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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Democracia mantém a economia nos trilhos desde o Real, diz Persio Arida - entrevista (Valor)

Democracia mantém a economia nos trilhos desde o Real, diz Arida

Estabilidade perdura mesmo com políticas pouco responsáveis, afirma economista

Lu Aiko Otta/ Valor Econômico/27 de fevereiro de 2004

Com um ou outro momento preocupante, a estabilização de preços possibilitada pelo Plano Real perdura há 30 anos. Isso ocorre a despeito de políticas pouco responsáveis ocasionalmente adotadas no país, sobretudo nos anos anteriores às eleições.

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A força que mantém a economia nos trilhos é a democracia, na visão de Pérsio Arida - que, junto com André Lara Resende, foi autor do paper que deu origem ao Real, o chamado "Plano Larida". A estabilidade de preços tornou-se um bem da sociedade brasileira e os políticos que ousam ameaçá-la são punidos nas urnas, explica ele nesta entrevista ao Valor.

Arida também faz uma comparação entre o Real e os seis planos de estabilização fracassados.

Avaliando os dias de hoje, ele considera que o tripé macroeconômico implantado com o Real (câmbio flutuante, taxa de juros voltada a combater a inflação e superávit primário) está "um pouco manco", por causa dos recentes resultados negativos nas contas federais. No entanto, confia que o problema será resolvido. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual a importância da Unidade Real de Valor (URV)?

Pérsio Arida: A URV teve extraordinária importância porque foi o que possibilitou que o Plano Real fizesse uma transição relativamente suave de uma inflação muito alta, que beirava 30% ao mês, para uma inflação muito baixa. Mas o papel dela se esgotou nessa transição.

Valor: E qual a importância do Plano Real?

Arida: Eu acho que se desdobra em dois aspectos. Primeiro, foi um impulso inicial para uma série de reformas modernizantes. Ao longo dos oito anos seguintes, que foi o período do presidente Fernando Henrique Cardoso, acabaram os monopólios na exploração do petróleo e telecomunicações, foi aprovada Lei de Responsabilidade Fiscal, o novo regramento para concessões, a criação de agências reguladoras, as grandes privatizações. Tudo isso aconteceu naquele período. As bases de funcionamento do Brasil moderno, do ponto de vista econômico, foram plantadas durante os oito anos que se seguiram ao Plano Real. E sempre com a justificativa, correta, de que o Real, se não fosse acompanhado de reformas modernizantes, poderia ser posto a risco.

Valor: E o segundo significado?

Arida: É reforçar a autoestima do país. Mostra que quando há uma liderança política que entenda da natureza dos problemas e um bom time técnico, o Brasil faz coisas que não se imaginava serem possíveis. O Real é um plano que nunca havia sido feito antes, inteiramente original. E a liderança do Fernando Henrique também foi única. Era um político - portanto, capaz de conversar bem com o Senado, com a Câmara. Era um bom comunicador em termos de opinião pública e também era um intelectual, o que possibilitou que ele entendesse a dinâmica cio Plano Real, que não é simples, é revolucionária.

Valor: Qual a importância da Unidade Real de Valor (URV)?

Pérsio Arida: A URV teve extraordinária importância porque foi o que possibilitou que o Plano Real fizesse uma transição relativamente suave de uma inflação muito alta, que beirava 30% ao mês, para uma inflação muito baixa. Mas o papel dela se esgotou nessa transição.

Valor: E qual a importância do Plano Real?

Arida: Eu acho que se desdobra em dois aspectos. Primeiro, foi um impulso inicial para uma série de reformas modernizantes. Ao longo dos oito anos seguintes, que foi o período do presidente Fernando Henrique Cardoso, acabaram os monopólios na exploração do petróleo e telecomunicações, foi aprovada Lei de Responsabilidade Fiscal, o novo regramento para concessões, a criação de agências reguladoras, as grandes privatizações. Tudo isso aconteceu naquele período. As bases de funcionamento do Brasil moderno, do ponto de vista econômico, foram plantadas durante os oito anos que se seguiram ao Plano Real. E sempre com a justificativa, correta, de que o Real, se não fosse acompanhado de reformas modernizantes, poderia ser posto a risco.

Valor: E o segundo significado?

Arida: É reforçar a autoestima do país. Mostra que quando há uma liderança política que entenda da natureza dos problemas e um bom time técnico, o Brasil faz coisas que não se imaginava serem possíveis. O Real é um plano que nunca havia sido feito antes, inteiramente original. E a liderança do Fernando Henrique também foi única. Era um político - portanto, capaz de conversar bem com o Senado, com a Câmara. Era um bom comunicador em termos de opinião pública e também era um intelectual, o que possibilitou que ele entendesse a dinâmica cio Plano Real, que não é simples, é revolucionária.

Valor: O Real deu certo depois de seis tentativas fracassadas de estabilização da economia. Por quê?

Arida: Eu acho que tem uma diferença importante entre o primeiro plano [Cruzado, 1986], os planos seguintes e o último plano, o Real. O Plano Cruzado, que era um congelamento temporário de preços e salários, foi anunciado de surpresa e foi desvirtuado politicamente, porque deveria ter sido acompanhado por uma redução do déficit público, uma política monetária restritiva, mas na verdade nada disso pôde ser feito, porque tinha eleições à frente, em outubro. Foi um plano que teve uma popularidade instantânea, até porque vinha do sistema democrático.

Valor: Como assim?

Arida: A inflação foi de 12% a 200% ao ano sem que não tivesse nenhum plano de estabilização, porque estávamos na ditadura. Num governo democrático, quem consegue estabilizar preços será bem-sucedido nas umas. O Cruzado foi extraordinariamente popular, mas acabou virando um plano eleitoreiro, que falhou como plano, mas ficou como possibilidade no imaginário coletivo. Se olharmos os vários planos subsequentes até o Real, foram sempre motivados pela ideia de fazer um Cruzado que desse certo. Cruzado tinha gatilho salarial, vamos tirar o gatilho salarial. O Cruzado tinha liquidez excessiva, vamos tirar a liquidez excessiva. O Cruzado tinha taxa de juros baixas, vamos fazer plano de taxas juro muito altas. Juros altos foram o foco do Plano Verão, tirar a liquidez excessiva, o foco do plano Collor. Cada plano ia sendo feito buscando corrigir o que deu errado no Cruzado. Acontece que a partir do Cruzado houve uma dinâmica de preços muito diferente da que prevalecia antes.

