O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 11 de abril de 2020

Cientistas sociais e o Codiv-10 (3) - Anpocs

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Boletim Especial

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BOLETIM | CIENTISTAS SOCIAIS E O CORONAVÍRUS

Hoje completamos três semanas de boletins diários Cientistas Sociais e Coronavirus. Agradecemos muito a mobilização de nossa comunidade acadêmica, assim como a parceria com as entidades científicas que estão apoiando a iniciativa. Continuaremos divulgando textos inéditos de segunda a sexta nas redes sociais e sites das associações parceiras, e nos fins de semana um compilado de todos os textos publicados na semana. Hoje, além do resumo, também damos algumas indicações para quem quiser contribuir com os boletins, quanto aos textos já recebidos e também divulgamos outras iniciativas semelhantes que estão ocorrendo no campo das ciências humanas no Brasil e no mundo.
Como contribuir com os boletins?
Para enviar sua contribuição, encaminhe um texto (por volta de 1000 palavras) com algumas referências bibliográficas (preferencialmente links para textos on line) e uma breve apresentação da/o autor/a para o email: anpocs.presidencia@gmail.com
Sublinhamos que a proposta do boletim é que ele também circule além do circuito acadêmico das ciências sociais, por isso, recomendamos uma linguagem que esteja atenta a esse propósito.
Quais os procedimentos editoriais? Quanto tempo levará para meu texto ser publicado?
Todos os textos recebidos são lidos pelo comitê editorial do boletim. Buscamos dar uma rapida resposta às e aos autoras/es, informando se o texto será ou não publicado. Neste momento os textos que foram aceitos serão publicados em até 15 dias após o aceite. Este tempo poderá variar de acordo com o numero de textos recebidos e aprovados.
Outros boletins, blogs e revistas acadêmicas no campo das ciências sociais que estão publicando textos sobre o momento atual:
Desde que começamos a publicar o boletim, tomamos conhecimento de outras iniciativas editoriais que, a partir de agora, divulgaremos junto com o Boletim semanal nos fins de semana.
O Centro de Estudos em Migrações Internacionais/ Unicamp criou um observatório Covid e tem divulgado regularmente textos sobre a situação da pandemia em diferentes lugares do mundo. - https://www.facebook.com/CEMIBR/
Docentes e discentes do PPGAS/UFRGS lançaram o site antropoLÓGICAS EPIDÊMICAS, com aportes regulares para pensar os impactos da pandemia no nosso cotidiano.
https://www.antropologicas-epidemicas.com.br/
AntropoLógicas é uma série especial do MuseoLógicas podcast, realizado pelo PPGAS/UFPE, lançará uma série de episódiso de podcast sobre COVID-19. O primeiro já está disponível.

Abaixo listamos algumas referências estrangeiras que também merecem ser consultadas.

SEMANA 3  |  de 06/04 a 10/04/2020
Boletim n. 18 | Ciências Sociais e o coronavírus
Por Roque de Barros Laraia, publicado em 10/04/2020
e
COVID-19: Um novo velho conhecido dos indígenas
Por Artionka Capiberibe, publicado em 10/04/2020
Parece estranho dizer que uma doença que mal começa a ser descoberta seja familiar de longa data de algumas das populações que vivem nesse planeta. No entanto, esse é o caso em relação à experiência que começa a ser vivida pelos povos indígenas com a COVID-19. Assim se passa porque vírus e bactérias são aliados, há séculos, da ganância da exploração econômica, agindo junto com esta na mortandade das populações indígenas. Coqueluche, varíola, catapora, sarampo, malária, peste bubônica, tifo, difteria, conjuntivite e gripe são doenças cujos agentes patológicos exterminaram ou reduziram substancialmente povos que não possuíam barreira imunológica para os males trazidos com a suposta civilização. Os relatos sobre isso assemelham-se ao que nos apresenta o professor Roque Laraia e se sucedem ao longo do tempo. Mudam os microrganismos, mas os massacres permanecem. Leia mais


Alguns dos mantras do globalismo planetário até aqui dominantes foram: movam-se, viajem, acelerem, cresçam, expandam-se, extraiam (os recursos), consumam, privatizem, flexibilizem (as relações de trabalho), “deslocalizem” (as empresas)... Tudo isso, frente à pandemia do coronavírus, repentinamente se inverteu: parem, não viajem, desacelerem, retraiam-se, não consumam, invistam em políticas públicas, estatizem (empresas em crise)... Aqui, em pleno boom neoliberal, como uma praga, o último mantra a ser contestado ainda não se inverteu: para os trabalhadores continua-se propondo uma flexibilização ainda maior das relações de trabalho, como se estivessem testando até onde vai a resignação dessa massa de (des)empregados extremamente vulneráveis. É como se, enquanto os ricos podem parar e se resguardar, os pobres devem continuar em movimento, se arriscando para garantir a nossa sobrevivência. Leia mais


