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sábado, 28 de janeiro de 2023

A crise persistente, segundo a Economist

 Trecho de editorial:

There are plenty of reasons why 2023 will be a grim and potentially dangerous year. But because every crisis spawns new possibilities, there is some good news amidst today’s tumult, writes our Editor-in-chief


Why a global recession is inevitable in 2023

The world is reeling from shocks in geopolitics, energy and economics

By Zanny Minton Beddoes: Editor-in-chief, The Economist

The editors of the Collins English Dictionary have declared “permacrisis” to be their word of the year for 2022. Defined as an “an extended period of instability and insecurity”, it is an ugly portmanteau that accurately encapsulates today’s world as 2023 dawns. Vladimir Putin’s invasion of Ukraine has led to the biggest land war in Europe since 1945, the most serious risk of nuclear escalation since the Cuban missile crisis and the most far-reaching sanctions regime since the 1930s. Soaring food and energy costs have fuelled the highest rates of inflation since the 1980s in many countries and the biggest macroeconomic challenge in the modern era of central banking. Assumptions that have held for decades—that borders should be inviolable, nuclear weapons won’t be used, inflation will be low and the lights in rich countries will stay on—have all been simultaneously shaken. 

Three shocks have combined to cause this turmoil. The biggest is geopolitical. The American-led post-war world order is being challenged, most obviously by Mr Putin, and most profoundly by the persistently worsening relationship between America and Xi Jinping’s China. The resolve with which America and European countries responded to Russia’s aggression may have revitalised the idea of “the West”, particularly the transatlantic alliance. But it has widened the gap between the West and the rest. The majority of people in the world live in countries that do not support Western sanctions on Russia. Mr Xi openly rejects the universal values upon which the Western order is based. Economic decoupling between the world’s two biggest economies is becoming a reality; a Chinese invasion of Taiwan is no longer implausible. Cracks are also appearing in other longstanding geopolitical certainties, such as the alliance of convenience between America and Saudi Arabia.


Itaipu: um grande rolo para Lula destrinchar — Alexa Salomão (FSP)

 Pelos padrões lulistas, tudo valeria como concessão ao Paraguai se o governo fosse de esquerda; sendo o governo de direita, vai ainda decidir como fazer. Em qualquer hipótese, valem os instintos populistas regionais. PRA

Paraguai usa energia paga por brasileiros a Itaipu e já deve R$ 9 bi

Alexa Salomão

Folha de S. Paulo, 28/01/2023


Os brasileiros estão pagando na conta de luz parte da energia de Itaipu consumida pelo Paraguai. Por esse uso considerado irregular da cota de energia do Brasil, o país vizinho já acumula com o Brasil uma dívida de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,2 bilhões).


Isso acontece porque, desde 2018, a Ande (Administração Nacional de Eletricidade), estatal responsável pela compra de energia do país vizinho, erra para menos a projeção da energia que vai consumir, e entra na cota reservada e paga pelo Brasil.


A EnbPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), responsável pela compra da energia do lado brasileiro, afirma que o procedimento do parceiro desrespeita o tratado que rege as relações bilaterais em Itaipu.


O alerta sobre o débito está em uma carta enviada em 29 de dezembro a Itaipu pela EnbPar assinada pelo presidente, vice-almirante Ney Zanella dos Santos, e destinada a cada diretor-geral da usina, o vice-almirante Anatalicio Risden Junior, pelo Brasil, e Manuel Maria Cáceres Cardozo, pelo Paraguai.


O novo diretor-geral de Itaipu, deputado federal Enio Verri (PT-PR), anunciado nesta quinta-feira (26) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai encontrar detalhado material sobre a questão.


O documento, a que a Folha teve acesso, é acompanhado por uma extensa nota técnica de 39 páginas que trata da evolução dessa conta. Ela traz detalhes para explicar como a Ande faz subcontratações —ou seja, pede menos energia do que efetivamente sabe que vai consumir.


Pela regra, essa empresa avisa no final de todo ano quanto vai consumir no ano seguinte, e o restante passa a ser a cota do Brasil.


A subcontratação de energia pela Ande, associada ao uso de parte da cota brasileira, é apontada por especialistas como um dos fatores para explicar a diferença no preço da energia para o consumidor final em cada lado da fronteira, sempre mais cara no Brasil.


