso total de U$ 10,5 bilhões e consta com um saldo devedor de U$ 3,12 bilhões[6]. 
Quanto ao programa, faz-se necessário melhor explicá-lo, de modo a deixar claro como se dava. No próprio site da transparência é possível encontrar um esclarecimento e os contratos de cada operação. O contrato, no caso das exportações de serviços de engenharia, é firmado entre três partes: o BNDES, a representação do outro Estado e a empresa de engenharia. O tipo de operação, como dito acima, é exportação pós-embarque, ou seja, a empreiteira, tendo bens ou serviços acordados e enviados ao exterior, recebia um adiantamento do BNDES do valor que iria receber da importadora, descontado a um menor. Por fim, o importador fazia o pagamento ao Banco, e não mais à empresa.
Para deixar mais clara a operação, apresenta-se em seguida o próprio explicativo do BNDES:
Figura 3- Fluxograma da operação de financiamento na modalidade Supplier Credit do BNDES.
1- Após aprovada pelo BNDES a operação na modalidade Supplier Credit, o Exportador pode embarcar os produtos/executar os serviços para o Importador.
2- O Importador apresenta títulos ou cartas de crédito emitidos em favor do Exportador.
3- O Exportador realiza o endosso dos títulos ou a cessão das cartas de crédito em favor do BNDES.
4- O Banco Mandatário envia ao BNDES a documentação comprobatória da exportação e o pedido de liberação de recursos.
5- O BNDES analisa a documentação e, caso esteja em boa ordem, realiza o desembolso de recursos ao Banco Mandatário.
6- Em seguida, o Banco Mandatário repassa os recursos ao Exportador.
7- Após o término da carência de principal do financiamento, o Importador inicia a amortização das prestações, via Banco Mandatário, até a total liquidação financeira do contrato.
8- Em seguida, o Banco Mandatário repassa os pagamentos ao BNDES, até a total liquidação do financiamento.[7]
Alguns projetos do programa tiveram alto valor monetário entre aprovados e suspensos, após as suspeitas e alegações de corrupção que envolviam as empreiteiras. Cito entre esses a construção e ampliação da linha 4 e 5 de metrôs na Venezuela (que totalizaram U$ 1,28 bilhão), a Central Termelétrica Punta Catalina (U$ 656 milhões) e o Aeroporto de Nacala em Moçambique (U$ 90 milhões).
Outra política do Banco é o BNDESPar, subsidiária que tem como objetivo capitalizar empreendimentos no Brasil, por meio da compra de participação societária de uma empresa e títulos de dívida (debêntures convertíveis em direitos societários), podendo esta ser de capital aberto, ou seja, listada na Bolsa de Valores, ou não. Dois exemplos interessantes a destacar são: a participação comprada em 2013 de 10,61% da Odebrecht Transport S.A; e as 200 mil cotas de debêntures da Odebrecht Energia Participações S.A.
O quarto ponto que evidencia a capacidade de o Brasil financiar o exterior é o valor aportado no Novo Banco de Desenvolvimento, comumente chamado de o “Banco dos BRICS”, o primeiro Banco de Desenvolvimento multilateral universal pós-Bretton Woods, que tem como objetivo mobilizar recursos para projetos de infraestrutura, estes que apresentam hiato nos países emergentes[8]. Foram aportados, até o começo de 2019, US$ 700 milhões, ainda faltando US$ 1,3 bilhão para compor a cota do país[9].
Além dos investimentos, outro ponto a considerar no panorama são as multinacionais brasileiras. O motivo para isso reside na tese de John W. Head, que descreveu em cinco estágios o processo da internacionalização, sendo estas categorias permeáveis em sua abrangência: primeiro, é a simples exportação, que não possui o arcabouço para analisar mercados estrangeiros; segundo, o estabelecimento de um representante comercial no mercado externo, que atua como agente de vendas; terceiro, contratação de um distribuidor local, delegando as atividades de venda para uma empresa especializada; quarto, é propriamente a produção no estrangeiro, mesmo que não possua fábricas próprias; e, por último e quinto estágio, o investimento direto no estrangeiro, no qual a empresa possui a unidade produtiva. A história da empresa Nike, Inc., que é narrada na autobiografia do fundador Phil Knight, “A Marca da Vitória”, é um ótimo estudo de caso dessa evolução que transnacionalizou a empresa, embora, hoje, a companhia não possua nenhuma fábrica em sua titularidade.