Nas últimas décadas fomos levados a acreditar que seria possível atingir altos níveis de controle de nossas vidas por meio de recursos de cuidado em saúde e aprimoramento individual. Para uma parcela da população, detentora do poder de consumo, isso dava a impressão de uma certa “imunidade” a determinados riscos e, talvez, até mesmo, a uma pandemia. Este fenômeno está associado ao próprio processo de medicalização da sociedade, transcorrido ao longo do século XX e que se caracteriza, sobretudo, pela transformação de condições antes consideradas “normais” do decorrer da vida (como envelhecimento, gestação, puberdade) em objetos de intervenção pela medicina. Mais recentemente, o desenvolvimento de novas biotecnologias e das inovações advindas com a biomedicina tecnocientífica tem provocado uma certa inflexão neste cenário e produzido contornos particulares, o que se expressa pelo conceito de biomedicalização. Leia mais


A mobilização causada pela pandemia do Coronavírus em escala global se associa intimamente a um mundo em que as fronteiras nacionais não dão conta de manter fora de seus muros os indesejados e, consequentemente, as pestes que supostamente carregam em seus corpos. O contexto de disseminação da epidemia, associado à intensificação da mobilidade humana, levou os governantes a tomarem medidas fortemente restritivas de circulação de pessoas, sendo a que tem sido considerada como mais eficaz a de isolamento social. Os países fecham as fronteiras nacionais e impedem a entrada de estrangeiros em uma luta contra um inimigo invisível. Leia mais


Boletim n. 14 | As ciências e o conhecimento como ameaças

Por Céli Regina Jardim Pinto, publicado em 06/04/2020
Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, a educação, a ciência e a cultura têm sofrido um grande desarranjo. A coleção de ministros ineptos, caricatos e até claramente fascistas é prova concreta do desprezo com que estas áreas têm sido vistas pelo governo. Leia mais



SEMANA 2  |  de 30/03 a 04/04/2020

Boletim n. 13 | As populações do campo e o coronavírus
Por Nashieli Rangel Loera, publicado em 04/04/2020
No estado de São Paulo existem 140 assentamentos rurais estaduais, onde moram mais de 7000 famílias espalhadas ao longo de 40 municípios (ITESP, 2019)¹. A região conhecida como o Pontal de Paranapanema ao Oeste do estado é a que concentra o maior número de assentamentos, 98 no total, e tem sido, nos últimos 15 anos, o locus etnográfico das minhas pesquisas sobre o mundo rural e as populações do campo. Leia mais

Como antropóloga que sou me dou o direito de iniciar este texto a partir de uma observação etnográfica. No dia 23 de Março de 2020, foi publicado no jornal O Globo[i] a matéria intitulada: “NASA usa experiência de astronautas para dar dicas de confinamento durante a pandemia de COVID-19”. Esta trouxe aos leitores e às leitoras cinco habilidades desenvolvidas por astronautas da Agência Espacial dos Estados Unidos da América (NASA) para viver isolamentos em períodos prolongados de tempo. A saber: comunicação, liderança, cuidados pessoais, cuidados do coletivo e vivência em grupo. Leia mais


Boletim n. 11 | Pandemia COVID-19 e as mulheres
Por Marlise Matos, publicado em 02/04/2020
Todos sabemos apontar e compreender, mesmo com as muitas mudanças ocorridas, os já estabelecidos papéis de gênero, onde às mulheres caberia o lugar de “cuidadoras”, de “donas de casa”, de principais responsáveis pelos domicílios e pelas famílias. Leia mais


Boletim n. 10 | Violências contra mulheres em tempos de COVID-19
Por Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa, publicado em 01/04/2020
Em tempos de confinamento por causa do COVID-19, órgãos internacionais, organizações não governamentais, movimentos feministas, estudiosas, ativistas dos direitos humanos e algumas instituições de governos estaduais têm chamado a atenção para a possibilidade de agravamento das violências contra mulheres. A relatora especial da Organização das Nações Unidas sobre violência contra mulheres, Dubravka Simonovic, destacou que esse problema pode aumentar durante a quarentena, porque o lar pode ser um lugar de medo e abuso para mulheres e crianças, e indicou, ainda, a necessidade de os entes federativos promoverem ações constantes de defesa às mulheres e de combate às violências domésticas. Leia mais


Boletim n. 9 | A Globalização Perversa da COVID-19 : o exemplo de Rondônia
Por Maria Madalena de Aguiar Cavalcante, publicado em 31/03/2020
Os registros dos números de casos confirmados e de mortes da COVID-19 na China, e posteriormente na Itália, chamou a atenção do mundo em relação à pandemia. O novo coronavírus chega ao Brasil, no estado de São Paulo, em meados de fevereiro, do corrente ano. Diante do cenário catastrófico que se configura no país e no mundo, este é um primeiro esboço do registro espaço-temporal dos suspeitos e casos confirmados no estado de Rondônia, evidenciando a importância da obtenção de informações sobre a evolução da COVID-19 de modo diário e por municípios, como auxílio às ações preventivas, corretivas ou restritivas tomadas pelos órgãos públicos. Leia mais

