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terça-feira, 11 de julho de 2017

A China como grande potencia - Rubens Barbosa

A VOLTA DA CHINA COMO GRANDE POTÊNCIA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 11 de julho de 2017

A percepção generalizada em nossos dias é a de que a China surge como uma  potência emergente cada vez mais influente no cenário internacional. É mais exato, porém, o entendimento de que a China retoma seu papel central no mundo, como ocorreu até meados do século 18.
Em Macau, na China, no inicio de junho, participei de encontro acadêmico e empresarial sobre a Iniciativa One Belt One Road (OBOR), uma ideia lançada pelo presidente Xi Jinping em 2013.
Com a iniciativa OBOR, a China passa a substituir os países ocidentais nas propostas de projetos de grande porte e de visão de futuro. A OBOR consiste na criação de eixos de infraestrutura terrestre e marítima da Asia ao Mediterrâneo, nos moldes das antigas rotas de comércio que constituíram a Rota da Seda. Composta por duas vertentes distintas, a Iniciativa compreende o Cinturão Econômico da Rota da Seda (Belt), corredor terrestre que estabelece ligação entre China, Asia Central e Europa e a Rota da Seda Marítima (Road), que conecta a China ao Sudeste Asiático, Oriente Médio e Europa por via naval.
A OBOR é uma das principais prioridades da diplomacia chinesa e faz parte do arcabouço institucional da projeção da China como potência global no século XXI. Trata-se de um projeto bastante ambicioso cobrindo cerca de 65% da população do mundo, perto de um terço do PIB global e ao redor de um quarto de todos os bens e serviços mundiais.
A realização da cúpula multilateral sobre a OBOR, em Pequim, em maio passado, contou com a presença de 28 chefes de estado, inclusive os presidentes da Argentina e do Chile.
É importante ressaltar que, para além das considerações de estratégia geopolítica, a One Belt estaria gerando benefícios para a economia chinesa e  seu comércio externo. Segundo relatório da Universidade  Renmin, entre junho de 2013 e junho de 2016, a China comercializou bens com países localizados na rota inicial da OBOR no valor de US$ 3,1 trilhões, o que representa 26% do volume de seu comércio naquele período. Além disso, ate junho de 2016, foram firmados contratos para empresas chinesas no valor de US$ 9,41 bilhoes com países integrantes da iniciativa, um crescimento de 33,5%, comparado com 2015
Estima-se que os investimentos totais desse ambicioso programa, entre 2016  e 2021, totalizarão US$ 5 trilhões. A OBOR contará com dois mecanismos principais de financiamento: o Banco de Investimentos em Infraestrutura da Ásia (AIIB) - que iniciou suas atividades em dezembro de 2015, com capital de US$ 100 bilhões - e o Fundo da Rota da Seda, anunciado no final de 2014, com capital integralizado de US$ 40 bilhões. Com relação ao fluxo de investimento da China em países no "One Belt, One Road", entre junho de 2013 e junho de 2016, segundo se informa, o investimento externo direto chinês na região foi de US$ 51,1 bilhões (12% do investimento chinês total no mesmo período). De acordo com dados do Ministério do Comércio da China, para o ano de 2015, os países incluídos no OBOR receberam US$ 18,9 bilhões do fluxo de investimento externo direto da China e contam com estoque de investimento chinês de US$ 115,5 bilhões.A lista completa dos projetos concluídos ou em curso não está disponível e são escassos os dados sobre as condições de financiamento e os valores precisos dos investimentos realizados por estatais e fundos chineses nos projetos da OBOR.
O Cinturão econômico é parte de uma ação de maior penetração política e de  projeção da China na Ásia e em outros continentes. Pequim coloca-se em posição central em uma espécie de nova arquitetura econômica regional encabeçada pela China, principal provedor de recursos e de empregos em regiões com elevada demanda por infraestrutura e com mão-de-obra jovem em busca de trabalho.
A projeção de influência global deverá estender-se aos setores cultural, educacional e até mesmo ao da cooperação na área espacial. Os serviços oferecidos pelos satélites chineses seriam elemento de um "corredor de informação espacial" da OBOR, a ser constituído nos próximos cinco anos. A rede Beidou, atualmente com 14 satélites em operação, deverá contar com 35 até o fim desta década, segundo o governo chinês, ao custo de US$25 bilhões.
O governo de Pequim pretende que Macau, ex-colônia portuguesa e hoje uma das regiões especiais da China, se transforme em uma cabeça de ponte para os países de língua portuguesa com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento desse projeto. Macau pode ser aproveitado como uma plataforma para os países de língua portuguesa promoverem o desenvolvimento de laços econômicos e comerciais a fim de ajudar companhias desses países a explorar várias formas de comércio, logística, investimentos, agricultura, pesca, exploração de recursos naturais, infraestrutura, saúde e telecomunicações. A intenção é transformar Macau em facilitador de negócios junto aos países de língua portuguesa. Nesse sentido, seria útil a realização de encontro do Conselho Empresarial dos Países de Língua Portuguesa em Macau para estimular a cooperação econômica e comercial e também para obter informações sobre investimentos e oportunidades de negócios, além da participação em feiras e exibições.
Em nível micro econômico, as firmas chinesas vão se confrontar com uma série de riscos quando se pensa em termos de projetos. Esses riscos podem incluir barreiras diplomáticas e regulatórias, incompreensões culturais e uma miríade de diferentes sistemas legais que terão de ser enfrentados. Nenhuma dessas barreiras são insuperáveis. Firmas de todas as nacionalidades encontram tais desafios quando atuam em outros mercados e entram em territórios não conhecidos.
É cedo, contudo, para especular se a Iniciativa OBOR se transformará em um  significativo marco na  história da economia globalizada.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

Meus tempos de Ginasio Vocacional (1962-65) - Paulo Roberto de Almeida

Uma postagem de sete anos atrás, retratando uma realidade de mais de 50 anos antes, agregada de comentários recebidos no momento da divulgação, em meu blog DiplomataZ.

SEGUNDA-FEIRA, JANEIRO 11, 2010

30) What a Difference a School Makes - Meu depoimento sobre o Ginasio Vocacional

What a difference a school makes...
O traço todo de minha vida no Vocacional Oswaldo Aranha
Paulo Roberto de Almeida
Aluno da primeira turma (1962-1965) do Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha
(Avenida Portugal, Brooklin, São Paulo, SP)

“O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, mas ao qual ele terá sempre que se cingir sem o saber...”, escreveu Joaquim Nabuco no começo de Minha Formação (1900), quando ele se refere ao período transcorrido no Engenho Massangana, no qual passou os primeiros oito anos de sua vida e onde recolheu suas primeiras impressões sobre o mundo. Nabuco continua dizendo que esses anos teriam sido decisivos na constituição de sua personalidade: “Pela minha parte acredito não ter nunca transposto o limite das minhas quatro ou cinco primeiras impressões...”
De minha parte, o traço todo de minha vida foi indelevelmente marcado pelos quatro anos que passei, adolescente, no Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, inaugurado em 1962 justamente pela minha turma, pioneiríssima de uma experiência inédita no Brasil, de educação integral e radicalmente diversa de tudo o que se fazia até então em matéria de formação de jovens. A “minha formação”, se eu tivesse de escrever um livro equivalente de memórias, teria de reservar um largo espaço ao Vocacional, tão importante ele foi para a formação de meu caráter, para a definição de minhas orientações intelectuais, das minhas quatro ou cinco primeiras impressões do Brasil e do mundo. Ao “Ginásio” devo o que sou, hoje, e o reconheço plenamente, com toda a saudade que uma memória fugidia pode trazer para a mente do homem maduro, que sou hoje, esses anos de juventude passados num ambiente verdadeiramente excepcional para o jovem que eu era no começo dos anos 1960.