Valor: O que aconteceu?

Arida: Antes, a dinâmica de preço era assim: se não acontecesse nada, a inflação deste mês era mais ou menos a inflação do mês anterior. Depois do Plano Cruzado, passou-se a uma dinâmica de expectativas. Todo mundo sabia que o Cruzado era popular. Os empresários também sabiam e achavam que era questão de tempo até haver outro plano semelhante. Então, começavam a subir os seus preços para que, quando esses fossem congelados, tivessem um lucro acumulado que lhes permitisse passar bem pelo congelamento. Fomos assim de congelamento em congelamento, quase como profecias que se autorrealizavam. Depois da última tentativa de ajuste dessa forma, que foi o Plano Collor 2, o país se cansou. Ficou claro que não iria haver um outro congelamento de preços, e nós, no Plano Real, deixamos isso muito claro o tempo todo. Então, essa dinâmica expectacional desapareceu, o que criou as condições para fazer o Plano Real.

Valor: O sucesso, depois de tantos fracassos. 

Arida: Sem dúvida. Mas não podemos ter uma visão ingênua sobre o sucesso. O sucesso de um plano de estabilização não pode ser julgado por três ou seis meses, mas por um período prolongado. O Real passou por vários momentos de risco. Por exemplo, a flutuação cambial em 1999, o déficit público crescente na época lulista. Mas passou bem por esses momentos.

Valor: Como resistiu?

Arida: Eu acho que o segredo aqui, de novo, é a dinâmica democrática. Uma estabilidade de preços é um valor do povo brasileiro. O governante sabe que, se der inflação, ele estará politicamente morto. Então, os políticos, toda vez que a inflação ameaça subir, deixam de lado os planos, digamos, eleitoreiros ou populistas, e tratam de fazer o necessário para combater a inflação. Isso faz com que exista, devido às eleições, um sistema de pressão sobre a casta política. O Brasil entrou em uma outra fase com a independência do Banco Central, mas, se olharmos historicamente, o Banco Central, desde o Plano Real, foi, de fato, independente, exceto por um ou outro momento. É mais um aspecto que mostra que os governantes sabiam que, se interferissem no Banco Central e a taxa de inflação subisse, seria muito oneroso politicamente.

Valor: É possível dizer que o Plano Real está consolidado?

Arida: Eu diria que, com o sistema democrático em funcionamento, existe o incentivo para os políticos manterem a inflação baixa. Então, eu hoje não vejo uma ameaça ao Real, porque o Banco Central é independente, e os políticos, se por algum motivo houver erros ou desvios de política econômica, vão tratar de fazer as correções necessárias até mesmo por autossobrevivência. É claro que sempre há o risco dos ciclos eleitorais, do governante fazer políticas irresponsáveis no ano da eleição porque a inflação demora um pouco para subir e, quando estiver mais alta, ele já estará eleito. Esse risco, como eu falei, tende a se autocorrigir: se o governo gastar demais no seu último ano para se reeleger, vai ter que gastar de menos no ano seguinte, porque se não a inflação o prejudicará, politicamente falando.

Valor: O sr. mencionou um conjunto de reformas que foram feitas no governo Fernando Henrique. Como avalia o quadro hoje?

Arida: O governo Fernando Henrique, ainda que não na partida, conseguiu implementar o chamado tripé macroeconômico, que é câmbio flutuante, taxa de juros voltada para combater a inflação e superávit fiscal. Nos primeiros anos lulistas, o tripé foi mantido. Mas depois, gradativamente, o superávit fiscal foi minguando. Hoje, temos déficit. O tripé está um pouco manco, porque tem dois pés no lugar, e o terceiro, mais ou menos. Mas eu creio que isso vai ser corrigido.

 

Lista de artigos publicados na revista Interesse Nacional (2009-2024) - Paulo Roberto de Almeida

 Lista de artigos publicados na revista 

Interesse Nacional

 

Paulo Roberto de Almeida

Atualizado em 28/02/2024

 

 


            1875. “Interesse Nacional: uma nova revista”, Brasília, 13 de abril de 2008, 2 p. Resenha da nova revista lançada pelo Embaixador Rubens Barbosa. Desafios do Desenvolvimento (ano 5, n. 43, maio 2008, p. 62). Divulgado no blog Diplomatizzando (27/02/2024, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/surgimento-de-uma-nova-revista.html). Relação de Publicados n. 835.

 

                 2011. “Obsolescência de uma velha senhora? A OEA e a nova geografia política latino-americana”, Brasília, 6 junho 2009, 18 p. Artigo para a revista Interesse Nacional (Ano 2, Número 6, julho-setembro de 2009, ISSN: 1982-8497, p. 58-69). Publicado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/115505816/2011_Obsolescência_de_uma_Velha_Senhora_A_OEA_e_a_Nova_Geografia_Política_Latino_americana_2009_). Divulgado no blog Diplomatizzando (27/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/obsolescencia-de-uma-velha-senhora-oea.html). Relação de Publicados n. 913.

 

2242. “Um projeto de Governo: sobre a volta ao poder da ‘oposição’”, Brasília, 1 fevereiro 2011, 8 p. Análise crítica da realidade política das forças não pertencentes ao bloco de poder. Distribuído a um número seleto de destinatários. Revisto em 09/03, sob o título de “Miséria da ‘oposição’ no Brasil: da falta de um projeto de poder à irrelevância política?” (13 p.); publicado na revista Interesse Nacional (n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; link: https://interessenacional.com.br/a-miseria-da-oposicao-no-brasil-da-falta-de-um-projeto-de-poder-a-irrelevancia-politica/). Transcrito no blog Diplomatizzando (13/07/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/07/miseria-da-oposicao-no-brasil-artigo.html); publicado novamente no blog Diplomatizzando (27/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/a-miseria-da-oposicao-no-brasil-da.html). Relação de Publicados n. 1029. 

 

2456. “Prata da Casa, Boletim ADB – 1ro. trimestre 2013”, Brasília, 20 dezembro 2012, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: 1) Rubens Antonio Barbosa: Interesse Nacional & Visão de Futuro (São Paulo: Sesi-SP Editora, 2012, 328 p.; ISBN: 978-85-8205-059-0).