Os primeiros casos de coronavírus chegaram à América Latina com certo retardo em relação a China e aos países europeus. No Brasil o primeiro caso ocorreu no dia 26 de fevereiro e na Argentina, poucos dias mais tarde, no dia 3 de março de 2020. Esse retardo nos permite observar a evolução da doença nos diferentes países afetados pela pandemia e avaliar a eficácia ou ineficácia das medidas adotadas em cada caso. A primeira informação disponível é que a estratégia da quarentena e do isolamento social foi adotada na maior parte dos países afetados. Em alguns casos, como em Itália ou Espanha, essas medidas de isolamento foram adotadas tardiamente e hoje podemos observar as consequências terríveis desse atraso pelo aumento, antes inimaginável, de mortos pela pandemia. Em outros casos, como na China ou Coreia do sul, foram adotadas rapidamente medidas de isolamento que se mostraram altamente eficazes, fazendo com que os casos da doença diminuíssem até quase chegar a zero. Inglaterra e Estados Unidos se resistiram inicialmente a adotar as medidas de isolamento por motivos estritamente econômicos, mas logo tiveram que impor medidas de quarentena severas, no caso de Inglaterra por 12 semanas. Observando as medidas adotadas nos países de Europa e Ásia, assim como o drama hoje evidente de países como Espanha ou da Itália, que atingiu o número de 9.000 mortos por Covid-19, diversos países da América Latina decidiram iniciar um processo de isolamento social e logo de quarentena para limitar e bloquear as cadeias de transmissão do vírus. Leia mais


SEMANA 1  |  de 22/03 a 28/03/2020

Ao longo da História foram tantos os episódios nos quais sociedades enfrentaram riscos biológicos, que escolher um como exemplo sempre revelará um traço de arbitrariedade. Pois, não só sugere certa preocupação específica de quem está escolhendo, como também revela as bagagens que cada um que se aventura em entender a História carrega. Ou seja, o que define se escolho indicar a Peste Negra europeia ou o impacto das doenças ‘europeias’ em populações nativas da América como parâmetro de uma analogia histórica? Qual é mais pertinente para refletirmos sobre a crise que enfrentamos nestes dias de 2020? Tais escolhas são ampla e certamente sustentadas pelas leituras prévias e experiências profissionais de quem a exerce. Leia mais


Boletim n. 6 | A produção do social em tempos de pandemia
Por grupo de pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade - TEMAS - publicado em 27/03/2020
Se não é novidade que no noticiário as editorias de ciência, economia e política se embaralhem - ao discutirmos a exploração de campos de petróleo ou a liberação de sementes transgênicas, por exemplo - durante uma pandemia a forma como nossa vida em sociedade depende e está entrelaçada a elementos não humanos fica ainda mais clara. No entanto, como a teoria social tem entendido o papel de um agente tão poderoso, como o Covid-19, na produção e alteração das nossas formas societárias modernas? E qual a sua contribuição para pensarmos e agirmos no mundo contemporâneo?. Leia mais


Boletim n. 5 | Medo Global
Por Gustavo Lins Ribeiro - publicado em 26/03/2020
A pandemia do corona vírus certamente inaugura uma nova classe de medo global. Não que não existissem anteriormente, as angústias, os pânicos e temores globais. Mas, como a globalização é um processo histórico que se torna cada vez mais agudo, é de se esperar que o último medo global seja mais intenso e complexo do que os outros. O que estou chamando de medo global? Aqui vai uma definição de trabalho: trata-se de todo temor totalizante sentido por todos os habitantes de um coletivo, na expectativa de uma enorme quantidade de mortes que potencialmente ou de fato atingirá a todos e acabará o mundo conforme foi conhecido até um determinado momento. Deixo a definição assim, de maneira ampla, para poder incluir alguns medos coletivos – obviamente sem nenhuma pretensão de esgotar os exemplos - que, apesar de não serem planetários certamente incluíram a sensação de fim de mundo, em uma espécie de arqueologia dessa terrível sensação, um verdadeiro fato social total, como diria Marcel Mauss, que condensa respostas fisiológicas, biológicas, psicológicas, culturais, políticas, econômicas, sociais e científicas. Leia mais

No Brasil, o começo de 2020 já se apresentava desolador, em razão das crises política e econômica enfrentadas pelo país. Ao final do primeiro trimestre do ano, o COVID-19 surgiu para agravar este cenário, com a instalação de uma crise sanitária. Impôs, com isso, um momento de inflexão impostergável sobre as políticas adotadas pelo governo federal. Na noite de domingo, 22 de março, foi lançada a Medida Provisória 927, que previu, dentre outras questões, a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho por até 4 meses. Mesmo que, menos de 24h depois, sob forte pressão de diferentes setores da sociedade, o governo tenha retrocedido ao lançar dúvidas sobre a implementação parcial ou completa da MP, o simples fato de a ideia ter sido lançada já sinaliza a manutenção do ímpeto de flexibilização ou supressão de direitos trabalhistas, acompanhada da injeção de recursos e incentivos a empresários como estratégia principal de amenização dos efeitos das crises que se amontoam. Leia mais