Minha Formação 
Até onde minha mente alcança, no recuo para as origens, me vejo um garoto brincalhão, num bairro rarefeito da então periferia da cidade de São Paulo, quase às margens do rio Pinheiros, numa pequena rua de terra, cercada de terrenos baldios – onde a “molecada” (esse era o termo) do bairro disputava animadas peladas de futebol, corridas de pegar, piques, pião, taco e outras brincadeiras típicas de garotos de famílias modestas –, zona repicada de casas simplórias de alvenaria, praticamente nenhum edifício ou construção mais imponente, no que era então a Chácara Itaim (mais tarde chamado de Itaim-Bibi, para distinguí-lo de outro bairro com o nome de Itaim Paulista). Além de brincar na rua, também freqüentava o Parque Infantil, ou seja, a pré-escola municipal – da qual me lembro da gangorra e da merenda à base de leite e pão com goiabada – e, mesmo antes de aprender a ler, a Biblioteca Infantil, para jogos de salão e as sessões de cinema às quintas-feiras: Os Três Patetas, Gordo e Magro, Roy Rogers, Tarzan e Oscarito e Grande Otelo eram os filmes habituais, numa época em que o cinema nacional era feito sobretudo dessas comédias-pastelão.
Esse era o lado risonho de uma existência bem mais dura, posto que meus pais, ambos com primário incompleto, não tinham condições de assegurar sequer o mínimo para manter o lar, então uma modesta casinha com dois cômodos nos fundos de um terreno relativamente grande para os padrões de renda que eram os nossos. Aliás, falar de renda seria um exagero, pois que os ganhos conjuntos de meu pai, um modesto motorista de entregas numa torrefação de café, e os de minha mãe, como lavadeira “para fora”, certamente não alcançavam para todas as necessidades da casa. Eu e meu irmão Luiz Flávio tivemos portanto de trabalhar, desde muito cedo, primeiro recolhendo restos de metal nos fundos de uma fábrica – para revendê-los ao ‘ferro-velho’ –, depois como pegadores de bolas de tênis no Clube Pinheiros, mais adiante como empacotadores à base de gorjetas no supermercado Peg-Pag; lembro-me da lanchonete de estilo americano na esquina do comércio, da qual eu cobiçava (sem ter dinheiro para comprar) sobretudo os sundays e os banana-splits. 
Ao aprender a ler, na tardia idade de sete anos, pude finalmente começar a freqüentar de verdade a Biblioteca Infantil Anne Frank, onde devo ter passado o essencial de minha infância e pré-adolescência: deixando os jogos de lado, eu ficava o tempo todo na sala de leitura, de onde também retirava, dia sim, dia não, dois ou três livros para continuar a leitura em casa, de noite, deitado na cama, à contra-luz; Monteiro Lobato, obviamente, e tudo o mais que me interessasse. Farei, em outro depoimento, a relação de minhas leituras juvenis, mas não poderia deixar passar o História do Mundo para as Crianças, adaptado por Monteiro Lobato de uma edição americana, um livro que foi verdadeiramente decisivo em minha formação e em minha orientação para os estudos humanísticos: devo tê-lo lido várias vezes, pois que, ao entrar para o Vocacional, eu era um “craque” – segundo a gíria da época – em todas as fases da História, da antiguidade à era moderna e mais além. 

A Grande Transformação 
Terminando os estudos primários na Escola Pública Municipal Aristides de Castro, a dez minutos de caminhada de casa, ainda fiz um “quinto ano” – que não era obrigatório, e muitos alunos de minha condição deixavam então o ensino formal – na mesma escola, sendo esse o caminho de “admissão” (o nome alternativo desse ano suplementar) para os estudos ginasiais, ou seja, o começo do segundo ciclo no Brasil, nessa época composto de “ginásio” e “colégio”, a última fase antes do terceiro grau.
Ninguém na minha família estendida tinha chegado então ao segundo ciclo e a opção que se apresentou aos meus pais foi a de uma escola técnica, para me dar de imediato uma formação profissional, uma inserção direta na vida ativa, com menos de 14 anos. Lembro-me de ter visitado, com minha mãe, uma escola de artes industriais do sistema Senai, com a intenção de uma possível inscrição no curso de marcenaria, a “profissão” que mais me seduzia no universo provável das modestas possibilidades de uma família sem recursos próprios da periferia de São Paulo. 
Não me lembro bem agora exatamente por que, talvez porque não houvesse vagas no curso de marcenaria para mim, uma alternativa se abriu vinda de não sei bem onde, provavelmente um anúncio de jornal: a outra opção seria tentar uma aprovação em concurso para um novo tipo de ensino que estava sendo inaugurado pelo governador de São Paulo, Carvalho Pinto, os ginásios vocacionais, cinco ao todo no estado de São Paulo. A seleção era rigorosa, envolvendo provas em várias matérias e entrevistas, nas quais devo ter tido um bom desempenho (sinceramente não me lembro dessa parte), posto que fui imediatamente chamado para a inscrição. 
O “problema” que então se colocou era de ordem financeira, ou talvez, mais exatamente, orçamentária: esse ginásio inédito exigia freqüência integral, em lugar das três ou quatro horas dos ginásios tradicionais, o que colocaria minha família em “dificuldades”. Com efeito, os modestos aportes meus e de meu irmão, em nossas atividades “pecuniárias”, faziam parte integral do orçamento do lar, e minha retirada do “mercado de trabalho” provocaria um déficit primário nos seus recursos líquidos. A “grande transformação” em minha vida foi representada pela decisão familiar de que o garoto de doze anos recém completados que eu era, merecedor pelo sucesso na seleção, seria dispensado dos trabalhos remunerados para seguir quase integralmente a via dos estudos de segundo ciclo, de certa forma um “privilégio de classe”. Foi, provavelmente, o tournant mais importante dessa fase juvenil e para o resto da vida.
Quando digo “dispensado de trabalhos remunerados”, isso não é totalmente correto, posto que continuei, aos sábados pelo menos e provavelmente aos domingos também, a empacotar compras no supermercado Peg-Pag, praticamente durante todo período de estudos ginasiais. Quando se vem de uma família extremamente modesta como era a minha, nenhum aporte é dispensável para o mínimo de conforto de que desfrutávamos. Não tínhamos, obviamente, nem televisão, nem telefone em casa, se tanto um aparelho de rádio, o que de certa forma deve ter contribuído para meus hábitos de leitura intensa e, certamente, aplainou facilmente meu ingresso tranqüilo na seleção dos vocacionais. 

Finalmente, o Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha
Aos doze anos, com uma grande “cultura histórica universal” – especialmente na antiguidade egípcia e grega clássica –, eu dispunha, no entanto, de escassa cultura política brasileira contemporânea, e não tinha a menor idéia de quem fosse Oswaldo Aranha, que não podia, assim servir de premonição para a minha carreira futura na diplomacia. Minha entrada no Vocacional Oswaldo Aranha representou, sem qualquer sombra de dúvida, a mais importante ‘ascensão social’ em minha vida, antes do próprio ingresso na carreira diplomática, constituindo, portanto, uma espécie de ruptura entre o passado modesto, numa família de classe média baixa (provavelmente menos do que isso), e um futuro então em construção e largamente indefinido.
Talvez não tenha sido uma ruptura consolidada, pois que me lembro de que, em certas fases, minha mãe cogitou de me tirar do Vocacional para me colocar num ginásio tradicional, como meu irmão maior, por razoes sempre pecuniárias: não apenas eu não contribuía mais para o orçamento da casa, como passei a representar um ‘peso’, posto que o Vocacional tinha grandes exigências em se tratando de material de estudo e de atividades extra-classe (pagamento de ônibus de viagem, dinheiro de bolso para essas saídas etc.). Todos os meus colegas, com pouquíssimas exceções, eram de famílias de classe média, algumas até abastadas, o que era visível em traços exteriores – a despeito do uniforme e da democracia ambiente – e nas referências às compras, aos objetos pessoais, aos filmes e discos. Também tínhamos essas festinhas de fim de semana, nas casas de colegas, animadas a Cuba Libre (rum com Coca-Cola, para os mais jovens) e Hi-Fi (vodka com Fanta), música dos Beatles naquelas ‘bolachas de vitrola’ (acho que muita gente hoje não tem idéia do que seja). Eu freqüentava todos os eventos, mas por vezes não tinha condições de pagar toda a programação escolar, ou convidar de volta os colegas de classe, para uma casa que nunca teve ‘vitrola’ nem bebidas daquele tipo, sequer sala ou garagem para os bailinhos. 
Tirante esses ‘constrangimentos’ – os do próprio ginásio resolvidos muito amigavelmente com a ajuda da psicóloga Gloria Pimentel e da pedagoga Olga Teresa Bechara –, o Vocacional representou uma das mais vibrantes aventuras intelectuais de minha vida, talvez a mais importante que um jovem como eu poderia esperar receber de uma instituição de ensino. Para ser mais exato, tenho certeza de que seguiria, de qualquer forma, uma carreira ‘intelectual’, posto que desde o primeiro momento que me aproximei dos livros, fui fisgado pelo seu extraordinário poder de sedução e nunca mais consegui me desvencilhar do feitiço que eles carregam. Mas, a passagem por um ginásio tradicional ou o desvio para uma escola técnica provavelmente me fariam perder anos de ensino excepcional e me retirariam a motivação para perseguir o que sempre gostei de fazer: ler (todo tipo de leitura), escrever (sempre), pesquisar e, se possível, publicar os meus textos. Com o Vocacional, eu fiz tudo isso; sem ele, eu teria tido menos chances, se alguma, de avançar nos meus objetivos. 