 

2766. “A ideia do interesse nacional”, Hartford, 8 fevereiro 2015, 5 p. Artigo baseado em livro de Charles Beard, The Idea of National Interest (1934) com comentários a respeito das políticas contrárias ao interesse nacional sendo tomadas no Brasil da atualidade. Publicado no site do Instituto Millenium, com um subtítulo agregado: “onde estamos?” (25/02/2015; link: http://www.institutomillenium.org.br/artigos/ideia-interesse-nacional/,https://institutomillenium.org.br/ideia-interesse-nacional/), em Mundorama (26/02/2015) e em Dom Total (26/02/2015); divulgado no blog Diplomatizzando (27/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/a-ideia-do-interesse-nacional-2015.html).. Relação de Publicados n. 1164.

 

2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Artigo para a revista Interesse Nacional a pedido do Embaixador Rubens Antônio Barbosa. Publicado na revista Interesse Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: https://interessenacional.com.br/o-renascimento-da-politica-externa/). Reproduzido no blog Diplomatizzando (3/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/o-renascimento-da-politica-externa.html). Republicado no blog Diplomatizzando (27/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/o-renascimento-da-politica-externa-no.html). Relação de Publicados n. 1238.

 

3172. “Você é um ‘accident prone diplomat’: minhas interações com o embaixador Rubens Antônio Barbosa”, Brasília, 2 outubro 2017, 45 p. Ensaio impressionista para servir de depoimento sobre minha relação de trabalho e amizade com o diplomata que foi meu chefe em diversas ocasiões. Enviado a ele, em 2/10/2017. Revista a versão reduzida, encaminhada em 12 de dezembro de 2017; enviada em 17/12/2017. Publicado em versão resumida no livro de Rubens Antônio Barbosa: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional (depoimentos ao Cpdoc) (Rio de Janeiro: FGV, 2018, 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7), pp. 273-289. Divulgado em versão completa na plataforma Academia.edu (21/10/2018; link: https://www.academia.edu/37622963/Um_accident-prone_diplomat_depoimento_sobre_emb._Rubens_Barbosa) Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/328416691_Voce_e_um_’accident-prone_diplomat’). Postagem efetuada no blog Diplomatizzando (21/10/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/10/depoimento-sobre-o-embaixador-rubens.html).

 

3380. “Mini-resenhas para o Prata da Casa”, Brasília, 19 dezembro 2018, 4 p. Notas sobre os seguintes livros: 3) Barbosa, Rubens: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional: depoimento ao Cpdoc (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018; 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7). 

 

3412. “Prata da Casa, outubro de 2018 a fevereiro de 2019”, Brasília, 20 fevereiro 2019, 6 p. Resenhas dos seguintes livros para a Revista da ADB: 2) Barbosa, Rubens: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional: depoimento ao Cpdoc (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018; 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7).

 

4120. “Celso Lafer: pai fundador das Relações Internacionais no Brasil”, Brasília, 28 março 2022, 4 p. Apresentação dos dois volumes publicados pela Funag, com base nos trabalhos 3302 (Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. Vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; link 1º. volume: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&productid=970&search=Celso+Lafer; 2º. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2º. vol., p. 1335-1347 (link 2º volume: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&productid=971&search=Celso+Lafer) e 3530 (“Celso Lafer: o pai fundador das relações internacionais no Brasil”, São Paulo, 2 novembro 2019, 2 p. Contribuição a número especial do boletim Amálgama, sobre os melhores livros de 2018-2019; feita resenha dos livros de Celso Lafer: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. Vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; link 1o. volume: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&productid=970&search=Celso+Lafer; 2º. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347 (link 2o volume: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&productid=971&search=Celso+Lafer), para o portal da revista Interesse Nacional (Daniel Buarque, editor executivo: daniel.buarque@interessenacional.com.br). Publicado no portal da revista Interesse Nacional (1/05/2022; link: https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/resenha-celso-lafer-o-pai-fundador-das-relacoes-internacionais-no-brasil/), e na revista do IHG-DF (n. 12/2022, p. 205-210; ISSN: 2525-6653). Relação de Publicados n. 1450 e 1484. 

 

4208. “Política externa brasileira: da atual para uma necessária”, Brasília, 28 julho 2022, 8 p. Enviado ao editor Daniel Buarque, do portal Interesse Nacional. Refeito, de forma reduzida, no trabalho n. 4209. Texto completo enviado em 2/08/2022, Blog Diplomatizzando (28/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/politica-externa-brasileira-da-atual.html).

 

4209. “O Brasil e sua circunstância geográfica e diplomática”, Brasília, 30 julho 2022, 4 p. Revisão redutora do artigo anterior para atender a critérios do portal Interesse Nacional; enviado ao embaixador Rubens Barbosa e ao editor Daniel Buarque. Distribuída aos participantes do painel CEBRI-USP, sobre a política externa para o entorno regional (vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=xTfaxGwJzmM). Publicado no portal Interesse Nacional (10/08/2022; link: https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-brasil-e-sua-circunstancia-geografica-e-diplomatica/); reproduzido no blog Diplomatizzando (10/08/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/08/o-brasil-e-sua-circunstancia-geografica.html); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/84437450/4209Obrasilesuacircunstânciageográficaediplomática2022). Relação de Publicados n. 1466. 

 

4455. “O drama da Ucrânia e o uso de sanções econômicas como arma de guerra”, Brasília, 10 agosto 2023, 26 p. Artigo sobre o impacto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia sobre as relações internacionais, para a revista Insight Inteligência. Não publicada. Encaminhada a Daniel Buarque, editor do portal da revista Interesse Nacional. Definida publicação em três partes: 1) O que passa no mundo, a historia não se repete e Ucrânia (fator humano); 2) Arma econômica como arma de guerra: sanções econômicas contra a Rússia; 3) agressão russa: posição do Brasil. Primeira parte publicada em 27/02/2024 (link: https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/paulo-roberto-de-almeida-o-drama-da-ucrania-e-o-uso-de-sancoes-economicas-como-arma-de-guerra-parte-1/). Relação de Publicados n. 1549. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4588, 27/02/2024. 

 

Cartas a jovens diplomatas (projeto de livro) - Paulo Roberto de Almeida (2022)

 Cartas a jovens diplomatas

(Projeto de livro)

 

Paulo Roberto de Almeida

Projeto em 1/08/2022

Inédito.