As multinacionais brasileiras apresentaram, segundo o Ranking das Multinacionais Brasileiras, elaborado pela Fundação Dom Cabral, evolução no índice de transnacionalização, que considera franquias, receita, ativos e funcionários no exterior do país. Também, entre aqueles que possuem uma operação internacional, cerca de 67,3% das multinacionais pretendem fazer expansão nos próximos dois anos[10]. Nesses planos de expansão, as empresas pretendem entrar em novos mercados, tendo 31,8% delas a América do Sul como objetivo[11]. Abaixo, encontram-se duas tabelas que ordenam, da maior a menor, o Top’s das empresas mais transnacionais quanto ao número de países que atuam e a receita.
Tabela 1- Multinacionais classificadas pelo número de países. Fonte: Ranking de Multinacionais Brasileiras.
Tabela 2- Multinacionais classificadas pelo índice de receitas.
Apresentado isso, vale a pena explicar brevemente duas operações: a da JBS e a do Itaú, quanto a compra de ativos e a implantação de Tecnologia da Informação.
A JBS é atualmente a líder mundial em produção de proteína animal, entrando em mais de 150 países. Isso se deu, em parte, por ter feito grandes aquisições. Cito, entre elas, a Swift (EUA), que a consolidou no mercado internacional de carne bovina em 2008, e a Pilgrim’s Pride (EUA), no mercado de frangos.
O Banco Itaú Unibanco S.A, que resultou da fusão do Banco Itaú com o Unibanco, em 2008, é atualmente o maior Banco brasileiro, também em valor de mercado, atingindo US$ 85,8 bilhões em março de 2019[12]. Ressalte-se que os ativos da empresa têm valor de mercado avaliado em cerca de R$ 1,6 trilhão (aproximadamente, 386 bilhões de dólares, conforme cotação de 30 de agosto de 2019). O destaque para o Itaú em seus negócios internacionais se dá na América Latina, mais especificamente na Argentina e no Chile. Em território argentino ele está na 13ª posição na lista dos maiores Bancos, enquanto no Chile, através da aquisição do Corpbanca, em 2016, lidera como quarto maior Banco na lista chilena. Sua operação já se expandiu para a Colômbia e Panamá[13]. Seu grande investimento no estrangeiro se deu em tecnologia, de modo a liderar a transformação digital que ocorre no setor bancário, isto é, a mudança do Banco como um lugar em que se vai para resolver um problema, para tornar-se algo que se faz[14], não mais relacionando o banco como um lugar mas como uma ação, com e lema do banqueiro digital Brent King: “Banking everywhere. Never at a Bank”. Assim muito capital foi investido para tornar os canais digitais bancários mais eficientes e conseguir maior volume de operações e serviços.
3. “Entreguismo” brasileiro
Neste ano de 2019 (27/03/2019), na CREDN (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional), a qual tem como seu Presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro filho do Presidente da República do Brasil, e contou com a presença do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, houve Sessão para discutir e responder dúvidas quanto à nova política externa brasileira.
Durante a Sessão, observadores apontaram que foi possível identificar um discurso de “entreguismo” do Brasil aos países estrangeiros, tanto pela suposta entrega de soberania aos EUA, citando como exemplo a acordo de cooperação do Brasil-EUA referente à Base de Alcântara, como devido à visita do Presidente Bolsonaro à CIA, em sua ida à democracia de Tocqueville, afirmando vários analistas que o Brasil está submisso. Também foi destacado o crescente poder de influência que a China obteve nos últimos anos, assim caracterizando a postura do Ministro frente à China, apesar de serem suas afirmações vistas como “ideológicas” pelos seus opositores. 
É importante ressaltar que já há uma agenda das relações diplomáticas entre o Brasil e a China. O Vice-Presidente da República e a Ministra da Agricultura foram a esta potência asiática ainda no primeiro semestre, e o Presidente da República pretende ir já no segundo semestre no mês de outubro, de modo a aproximar as relações econômicas e o acesso ao mercado chinês.
Em relação a esta discussão, vale brevemente apresentar o discurso que permeou a política externa do Brasil frente aos Estados Unidos no governo petista. O Brasil, na opinião pública, tinha que (1) optar sempre pelo multilateralismo e o consenso entre as nações frente a um tema. Contudo, (2) não poderiam ser muito cooperativas com EUA, já que estes tinham a intenção de raptar o sentimento nacional, por meio da invasão de uma floresta no norte do país. 