O que o Vocacional tinha de diferente?
Antes de tudo, uma educação humanista, no sentido mais renascentista do termo. Em segundo lugar, professores especialmente preparados e motivados para essa experiência inédita no Brasil, uma metodologia radicalmente inovadora de ensino, envolvendo os estudantes e os professores num aprendizado integral. Em terceiro (e mais importante) lugar, concepções pedagógicas revolucionárias quanto ao relacionamento entre mestres e alunos. 
Passávamos todo o dia no ginásio, às vezes mais do que isso, com as freqüentes visitas e saídas em trabalho de grupo, no município, no estado, no Brasil. Tivemos visitas recíprocas entre os ginásios vocacionais de São Paulo, aliás, os únicos do Brasil, e aprendemos a fazer pesquisa sobre a comunidade, sobre o meio geográfico, sobre as historias respectivas. Foi no Vocacional que eu comecei a manipular “instrumentos de adultos”, como a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e outras ferramentas especializadas. Foi o Vocacional que nos levou, garotos de 13 ou 14 anos, ao encontro de professores da USP, como Sérgio Buarque de Holanda, Ulpiano Bezerra de Menezes e vários outros. No Vocacional adquiri consciência do mundo: lembro-me perfeitamente de uma palestra com Oliveiros da Silva Ferreira, quem primeiro informou-me sobre a crise dos foguetes em Cuba e o bailado sinuoso da geopolítica bipolar e do equilíbrio do terror pelas armas nucleares das duas super-potências.
Foi a partir do Vocacional que adquiri independência e disposição para me aventurar sozinho pelo mundo, quando a ocasião se apresentou ou quando a necessidade se impôs. O Vocacional completou a “minha formação” de uma maneira que nenhuma outra instituição poderia ter feito, nem jamais conseguiu fazer novamente, depois do desmantelamento do sistema vocacional no seguimento do Ato Institucional n. 5 e a prisão de sua grande promotora, inspiradora e diretora, Maria Nilde Mascellani. Eu também fiquei diferente no Vocacional. Do garoto brincalhão, mas introspectivo e leitor compulsivo, tornei-me um adolescente desinibido, participante e continuei um leitor compulsivo. O Vocacional manteve isso...
Não posso dizer que eu tenha me aborrecido um só dia no Vocacional, ao contrário: todos os dias tínhamos algo novo no ginásio, uma atividade diferente, uma nova parte do programa, o calendário a ser seguido, mas sempre com alguma surpresa no caminho. Fiz excelentes amigos no Vocacional, que conservo até hoje, a despeito mesmo de ter “desaparecido” do Brasil um pouco depois de terminar o colegial e de ter ingressado na Faculdade, e de ter desaparecido no mundo por muitas décadas depois disso. Não vou mencionar meus amigos mais chegados, para não cometer injustiça com ninguém, mas lembro-me de ter iniciado a redação de um romance de aventuras para jovens – do mesmo tipo dos que eu lia naquela fase – com dois deles, que permanecem meus amigos até hoje.
Lembro-me também de muitas aulas, em especial daquelas que mais me prendiam pelo seu conteúdo, já totalmente identificado com minhas afinidades eletivas por toda a vida: eram duas, as de geografia com Dona Odila, as de História com a Professor Terezinha. Em contrapartida, as aulas de Matemática, com a Professor Lucila Bechara, irmã de Olga, sempre me deixaram inconfortável, e até hoje mantenho uma distância respeitosa da matéria (o que não deixo de lamentar, pois a matemática é a base de todo pensamento rigoroso, em especial na economia). As aulas de Educação Física podiam ser agradáveis quando se tratava de jogar handball, com o Professor Frank, mas a ginástica nunca me encantou muito. Mas, tínhamos aulas de tudo o que se podia imaginar numa escola “normal” e muitas outras coisas mais: Artes Plásticas, Artes Industriais, Musica, Economia Doméstica e outras ainda de que nem me lembro. Um depoimento decente de alguém lembrará isso por mim.

Permaneci no GEVOA de 1962 a 1965, anos bastante conturbados no Brasil, quando tomei conhecimento, e consciência, dos problemas do país de uma forma provavelmente menos maniqueísta do que em outras instituições. Creio que sai algo “esquerdista” de lá, como aliás correspondia à juventude progressista de então, no meu caso propensão ainda reforçada pelo fato de minhas origens ditas ‘populares’ e supostamente inclinada a contestar um sistema injusto, feito de exploração capitalista e de dominação imperialista, que convinha acabar, segundo um modelo não muito diferente do que vigia em Cuba.
Quando segui para o “clássico”, no Colégio Estadual Ministro Costa Manso, bem mais próximo de casa do que o Vocacional, comecei imediatamente a participar das passeatas e manifestações contra a ditadura militar e o imperialismo estrangeiro, uma transição quase natural para quem tinha sido educado num ambiente de diálogo e até de contestação às idéias estabelecidas. Também comecei a ler toda a literatura engajada que fazia parte dos currículos oficial e não oficial das faculdades de ciências sociais, autores dos quais eu já tinha ouvido falar no Vocacional, alguns até presentes em minha biblioteca pessoal, que começava então a crescer. Nesses anos, de 1966 a 1968, estudando a noite e trabalhando de dia no centro da cidade, eu freqüentava as bibliotecas Mario de Andrade, municipal, a universitária da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a corporativa do Centro das Indústrias de São Paulo, e as bibliotecas americanas da USIA, no Consulado americano da Avenida Paulista, e do Centro de Estudos Brasil-Estados Unidos (Cebeu), e poderia facilmente citar de memória muitos livros que retirei em cada uma dessas bibliotecas. 
O Vocacional me tinha preparado para ler literatura de nível universitário numa idade muito precoce e, mais tarde, quando entrei para o curso de Ciências Sociais da USP, eu já conhecia, em grande medida, os autores compilados na bibliografia de referência, pelos menos os brasileiros. Eram os mesmos de que nos falavam os professores no ginásio e isso me foi especialmente gratificante no plano intelectual. Não creio que qualquer outra escola, pública ou particular do ciclo ginasial, teria permitido a um jovem como eu, vindo de uma família que praticamente não dispunha de livros em casa, um contato tão intenso com os mestres das ciências sociais brasileiras, em especial com os gurus da chamada Escola Paulista de Sociologia. 

Eu sinceramente lamento que muitos dos papeis acumulados nesses anos de estudos secundários tenham sido perdidos quando de minha partida apressada para a Europa, nos tempos mais duros da ditadura militar no Brasil, da qual eu fui um dos muitos opositores frustrados com nossa incapacidade organizacional em derrubá-la. Provavelmente foi melhor assim, pois já nessa época, nossa adesão ao socialismo e oposição à “democracia burguesa” não prenunciava nada de bom para o futuro do Brasil (mas isso eu só vim a constatar alguns anos mais tarde).
Lamento também que muitos dos escritos dessa fase juvenil tenham sido perdidos, quando foi no Vocacional que “publiquei” meus primeiros artigos. Felizmente, uma reunião de vários colegas dessas primeira turma, em 2004, me permitiu recuperar uma poesia ingênua, dessa fase – não exatamente publicada, apenas redigida no “caderno de lembranças” de uma colega de classe –, e dois textos minúsculos que saíram no jornalzinho dos alunos, um deles comemorando a vitória das ‘meninas’ do handball contra uma equipe adversária de outro ginásio da região. Talvez não seja o caso de refazer minha lista de publicados, para retroceder vários anos na recuperação desses textos de jornalista amador, mas certamente é um motivo de orgulho ter podido encontrar um espaço totalmente livre, no Vocacional, para realizar os primeiros exercícios de um talento que imagino ter conservado até hoje: a capacidade de observar a realidade, redigir algo compreensível em torno disso e ver o texto publicado e divulgado para um público mais amplo.
Enfim, o Vocacional foi uma escola de verdade, uma escola completa, no mais puro sentido dessa palavra; ao ginásio devo alguns dos momentos mais felizes de minha vida, um oásis de inteligência e cordialidade, num ambiente de convivência totalmente aberta e sincera, num momento em que o Brasil descia na escala da convivência democrática. Foi uma das fontes de meu enriquecimento intelectual e a ele devo muito do que me tornei na vida adulta e do que sou ainda hoje.

Que diferença faz uma escola!
E a diferença foi o Vocacional...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de janeiro de 2010.