 

Sumário:

 

1) Conheça o que são e quais são os interesses nacionais do Brasil

2) Aprofunde o conhecimento dos assuntos sobre os quais vai trabalhar

3) Situe os seus temas no contexto histórico no qual emergiram

4) Pratique uma postura cética sobre cada um dos temas sob exame

5) A substância é sempre mais importante do que a forma

6) Ideologias, posturas partidárias ou religiosas não fazem parte da questão

7) Coloque-se, como exercício, no lugar do seu interlocutor

8) Seja objetivo na defesa das posições, para superiores ou parceiros

9) Hierarquia e disciplina são importantes, mas não são princípios absolutos

10) Antes da diplomacia, está a vida em sociedade, a família, os valores

 

 

Resumo sintético das regras, segundo o 3744: 

 

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às ideias recebidas e às “verdades reveladas”.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.

6. Afastar ideologias, considerações de natureza religiosa, ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativo, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.

 

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Textos precedentes: 

 

800. “Dez Regras Modernas de Diplomacia”, Chicago, 22 jul. 2001; São Paulo-Miami-Washington 12 ago. 2001, 6 p; série “Cousas Diplomáticas” (n. 1). Ensaio breve sobre novas regras da diplomacia, com inspiração dada a partir do livro de Frederico Francisco de la Figanière: Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Para desenvolvimento posterior em formato de longo ensaio. Publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico(Maringá, v. I, n. 4, set. 2001; ISSN: 1519-6186; link para a revista:http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/view/1239; link para o artigo:http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35896; link para o pdf: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35896/20907); e na revista eletrônica Relnet: site brasileiro de referência em relações internacionais (Brasília: Coluna “Além do Quadro-Negro”). Revisto em 2/11/2001. Republicado a partir de inserção em “Duplipensar”, sob o título “A diplomacia em 10 pontos estratégicos. (Não consta no site) Ensaio de Paulo Roberto de Almeida”, no blog angolano “Angola Xyami” (janeiro de 2007). Postado novamente no blog Diplomatizzando (16/08/2015, link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/08/dez-regras-modernas-de-diplomacia-paulo.html); disseminado no Facebook (20/08/2017; link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1628571287206315). Publicado novamente, no formato atualizado do trabalho n. 3744 (19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html). Relação de Publicados n. 282.

 

3744. “Dez regras sensatas para a diplomacia profissional”, Brasília, 28 agosto 2020, 7 p. Revisão atualizada do trabalho n. 800 (2001), sobre as dez regras modernas de diplomacia para publicação em novo livro sobre o Itamaraty. Postado no blog Diplomatizzando (2/09/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/dez-regras-sensatas-para-diplomacia.html), em Academia.edu (2/09/2020; link: https://www.academia.edu/44005218/Dez_regras_sensatas_para_a_diplomacia_profissional_2020_) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/344058572_Dez_regras_sensatas_para_a_diplomacia_profissional). Incorporado como apêndice ao livro Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (n. 3749). Publicado novamente (19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

 

 

Dez regras sensatas para a diplomacia profissional

 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

[Objetivorevisão do trabalho n. 800finalidaderecomendações úteis aos diplomatas]

 

 

 

Apreciador, como sempre fui, de velhos manuscritos relativos à história diplomática do Brasil, deparei-me certa vez, nos catálogos da Library of Congress (infalível para esse tipo de trouvaille), com um antigo opúsculo, hoje démodé, mas provavelmente um muito útil manual para os nossos antecessores da boa diplomacia portuguesa do Oitocentos. Seu autor, um diplomata do regime monárquico português da segunda metade do século XIX, Frederico Francisco de la Figanière, o intitulou modestamente Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Servindo então na embaixada do Brasil em Washington, que possuía naqueles tempos uma modesta mais muito atrativa biblioteca, utilizei-me do sistema de empréstimos entre bibliotecas, para solicitá-lo à Biblioteca do Congresso americano; passei bons momentos na companhia desse manual feito em intenção dos diplomatas portugueses mais jovens, e devorei-o com prazer, mais de um século depois de sua publicação original (e, ao que parece, única).

O prazer me foi dado não tanto pelo enunciado, aliás pouco extensivo, das ditas quatro regras de diplomacia – manifestamente desadaptadas à diplomacia do século XXI – mas mais exatamente pelos seus saborosos anexos históricos, uma “colecção de modelos das principaes especies de escriptos diplomaticos”, entre elas cartas da época do tratado de Utrecht (1713), um protesto contra a violação de imunidades no período da Revolução francesa (o pobre enviado português à corte de Luís XVI jogado à prisão, como um reles conspirador aristocrata), além de outros “escriptos” do Congresso de Viena ou relativos ao Brasil imperial. Segundo Figanière, “Dos diversos ramos do serviço público, o diplomático é sem dúvida aquele em que ao agente é concedida maior liberdade no modus operandi” (p. 9), o que, se era correto em sua época de comunicações lentas e precárias, há muito deixou de corresponder à realidade de uma diplomacia cada vez mais enquadrada de perto, não apenas pela Secretaria de Estado – com a qual estamos em contato 24 horas do dia, praticamente –, mas seguida com atenção pela imprensa, pelos grupos de interesse e, agora também, pelas hordas de “anti-globalizadores” e “anti-globalistas”, conectados às redes de comunicação social de uma aldeia decididamente global.

Enfim, quais eram essas regras que apareciam como um imperativo moral, quase que de ordem kantiana, ao colega lusitano de mais de um século atrás? Elas eram o objeto de quatro curtos capítulos de observações e de recomendações a eventuais candidatos à carreira diplomática: 

I. Agradar; 

II. Ser leal; 

III. Antepor a palavra à pena; 

IV. Ter concisão e ordem no redigir. 

Como se vê, nada de muito esclarecedor ou propriamente entusiasmante, para a prática atual, a não ser talvez a última das regras, que vinha com uma advertência ainda válida para os tempos que correm: “O estilo prolixo e difuso é um defeito que cumpre evitar nas composições diplomáticas” (p. 70). Dois pontos para nosso antecessor português, pois que ele também achava que, de todos os deveres, o primeiro era o de bem servir a pátria, algo que não custa relembrar atualmente (e de modo permanente).