O diplomata aposentado [ERRADO: não estou aposentado], Paulo Roberto de Almeida, afirma que a política externa tupiniquim estava muito bem refletida no Foro de São Paulo, que reunía os Partidos de esquerda na América Latina. Os seguintes elementos se destacavam:
(a) anticapitalismo (agora moderado, em vista da falta completa de alternativas às modernas economias de mercado, num mundo globalizado); (b) rejeição do mundo da alta-finança e das multinacionais (o que não impede posturas pragmáticas, de ‘aliança’ com a chamada burguesia nacional, mais por necessidade política do que por convicção ideológica); (c) anti-imperialismo instintivo, de velha inspiração leninista (mas, agora, carente de maiores reflexões sobre o que significa, na verdade, ser anti-imperialista na atualidade, quando o poderio americano se encontra em declínio); (d) um antiamericanismo de certa forma ingênuo, na medida em que a potência imperial estaria supostamente identificada com o apoio a regimes de direita e a ditaduras militares, sem mencionar o antigo embargo a regimes socialistas (entre eles Cuba), e a natural preferência pelo capital, em lugar da classe trabalhadora (mas, também simplesmente pelo fato de os EUA se apresentarem como a maior potência capitalista do planeta, ipso facto oposta ao ‘campo socialista’, que ainda recebia um apoio do princípio dos partidos de esquerda, indiferentes ao totalitarismo desses regimes); e (e) estatismo exacerbado, que sempre ficou como uma marca registrada de movimentos ditos de esquerda[15].

Embora essas orientações fossem difusas, como diz o próprio diplomata, ela se apresenta totalmente contraditória frente às ações que o ex-presidente Lula tomou. Em 2002, ele foi introduzido por empresários brasileiros ao grande capital, sendo recebido nos então principais Bancos americanos (J.P. Morgan, Lehman Brothers, Morgan Stanley, ABN Amro, Bear Sterns, Alcoa e Moody’s), na liderança do Banco Interamericano e para altos funcionário do Departamento Econômico do governo Bush[16]. Mesmo ainda sem ter sido eleito, as ideias e as ações não se mostraram consoantes, algo que será mais evidenciado nos dois níveis da diplomacia brasileira: oficial e por debaixo dos panos[17].
Também houve expansão no discurso de mútuo apoio Sul-Sul (pobre-pobre), e opção preferencial por fazer negócios com os países do Hemisfério Sul, quebrando a tradição multilateral do Itamaraty. Enquanto o Brasil selecionava quem iria namorar por falsos preceitos morais, a China buscava adentrar cada vez mais em diversos mercados, fazendo negócios entre diversos países. Esse discurso, ao passo que tirou o Brasil de sua tradição, também subsidiou, em certa medida, o apoio ao “financiamento do BNDES aos países companheiros”.
Mas, retornando à questão do “entreguismo”, da forma que ela está sendo exposta na opinião pública, é possível compará-la à aberta oposição que as autoridades fazendárias fizeram à atividade bancária do Barão de Mauá no século XIX, considerado como inédita na história do Brasil, devido à sua projeção internacional, já que se associara aos Bancos ingleses no país[18]. Seu Banco chegou a substituir a atividade que realizava o Banco do Brasil, fundado por Dom João VI,.
Parece que a revolta com relação à questão deve ser um ressentimento prolongado pelo tratamento exclusivo que os ingleses recebiam no Brasil Império quanto à justiça, por serem a grande força política e econômica da época. Comparativamente, hoje, pensam que tanto os chineses como americanos serão julgados pelos seus compatriotas e absolvidos de suas culpas passadas. Em contraposição a isso, durante o governo petista, o Brasil não defendeu os interesses de sua Companhia Petrolífera Estatal, após ter tido sua operação expropriada na Bolívia em 2006. A defesa dos interesses nacionais, o que levará a julgamento de outra natureza, parece ter sido submetida ao julgo jubiloso do confrade boliviano oriundo do território brasileiro e deve ter olvidado sua preocupação com as infrações de seu parceiro petrolífero. 

4. Influência chinesa no Brasil- O Marco Polo asiático
Ao abordar a China, é necessário explicar como que um país que teve como política o Grande Salto Para Frente, no qual, por ordens de Mao Tse Tung, foram condenados entre 20 a 75 milhões de pessoas a morte por fome, tornou-se um país que aparentemente disputa em proporção estrondosa com os EUA, tanto no campo militar como no econômico. Entender essa transformação parece quase um conhecimento esotérico, seleto a um grupo de indivíduos chineses, ou que tem alguma associação com os chineses. 