Uma das áreas mais antigas e tradicionais das ciências sociais é a que se volta à reflexão dos processos de saúde e doença e das relações entre o biológico e o social. É tão significativa essa preocupação no campo da Antropologia Social que, em vários países, especialmente nos Estados Unidos, institucionalizou-se uma subdisciplina inteiramente dedicada a ela: a Antropologia Médica. No Brasil, esse subcampo do saber antropológico tem sido geralmente designado como Antropologia do Corpo e da Saúde. Para seu desenvolvimento, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, a ANPOCS, promove anualmente grupos de trabalho, fóruns e mesas redondas; e, nos últimos anos, foram realizados três encontros nacionais específicos, intitulados Reuniões de Antropologia da Saúde (RAS). Leia mais

Surto, epidemia e pandemia são termos do universo técnico da epidemiologia para a classificação temporal, geográfica e quantitativa de uma doença infecciosa. Eles são fundamentais para processos de vigilância e controle, definindo níveis de atenção e protocolos de ação. No caso da Covid-19, por exemplo, quando um número elevado de pessoas da cidade de Wuhan, na China, passou a apresentar uma infecção respiratória grave e desconhecida em um curto espaço de tempo, ligou-se o alarme para o início de um surto. Rapidamente, identificou-se a presença de uma nova variedade do vírus do tipo Corona e, em pouco tempo, casos semelhantes também apareceram em outras cidades e regiões do país e de fora dele. Era o início da epidemia. Ainda assim, como os números da doença continuaram aumentando em mais países e continentes, cobrindo quase todo o globo, a OMS decretou o que é considerado o pior dos cenários, a pandemia. Leia mais


Boletim n. 1 | Cientistas sociais e o coronavírus
Por Rodrigo Toniol - publicado em 22/03/2020
Nos últimos meses a universidade sofreu ataques sistemáticos. A comunidade científica sentiu na pele a descontinuidade de seus projetos de pesquisa, vivenciou o corte de bolsas na pós-graduação e a perda de apoio para realização de eventos acadêmicos. Além disso, também nos vimos interpelados por acusações exdrúxulas como a de que os campi universitários possuem extensivas plantações de maconha. Agora, diante de uma crise global sem precedentes os pesquisadores são lembrados. Consultam os epidemiologistas, os estatísticos, os físicos, enfim, acionam a extensa rede de especialistas para entender o que está acontecendo, o que há por vir e como devemos agir. Nessas horas parece ser mais fácil de lembrar como o financiamento de pesquisa não é o mesmo que gasto puro e simples. Leia mais

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Os boletins Cientistas Sociais e o coronavírus são uma série de textos que serão publicados ao longo das próximas semanas. Trata-se de uma ação conjunta que reúne a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM). Nos canais oficiais dessas associações estamos circulando textos curtos, que apresentam trabalhos que refletiram sobre epidemias. Esse é um esforço para continuar dando visibilidade ao que produzimos e também de afirmar a relevância dessas ciências para o enfrentamento da crise que estamos atravessando.
A publicação deste boletim também conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/SC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), da Associação Nacional de Pós-Graduação em História (ANPUH), da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).
Acompanhe e compartilhe!

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De volta a uma "praga" dos estudantes em TCC, ou dissertações e teses: a do "marco teórico"- Paulo Roberto de Almeida

Alguém me escreve para me perguntar sobre o tal de "marco teórico" para um trabalho acadêmico. Lembro de uma antiga diatribe que já fiz contra esse terrorismo intelectual.

Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico

Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008

1. Tente entender...
Veja, caro leitor, se você consegue entender este filósofo francês, muito lido e muito citado em certos círculos acadêmicos:

“Assim, por um lado, a repetição é isso, sem o que não haveria verdade: a verdade do ente sob a forma inteligível da idealidade descobre no eîdos o que pode se repetir, sendo o mesmo, o claro, o estável, o identificável em sua igualdade a si. E apenas o eîdos pode dar lugar à repetição como anamnésia ou maêutica, dialética ou diática. Aqui a repetição se dá como repetição de vida. A tautologia é a vida, só saindo de si para voltar a entrar em si. Mantendo-se junto a si na mnéme, no lógos e na phoné. Mas, por outro lado, a repetição é o próprio movimento da não-verdade: a presença do ente perde-se nele, dispersa-se, multiplica-se por mimemas, ícones, fantasmas, simulacros etc.” (J. Derrida, A Farmácia de Platão. SP: Iluminuras, 2005, p. 122).