Deixo de lado as regras relativas a agradar e ser leal (ao seu Real Senhor, ora pois), mais adequadas talvez à “época das cabeleiras empoadas, dos peitilhos de renda, dos passeios em cadeirinhas, (ou) da pena de pato, aparada entre boas pitadas de rapé”, nas palavras de outro antecessor meu da belle époque, José Manuel Cardoso de Oliveira (in A moderna concepção da diplomacia e do comércio, 1925). A terceira regra, a rigor, também apresenta sua utilidade, uma vez que ainda costumamos tratar oralmente de algum assunto importante, antes de oficializá-lo mediante uma nota diplomática ou um aide-mémoire.

Em todo caso, inspirado no exemplo do ilustre representante da diplomacia lusa de tão saudosa memória – ela foi, com toda a sua habilidade no navegar entre os interesses  sempre divergentes dos principais poderes europeus, a base de nossa diplomacia imperial, reconhecidamente excelente para os padrões da época, mesmo em escala comparativa com outros países mais avançados economicamente –, resolvi arriscar, igualmente, formular minhas próprias regras modernas de diplomacia, esperando que elas possam ser bem recebidas por meus colegas de profissão mais jovens. Aqui vão elas, portanto, mas em formato reduzido, geralmente mais pensadas em função do ambiente multilateral, que é o comum na vida atual da diplomacia, do que para situações de relações bilaterais.

 

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.

 

O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias”, ou “ideológicas”, de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

 

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.

 

Esta é uma regra absoluta, que deve ser assumida plenamente: numa Secretaria de Estado, ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que o diplomata terá controle sobre os temas que lhe forem atribuídos, mas que ele redigirá, igualmente, as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente superior do que o próprio ministro de Estado ou o chefe do posto. Ele deve, portanto, mergulhar nos dossiês, verificar antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao desempenho funcional), percorrer as estantes da biblioteca para livros históricos, estudos temáticos e gerais sobre a mesma questão, formular perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, manter correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na Secretaria de Estado), enfim, preparar-se como se fosse para ser sabatinado sobre o assunto no mesmo dia.

 

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.

 

Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto. 

 

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.

 

Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar que os argumentos da parte adversa também contribuem para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconsequentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

 

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.

 

Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem menos aos sacrossantos princípios do direito internacional, e bem mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente – por vezes de forma ambígua – aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

 

6. Afastar ideologias, considerações de natureza religiosa, ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.

 

A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, pois ela trata dos interesses mais gerais, e permanentes do país. Mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, ou em vagos “valores espirituais” como fundamentos para a defesa dos interesses nacionais, mas, eventualmente, militantes “classistas” ou defensores de certas posturas “espirituais” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante. O laicismo não é uma invenção do Iluminismo para se opor ou contrariar posturas ou virtudes “conservadoras”, mas uma simples exigência de bom senso nas condições dos modernos Estados burocráticos em condições de interdependência global, na qual etnias, religiões, culturas diversificadas interagem nos grandes circuitos, nos fluxos contínuos da globalização. A introversão nos “costumes do passado” ou algum entusiasmado impulso em direção do “sentido da História”, não serve exatamente aos objetivos precípuos do jogo diplomático, sendo apenas um recuo, por vezes reacionário, ou alguma tentação “progressista” de pouca fundamentação substantiva, que interfere num julgamento abalizado sobre o processo decisório em causa. 

 

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.

 

O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado, embora atualmente outras forças sociais – como as ONGs e os homens de negócio –, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos, mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda. Isso pode exigir, igualmente, que você consulte seu governo sobre os méritos eventuais dos argumentos dos demais parceiros no processo, como forma de se chegar a uma solução de consenso, que é o melhor resultado possível numa negociação (seja ela bilateral ou multilateral).

 

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.

 

Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorando, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. 

Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. Na própria Secretaria de Estado, lembre-se que os gabinetes ou o próprio chefe de Estado, nem sempre têm tempo para ler longas exposições analíticas: seja conciso e objetivo, portanto, como forma de facilitar uma rápida decisão sobre o assunto. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro, direto e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

 

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativo, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.

 

Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando um certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções assignadas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

 

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.

 

O desempenho profissional é importante, mas ele não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente ou individualmente, seja no esporte, seja no terreno da educação e da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.

 

Paulo Roberto de Almeida

[Chicago, 22 de julho; São Paulo-Miami-Washington, 800: 11-12 de agosto de 2001; Brasília, 3744: 28/08/2020]

Postado no blog Diplomatizzando (2/09/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/dez-regras-sensatas-para-diplomacia.html), em Academia.edu (2/09/2020; link: https://www.academia.edu/44005218/Dez_regras_sensatas_para_a_diplomacia_profissional_2020_) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/344058572_Dez_regras_sensatas_para_a_diplomacia_profissional; DOI: 10.13140/RG.2.2.17159.42403).

Publicado novamente (19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

 

Política externa brasileira: da atual para uma necessária (2022, inédito) - Paulo Roberto de Almeida

 Política externa brasileira: da atual para uma necessária  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor;

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com).

Brasília, 4208: 28 julho 2022, 8 p. (inédito neste formato)

  

Retrocessos institucionais e diplomáticos no período recente

O Brasil conheceu, desde 2019, um processo de deterioração da qualidade de suas políticas públicas, a começar pelo fato de que, justamente, o país nunca exibiu, nesse período, um programa definido de políticas gerais ou setoriais em direção a metas ou objetivos claramente explicitados. O que tivemos, mais propriamente, foi uma ruptura com padrões usuais de governança, parcialmente na economia, enganosamente na política – que, a despeito dos anúncios iniciais, voltou ao velho padrão da “velha política” – e, bem mais nitidamente, em áreas setoriais, como meio ambiente, direitos humanos, cultura e educação e, sobretudo, nas relações exteriores, todas elas contribuindo para uma deterioração excepcional da credibilidade brasileira no plano internacional. Poucas dessas rupturas superam o desastre incomensurável que tem sido o rebaixamento da imagem do Brasil no ambiente externo e uma perda de qualidade notável da ação externa da diplomacia profissional, mas não obviamente por sua própria culpa.