3 COMENTÁRIOS:

Phermarcia disse...
Paulo Roberto, um prazer imenso ler o seu artigo!Estudei no Vocacional de 1967 a 1971, exatamente na transição entre o que foi e o que veio a ser.Compartilho de suas convicções, eu que também venho de uma família de classe média baixa, quando conseguia atingir esse patamar...Convido-o a ler em meu blog o artigo "Vocacional:uma escola que deu certo".A ironia no título é intencional, pois o "deu certo" se refere à intensidade com que essa vivência de poucos anos teve reflexos marcantes e decisivos na vida de cada um de nós. Obrigada, Márcia Fernandes.
www.palavrademusico.blogspot.com
k_lepsch disse...
Olá Paulo Roberto!
Cheguei aqui através do site do GVive, onde o Lou pediu que escrevessemos nossos comentários sobre a possível volta do sistema Vocacional. Li alguns comentários, entre eles o seu e cá estou eu... Estudei no CEOA de 1971 a 1977 (ginásio e colégio - na época já era Colégio Estadual Oswaldo Aranha). Gostei muito do que escreveu tanto lá comoa aqui e pude de certo modo voltar ao passado, onde assim como você, brincava na rua com todas as crianças num bairro hoje de periferia, mas que hoje é considerado região nobre. Morava na Av. Nova Independência no Brooklin Novo - próximo à atual Av. dos Bandeirantes e que na época era um córrego, assim como a atual Av. Luis Carlos Berrini, Jornalista Roberto Marinho e Vicente Rao. Lembro-me que ia brincar a beira do Rio Pinheiros, quando estávam colocando as guias e preparando o saneamento através de cubos enormes que ficavam sobre as ruas de terra antes de serem asfaltadas. Brincávamos de esconde esconde ou de pular de um cubo ao outro, como também fazíamos deles nossa casinha na bricadeira de bonecas. Adorava jogar queimada na frente de casa ou no terreno baldio ao lado. ERa bom demais! Pena que hoje as crianças não têem a oportunidade da infância verdadeira (na minha opinião) que tivemos o enorme prazer de poder usufruir. Empinar pipa, jogar bolinha de gude e tantas outras brincadeiras maravilhosas e divertidas. Mais tarde (lá pelos anos de 1975) a brincadeira era abraço, beijo ou aperto de mão, onde na nossa inocência, começávamos a despertar para o interesse pelo sexo oposto e ansiosos para sermos correspondidos pelos(as) nossos(as) pretendentes (paquerinha). Nossa tanta coisa para recordar... Acabei escrevendo minhas lembranças e distanciei do assunto principal que foi estudar na Grande Escola Vocacional. Me sinto privilegiada por ter tido esse privilégio. Apesar de na minha época não ser mais totalmente período integral, nos transbordou de conhecimento, cultura, experiências, práticas, aprendizado especializado em tantas áeras, tais como: Práticas Comerciais (aprendíamos datilografia); Economia Doméstica (culinária, jardinagem, costura, primeiros socorros, etc...); Educação Indústrial (elétrica, hidráulica, marcenaria desde a planta até a execução - hoje sei fazer vários consertos); Artes Plásticas (cerâmica com uso de torno, xilogravura, esculturas em geral, pintura, etc...); Educação Musical (aprendíamos a tocar flauta doce, coral, ler as notas musicais, hinos e tantas outras coisas legais); Laboratório de Química, Desenho Geométrico e Biologia. Não deveria existir a pergunta: Você acha de deveria voltar o ensino Vocacional? Deveríamos poder dizer de boca cheia: que bom que meus filhos podem ter o mesmo tipo de ensino e educação que eu!!! Infelizmente hoje pura ilusão... Essa história tem que acabar, tem que mudar e se não fizermos pelo menos um pouco cada um a sua parte, o caus existente hoje, a despreparação para educar e aprender, chegará onde? E pensar que esse é apenas um assunto dee todos que devem ser mudados, cuidados, melhorados, elaborados, implantados... Nossos netos terão um mundo melhor?
k_lepsch disse...
Olá Paulo Roberto!
Cheguei aqui através do site do GVive, onde o Lou pediu que escrevêssemos nossos comentários sobre a possível volta do sistema Vocacional. Li alguns comentários, entre eles o seu e cá estou eu... Estudei no CEOA de 1971 a 1977 (ginásio e colégio - na época já era Colégio Estadual Oswaldo Aranha). Gostei muito do que escreveu tanto lá como aqui e pude de certo modo voltar ao passado, onde assim como você, brincava na rua com todas as crianças num bairro hoje de periferia, mas que hoje é considerada região nobre. Morava na Av. Nova Independência no Brooklin Novo - próximo à atual Av. dos Bandeirantes e que na época era um córrego, assim como a atual Av. Luis Carlos Berrini, Jornalista Roberto Marinho e Vicente Rao. Lembro-me que ia brincar a beira do Rio Pinheiros, quando estavam colocando as guias e preparando o saneamento através de cubos enormes que ficavam sobre as ruas de terra antes de serem asfaltadas. Brincávamos de esconde-esconde ou de pular de um cubo ao outro, como também fazíamos deles nossa casinha na brincadeira de bonecas. Adorava jogar queimada na frente de casa ou no terreno baldio ao lado. Era bom demais! Pena que hoje as crianças não têm a oportunidade da infância verdadeira (na minha opinião) que tivemos o enorme prazer de poder usufruir. Empinar pipa, jogar bolinha de gude e tantas outras brincadeiras maravilhosas e divertidas. Mais tarde (lá pelos anos de 1975) a brincadeira era abraço, beijo ou aperto de mão, onde na nossa inocência, começávamos a despertar para o interesse pelo sexo oposto e ansiosos para sermos correspondidos pelos(as) nossos(as) pretendentes (paquerinha). Nossa tanta coisa para recordar... Acabei escrevendo minhas lembranças e distanciei do assunto principal que foi estudar na Grande Escola Vocacional. Sinto-me privilegiada por ter tido esse privilégio. Apesar de na minha época não ser mais totalmente período integral, nos transbordou de conhecimento, cultura, experiências, práticas, aprendizado especializado em tantas áreas, tais como: Práticas Comerciais (aprendíamos datilografia); Economia Doméstica (culinária, jardinagem, costura, primeiros socorros, etc...); Educação Industrial (elétrica, hidráulica, marcenaria desde a planta até a execução - hoje sei fazer vários consertos); Artes Plásticas (cerâmica com uso de torno, xilogravura, esculturas em geral, pintura, etc...); Educação Musical (aprendíamos a tocar flauta doce, coral, ler as notas musicais, hinos e tantas outras coisas legais); Laboratório de Química, Desenho Geométrico e Biologia. Não deveria existir a pergunta: Você acha de deveria voltar o ensino Vocacional? Deveríamos poder dizer de boca cheia: que bom que meus filhos podem ter o mesmo tipo de ensino e educação que eu!!! Infelizmente hoje pura ilusão... Essa história tem que acabar, tem que mudar e se não fizermos pelo menos um pouco cada um a sua parte, o caus existente hoje, a despreparação para educar e aprender chegará onde? E pensar que esse é apenas um assunto de todos que devem ser mudados, cuidados, melhorados, elaborados, implantados... Nossos netos terão um mundo melhor?

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Oswaldo Aranha: fotobiografia, de Pedro Corrêa do Lago (Augusto Nunes)


COLUNA

Augusto Nunes

Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido.

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Política

Oswaldo Aranha, o insuperável número 2

Uma fotobiografia ilumina a trajetória do parceiro e rival de Vargas. Seu brilho político contrasta com a mediocridade dos homens públicos de hoje

Por Augusto Nunes


O REVOLUCIONÁRIO  - Oswaldo Aranha, no uniforme de campanha dos conflitos de 1923, no Rio Grande do Sul: o presidente que poderia ter sido e não foi

O REVOLUCIONÁRIO  - Oswaldo Aranha, no uniforme de campanha dos conflitos de 1923, no Rio Grande do Sul: o presidente que poderia ter sido e não foi (Arcevo/Arquivo pessoal)


O REVOLUCIONÁRIO  - Oswaldo Aranha, no uniforme de campanha dos conflitos de 1923, no Rio Grande do Sul: o presidente que poderia ter sido e não foi

O REVOLUCIONÁRIO  - Oswaldo Aranha, no uniforme de campanha dos conflitos de 1923, no Rio Grande do Sul: o presidente que poderia ter sido e não foi (Arcevo/Arquivo pessoal)

Publicado na edição impressa de VEJA



Podem conviver sob a mesma pele, em desconcertante harmonia, tipos humanos aparentemente incompatíveis? Eis uma graça alcançada por uns poucos eleitos. A essa tribo sempre ameaçada de extinção pertenceu o brasileiro nascido em 1894 na cidade gaúcha de Alegrete resgatado pela recém-lançada Oswaldo Aranha – Uma Fotobiografia. Na obra de fina feitura, organizada pelo neto do biografado, Pedro Corrêa do Lago, mais de 600 imagens, 80% das quais até agora inéditas, conjugam-se com textos concisos e claros para promover o desfile das distintas versões que coexistiram no território localizado entre a alma e o coração da figura extraordinariamente múltipla. O revolucionário e o conciliador, o guerreiro impetuoso e o negociador político, o caudilho sem paciência e o diplomata sem pressa, o nativista de bombachas e o cosmopolita de terno branco e sapato bicolor — Oswaldo Euclides de Souza Aranha sempre administrou com notável equilíbrio tantas ambivalências. Talvez porque esse íntimo convívio dos contrários tenha estado permanentemente subordinado ao mais poderoso traço de sua personalidade: a paixão visceral pelos valores democráticos. Assim, seja qual for a foto que se contempla, seja qual for a versão nela retratada, o que se vê é Oswaldo Aranha (quase sempre com o inevitável cigarro debruçado sobre o lábio inferior).