Entendeu, leitor? Provavelmente não, mas não se preocupe, eu também não entendi nada, mas não me preocupo mais com isto: há muito tempo desisti de tentar entender esses filósofos franceses, que converteram em hábito – praticamente uma profissão – os atos de escrever difícil e de falar complicado, apenas para épater la galerie e impressionar o distinto público, no que eles foram, aparentemente, bem-sucedidos (alguns ficaram ricos e famosos com toda essa empulhação). Aliás, acredito que esse autor não estava querendo explicar absolutamente nada a ninguém: estava apenas gozando da cara de eventuais alunos e de leitores desprevenidos. No que me concerne, não me deixo impressionar por falcatruas intelectuais.
Agora, considere este outro filósofo francês, ainda mais lido e mais citado nos mesmos meios (provavelmente não pelas boas ou corretas razões), e que se converteu em verdadeiro paradigma das ditas ciências sociais, quando ele, na verdade, é apenas um comentarista filosófico da história (o que não o impediu de monopolizar várias áreas das ciências humanas, impregnando todo o discurso acadêmico durante mais de uma geração): 

 “Deveríamos fazer uma tentativa de estudar o poder não a partir dos termos primitivos da relação de poder, mas a partir da relação de poder em si, na medida que ela mesma determina os elementos sobre os quais se estabelece: em lugar de pensar em indivíduos ideais aos quais se pede que cedam algo de si mesmos ou de seus poderes para serem submetidos, deveríamos indagar como as relações de dominação podem por si mesmas construir os indivíduos. Da mesma forma, em vez de investigar a única forma, o ponto central ao qual todas as formas de poder derivam como conseqüência ou como desenvolvimento, deveríamos abordar sua multiplicidade, suas diferenças, suas especificidades, sua reversibilidade: estudá-las, portanto, como relações de força que se entrecruzam, se excluem mutuamente, convergem ou, ao contrário, se opõem e tendem a se anular. Em resumo, em lugar de considerar a lei uma manifestação do poder, nos seria talvez mais útil tentar descobrir as diferentes técnicas de coerção que coloca a lei em funcionamento.” (Michel Foucault, trecho do Résumé des Cours; Paris: Collège de France, 1989) 

Bem mais compreensível, não é mesmo, caro leitor? Você acha que poderia “trabalhar” com ele, por exemplo, para sustentar a argumentação teórica de algum ensaio acadêmico, talvez “encomendado” ou sugerido pelo seu professor orientador?
Textos como este, de Michel Foucault – sem falar de outros, mais enfadonhos ou mais excitantes, de Pierre Bourdieu, de Jürgen Habermas e de vários outros encore – têm sido usados de modo recorrente na academia, provavelmente mais para torturar alunos (ainda que de forma involuntária) do que para ensinar-lhes algo, de verdade. Textos como esses, escolhidos por professores de metodologia – por vezes, apenas trechos selecionados desse tipo de texto, oferecidos aos alunos por professores das disciplinas setoriais de ciências humanas – têm a função de servir de suposto suporte teórico para a confecção de trabalhos acadêmicos: monografias, dissertações, talvez até mesmo teses doutorais.
Pessoalmente, não tenho nada contra Bourdieu, Foucault, Habermas, Derrida e outras sumidades do mundo acadêmico (enfim, os dois primeiros até podem ser leituras agradáveis, mas os dois últimos são simplesmente aborrecidamente prolixos, ou francamente ilegíveis). Apenas acho que estes e outros autores do mesmo naipe são usados indevidamente por professores acomodados à bibliografia convencional e que não se preocupam em buscar explicações mais convincentes aos problemas-temas do trabalho de seus orientandos. Eles recorrem assim às “vacas sagradas” consagradas da conjuntura acadêmica dominante, como uma espécie de solução de facilidade – para eles, obviamente – ao mesmo tempo em que jogam os estudantes numa camisa de força conceitual que pode servir para muitas coisas, menos para o enriquecimento intelectual destes últimos. 

2. A praga do marco teórico 
A primeira responsabilidade do trabalhador acadêmico está constituída pela honestidade intelectual, o que implica a consideração de todos os elementos possíveis de serem usados numa análise abrangente de qualquer problema social, não apenas daqueles que correspondem às suas preferências políticas ou simpatias filosóficas do momento. Considero este critério o mais relevante no trabalho científico, aliás, o único relevante no campo das ciências humanas ou sociais, e é em torno dele que eu gostaria de formular estes comentários a mais uma das falácias acadêmicas. 
De minha parte, em meus trabalhos de investigação histórica (estritamente factual), de observação política (e, portanto, algo subjetiva) e de análise sociológica (que, gostaria fosse a mais objetiva possível), não tenho por hábito preocupar-me além da conta (talvez mesmo nada) com a teoria, qualquer que seja ela. Não creio, sinceramente, que ela seja indispensável no (e ao) desenvolvimento de todos os tipos possíveis de trabalho intelectual.  Vou ser claro: em nossos trabalhos de elaboração intelectual, todos nós “partimos” de alguma teoria, mesmo de forma inconsciente. Mas isso não tem nada a ver (ou, pelo menos, não deveria ter) com a “necessidade” de expor sua teoria previamente ao trabalho com os fatos. Prefiro deixar que os fatos falem por si, e se alguém quiser, depois, aplicar alguma teoria a eles, que o faça por sua própria conta e risco. Eu não vou me preocupar em desenvolver nenhuma nova teoria para tentar encaixar, ou amoldar, os fatos dentro dessa nova camisa de força conceitual. Podem me acusar de radical anti-teórico, mas é assim que vejo o mundo> desculpem-me os muito acadêmicos, mas estou me lixando para suas preocupações 
Esta é também uma das razões pelas quais eu praticamente passo por cima dos capítulos teóricos nas dissertações e teses para cuja avaliação eu sou convidado. Acho que os professores “torturam” os seus alunos, obrigando-os a encontrar o famoso “quadro teórico” da sua pesquisa, quando os pobres alunos mal dão conta do emaranhado de fatos brutos que devem processar. Mas isso é uma outra discussão que farei em outra oportunidade. Para confirmar quão comum é esse tipo de atitude, permito-me transcrever aqui uma das muitas mensagens que recebo de alunos quase desesperados com essa “obrigação”. Esta é uma das mais recentes (11/09/2008, at 08:49, xxx wrote:): 