Em 2017, o MWh (megawatt-hora) da energia custava para os brasileiros US$ 38,22 (R$ 195) e US$ 27,04 (R$ 138) para os paraguaios. No ano passado, quando ocorreu a primeira redução tarifária em 13 anos, os paraguaios voltaram a pagar valor similar ao de cinco anos antes, US$ 27,57 (R$ 140). O brasileiros, apesar da redução, pagaram US$ 50,49 (R$ 257).


O princípio essencial do tratado binacional é que tudo em Itaipu é dividido meio a meio entre Brasil e Paraguai. Como o Paraguai consome menos energia, o Brasil compra a parte que sobra do parceiro. Atualmente, o Brasil fica com cerca de 85% da energia de Itaipu —os seus 50% a que tem por direito, mais o pedaço que o Paraguai não consome.


Dentro desse contexto, a invasão da cota de energia brasileira é considerada um despropósito maior ainda pelos especialistas que acompanham o tema.


A raiz primordial do embate está na energia excedente da usina binacional.


Itaipu não gera lucro. A venda de sua energia deve cobrir apenas os custos da usina e o pagamento da dívida para a construção. Quando a usina começou a gerar energia acima do que precisava para pagar as contas, ficou acertado que esse excedente, quando ocorresse, custaria menos.


A partilha desse excedente gerou debates. Brasileiros queriam que ela fosse proporcional à cota. Ou seja, se o Brasil consumisse 90% da energia, assim, teria direito a 90% do excedente. Os paraguaios insistiram, e levaram, a divisão meio a meio, alegando que assim seriam preservados os princípios do tratado.


Com o passar dos anos, a economia do Paraguai foi crescendo, atraindo indústrias, precisando de mais energia. A Ande, no entanto, não fez alterações expressivas no pedido de cota anual. O Paraguai simplesmente passou a usar parcelas crescentes do excedente, até consumi-lo totalmente. Foi, então, que invadiu a cota brasileira.


A Ande, no entanto, nega a irregularidade. Afirma consumir a energia excedente porque Itaipu tem excedente na potência. Como o consumo é feito em fluxo de energia, essa discussão de cunho técnico alimenta um interminável debate e, por tabela, a conta bilionária relatada pela EnbPar.

RENÚNCIAS, DENÚNCIAS E TENTATIVA DE IMPEACHMENT


O fato de a EnbPar apresentar o levantamento neste momento recebeu diferentes interpretações entre quem teve acesso ao documento.


Alguns acreditam que ele funciona como uma proteção contra uma eventual responsabilização da empresa e de sua equipe. Itaipu, por ser binacional, não pode ser questionada por qualquer autoridade em nenhum lado da fronteira. A EnbPar, ao contrário, pode ser responsabilizada por permitir um prejuízo bilionário aos consumidores brasileiros.


Outros acreditam que o documento faz parte de um movimento para municiar Itaipu na negociação do Anexo C do tratado bilateral.


A possibilidade de revisão será aberta a partir de março, após a quitação da última parcela da dívida contratada para a construção da usina. Como o Paraguai está em período eleitoral, a perspectiva é que os parceiros venham a se encontrar a partir do segundo semestre. A avaliação é que o Brasil terá um trunfo ao comprovar que tem a receber quase US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões).


Segundo especialistas que conhecem Itaipu por dentro, as particularidades dos paraguaios e os detalhes dessa divergência, o governo Lula deve se preparar não apenas para uma negociação dura do Anexo C e de outras questões, mas ficar atento à divulgação do processo pelos paraguaios.


Segundo a Folha ouviu de quem acompanhou o processo, o Brasil identificou a invasão da cota no segundo semestre de 2018. Alertado pela área técnica, o presidente da Eletrobras, na época, Wilson Ferreira Júnior, comunicou a Itaipu que o Paraguai consumia volumes maiores que os projetados pela Ande. Para deixar claro que considerava o comportamento do parceiro grave, avisou que não pagaria pela energia que não recebesse.


A Ande, então presidida por Pedro Ferreira, deu início à argumentação sobre uso de energia excedente.


Como Wilson não arredou o pé, o destino da fatura precisou ser debatido internamente em Itaipu. Não houve solução na diretoria, e a questão subiu para o conselho. O impasse se mostrou intransponível. O caso, então, foi levado à área diplomática. No jargão de Itaipu, esse fórum superior se chama Altas Partes.


A conta do desbalanceamento em 2018 foi orçada em US$ 54,9 milhões (R$ 279,7 milhões).