Nada se vislumbra de antagônico mesmo em imagens dissonantes separadas por alguns centímetros. O jovem que comanda em trajes típicos uma tropa de cavaleiros chimangos, rumo a mais um entrevero da revolução de 1923, é o embrião do elegante frequentador do Jockey do Rio que conversa numa roda de amigos entre uma aposta e outra. O intendente de Alegrete que conduz energicamente o Partido Republicano Rio-Grandense na região fronteiriça é o esboço do embaixador que, na presidência da Assembleia da ONU, conceberia a complicada tessitura da partilha da Palestina e consumaria os trabalhos de parto do Estado de Israel. O filho dos pampas à vontade no grupo de peões na hora do chimarrão exibe o mesmo desembaraço do cidadão do mundo que troca ideias em inglês, nos mais cobiçados salões do Rio, com celebridades como o banqueiro Nelson Rockefeller e o cineasta Orson Welles, com um John Kennedy mal saído da adolescência ou com estrelas de Hollywood. O conspirador de 1930 que convenceu um hesitante Getúlio Vargas a assumir a chefia suprema das forças armadas oposicionistas e chegar pelos campos de batalha ao palácio presidencial que não conseguira alcançar pelo caminho das urnas, obstruído pela fraude em escala industrial, antecipa o ministro da Fazenda que em 1954, na derradeira reunião do ministério de Getúlio, defenderia a contraofensiva destinada a abortar os ataques ferozes da aliança que juntara militares sublevados e políticos golpistas. A atitude de Aranha rima com o discurso à beira da sepultura em São Borja, quando se despediu do velho companheiro.


“Não te trouxe meu abraço, mas aquele aperto de mão amigo de todos os dias, para que continuemos, tu na eternidade e eu nessa vida, o diálogo de dois irmãos ligados pela terra, pela raça, pelo serviço e pelo amor ao Brasil”, disse no começo da bela oração fúnebre. Esse poema do adeus ao companheiro morto, grande suicida, foi o fecho perfeito para a história de uma amizade que sobreviveu a rupturas dramáticas, reaproximações desconfiadas e ciumeiras muito mal disfarçadas.




Amigos díspares – Oswaldo Aranha, então chanceler, com o presidente Getúlio Vargas, em 1942: “irmãos ligados pela terra” (Biblioteca Nacional/VEJA)

Os vínculos consolidados na década de 20 nunca se dissolveram, mas foram esgarçados em várias ocasiões por colisões frontais entre o presidente que amava o poder acima de todas as coisas e o amante da liberdade, avesso a autoritarismos e regimes absolutistas. Em 1937, por exemplo, Aranha se opôs publicamente à decretação do Estado Novo. Em 1942, valendo-se do prestígio acumulado no Brasil e das ligações com autoridades americanas estabelecidas desde os primeiros dias como embaixador em Washington, estimulando com discrição e habilidade o poder de pressão da Casa Branca, Aranha conseguiu neutralizar o fascínio de Getúlio pelo Eixo nazifascista e, em seguida, induzir o ditador a juntar-se aos Aliados na II Guerra Mundial. Foram poucas as vitórias do herdeiro político dos Aranha de Alegrete nas quedas de braço travadas com o continuador da dinastia dos Vargas de São Borja. O mais demorado de todos os embates nunca foi explicitado claramente. Ambos sabiam que tinham todos os atributos para governar o Brasil, mas só um deles acabou chegando lá.


“Nunca vi duas figuras tão díspares se darem tão bem, era uma espécie de concubinato político”, disse Alzira Vargas do Amaral Peixoto numa entrevista publicada em 1958. Dois anos depois, a filha preferida e única confidente de um homem avesso a intimidades verbais escreveria Getúlio Vargas, Meu Pai, que acaba de ser relançado. “Como brigavam, como se disputavam e como se ajudavam!” Segundo Alzirinha, nenhum deles perdia chances de criticar o outro, mas os dois também não admitiam que terceiros entrassem no assunto, mesmo que para endossar o que diziam. “Parecia uma briga de marido e mulher na qual ninguém podia se meter”, comparou. “As diferenças entre eles eram visíveis, claras. Oswaldo, alegre, falastrão, extrovertido, com ambições recalcadas, sonhos irrealizados. Getúlio, quieto, comedido, introvertido, ambições realizadas aparentemente, sonhos impossíveis. Porém, conversavam, se entendiam, se completavam.”


Nascido em 1894, doze anos depois de Getúlio, Aranha seria o número 2 da geração que ingressou na vida política na década de 20 ─ a melhor e mais brilhante safra de homens públicos da história do Brasil republicano. Ao elenco gaúcho, enriquecido por raridades como João Neves da Fontoura, Flores da Cunha, Lindolfo Collor, Batista Luzardo, Cordeiro de Farias ou Luís Carlos Prestes, somaram-se coadjuvantes com suficientes qualificações para brilhar como protagonistas. Nessa categoria figuram os cearenses Juarez Távora e Juracy Magalhães, o mineiro Virgilio de Mello Franco, o fluminense Eduardo Gomes, o paulista Armando de Salles Oliveira, o paraibano José Américo de Almeida. Nunca mais o Brasil veria tantos políticos vocacionais esbanjando talento ao mesmo tempo.



Dias e épocas – Com Flores da Cunha, a quem escreveu a carta acima, de 1959: a melhor safra de políticos (Biblioteca Nacional/VEJA)

Aranha ainda não sabia disso em 1933, quando era ministro da Fazenda do governo provisório. Se soubesse, não teria dito que “o Brasil é um deserto de homens e de ideias”. Seria a sua frase mais famosa. Seria também o mais desastrado parecer fabricado por um cérebro reverenciado pela precisão dos diagnósticos políticos. Se a geração dos anos 20 lhe pareceu miseravelmente árida, o que diria se estivesse vivo? Como descreveria a paisagem do país nesta segunda década do século XXI? Que qualificações mereceriam os governantes que transformaram o deserto de homens e de ideias numa selva infestada de larápios, vigaristas, assaltantes de cofres públicos e ramificações da grande tribo dos fora da lei? Como reagiria Aranha ao saber que o país que levou um presidente honrado ao suicídio é governado por um homem que, acuado pelas bandalheiras em que se meteu, aparece cercado de prontuários para acusar o acusador? Alguém conseguiria explicar-lhe por que líderes originários da elite que escrevia sem erros e falava português corretamente foram trocados por analfabetos funcionais como Lula ou bestas quadradas como Dilma Rousseff? Aranha estava com Tancredo Neves quando um tiro ecoou no Catete e mudou o rumo da história. O que acharia da conversa em que o neto do ministro da Justiça de Getúlio, o afastado Aécio Neves, esbanjou fluência na linguagem de cortiço? Faltam homens, faltam ideias, falta cadeia. O que há de sobra é bandido. São tantos que podem ser encontrados na cúpula dos três poderes.


A gestação do deserto começou com a mudança da capital para Brasília. Se o Congresso ainda funcionasse no Rio, por exemplo, bastaria que os renans, jucás, collors e eunícios dessem as caras na Avenida Rio Branco para sentir na pele o que o povo pensa do desempenho da turma. Entre 1964 e 1984, o sumiço de homens e ideias foi intensificado pela ditadura militar, que sufocou os nascedouros de homens públicos, como os centros acadêmicos, e fez o que pôde para extinguir espécies afetadas por defeitos intoleráveis ─ coragem, honradez, vergonha na cara, altivez, autonomia intelectual e independência política, por exemplo. Somam-se a essas mazelas históricas uma legislação eleitoral ineficiente e um sistema político em permanente crise de representatividade. Os estragos restantes podem ser explicados pela constatação de Nelson Rodrigues: “Os idiotas estão por toda parte”. Talvez já sejam hegemônicos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Os otimistas irredutíveis lembram que as coisas pareciam menos assustadoras há menos de trinta anos. E eram, graças à longevidade de gente que sobreviveu à devastação desencadeada em 1964. Em julho de 1994, quando já era candidato à Presidência, Fernando Henrique Cardoso evocava em tom nostálgico os seus tempos de senador. “Eu tive o privilégio de conviver com homens como Darcy Ribeiro, Roberto Campos, Afonso Arinos, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e outras cabeças brilhantes”, exemplificou. Todos os integrantes da lista de FHC tinham o status de cardeal. Mas também tinham mais de 70 anos. A morte dos últimos servidores da nação extinguiu o cardinalato. Hoje o Legislativo é governado pelo baixo clero.



Arena mundial – Na declaração de guerra contra o nazifascismo, em 1942 (à esquerda), e na presidência da Assembleia das Nações Unidas que criou o Estado de Israel, em 1947 (Biblioteca Nacional/VEJA)

Serão todos enterrados na cova rasa dos que por pouco não destruíram o país que a geração de Oswaldo Aranha tentou bravamente modernizar. “Vivemos, realmente, demais, porque os dias de nossas vidas serão contados por épocas, para o mundo e para o nosso país”, constatou numa carta a Flores da Cunha em fevereiro de 1959, um ano antes da morte, no Rio. “Essa metade do século XX foi uma síntese de todos os tempos. As decisões tomadas em nossa época (…) assemelharam-se à semana da criação. Ajudamos, Flores, a amainar a terra desse renovado destino brasileiro.”


O legado do atual ajuntamento de políticos é inferior a zero. A poucos meses do início da campanha presidencial de 2018, milhões de profissionais da esperança não conseguem localizar um candidato que os anime a pelo menos sair de casa para votar. Há pouco mais de cinquenta anos, faltava palanque para um Oswaldo Aranha. Meses antes do fim, ele recusou um convite para candidatar-se a vice-presidente, em 1960, na chapa encabeçada pelo marechal Henrique Lott. “Estou cansado de ser o segundo”, confessou. Pena que as trapaças da sorte impediram que se tornasse o número 1. A fotobiografia confirma que Oswaldo Aranha é o presidente que poderia ter sido e não foi. Se tivesse governado o país, ele morreria mais feliz. E o Brasil viveria mais feliz enquanto fosse presidido por um homem assim.