A China passou de economia agrária para se tornar o parque industrial do mundo e promoveu uma transição na maneira como o povo consome, sendo possível, hoje, ver uma grande quantidade de chineses com Iphones, Nikes e agasalhos Adidas. Ao se comparar duas fotos de Shangai, uma em 1987 e outra em 2019, nota-se que os arranha-céus tomaram conta da cidade. Acrescente-se a essas transformações, que o turismo internacional foi abarrotado por chineses. 
Além disso, a estratégia chinesa de investimentos no estrangeiro é parte constituinte de uma estratégia maior, chamada de soft power, que é cambiar o uso do poder militar para o uso de meios culturais, educacionais e diplomáticos, de modo a influenciar outra nação. Os investimentos estão nessa influência suave e mais difícil de ser percebida em razão da dificuldade de rastreá-los a confirmar a origem. 
A estratégia chinesa é expressada na política industrial Made in China 2025, sobre a qual, o relatório de avaliação do setor industrial manufatureiro e bélico, que foi entregue ao Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, declarou o seguinte:
Uma das principais iniciativas industriais do Partido Comunista Chinês, Made in China 2025, mira inteligência artificial, computação quântica, robótica, veículos autônomos e de energia renovável, dispositivos médicos de alto desempenho, componentes navais de alta tecnologia, e outras indústrias emergentes críticas para a defesa nacional. De modo a obter as capacidades necessárias para sustentar essas tecnologias avançadas, a China conta com meios tanto lícitos como ilícitos, incluindo investimentos no estrangeiro e venture capital, coleção de software livre, human collectos, espionagem, operações cibernéticas, e a evasão do controle das exportações dos EUA para adquirir propriedade intelectual e tecnologias críticas. 
Por exemplo, a China impõe condições para o acesso ao mercado doméstico para atrair propriedade intelectual, investimento, reingresso da atividade manufatureira para solo americano (Onshoring), usando altas tarifas alfandegárias e uma teia complexa de barreira não tarifárias, incluindo restritivas customs barriers, requisitos de licenciamento onerosos, normas regulamentares discrimatórias, e requerimentos de conteúdo local nas aquisições do governo[19], para impulsionar a produção manufatureira doméstica. A China também força a transferência de tecnologia como uma condição para acessar o mercado chinês[20].
O relatório anual da Comissão de Economia e Segurança EUA-China faz uma declaração sobre a expressão do soft power no cinturão da Rota da Seda, apresentando o interesse de aumento de controle das províncias vizinhas, enquanto os investimentos em infraestrutura são feitos de modo a abrir estes mercados para os produtos manufaturados, assim impulsionando a economia chinesa, que desacelera. Esse tipo de iniciativa coloca as empresas da China na cadeia global de produção, o que resulta numa maior dependência dos países vizinhos a esta.
Visto isso, o que importa é identificar a política chinesa de investimentos no Brasil nos últimos 20 anos. Esse assunto ganhou notoriedade quando o então candidato à Presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmou em uma entrevista à mídia que “A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil(...) você não está privatizando as estatais brasileiras, você está estatizando para os chineses”. Ele também afirmou em outra entrevista, antes de ser eleito, que setores estratégicos, como a geração de energia, devem ser evitados em passar para mãos de terceiros.
A estratégia chinesa no Brasil visa internacionalizar suas empresas em setores estratégicos para adquirir acesso aos recursos naturais, mercados consumidores e tecnologias. Segundo o Relatório Anual do Conselho Empresarial Brasil-China, o estratagema Sun Tzu no Brasil mudou da preferência pelo setor de commodities (até meados de 2010) para o setor industrial e, posteriormente, para o setor de serviços (2013), indo, depois, para o energético e infraestrutura (2014). Há peculiaridade nesse tipo de investimento em relação aos feitos por residentes de outros países, uma vez que os chineses o fazem por meio de suas estatais. Em 2017, segundo o mesmo Conselho, 87% dos investimentos possuíam participação estatal do governo chinês[21].