A maior parte desses problemas deriva dramática incapacidade do presidente de não só não corrigir os problemas apontados por observadores isentos, mas de criar novos problemas e agravar os existentes, numa dramática demonstração de ausência de governança. Na área do meio ambiente, essa extraordinária capacidade de criar problemas para si próprio e para o país foi evidente, pois o que se registrou foram recordes seguidos de destruição ambiental, sobretudo na Amazônia, que estão justamente no cerne das críticas internacionais à atual postura do governante brasileira, ademais de seus reiterados ataques ao sistema democrático do Brasil, especialmente em relação ao seu fiabilíssimo sistema eleitoral. 

O próximo governo terá de efetuar uma revisão dos conceitos básicos da atual diplomacia, com a adoção de uma política externa que vise a recuperação da credibilidade externa do país. Os eixos principais são, na área política, um retorno ao multilateralismo com base no Direito Internacional e em princípios e valores tradicionais de nossa diplomacia; na área econômica, cabe perseguir a inserção do país na economia global, por meio da abertura econômica geral e da integração regional. Caberia, igualmente, proceder à revisão das atuais “alianças estratégicas” num sentido puramente pragmático, não mais ideológico.

 

A vertente econômica de uma nova postura internacional para o Brasil

A revisão dos conceitos básicos da política externa deve ter, portanto, o objetivo da plena inserção do Brasil na globalização. A incorporação do país aos padrões de governança econômica da OCDE pode ser um bom começo para a consecução de tal meta, no passado recusada pelos governos lulopetistas por puro preconceito contra o que se julgava ser, equivocadamente, um “clube de países ricos”, quando a organização de Paris é, desde muito tempo, um “clube das boas práticas”. A justificativa alegada para tal recusa era a defesa de espaços soberanos de políticas nacionais visando o desenvolvimento do país. Ora, a soberania sequer necessita ser objeto de retórica – como foi o caso dos governos de esquerda ou de direita –, pois ela se exerce, simplesmente, por meio de políticas conducentes justamente à prosperidade nacional, atualmente indissociáveis da interdependência global. 

A evolução das relações econômicas internacionais foi sensivelmente deteriorada pela política antimultilateralista do governo Trump, com a marginalização indesejável da OMC e uma postura defensiva em relação à ascensão da China nos circuitos da globalização, que foi parcialmente revertida (contra os interesses das próprias empresas americanas. Não existe espaço, no horizonte previsível, para grandes negociações no plano multilateral, sugerindo-se novos acordos bilaterais, que passam necessariamente por um novo perfil da política comercial do Brasil, com ou sem revisão do Mercosul em torno de seu eixo básico (que é, atualmente, o da união aduaneira, não o de uma zona de livre comércio). A exposição do setor produtivo à concorrência internacional – benéfica em si, para os próprios produtores e consumidores – requer a redução da carga tributária no plano interno, e uma reforma não pode ser feita sem a outra, sob risco de desmantelar ainda mais as empresas nacionais do setor manufatureiro. 

Um exercício positivo, nesse sentido, embora sem qualquer reforma tributária interna, foi a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia, mas prejudicado em sua ratificação e entrada em vigor pelas políticas antiambientais do governo Bolsonaro. Cabe justamente não esquecer que o Mercosul, assim como a UE, é uma personalidade de direito internacional, como tal reconhecido no âmbito da governança econômica global, constituindo, assim, um patrimônio bastante útil no seu reforço institucional com vistas a criar um espaço econômico integrado em esfera continental (da América do Sul). 

O Mercosul – ademais de eventuais arranjos unilaterais que possam ser feitos em paralelo ao seu processo de revisão, como efetuado atualmente pelo Uruguai com seu objetivo de concluir um acordo de livre comércio com a China – não é, nunca foi, culpado pelo fechamento comercial do Brasil, ou por suas disfunções acumuladas ao longo dos anos, geralmente por distorções criadas em âmbito nacional e por descumprimentos das obrigações institucionais por parte de seus dois maiores países membros, o Brasil e a Argentina. Se e quando esses dois países resolverem cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado original, ele voltará a ser uma base para a integração mundial das economias dos países membros. Um sólido diálogo entre os maiores países deveria permitir superar as dificuldades atuais e caminhar no sentido do reforço do Mercosul, não do seu desmantelamento.

Não obstante, caberia efetuar um exame profundo das opções estratégicas do Brasil em matéria de política comercial, para decidir, a partir daí, se cabe reformar o Mercosul, ou caminhar no sentido da independência total nesse terreno. Essa é uma agenda aberta, mas que ainda não recebeu a atenção devida, dada a descoordenação existente entre os diversos ministérios envolvidos nessa frente, mas sobretudo pela ausência de um diálogo consistente com os principais atores da economia nacional, os agentes privados conectados ao comércio exterior e a uma agenda de produtividade e de inserção do Brasil na economia global. 

 

A dimensão política universalista de uma nova política externa

A diplomacia do Brasil sempre foi universalista, focada no interesse nacional e no direito internacional. O multilateralismo é uma de suas bases inquestionáveis, assim como a ausência de quaisquer limitações de ordem ideológica na definição dos grandes objetivos na frente externa. Tal postura foi sendo progressivamente construída, desde os tempos da ditadura militar, pela qualidade indiscutível de sua diplomacia profissional, mas se fortaleceu amplamente no período democrático, com o pleno engajamento do Brasil em vertentes anteriormente difíceis em sua agenda externa – como meio ambiente e direitos humanos, mas também integração regional –, o que, conjuntamente com a estabilização macroeconômica do Plano Real, permitiu que o Brasil ganhasse ampla credibilidade internacional nos anos 2000.

A política externa do lulopetismo, no entanto, conduziu o Brasil a coalizões político-diplomáticas definidas a partir de uma visão partidária deformada das relações internacionais do país, uma vez que baseada na miopia de um “Sul Global” que não existe, a não ser nas concepções ideológicas de seus promotores. O governo bolsonarista apenas desmantelou, parcial ou totalmente, os esquemas existentes, sem colocar absolutamente nada em seu lugar, a não ser uma política de aliança submissa em relação ao governo americano anterior (o de Donald Trump) e com regimes similares ou de orientação iliberal e direitista. 