Oswaldo Aranha – uma fotobiografia, de Pedro Corrêa do Lago (Capivara; 412 páginas; 70 reais)


Um retrato íntimo da esfinge

O testemunho de Alzira, filha e confidente de Getúlio Vargas, ganha uma nova edição ampliada


Ge e rapariguinha – Alzira com o pai, em 1936: uma vida inteira dentro de palácios de governo (Biblioteca Nacional/VEJA)

Escrito em 1960 e só agora relançado em edição definitiva, enriquecida por complementos inéditos e por um segundo volume de memórias cuja conclusão se tornou impossível com a morte da autora, em 1992, Getúlio Vargas, Meu Pai é um amoroso retrato do mais influente político brasileiro do século visto por Alzira Vargas do Amaral Peixoto. A compreensível brandura do olhar é compensada por revelações só acessíveis à filha predileta e única confidente de um homem que sempre preferiu ouvir a falar.

Nas versões oficiais, ela foi arquivista e depois auxiliar de gabinete do presidente constitucional. A história real informa que coube a Alzirinha a guarda de um precioso baú de segredos do gaúcho que governou o Brasil por quase vinte anos. Quem leu a edição original sabe que, para a funcionária avessa a mesuras e salamaleques, Getúlio era simplesmente o “patrão”. A safra de novidades atesta que Alzirinha reduziu a farrapos a couraça que protegia a intimidade de um introvertido vocacional. A confiança crescente e recíproca conferiu à confidente o status de conselheira de alta patente. Numa das dezenas de cartas trocadas entre a filha que chamava de “Ge” o pai que a tratava por “Rapariguinha”, o ex-ditador exilado nos pampas alinhava os perigos que espreitavam todos os caminhos possíveis e, na última linha, pede a opinião da destinatária: “Que pensas?”. Dúvidas e desconfianças são dissipadas por considerações argutas, observações irônicas e sugestões astuciosas. A correspondência manuscrita comprova que foi Alzirinha quem convenceu a esfinge de que era hora de regressar pela rota do voto ao coração do poder alcançado vinte anos antes pelo atalho da insurreição armada.

O livro que expõe facetas ocultas de Getúlio já seria indispensável se apenas contasse quem foi Alzira Vargas. Ninguém viveu tanto tempo em palácios. A filha do governador do Rio Grande do Sul morou no Piratini. A filha do presidente da República trabalhou no Catete e dormiu no Guanabara. A mulher de Ernani do Amaral Peixoto dividiu o palácio em Niterói com o interventor e depois governador do Rio de Janeiro. Deve ser muito bom morar em lugares assim, deixei escapar no meio de uma conversa com ela em 1987. “Bobagem”, cortou a septuagenária que desprezava rodeios. “Seria uma vida insuportável se eu não carregasse o tempo todo a caixinha com coisas que nenhum palácio tem.” Intrigado, pedi exemplos. “Fósforos, pente, agulha, linha e botão”, informou. “Você pode mobilizar todos os ajudantes de ordens, todos os oficiais de gabinete e dois ou três ministros”, riu Alzirinha. “Eles demoram meia hora até descobrir que é melhor mandar alguém buscar na cidade.”


Getúlio Vargas, Meu Pai, de Alzira Vargas do Amaral Peixoto (Objetiva; 560 páginas; 69,90 reais ou 39,90 em versão digital)

sábado, 8 de julho de 2017

Uma delacao super premiada e uma mentira subinvestigada - Editorial Estadao

Mentira comprometedora

Editorial O Estado de S. Paulo, sábado, 8 de julho de 2017


A validade dos chamados acordos de delação premiada depende fundamentalmente de dois elementos, cuja falta é grave o bastante para suscitar a anulação dos termos da colaboração: a voluntariedade e o compromisso inarredável com a verdade.
 
Um investigado, acusado ou réu não pode estar sentado à mesa de negociação com o Ministério Público ou com a autoridade policial sob ameaça ou coação. Ele precisa estar disposto a contar o que sabe por livre e espontânea vontade, em troca dos benefícios relativos à persecução penal a que está sujeito pelo crime que lhe é imputado. Além disso, para ser digno de receber tais prêmios, que podem chegar ao perdão judicial, é mandatório que diga a verdade às autoridades, por mais óbvio que isso possa parecer.
 
Esses requisitos obedecem a um imperativo legal – conforme as disposições da Lei 12.850 de 2013, que trata das organizações criminosas – e serão verificados pelo Poder Judiciário em dois momentos: a voluntariedade, na fase de homologação do acordo; e a veracidade das alegações, no momento da sentença, após a reunião de um conjunto de provas no curso do processo que comprove o que o colaborador disse às autoridades. De acordo com o mesmo diploma legal, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

Desde sua divulgação, em maio, o acordo de colaboração premiada firmado entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o sr. Joesley Batista, controlador da J&F, vinha sendo bastante criticado por variados segmentos da sociedade pela disparidade entre o que o delator ofereceu de informações ao Estado e o que dele recebeu em troca, a saber, a imunidade total para os gravíssimos crimes que confessou ter cometido.
 
Já seria questionável, de pronto, a concessão de imunidade total a um criminoso confesso e contumaz, atitude que não se coaduna com o próprio conceito de justiça que deve sempre pautar as ações da PGR. Causou ainda mais estranheza a irrazoabilidade dos termos negociados no acordo com o sr. Joesley Batista, cujo resultado, como já foi dito neste espaço, foi uma denúncia inepta por corrupção passiva contra o presidente da República.
 
Sabe-se agora que sr. Joesley Batista mentiu para a PGR. Durante as tratativas para o fechamento do acordo de colaboração premiada, ele negou ter tido qualquer de seus negócios facilitado por Antonio Palocci no âmbito do BNDES. Entretanto, de acordo com informações veiculadas pelo Estado, a JBS – uma das empresas controladas pela holding J&F – pagou, entre dezembro de 2008 e junho de 2010, cerca de R$ 2,1 milhões à Projeto Consultoria Empresarial e Financeira, empresa do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, em troca das gestões de Palocci com a direção do BNDES para o aporte de US$ 2 bilhões do banco estatal que serviram para a compra da Pilgrim’s Pride Corporation pela JBS por cerca de US$ 2,8 bilhões em 2009. Vale dizer, por meio da intervenção remunerada de Antonio Palocci, a JBS ampliou seus negócios nos Estados Unidos utilizando mais de 70% de capital do BNDES. É importante repetir que, mesmo quando questionado, o sr. Joesley Batista negou ter recebido auxílio de Antonio Palocci para fechar seus negócios bilionários.
 
Além de ter negociado os termos do acordo de colaboração premiada da JBS contrariando ditames legais, vê-se agora que a PGR negociou mal. É inadmissível que uma delação que baseou uma denúncia contra o presidente da República venha eivada de mentira. Não se pode supor que um fato dessa gravidade seja um mero “descuido” da PGR, que de pronto acreditou na palavra do delator e não fez uma averiguação prévia de sua veracidade.
 
O açodamento e o desmazelo do Ministério Público Federal no tratamento das informações entregues pelo sr. Batista reforçam a percepção de que os objetivos da delação são, antes de tudo, eminentemente políticos.

Tudo o que vc sempre quis saber sobre a tal de financeirizacao - book review

Published by EH.Net (July 2017)


Youssef Cassis, Richard S. Grossman, and Catherine R. Schenk, editors, The Oxford Handbook of Banking and Financial History. Oxford: Oxford University Press, 2016. xviii + 537 pp., $160 (hardcover), ISBN: 978-0-19-965862-6.

Reviewed for EH.Net by Larry Neal, Department of Economics, University of Illinois at Urbana-Champaign (emeritus).


The global financial crisis that began in 2007-08 and continued to rattle the Eurozone countries after 2010 has certainly been good for the market for financial history. The Oxford Handbook of Banking and Financial History is clearly a response to these events. In their introductory chapter, the editors set out their ambitious agenda, which is to deal with the individual parts of our modern complex financial system and trace how each has evolved over time. Each chapter ends with some insight into how the current turmoil in global banking and finance might affect part of the global financial system. This broad-ranging approach is very much in keeping with current analysis by policy economists, who have become very sensitive to how our financial system intertwines banks, which specialize in particular niches of the economy; shadow banks, which innovate to find new niches; money markets, which deal with short-term finance; capital markets, which provide long-term finance; and regulators, who attempt to oversee the operation of the financial system for the interest of the public (or the government). The editors’ goal is to provide anyone concerned with a particular aspect of the financial system an authoritative treatment by an acknowledged expert that is clearly written for the non-specialist combined with a useful bibliography to follow up particular aspects.