A título de informação, apresenta-se uma pequena lista de empresas no Brasil – não necessariamente criadas por brasileiros – que tem controle chinês:
Banco BBM (Boccom BBM);
99 Taxi;
Pirelli;
COFCO;
CPFL;
CTG Brasil;
Mideia;
Terminal de Containers de Paranaguá;
A preocupação quanto ao investimento chinês se dá por dois motivos: o governo da China tem característica centralizadora, com a herança de estratégias de um Estado que se sobrepõe à sociedade, caracterizado pelo controle das ações do povo chinês, e com o crescente aumento do poder militar e econômico do país. Nesse sentido, para a realidade brasileira, a preocupação surgiu com a tomada de consciência de que o poder do Partido comunista chinês tem meios para influenciar as decisões do Brasil. A conclusão é de que o problema hoje já não está no fato da influência, em si mesma, mas em quem a exerce, e contra quem. 
A previsão do estrategista da Casa Branca[22], Steve Bannon, sobre o futuro da atuação chinesa, baseada no livro “Unrestriced Warfare: China’s Master Plan to Destroy American” da autoria de dois coronéis da Escola de Guerra chinesa; afirma que dos três tipos de guerra: informativa; econômica e cinética, a China buscou evitar a cinética e assumiu a dianteira na informativa e econômica. Para ele, o gigante asiático dobrará suas apostas no projeto de investimento One Belt One Road, Made in China in 2025, na África, Caribe e América Latina.
Esse cenário apontado por Steve Bannon é benéfico para o Brasil, pois, além da China ser o principal parceiro comercial- o que permite maior abertura para realização de investimentos- a principal setor que atrai os olhos de Xi Jinping é a infraestrutura, que atualmente possui um déficit. Ademais, o discurso uníssono do Ministério da Economia e o das Relações Exteriores[23], para a busca da abertura comercial com a retiradas das barreiras trará produtos de fora mais baratos, incentivando o comércio.
O Ministro da Economia Paulo Guedes declarou na ocasião do Brazil Day Conference in Washington algo de muito valor para a compreensão do Brasil na cadeia de investimentos globais: 
“Está aqui o convite, de novo, para uma grande parceria. Agora, nós estamos ‘dançando’ (quer dizer realizando comércio) com os chineses- o parceiro comercial número um- e isso é incrível porque nós somos tão próximos (EUA e Brasil), somos complementares e muito similares. Mas fazemos mais negócios com os chineses. O Brasil adora os EUA, mas eu sempre digo ao Presidente: ame os EUA, mas deixe-me fazer comércio com aqueles que são mais lucrativos para nós, porque essa é a forma que os americanos ‘dançam’ também. Eles (EUA) vêm ‘dançando’ com os chineses há muito tempo. 
Os asiáticos vêm financiando o crescimento nos últimos 50 anos aqui- roubando empregos... financiando consumo excessivo(...) estamos aqui para abrir nosso mercado unilateralmente, não é uma súplica, nós queremos estar próximos e buscar posições mais altas em todas as direções.”
Paulo Guedes apresenta que o país está aberto a realizar comércio sem ideologia. Prova disso foram as concessões dos 14 aeroportos para o setor privado estrangeiro e o Road Show do Ministério da Infraestrutura realizado na Europa e EUA no mês de setembro e outubro.
No âmbito das organizações internacionais, a sinalização para essa abertura se encontra na intenção da entrada do país na OCDE, os acordos firmados entre blocos econômicos MERCOSUL e União Europeia e o acordo da gradual abertura com a Argentina até 2029[24].
Tomada a teoria de John W. Head para esse cenário, a abertura comercial aproximará o país de outras nações de modo a intensificarem no longo prazo os investimentos no Brasil e de residentes brasileiros no exterior. A mudança que a Nova Política Externa exerceu no âmbito das organizações internacionais, assim como de maneira bilateral, proporcionará uma maior capacidade de financiamento para investimentos no maior país da América Latina.


[1] As definições se encontram no capítulo 6: Functional Categories. Disponível em: <https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2007/bopman6.htm>. Acessado em: 25/04/2019.
[2] Direct Investment by Country and Industry. Dado encontrado no U.S Bureau of Economic Analysis. Disponível em:< https://www.bea.gov/international/di1fdibal> e <https://www.bea.gov/international/di1usdbal>. Acessado em 8 de outubro de 2019.
[3] Relatório de Investimento Direto no País do Banco Central do Brasil. Disponível em:< https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorioidp/RelatorioID2017/RelatorioID2017.pdf>. Acessado em 1 de maio de 2019. P.
[4] Ibid. p.11.