“…sou acadêmica do curso de Relações Internacionais da Universidade xxx, estou no sétimo período já fazendo o meu projeto de monografia. O meu tema é: Política Externa do Governo Lula (2003-2008) o acordo IBAS ( Índia, Brasil e África do Sul ) como instrumento de cooperação via Sul-Sul. Venho através deste lhe solicitar um auxílio de materiais sobre este assunto, estou com dúvida também de qual teoria das Relações Internacionais eu posso usar, porque meu professor me indicou Teoria da Interdependência, outros já me indicaram Intergovernamentalismo (o qual ainda não encontrei material o suficiente) e até mesmo o Institucionalismo, então não sei realmente o que aplicar, uma vez que quero trabalhar o que levou esses países a cooperarem, quero verificar se realmente esse acordo está contribuindo para uma maior inserção destes países emergentes em âmbito internacional. Espero ter sido clara o suficiente e que você com toda sua experiência possa me fornecer um auxílio. Desde já muito obrigada pela sua presteza e tenho certeza que seu auxílio contribuirá muito com minha formação. Grata mais uma vez, xxx”

O que é que eu respondi a este aluno desesperado? Isto:

PRA: “Vou ser bastante franco com você, xxx. Uma iniciativa concreta de diplomacia, neste caso a decisão do governo Lula de empreender um programa reforçado de cooperação com dois outros países considerados ‘parceiros estratégicos’, não precisa ter nenhuma justificativa teórica, nem se sustentar em nenhum quadro conceitual vigente, para existir e se desenvolver de fato. Essa ‘ditadura do marco teórico’, que professores exigem de alunos que iniciam um trabalho acadêmico, é um verdadeiro absurdo, uma camisa de força que não encontra respaldo em nenhuma regra acadêmica, ou formalização conceitual. Se trata de uma exigência que se justifica por ela mesma, e que, portanto, é irracional, e se a exigência é incontornável ela se torna estúpida. Não possuo e não conheço nenhuma teoria que possa sustentar o IBAS, e não dou a mínima importância para isso. Uma iniciativa diplomática não precisa passar pelo moedor de carne dos rituais acadêmicos para existir e, portanto, pode ser perfeitamente dispensável o tal de marco teórico. Pode dizer isto ao seu professor; eu recomendo que você faça um trabalho intelectualmente honesto sobre o IBAS, considerando todos os elementos factuais de que você dispõe, sem precisar rechear o assunto com qualquer penduricalho acadêmico que possa existir.”

Também sou habitualmente convidado a emitir pareceres sobre artigos acadêmicos submetidos a revistas convencionais desse campo, o que se aproxima bastante do tipo de exercício a que sou convidado exercer quando desse tipo de consulta individual. Vejamos um exemplo recente desse tipo de consulta.

Pergunta: “O artigo é bem escrito? Baseia-se em pesquisa bem-feita, com utilização de fontes apropriadas? Suas conclusões são justificadas? Sua estrutura organizacional e argumentação são claras?”
PRA: Sim, o artigo é bem escrito; existe, talvez, certo pedantismo na análise, que não precisaria passar pelo famoso “marco teórico”, que o autor escolheu na obra de Derrida, a rigor irrelevante para se analisar o discurso de Xxxx sobre o terrorismo,  mas se trata, provavelmente, de ritual imposto por algum professor viciado em desconstrucionismo.
Pergunta: “O artigo dá uma contribuição para o seu campo de estudo? De que maneira pode ser considerado original?”
PRA: Não creio que se necessite recorrer a um pensador deliberada e voluntariamente obscuro, como Derrida, para explicar discursos políticos sobre o fenômeno do terrorismo, discursos que necessariamente carregam as ambigüidades de uma indefinição persistente e inevitável, em vista da complexidade do conceito e do fenômeno. Trata-se de um filósofo “obscurantista”, que busca, expressamente, uma linguagem pretensamente complicada, críptica, desnecessariamente prolixa e falsamente empolada, apenas para impressionar os incautos: ele será esquecido e remetido à lata de lixo da filosofia assim que os franceses recobrarem a razão. (...) Ele apenas satisfaz egos filosóficos ingenuamente encantados com filosofices inúteis de um pensador futuramente descartável.