The Oxford Handbook is organized into four parts: Part I, Thematic Issues, deals explicitly with the problems that the editors confronted at the outset: how have historians approached the issues in financial history (Youssef Cassis); how have economists dealt with the issues that interest them (John D. Turner); and how have policy makers tried to apply lessons from history for promoting economic development (Gerard Caprio, Jr.). To pay due attention to historical contingency, economic analysis, and policy relevance in each of the following chapters is, indeed, a daunting task for each author.


Part II, Financial Institutions, takes up these challenges by separating out several categories of distinctly different institutions, a useful distinction too often overlooked in practice and one that illustrates nicely the complexity of any financial system. Youssef Cassis’s “Private Banks and Private Banking” begins with the initial role models for banks, from their origins in kinship networks in Renaissance Italy to today’s Swiss managers of private wealth. Gararda Westerhuis’s “Commercial Banking: Changing Interactions between Banks, Markets, Industry, and State” follows by dealing with the nineteenth-century spread of industrialization globally, which led to the rise of universal banks. By the end of the twentieth century, however, it appeared that commercial banks might be in “a state of terminal decline.” (See Raghuram Rajan, 1998, “The Past and Future of Commercial Banking Viewed through an Incomplete Contracts Lens,” Journal of Money, Credit, and Banking. 30(3), 524.) The financial crisis of 2008 led many observers to push for a separation of investment and commercial banking once again in the interest of financial stability. Westerhuis goes on to distinguish the motives for establishing market-based systems (U.S. and England) versus bank-based systems (Germany and Japan). She posits that the two paths diverged early on due to the differences in government control over banks and then the role played by banks in financing industrialization for follower countries, such as Germany and Japan. Oddly missing from her overview is any consideration of the experience of Scottish banking, which developed joint-stock banks with national branches early in the eighteenth century. Only after the financial crisis of 1825 did the English care to look seriously at the Scottish example for improving their commercial banking system! Further, joint-stock banks did not disappear in the U.S. during the “free banking” period as she asserts. While they were confined within state boundaries, limitations on branching within a state varied considerably. The wide range of experiments undertaken by various states has stimulated a growing and interesting literature among U.S. scholars, largely omitted from her bibliography.


Caroline Fohlin’s “A Brief History of Investment Banking from Medieval Times to the Present” takes up the most challenging role of banks, how to transform short-term liabilities into long-term assets. Rather than taking specific organizational forms, she prefers to analyze investment banks as a set of services that help finance the long-term capital needs of business and governments. After briefly looking at merchant banks from medieval times to the early nineteenth century, this loose definition requires her to take up individual countries one by one during the nineteenth century. Sections follow that deal with England, the European continent, Belgium and the Netherlands, France, Germany, Austria and Switzerland, Italy, Japan, and the United States. Each section highlights the differences in organizational structures created to accomplish basically the same goals, helping governments promote industrialization. The twentieth century presents more interesting differences, essentially due to the ways various governments regulated, deregulated, and then re-regulated from the 1920s to the present. She concludes, “even well-known investment banking names that have endured over the centuries bear little resemblance to their ancestors” (p. 159).


Christopher Kobrak’s “From Multinational to Transnational Banking” takes up the complex transformations of the world’s leading banks by size as they successively internalized their international operations. The availability of huge advances in information technology combined with increasing opportunities for re-allocating domestic savings across foreign investments provided the basis for the growth of today’s megabanks. Oddly, however, Kobrak takes as archetypes of the new transnational bank two of the worst performers after 2008 — Deutsche Bank and Citibank. Relying on their respective annual reports in 2007-2010, he touts each of them as “market players” rather than staid fiduciary agents, lauding their scale and scope of activities that are only vaguely related to financial intermediation associated with banks “lending long, while borrowing short.” He dispassionately notes that three-quarters of Deutsche Bank’s two trillion euros in assets in 2007 were securities held for trading, and 40 percent were financial derivatives (p. 183), without disparaging the obvious omission of fiduciary responsibility. Citibank, similarly, by 2007 had “invested huge resources in creating an internal market, in essence warehousing securities and derivatives to build hedged positions and for future sale” (p. 182). All these intra-bank holdings of assets and liabilities enabled such banks to make a lot of money by proprietary trading that remained unobserved by regulators or by publicly accessible financial markets. He refrains from criticizing the model developed by these two megabanks, each of which has suffered huge losses and justified public acrimony since 2008, confining himself to the anodyne remark that “megabanks may be forced, as they have many times in the past, to find an intertwined institutional and organizational adaptation more sustainable in the modern social order” (p. 185)!


R. Daniel Wadhwani’s “Small-Scale Credit Institutions: Historical Perspectives on Diversity in Financial Intermediation” concludes Part II by lumping together a motley assortment of credit cooperatives, savings banks, industrial banks, pawn shops, and savings and loans associations. Wadhwani argues their cumulative size makes their impact on their respective economics arguably as great or greater than that made by the commercial, investment, and public banks dealt with in the previous chapters. Their common origin across many cultures and through past millennia he finds in the ubiquitous presence of ROSCAs (rotating savings and credit associations). Beginning with small kinship groups desiring to pool their limited resources to enable individual members to acquire a desired goal, perhaps a piece of land, a dwelling, livestock, or even the means to migrate somewhere else for employment, ROSCAs often provide a basis for transition to the more modern forms of intermediation. These include savings banks, credit cooperatives, and savings and loans, with each evolving quite differently depending on local circumstances. Critical to their evolution historically is the role of government, whether as regulator (restricting competition), competitor (postal savings banks), or customer (providing sovereign debt as risk-free asset). The theoretical economic bases for their evolution and persistence are robust, both for their monitoring capability and for their local knowledge of investment possibilities. Nevertheless, Wadhwani calls attention to more post-modern “theories” that favor the creation of supportive narratives when cultures confront changes in economic regimes.


Part III, Financial Markets, begins with Stefano Battilossi’s “Money Markets,” which emphasizes the importance of access to outside liquidity for banks when they face unanticipated shocks either for increased loans or increased withdrawals of deposits. Further, Battilossi argues that a key lesson learned by banking theorists and practitioners in the nineteenth century, namely that money markets are essential for a smooth working of the economy but are inherently unstable, was lost over the course of the twentieth century. The success of the Bank of England in stabilizing the money market at the center of the global economy of the nineteenth century, he argues, was due to a complex combination of close monitoring by the Bank of England and cartel complicity by the major joint-stock banks, each with extensive branching networks domestically and overseas. U.S. efforts to imitate the British example after creation of the Federal Reserve System in 1913 failed due to irreconcilable differences in institutional structures between the two banking systems and their respective central banks. It took over a century and a half for the Bank of England to learn how to avoid being a dealer of last resort, a role that the Federal Reserve System in the U.S. had to undertake in the 2008 crisis, and which it has not yet been able to relinquish. Readers are left to draw the implications for the future of the global financial system for themselves!


Ranald C. Michie’s “Securities Markets” lays out convincingly and clearly the importance of securities markets for a successful financial system. Divisibility and transferability of a security expands greatly the potential customer base, adding the virtue of diversity in demands for liquidity among the creditors as well. He distinguishes clearly between “Primary Securities Markets” and “Secondary Securities Markets,” showing their interdependence in layman’s terms. “Stock Exchanges” provide the effective linkage between the two levels of markets, but fall prey in turn to problems either of monopoly pricing or government repression. His exposition of the underlying theory of securities markets provides the structure for his narrative that follows. From “Early Developments in Securities Markets,” which only mentions briefly the roles of informal markets in the speculative booms of 1720, Michie insists on focusing on the nineteenth century, starting with the London Stock Exchange in 1801. It’s unfortunate that he ignores recent work on the Amsterdam stock market, (e.g., Lodewijk Petram, The World’s First Stock Exchange, New York: Columbia University Press, 2014), or early work by this reviewer on the precedents for the London Stock Exchange (Larry Neal, The Rise of Financial Capitalism, New York: Cambridge University Press, 1990). Committed to the importance of formal structures for modern stock exchanges, however, Michie takes up their rise in the advanced capitalist economies of the nineteenth century and then their eclipse from 1914 to 1975. Thanks to the exigencies of war finance from World War I through the Cold War, stock markets seemed to “appear somewhat irrelevant in a world dominated by governments and banks” (p. 253) “The Era of Global Banks” did not come to an end in 2008, however, but what had ended was the “self-regulation that had contributed so much to the attractions of stocks and bonds to governments, businesses, and investors through the reduction or elimination of counterparty risk and price manipulation and the certainty that sales and purchases could be made as and when required” (p. 258). Big banks are bad once again!


Moritz Schularick’s “International Capital Flows” is the most quantitative and instructive of the chapters, as he summarizes succinctly in nine brief tables and one graph, the levels of international capital flows over the nineteenth and twentieth centuries, their size relative to Gross Domestic Product, and the main sending countries and main receiving countries over time. In sum, rich countries invested in poor countries in the nineteenth century, when international capital flows were highest relative to GDP, and the rich continued to invest in poor countries even when capital flows were severely constrained during the period 1914-1975. But after the collapse of Bretton Woods, when international capital flows rose sharply once again, the result has been for poor countries to invest in rich countries. Further, when capital does flow suddenly to emerging economies, financial crises often follow when the flow tapers off, undoing whatever economic advance may have occurred.