Nesse meio tempo, Jair Bolsonaro (PL) ganhou a eleição e trocou cargos de comando. O general Joaquim Silva e Luna foi empossado em fevereiro de 2019 na diretoria-geral de Itaipu prometendo redução na tarifa. Informado sobre a pendência com o Paraguai, ajudou a mobilizar a nova chancelaria, e a negociação foi agilizada.


Em março, o presidente Mario Abdo Benítez visitou Bolsonaro e deu sinal verde para um acordo. Em um gesto de boa vontade, os representantes do Brasil nem forçaram a mão para receber o valor devido. Foi definida uma mudança na contabilidade, com a criação de um sistema pós-pago. Mensalmente, haveria um acerto de contas entre a energia projetada no ano e a realmente consumida em cada mês.


O acordo foi sacramentado e registrado em ata de 24 maio, assinada pelos ministros das relações exteriores. Eram duas páginas objetivas. O conteúdo seria, então, transferido para contratos a serem assinados por Ande e Eletrobras.


Os paraguaios, porém, pediram um tempo antes do anúncio, alegando que o seu governo precisava de tempo para criar uma peça publicitária explicando as razões da mudança. Semanas depois, um vídeo começou a ser divulgado na TV local. Explicava que o Paraguai precisava ser honesto na compra da energia de Itaipu e mal ficou no ar.


Em julho, ocorreu uma reviravolta. O acordo se tornou público no Paraguai na forma de uma denúncia sobre "a ata secreta de 24 maio".


Todas as versões divulgadas foram variações sobre um ato autoritário do Brasil contra o Paraguai. Pressionado por Bolsonaro, Benítez teria permitido mudanças nas regras de pagamento da energia que elevariam os custos locais, anualmente, em US$ 200 milhões (R$ 1 bilhão). O ambiente político local degringolou.


Cinco envolvidos nas negociações pelo Paraguai pediram demissão, entre eles o ministro das Relações Exteriores, o diretor-geral de Itaipu e o presidente da Ande.


Ao mesmo tempo, começaram a vazar informações de que a ata seria parte de um esquema em que energia barata de Itaipu, do lado paraguaio, seria vendida para uma comercializadora no Brasil ligada à família do presidente Bolsonaro. O Ministério Público abriu investigação.


Em 31 de julho, a oposição avisou que pediria impeachment. No Paraguai, o procedimento pode ser feito em poucos dias. Em 2012, o então presidente Fernando Lugo foi destituído em apenas 36 horas.


No dia seguinte, 1º de agosto, Benítez reagiu. Autoridades posaram assinando um documento que cancelava a ata. Ele fez pronunciamento ao lado da esposa. O clima era de comoção nacional.


O risco de impeachment só terminou quando Bolsonaro concordou que o Brasil anularia a ata. Margeado por governos de esquerda, o movimento foi interpretado como estratégia política para preservar o apoio de Benítez e de seu partido conservador, o Colorado. Os dois se tratam cbomo amigos.


Com as portas fechadas para defenderem os consumidores no Brasil, Eletrobras e Itaipu foram orientadas a contabilizar e divulgar as eventuais futuras invasões da cota brasileira. Os números consolidados pela EnbPar demonstram que a prática não apenas foi mantida como as quantias aumentaram.


MARGEM DIREITA NEGA IRREGULARIDADES E DÍVIDA


Procuradas pela reportagem, EnbPar, Ande e a Margem Esquerda de Itaipu, como é chamado o lado brasileiro, não se manifestaram até a publicação deste texto.


A assessoria da Margem Direita, como é conhecido o lado do rio em que se encontra o Paraguai, enviou nota afirmando que rechaça as análises da EnbPar. Segundo os representantes do Paraguai não existe nenhuma dívida que tenha sido gerada pelo não cumprimento de regras contratuais que regem a venda de energia na empresa binacional.


"A Margem Direita cumpre todas as cláusulas do contrato de prestação de serviços de energia elétrica com ambas as entidades compradoras, razão pela qual afirma ser inadmissível, o pedido da EnbPar que se baseia em interpretações errôneas."


O texto diz ainda que a EnbPar não seguiu os melhores critérios para embasar suas conclusões.


"A abordagem da EnbPar foi realizada unilateralmente e sem consulta por meio de ofício e se baseia em cálculos e premissas errôneas, que não contempladas nos contratos de prestação de serviços de energia elétrica de Itaipu", afirma a nota.