Enfim, não pretendo deter a chave do conhecimento filosófico ou sair por aí atirando um ou outro philosophe em alguma lata de lixo, mas eu constato que muitos professores falam de um “marco teórico” como algo “indispensável” ao trabalho do mestrando ou doutorando. Com isso, eles conseguem tirar várias noites de sono do candidato, que adentra na selva selvaggia da bibliografia pertinente – geralmente restrita a poucos “barões” da teoria em ciências humanas, de extração francesa ou alemã – em busca de algum enquadramento teórico para o objeto escolhido. A maior parte dos pobres alunos sai dessa selva arranhada, com urticária metodológica e sérios problemas para retomar o fio da meada de seu objeto próprio.

3. O que é e o que não precisa ser o tal de marco teórico 
O marco teórico normalmente faz parte daquela seção metodológica que se segue à introdução nos trabalhos de candidatos. A discussão da metodologia a ser empregada na pesquisa compreende, por sua vez, algumas hipóteses de trabalho que normalmente se apóiam em alguma teoria disponível no supermercado acadêmico. A teoria certamente ajuda a pensar, mas ela não deve representar uma camisa de força, que obrigue o candidato a enquadrar o seu tema em alguns dos molhos prêt-à-porter que estão disponíveis nas estantes pertinentes do supermercado. 
Um candidato desprevenido, que pretenda, por exemplo, fazer uma dissertação sobre a informalidade laboral no Brasil, não precisa necessariamente se interrogar sobre o que o inefável Foucault teria a dizer sobre isso. Não creio, pessoalmente, que o “marco teórico” deva ser um monstro metafísico que ameace engolir o candidato se ele se sentir desconfortável com o tal de “enquadramento conceitual” do seu objeto: determinados temas, bem mais “pedestres” em sua concepção e desenvolvimento, podem dispensar essas filigranas teóricas. 
A metodologia é, sobretudo, uma ferramenta analítica utilizada para descrever e discutir o objeto escolhido e a teoria é uma espécie de fundamentação conceitual desse objeto, com algumas generalizações sobre o tema em espécie. Estudos de caso e pesquisa empírica são sempre bem-vindos, mesmo se eles não se encaixam em algum molde conceitual – o famoso “marco teórico” – que o professor acha que o candidato deva obrigatoriamente exibir. Na elaboração metodológica, o candidato deve eventualmente se propor algumas hipóteses de trabalho que serão, no decurso do trabalho, confirmadas ou desmentidas pelo tratamento oferecido ao tema escolhido. 
Mas essa “fundamentação teórica”, que os professores exigem dos candidatos, não precisa ser considerada um elemento absolutamente indispensável do trabalho acadêmico, pois nem sempre é o caso. Ou seja, o trabalho pode ser – este é um direito do candidato – simplesmente expositivo-descritivo, sem referência a qualquer autor famoso na comunidade acadêmica, posto que um determinado tema escolhido se presta, hipoteticamente, a uma descrição empírica de fatos da vida real. Ou, então o candidato pode ter decidido, por exemplo, fazer uma síntese da literatura existente a respeito do seu tema, sem maiores inovações teóricas. Por causa dessa obsessão com o marco teórico alguns alunos tropeçam feio nessa parte, e acabam escrevendo uma “metodologia” que tem pouco a ver, finalmente, com o conteúdo em si do trabalho. 
Resumindo: metodologia é simplesmente a forma como o autor organiza os seus dados, seus materiais primários, seus elementos empíricos, e até suas leituras, e os apresenta em seguida na discussão fundamentada da terceira parte, com análise crítica e um levantamento de outros problemas que tenha detectado em sua pesquisa. O autor pode, também, aproveitar essa parte para dizer como outros analistas do mesmo problema estudaram a questão, se concorda com eles, se utilizará métodos já empregados anteriormente, etc. 
Conseguindo cumprir essa etapa do ritual, o candidato se descobre então um feliz sobrevivente de uma navegação acadêmica que costuma fazer naufragar alguns outros colegas que seguem o mesmo caminho. Depois disso, basta escrever e, se não for pedir muito, sobreviver ao esforço acadêmico...

Buenos Aires-Brasília, 30 de setembro de 2008
1931. “Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico”, Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008, 6 p. Da série programada, com algumas críticas a filósofos famosos. Espaço Acadêmico (ano VIII, n. 89. outubro 2008). Relação de Publicados n. 859.


Chanceler acidental já defendeu a "luta armada" democrática da época da ditadura


A história é conhecida, mas ela vem a público novamente por meio desta postagem de antigo debate no programa "Pingos nos iis" da Rádio Jovem Pan, ocorrido em janeiro de 2019, antes que o jornalista Augusto Nunes adotasse uma outra postura em relação ao governo Bolsonaro: 

https://www.youtube.com/watch?time_continue=7&v=HDYmnyhQ1lg&feature=emb_logo



Ernesto Araújo defende Terrorismo de Dilma no Regime Militar e Augusto Nunes os Desmascara

43.239 visualizações
17 de jan. de 2019


O jornalista lê um trecho de matéria da revista IstoÉ, de janeiro de 2019, que reproduz parte da fala do então ministro-conselheiro da embaixada do Brasil em Washington, na parte que ele diz que "especialmente entre os jovens não havia a esperança de que a democracia pudesse ser restabelecida por meios pacíficos", reafirmando que "essa luta [armada] foi importante, como parte de um movimento geral em direção de mais democracia". 