Youssef Cassis’s “International Financial Centres” concludes the coverage of financial markets by analyzing the recurring features of international financial centers that lead to their persistence over time. The physical layout of the dominant cities, the combination of functions they perform (government, communications, education, as well as trade and finance), and their organization may change as the technology of transport, communications, and information change, but, Cassis argues, the network externalities created by the concentration of so much expertise in one location make the existing centers hard to replace.


Part IV, Financial Regulation, takes up the most vexing questions for policy makers, starting with Angela Redish’s “Monetary Systems.” Redish begins with the complexity of metallic currencies with coins minted in varying combinations of copper, silver, and gold in early modern Europe, and deftly reviews the causes that concerned European policy makers as they sought to maintain coins with fixed legal tender values, whether minted in any or a combination of the three precious metals. Basically, their concerns were the same as today, “whether nominal change can have real consequence for the balance of trade or level of economic activity?” (p. 327). Redish goes on to trace out the academic literature that has dealt with the Emergence of the Gold Standard, the Latin Monetary Union, the Cross of Gold, the Classical Gold Standard, and the Good Housekeeping Seal of Approval, highlighting the controversies that have arisen under each rubric. Next, she divides the End of the Gold Standard into the First World War and the Interwar Period, Bretton Woods and European Monetary Arrangements, and the End of Bretton Woods and the Rise of the Euro. Reproducing faithfully the graph produced by Eichengreen and Sachs to show that countries that stayed committed to the gold standard after 1929 suffered in terms of industrial production relative to those that devalued, she doesn’t point out that the outliers of Germany and Belgium are readily explained by mistaking their formal exchange rate regimes with the ones they followed in practice (Germany using bilateral trade agreements to increase industrial exports while keeping the nominal exchange rate fixed, and Belgium reducing its nominal exchange rate while being forced to maintain existing trade agreements with France). She concludes with a brief discussion of both inflation targeting under fiat currency regimes and the rise of crypto currencies such as Bitcoin, Her conclusion is merely that “money is information, a method to enable multilateral clearing of myriad transactions. It would be surprising if the digital revolution did not lead to a revolution in how this information is managed” (p. 339).


Forrest Capie’s “Central Banking” takes up the baton passed on by Redish to provide a brief synopsis of the issues confronting central banks as they have increasingly taken control of the supply of money over the past two or more centuries. Monetary stability, their prime responsibility, can be assessed in terms of price stability, but financial stability, which has become a major concern, he notes is more difficult to assess, much less to sustain. Central bank independence, however defined, does seem to correlate with monetary and price stability, which shows that policy lessons have been learned successfully on that score. Continued independence of central banks, however, hinges very much on attaining and then sustaining financial stability. This task, very much underway now among the world’s central banks, 174 at last count, may require expanding their role to include financial regulation as well as oversight of the banking system.


Harold James’s “International Cooperation and Central Banks” makes an interesting argument that central banks in their pursuit of the goal of monetary stability naturally tend to cooperate with other central banks internationally, but without need for formal mechanisms. Cooperation can then be merely discursive, as it was during the classical gold standard. Financial crises, however, often do call for international cooperation, but cooperation is difficult, perhaps impossible, to sustain given the priority of strictly national policy concerns. Large countries, needed to make cooperative efforts successful, are the most reluctant to join in cooperative efforts. His examples cover episodes during the classical gold standard, the interwar period, the brief Bretton Woods period, and the ongoing travail of the euro-system, which he concludes is “the global test case for both the possibilities and the limits of central bank action” (p. 391). In an interesting aside, he explains why the Bank for International Settlements was resuscitated to manage the European Payments Union in the 1950s. Top U.S. officials were wary of using the newly-established International Monetary Fund because its staff were largely protégés of Harry Dexter White, then under suspicion as a possible Russian agent!


Catherine Schenk and Emmanuel Mourlon-Droul’s “Bank Regulation and Supervision” develops a sub-theme to the arguments presented by Harold James, namely the recurring problems of regulatory competition, moral hazard, and regulatory capture. Essentially, “[r]eputation and private information are key bank assets in a market with information asymmetry, but this complicates the ability to engage in transparent prudential supervision” (p. 396). The U.S. stands out for having the most complicated and unwieldy array of conflicted regulatory agencies, summarized in Table 17.1. The authors conclude, as do Charles Calomiris and Stephen Haber (Fragile by Design: The Political Origins of Banking Crises and Scarce Credit, Princeton, NJ: 2014), that it is no accident that Canada and the UK, with more coherent approaches to bank regulation have had fewer banking crises. Much of the remaining chapter focuses on China and the successive efforts of China’s rulers to establish, then regulate, a banking system to enable industrialization and modernization, concluding, perhaps prematurely, that China managed to reduce the problem of non-performing loans after their peak in 2000. The difficulties of deciding where to locate the regulator of the banking system are highlighted by tracing the successive efforts of the U.S., then the UK to find an ex post regulatory solution to the problems of recurring financial crises. The efforts of the Basel Committee, established after the collapse of the Bretton Woods System, are described in the context of the European Union’s efforts to move toward regulatory cooperation within a more limited scope of international cooperation. Prospects for success on that score are still very much in doubt.


Laure Quennouelle-Corre’s “State and Finance” takes a step back to look at the origins of the ongoing dilemma for the Eurozone of the interaction between governments’ sovereign debt and financial fragility of their banks. The recurring differences between France and the other members of the European Union form the backdrop for his rambling notes on the interactions of private and public financial institutions, ending with the observation that France alone has had to deal with the European Union’s pro-market ideology versus the French tradition of state intervention.


Part V, Financial Crises, opens with Richard Grossman’s “Banking Crises,” which reprises the standard story of boom-bust cycles, exacerbated when new opportunities for speculative investments open up (first globalization after 1848; second globalization after 1979; post-war adjustments after WWI) but then moderated under strict regulation (capital controls, interest rate restrictions from 1945-71). In his perspective, the Eurozone crisis fits the boom-bust pattern first described by D. Morier Evans in 1859 (The History of the Commercial Crisis, 1857-58, and the Stock Exchange Panic of 1859, New York: Augustus M. Kelley, 1969).


Peter Temin’s “Currency Crises: From Andrew Jackson to Angela Merkel” takes up the international aspect of the boom-bust paradigm by extending it into national decisions about setting the exchange rate with foreign trading partners and possible investors. To bolster his long-standing conviction that most, if not all, banking crises are really currency crises at heart, he lays out in detail the open macro-economy model developed by Trevor Swan. Swan’s diagram relates a country’s domestic level of production to its real exchange rate. Internal balance is maintained if production rises with the real exchange rate, while external balance requires the real exchange rate to fall when production increases. The model leads to dire consequences for a country if it does not succeed in maintaining both internal balance (matching domestic investment with domestic supplies of savings) and external balance (matching capital account flows with offsetting trade balances) simultaneously. Either excessive inflation or long-term unemployment occurs whenever imbalances are sustained due to misguided government policy. Banking crises then arise as the necessary outcome of such policy failures by governments. The historical evidence to support Temin’s argument starts with Andrew Jackson and the crisis of 1837 in the U.S., continues through the Great Depression in the U.S. in the 1930s, not to mention the concurrent crisis in Germany, and concludes with the ongoing Eurozone crisis, all basically due to misguided political leaders, as named in his sub-title.


Juan H. Flores Zendejas’s “Capital Markets and Sovereign Defaults: A Historical Perspective” concludes the Oxford Handbook. The first global financial market, arising with the collapse of the Spanish Empire in Latin America after the Napoleonic Wars, saw various devices to cope with the recurring problem of governments defaulting on the sovereign bonds they issued for whatever reason, usually to fight a war or quell a revolution. Flores recounts the success of the London Stock Exchange in bringing governments to heel if they wanted access to British savers. The monitoring capabilities of the leading merchant bankers, especially the Barings and Rothschilds, put their imprimatur on bonds issued through their firms. Twentieth century regulatory restrictions on these leading investment banks by their host governments, however, have limited the effectiveness of their “branding” and their intrusive follow-up in monitoring the finances of their customer governments. Flores casts some doubt as well on the effectiveness of the Council of Foreign Bondholders in the nineteenth century. He could also have challenged the effectiveness of international financial control committees that served as the model for the League of Nations Financial Commission after World War I if he had cited the recent work of Coskun Tuncer (Sovereign Debt and International Financial Control, The Middle East and the Balkans, 1870-1914, London: Palgrave Macmillan, 2015). Flores concludes in general that governments that avoided defaulting in times of general crisis did so because they had been excluded from the earlier expansion of international credit.


All in all, the editors did get the compilation in print still in time to be useful for anyone concerned with how the ongoing financial crisis of the early twenty-first century will play out. Specialists in each topic, however, may be disappointed in the necessary brevity of treatment, not to mention absence of references to their own work, particularly if they worry most about the future of the U.S. financial system.

Larry Neal is the author of A Concise History of International Finance: From Babylon to Bernanke, Cambridge: Cambridge University Press, 2015

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