O texto diz ainda ser importante destacar que a contratação com as atuais condições de potência e não de energia contempla o Acordo Operacional do ano de 2007, que confere preeminência à Ande na retirada preferencial dos serviços de energia elétrica.


"Portanto, cumpridas integralmente todas as cláusulas contratuais, não caberá qualquer tipo de dívida do ponto de vista do fornecimento e serviços de energia elétrica de Itaipu Binacional para ambas as entidades compradoras", afirma a nota.

DICIONÁRIO TÉCNICO DO CONTROVERSO BRASIL-PARAGUAI

    EnbPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional): Estatal responsável pela comercialização da energia de Itaipu no mercado brasileiro. Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi criada para substituir a privatizada Eletrobras na realização de políticas públicas no setor e assumir as atividades da Itaipu Binacional e da Eletronuclear, que responde pelas usinas Angra 1, 2 e 3

    Ande (Administração Nacional De Eletricidade): É a estatal responsável pela comercialização da energia de Itaipu no Paraguai

    Energia vinculada à potência total: volume de energia que gerada que pode ser contratada a partir de uma potência instalada de 12.153 MW, que é de 75 milhões de MWh. Grosso modo, no jargão do setor, esse tipo de energia equivale ao que se chama de energia garantida. Detalhe. Itaipu tem potência de 14.000 MW, mas ficou acordado retirar no cálculo 2 turbinas e a energia da operação, então, para uso prático, ficaram definidos os 12.135 MW

    Energia vinculada à potência contratada: parcela da energia que é definida para os compradores de cada lado da fronteira. Na prática, no final de cada ano, a paraguaia Ande define a cota de energia que vai consumir, e o restante automaticamente passa a ser a cota da brasileira da EnbPar

    Energia suprida: Equivale a energia realmente consumida por cada uma das partes

    Energia não vinculada: Toda energia gerada acima dos 75 milhões de MWh. No seu melhor momento, a produção chegou a 113 milhões de MWh. No mercado brasileiro, ela equivale ao que se chama de energia excedente. Como essa energia não está diretamente associada aos custos da usina, o seu preço é inferior. Equivale basicamente ao custo pelo pagamento de royalties, e geralmente fica na casa de US$ 6. O Brasil chegou a reivindicar que o excedente fosse proporcional a energia vinculada (a cota) anual de cada parte. No entanto, inicialmente, ficou acertado que seria dividida meio a meio. Na prática, porém, o Paraguai passou a ficar com todo o excedente. Assim, o preço final da energia no Brasil é sempre mais alto que no Paraguai.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Retrato de um Brasil desconhecido e inesperado: o orgulho de ser uma "prisioneira política" - Mauro Ventura

 Matéria do jornalista Mauro Ventura:

"Vejo o vídeo de uma senhora chegando de viagem. Deve ter seus 60 anos, um pouco mais talvez. Usa óculos, tem uma aparência normal, é sorridente, daquele tipo comum que você encontra tantas vezes na rua, no mercado, na praça. Não parece oferecer perigo algum.

Parentes e amigos estão no aeroporto para recepcioná-la. Assim que a veem, eles pulam, gritam, se abraçam, se beijam, batem palmas, numa euforia incontida. O que será que ela fez para merecer tamanha recepção? Talvez esteja há muito tempo fora, morando no exterior, antes até da pandemia. 

- Maravilhosa! - grita uma moça. 

Pela idade, não deve ter sido aprovada em concurso nem ter conseguido um emprego. Mais provável é que tenha conquistado um grande prêmio que justifique tamanha festa. 

- Muito orgulho de você! - diz outra mulher.

De fato, ela carrega um troféu, como iremos perceber. Não nas mãos, mas no tornozelo. Ela é uma das vândalas que protagonizaram algumas das cenas mais lamentáveis da história recente do país. Foi detida no acampamento golpista no QG do Exército, acaba de sair da prisão em Brasília e está de volta a seu estado, Mato Grosso. De inofensiva ela não tem nada.

O que para nós é motivo de indignação, repulsa e constrangimento para ela e para seus familiares é pretexto para comemoração.

- Obrigada por tudo, viu? – diz alguém, sinalizando que ela fez o que os demais gostariam de ter feito.

Ou seja, tentar dar um golpe de estado, invadir, depredar, agredir, destruir, vandalizar, atentar contra a democracia. 