Ou seja, o atual chanceler já fez, em 2011, uma defesa enfática da "luta armada pela democracia" na qual se tinha engajado a guerrilheira Dilma Rousseff. Isto porque era ministro conselheiro na embaixada em Washington e cumpria, até com zelo, o seu papel de defender o governo, qualquer governo, e quaisquer que tenham sido, no passado, as ações públicas de seus integrantes. Nisso ele atuou como um perfeito enquadrado no carreirismo – ou oportunismo – de um servidor, não do Estado, mas do governo de plantão.

Pouco depois, eu, que não tinha tomado conhecimento dessa declaração de meu colega de carreira, mas que me encontrava em Paris, dando aulas na Sorbonne, pois que o mesmo Itamaraty, de dona Dilma Rousseff e seus diplomatas amestrados continuavam a me recusar qualquer cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, e aproveitei uma "licença prêmio" a que tinha direito legalmente, para me afastar por alguns meses do Brasil, e continuar exercendo minha segunda carreira, a de professor universitário.
Quando a presidente veio, mais uma vez, defender o "sentido democrático" da guerrilha a que pertenceu, não hesitei em contestá-la, o que foi publicado na revista Veja. Tenho este registro, de maio de 2012: 

2393. “Dou-me o direito de discordar (Comissão da “Verdade”), Paris, 16 Maio 2012, 2 p. Comentários a frase da presidente Dilma Rousseff, para quem os que se levantaram em armas contra a ditadura militar estavam lutando pela “redemocratização” do Brasil. Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/05/dou-me-o-direito-de-discordar-comissao.html); trecho reproduzido em matéria da Veja, edição 2270, de 23/05/2012. 


Dou-me o direito de discordar (Comissão da “Verdade”)

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 16 de maio de 2012
Postado no blog Diplomatizzando

Sobre isto:

A presidente Dilma Rousseff empossou nesta quarta-feira, em Brasília, os sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, grupo de trabalho que irá apurar violações de direitos humanos durante a ditadura militar, entre os anos de 1946 e 1988. Com voz embargada, a presidente negou que o colegiado busque “revanchismo” ou a possibilidade de “reescrever a história”. Ex-integrante da organização clandestina VAR-Palmares, a presidente se emocionou ao relembrar os “sacrifícios humanos irreparáveis” daqueles que lutaram pela redemocratização do país...

peço licença para discordar.
Como ex-integrante de dois desses grupos que alinharam contra o regime militar, no final dos anos 1960 e início dos 1970, posso dizer, com pleno conhecimento de causa, que NENHUM de nós estava lutando para trazer o Brasil de volta para uma "democracia burguesa", que desprezávamos.
O que queríamos, mesmo, era uma democracia "popular", ou proletária, mas poucos na linha da URSS, por nós julgada muito "burocrática" e já um tantinho esclerosada.
O que queríamos mesmo, a maioria, era um regime à la cubana, no Brasil, embora alguns preferissem o modelo maoista, ainda mais revolucionário.
Os soviéticos -- e seus servidores no Brasil, o pessoal do Partidão -- eram considerados reformistas incuráveis, e nós pretendíamos um regime revolucionário, que, inevitavelmente, começaria fuzilando burgueses e latifundiários. Éramos consequentes com os nossos propósitos.
Sinto muito contradizer quem de direito, mas sendo absolutamente sincero, era isso mesmo que TODOS os desses movimentos, queríamos.
Essa conversa de democracia é para não ficar muito mal no julgamento da história.
Estávamos equivocados, e eu reconheço isso. Posso até dar o direito a outros de não reconhecerem e não fazerem autocrítica, por exemplo, dizer que nós provocamos, sim PROVOCAMOS, o endurecimento do regime militar, quando os ataques da guerrilha urbana começaram. Isso é um fato.
Enfim, tem gente que pode até querer esconder isso.
Mas eles não têm o direito de deformar a história ou mentir...

Paulo Roberto de Almeida 

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Addendum em 21/05/2012
A revista Veja, em sua edição do sábado 19 (data de capa 23/05/2012), reproduziu trecho desta postagem, desta forma: 

O sociólogo Paulo Roberto de Almeida, que pertenceu a grupos de insurreição armada contra o regime militar brasileiro, colocou a questão com muita clareza:
"Como ex-integrante de dois desses grupos que se alinharam contra o regime militar, posso dizer, com pleno conhecimento de causa, que nenhum de nós estava lutando para trazer o Brasil de volta para uma 'democracia burguesa', que desprezávamos. Nós pretendíamos um regime revolucionário, que, inevitavelmente, começaria fuzilando burgueses e latifundiários."
Essa é a verdade. É uma afronta à história tentar romantizar ou edulcorar as ações, os métodos, as intenções e as ligações com potências estrangeiras dos terroristas que agiram no Brasil durante o período militar.