A revisão dos padrões impostos à diplomacia profissional desde o início do século implica, em grande medida, uma revisão profunda das grandes escolhas estratégicas do Brasil na arena mundial. Mas um retorno, pelo provável próximo governo, às opções conhecidas em suas escolhas anteriores, pode redundar, no âmbito regional, no estreitamente de relações com governos de esquerda – em lugar do pragmatismo econômico –, assim como, no plano global, no reforço de uma aliança com a coalizão do BRICS, cuja vocação original para a cooperação econômica tem sido atualmente distorcida pela vontade das duas grandes potências não democráticas de reforçarem essa base organizacional – e até ampliá-la – para o objetivo duvidoso de se construir uma “ordem global” alternativa ao Ocidente, como se o distanciamento em relação às democracias de mercado fosse do interesse do Brasil. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia criou uma nova situação nas relações internacionais que precisa ser cuidadosamente examinada pelos novos planejadores diplomáticos, de maneira a não fazer do Brasil um mero pião de objetivos nacionais de certos membros do BRICS que não são, e não podem ser, os do Brasil, sobretudo tendo-se em conta a histórica e profunda adesão do país a princípios doutrinais que já tinham sido expostos por Rui Barbosa no início do século XX, depois reafirmados por estadistas do porte de Oswaldo Aranha, no fragor da Segunda Guerra Mundial, assim como por Afonso Arinos de Melo Franco e por San Tiago Dantas no início dos anos 1960. 

 

A circunstância externa do Brasil: uma geografia que precisa ser trabalhada

O filósofo espanhol Ortega y Gasset, escreveu, nas suas Meditaciones del Quijote (1914), uma frase constantemente repetida pelos admiradores: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo, eu tampouco me salvo.” Cabe, com efeito, atribuir forte importância à geografia, que pode ser considerada como a circunstância inevitável no plano das nações ou, mais precisamente, dos Estados e sua geopolítica. Em outros termos, os Estados podem escolher a sua organização interna, na esfera política e econômica, e sobretudo suas relações externas, mas eles não podem escolher a sua geografia. Ela lhes é dada pela história, ou seja, pelo longo desenvolvimento de um povo – ou vários deles – num determinado território, partindo dessa condição primária para constituir uma nação, ou um Estado, ou seja, a representação dessa nação no âmbito regional e internacional.

A circunstância geográfica do Brasil, a sua projeção estratégica – para usar um conceito dos geopolíticos – se estende não muito naturalmente pelos vastos espaços da América do Sul, e não muito além disso. Não naturalmente, pois que existem as barreiras naturais da selva amazônica, dos contrafortes andinos, do próprio pantanal e da quase total ausência de facilidades de comunicações terrestres ou mesmo fluviais nos vastos ermos de nosso heartland, o cerrado central, penosamente acessados apenas pelos grandes rios da bacia amazônica, ao norte, e da bacia platina, ao sul. Nessa região se situava, justamente, o espaço natural de projeção do poder instalado na costa atlântica do Brasil, tanto que a metrópole portuguesa tentou por diversas vezes assenhorear-se da margem superior do Prata, instalando uma colônia em Sacramento e depois lutando contra os castelhanos para tentar manter a província oriental, ou cisplatina, ou pelo menos garantir a livre navegabilidade dos rios da bacia do Prata, como única maneira de alcançar a província do Mato Grosso.

Como não se pode discutir com a geografia – pois ela existe, simplesmente, como dizia o teórico geopolítico Spykman –, se pode tomar como natural uma política externa do Brasil que buscasse construir um vasto espaço econômico integrado no coração da América do Sul, pela liberalização recíproca dos mercados e pela própria abertura até unilateral dos seus próprios mercados a todos os vizinhos regionais. Ou seja, construindo um espaço natural de projeção econômica, política e cultural do Brasil no seu entorno imediato, garantindo paz, segurança e prosperidade na América do Sul, os espaços “externos” seriam alcançados para fins de desenvolvimento econômico e social, mobilizando capitais, tecnologia, recursos de todos os tipos para conectar nossa economia, e a do espaço de integração liderado pelo Brasil, à dos grandes centros dinâmicos da economia global.

Tal seria a conformação de um relacionamento exterior, regional, continental e mais além, totalmente compatível com nossa dotação de fatores, nossas vantagens comparativas, nossa capacidade competitiva e nossas ambições diplomáticas de desempenhar um papel positivo em nosso “ambiente natural” – as circunstâncias geográficas – e mais além, em outros quadrantes de um planeta ainda muito desigual, mas vocacionado ao crescimento e à prosperidade, desde que as grandes potências, as economias avançadas, mas também as potências médias, como o Brasil, se concertassem em garantir paz e segurança – como rezam os primeiros artigos da Carta da ONU – e, a partir daí, traçar um vasto plano de eliminação da miséria, de redução da pobreza, e de cooperação ampliada visando elevar os indicadores de bem-estar de imensos contingentes dos povos e nações do planeta.

A circunstância geográfica do Brasil recomendaria, portanto, uma dedicação especial de sua futura diplomacia no sentido de recompor as bases de uma liderança natural, que se exerceria a partir de um amplo projeto de abertura econômica – unilateral, se for o caso – em direção dos países vizinhos do continente sul-americano, como a base indispensável para sua projeção global. Mas, não contente de dispor dessas “vantagens comparativas regionais” no continente, a antiga diplomacia lulopetista decidiu empreender novos saltos extrarregionais de puro voluntarismo diplomático internacional, primeiro congregando dois outros sócios no projeto do IBAS, a Índia e a África do Sul, depois se lançando com a Rússia, na construção do BRICS, que incorporou a China – sempre propensa a se utilizar de novos tabuleiros para seu projeto de preeminência global –, ambos carentes de estudos técnicos compatíveis com as prioridades econômicas e diplomáticas do Brasil, apenas respondendo a aspirações grandiosas de projeção internacional do então chefe de Estado.

 

A questão mais crucial da agenda internacional e os desafios diplomáticos do Brasil

Depois da invasão e anexação ilegais da península da Criméia, juridicamente sob a soberania da Ucrânia, em 2014, pelo governo de Putin, a nova decisão do líder russo de empreender uma guerra de agressão contra o país vizinho, em fevereiro de 2022, acelerou alguns desenvolvimentos que já se processavam no ambiente internacional, mas sobretudo criou uma nova agenda nas relações internacionais que coloca o mundo ante uma nova divisão geopolítica que se pensava superada na década final do século XX. Depois de quase meio século de um cenário bipolar – confrontando dois sistemas políticos e econômicos antagônicos, o mundo parecia encaminhar-se para uma “nova ordem internacional”, de impulso à globalização sobre a base de sistemas de mercados razoavelmente ancorados na ordem econômica de Bretton Woods: o multilateralismo econômico fundado num consenso básico em torno dos intercâmbios abertos administrados pela tríade FMI-BM-OMC. 