[5] Informações presentes no portal da transparência do BNDES. Disponível em:< https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-bndes/maiores-clientes>. Acessado em 28 de abril de 2019.
[6] Apoio à exportação de serviços de engenharia: BNDES. Disponível em:< https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-bndes/contratos-exportacao-bens-servicos-engenharia>. Acessado em 28 de abril de 2019.
[7] Financiamento à exportação de bens nacionais pelo BNDES. Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/produto/exim-pos-emb-bens>. Acessado em 30 de abril de 2019.
[8] Gonçalves, S. Samo (org). Desafios da Diplomacia Econômica na perspectiva de jovens diplomatas. Brasília: FUNAG,2016. O Novo Banco de Desenvolvimento: desafios e perspectivas.
[9] Simão, Edna. Aporte ao banco dos BRICS em 2019 está em xeque. Disponível em: <https://www.valor.com.br/brasil/5790281/aporte-ao-banco-do-brics-em-2019-esta-em-xeque>. Acessado em 1 de maio de 2019.
[10] Fundação Dom Cabral. Relatório Ranking das Multinacionais Brasileiras. Disponível em: <http://acervo.ci.fdc.org.br/AcervoDigital/Relat%C3%B3rios%20de%20Pesquisa/Relat%C3%B3rios%20de%20Pesquisa%202017/Ranking%20FDC%20Multinacionais%202017.pdf>. Acessado em 2 de maio de 2019. p.97.
[11] Ibid. p. 96.
[12] Banco Itaú Unibanco S.A Apresentação Institucional 1T19.Disponível em: <https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/Download.aspx?Arquivo=jIc9r3S21OFUJ+YV7IOvJw==>. Acessado em 5 de maio de 2019. P.20.
[13] Relatório Anual Consolidado 2017. Banco Itaú. Disponível em: <https://www.itau.com.br/_arquivosestaticos/RI/pdf/pt/Itau_RAC_2017_port.pdf#page=44>. Acessado em 5 de maio de 2019.p. 44.
[14] Palavra do ex-presidente e atual membro do Conselho de Administração do Itaú, Roberto Setubal, na Reunião com Acionistas, em 2017.
[15] Roberto de Almeida, Paulo. Nunca Antes na Diplomacia: A política externa brasileira em tempos não convencionais. 1-ed: Curitiba, Appris, 2014. p. 175-176.
[16] Costa, Alexandre. O Brasil e a Nova Ordem Mundial. Campinas, SP: Vide Editorial, 2018. p.110.
[17] Expressão do diplomata Paulo Roberto de Almeida.
[18] Roberto de Almeida, Paulo. Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: As relações econômicas internacionais no Império. 3ªed. Brasília: FUNAG, 2017. p. 385-386.
[19] O Government Procurement Law delimita a compra de bens projetos e serviços que usam fundos do fisco de todos os níveis do governo, sendo instituições públicas e grupos.
[20] Department of Defense: Industrial Policy. Assessing and Strengthening the Manufacturing and Defense Industrial Base and Supply Chain Resiliency of the United States. Disponível em:< https://media.defense.gov/2018/Oct/05/2002048904/-1/-1/1/ASSESSING-AND-STRENGTHENING-THE-MANUFACTURING-AND%20DEFENSE-INDUSTRIAL-BASE-AND-SUPPLY-CHAIN-RESILIENCY.PDF>. Acessado em 16 de maio de 2019. Tradução livre.p.36.
[21] Conselho Empresarial Brasil-China, Investimento Chineses no Brasil 2017. Disponível em:< file:///C:/Users/ericl/Downloads/2017_InvestimentosChinesesNoBrasil2017_oficial.pdf>. Acessado em 29 de maio de 2019. p.21.
[22] Steve Bannon's Warning On China Trade War (w/ Kyle Bass) | Real Vision Classics. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=qH5QzuzD01A&t=1903s >. Acessado em 8 de outubro de 2019.
[23] A agenda embora disposta em pontos se encontra disponível em:< http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa-comercial-e-economica >. Acessado em 8 de outubro de 2019.
[24] Disponível em:< http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/20937-acordo-comercial-brasil-argentina-para-o-setor-automotivo-nota-conjunta-do-ministerio-das-relacoes-exteriores-e-do-ministerio-da-economia-3-de-outubro-de-2019 >. Acessado em 8 de outubro de 2019.

Artigo produzido por aluno do Ibmec São Paulo