No máximo, a antiga guerra fria geopolítica tinha dado lugar a uma nova guerra fria econômica, caracterizada pelo encolhimento geográfico e econômico da antiga União Soviética e pela irresistível e extraordinária ascensão econômica da China, impulsionada desde sua adesão ao GATT-OMC em 2001. Mas, o que foi chamado de “unilateralismo arrogante” por parte dos Estados Unidos, na última década do século XX, assim como sua postura paranoica de considerar a China um “adversário estratégico”, incitou esta última a rever sua posição mantida desde os anos 1970 (ou talvez até antes), de ver nos EUA um possível aliado na confrontação que ela mantinha com a União Soviética – por diversos motivos, inclusive territoriais – e de passar a reinserir o gigante americano no rol das antigas potências ocidentais que pretendiam manter o gigante asiático – quando este era o “homem doente” da Ásia – numa espécie de continuidade do “século de humilhações”. 

O que ocorreu a partir daí foi uma reaproximação entre as duas grandes autocracias socialistas do passado, mediante diversos mecanismos – entre eles o próprio BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai –, até resultar na “aliança sem limites” proclamada por Xi Jinping junto a Putin, menos de um mês antes da invasão selvagem das forças russas contra a Ucrânia. Essa quase repetição da invasão da Polônia por Hitler, em 1939, criou uma nova situação internacional que colocou o Brasil em face de dilemas que não tinham sido registrados desde aquela época da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, mesmo a ditadura do Estado Novo, depois do atropelo feito contra a Constituição de 1934, substituída pela “polaca” de novembro de 1937, não ousou contrariar a doutrina jurídica seguida sem hesitações pela diplomacia brasileira desde o Império: o Brasil não reconheceu a suserania nazista sobre a Polônia, assim como não reconheceu a incorporação dos três Estados bálticos ao império soviético em 1940, pois que tais usurpações do Direito Internacional tinham sido efetuadas por meio da força bruta, tal como se processou no caso da anexação russa da Crimeia, em 2014, e na subsequente invasão da Ucrânia oriental, assim como do resto do país, em 2022. 

Registre-se que, em 2014, o governo Dilma Rousseff, provavelmente em função do BRICS e mais especialmente pelas relações pessoais travadas entre Lula e Putin desde antes do início desse grupo, em 2009, jamais tomou a posição que seria de se esperar da adesão do Brasil e de sua diplomacia aos sagrados princípios do Direito Internacional ou, mais simplesmente, dos dispositivos da Carta das Nações Unidas que proíbem guerras de agressão. O mesmo pode ser dito do cenário atual, marcado por flagrantes violações da Carta da ONU e, mais ainda, por crimes de guerra, por crimes contra a paz e, possivelmente, até por crimes contra a humanidade, os mesmos que conduziram líderes civis e militares nazistas, em 1946, ao Tribunal de Nuremberg. O Brasil aderiu, formalmente, às resoluções do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, censurando a Rússia pela invasão, mas jamais a condenou diretamente pelas cruéis violações dos tratados internacionais, das leis da guerra e dos protocolos humanitários. 

Ainda que conclamando a uma “cessação das hostilidades” – como se estas fossem recíprocas –, ou apelando a uma solução pacífica do conflito, tendo em conta as “preocupações de segurança das partes” – como se a Ucrânia tivesse, em algum momento criado qualquer insegurança para o seu poderoso vizinho –, o Brasil se opôs terminantemente à imposição de sanções contra a Rússia, como adotadas pelos países aderentes aos artigos pertinentes da Carta da ONU – apenas que de forma unilateral, em vista do uso abusivo do direito de veto pela Rússia –, assim como também se opôs ao apoio militar à Ucrânia agredida, como se esta devesse simplesmente se render em face da maciça ofensiva militar decretada pelo líder saudosista do antigo império russo e soviético. 

Em outros termos, tanto a atual diplomacia bolsonarista, como a possível futura diplomacia lulopetista se colocam, objetivamente, numa posição “solidária” a Moscou, ainda que disfarçada por uma “neutralidade” hipócrita, ou mais exatamente por um “equilíbrio” deformado e enviesado, em nome de interesses oportunistas vinculados ao aprovisionamento em fertilizantes e combustíveis. Tais posturas, à luz de nossas tradições de respeito irrestrito ao Direito Internacional, ou às mais elementares regras de boa conduta nas relações externas, todas elas inseridas em dispositivos pertinentes da Carta da ONU e da Convenção de Viena de 1961 sobre relações diplomáticas (entre outros instrumentos doutrinais e principiológicos do sistema internacional), chocam pela indiferença demonstrada em relação a esses antigos princípios e valores da diplomacia tradicional brasileira, pela atual e pela provável futura orientação de política externa no tocante ao mais grave problema da comunidade mundial na presente conjuntura. 

Se o atual governo permanece indiferente ao suplício de um povo e de uma nação, cabe esperar que um governo compatível com aquelas velhas tradições doutrinárias e universalistas da diplomacia brasileira revise tal posição, em nome do conceito e da imagem externa do Brasil, e que passe a restaurar o prestígio internacional do país, tão duramente conquistado ao longo de décadas, ou mesmo em dois séculos, de paciente construção de uma diplomacia caracterizada pela sua fidelidade aos grandes princípios do Direito Internacional, características que foram terrivelmente abaladas nos últimos quatro anos. Como se pode constatar, não é apenas a democracia que vem patinando no Brasil atual, mas também a sua política externa, para maior angústia da diplomacia profissional. Este é, provavelmente, o maior desafio que se apresenta a uma futura diplomacia compatível com nossas tradições.

 

Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, é autor de diversos livros sobre a política externa e a história diplomática brasileira, entre eles Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império(3ª edição: Brasília, Funag, 2017), Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021) e A Grande Ilusão do BRICS e o universo paralelo da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, Kindle, 2022). 

 

[Brasília, 4208: 28 julho 2022, 8 p.]