A cerca altura, ela levanta a barra da calça, aponta a tornozeleira eletrônica e brinca:

- Estou com wifi com muito orgulho.

Ela se sente uma revolucionária, uma presa política, e não uma criminosa comum. Uma amiga completa, referindo-se ao adereço prisional:

- Olha aqui, gente, isso aqui não é um rastreador, é um símbolo de guerra!

De fato, a chegada dela mais parece aquela recepção de herói aos soldados que voltaram do front. Só que aqui, no caso, eles estão do lado do inimigo. 

- Muita luta e muito orgulho de usar (a tornozeleira) – afirma uma mulher. 

As cenas desmontam duas vergonhosas fake news da extrema direita. A primeira de que a prisão era um campo de concentração. A julgar pela aparência daquela senhora, parecia mais uma colônia de férias. Também desconstrói a farsa de que os baderneiros e extremistas eram petistas infiltrados. Longe disso, são bolsonaristas orgulhosos. 

Não há nenhum remorso, nenhum arrependimento nessa senhora. Pelo contrário. Ela exibe uma sensação de dever cumprido, de ter lutado pela pátria, de ter tentado salvar o Brasil das garras do comunismo. Num outro vídeo, ela fala das colegas de cela, "patriotas do Brasil todo e do exterior". E recorre à religião para explicar sua "missão": "É um propósito de Deus para cada um de nós." E dá a entender que vai ser reincidente: "Nossa bandeira continua levantada."

Curioso é que os supostos patriotas, que dizem que “bandido bom é bandido morto”, que se autointitulam “cidadãos de bem”, que zombam Lula chamando-o de “ex-presidiário”, celebram agora uma ex-presidiária – ou melhor, uma golpista em liberdade provisória mediante medidas cautelares.

A prisão não ensinou nada a essa gente. Ser fichado e ter antecedentes criminais também não. Não sei se na hora em que doer do bolso a ficha vai cair. Tomara, mas não tenho muitas esperanças."


O populismo reacionário: resenha de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro: O populismo reacionário - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Excelente resenha de um livro magistral 

O populismo reacionário

Imagem: Kartick Chandra Pyne

Por ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY*

Comentário sobre o livro de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro

O populismo reacionário, de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro, é um dos livros nacionais mais importantes para uma tentativa de compreensão da situação política atual. Os autores são professores e pesquisadores no Rio de Janeiro. Em quase 200 páginas apresentam uma radiografia do populismo reacionário que levou quase a metade dos votos nas últimas eleições (o livro é anterior ao pleito). Não tratam de uma aventura política transitória e passageira. Tratam de um assunto sério que exige enfrentamento.

A partir da crise da Nova República, e com foco no judiciarismo lava-jatista, os autores exploram nosso tempo político, tateiam uma obtusidade que desdenhamos (e hoje pagamos por isso) e apontam para uma aporia intransponível: o paradoxo do parasita. O parasita precisa do corpo invadido para sobreviver, não pode destruí-lo. A destruição do corpo invadido tem como pressuposto e resultado a morte do parasita. Essa metáfora implica na relação ambígua entre o líder populista reacionário e a democracia. No último dia 8 de janeiro essa tensão chegou ao limite.

Os autores identificam essa nova onda populista (especialmente brasileira) no contexto da crise do liberalismo democrático, que se desdobra da ressaca da euforia da globalização, dos atentados às torres gêmeas e da crise econômica de 2008. Nesses últimos tempos discutiu-se seriamente sobre o destino da agenda democrática, isto é, se haveria uma revitalização desse projeto ou se a ameaça era realmente verdadeira. O que acha o leitor?

Parece-me, venceu esse último postulado. A ameaça transcendeu o espaço digital e foi para a praça com porretes na mão (literalmente). Tudo condimentado por perigos potencializados por um universo de informação paralela, no qual um comunismo idealizado, a imigração estrangeira, um sentido recorrente de injustiça e de mudanças sociais foram fomentados pelo compartilhamento de valores identitários.

Para os autores, o populista reacionário não se interessa por assuntos de governo e de administração. Comanda um partido digital disperso e ao mesmo tempo unido em torno de uma conta também digital. Lê-se nesse corajoso livro que a conta digital do populista reacionário não é lugar democrático com espaço aberto para a crítica do cidadão. A conta digital do populista reacionário “é um altar, cujo acesso é privativo dos fieis para fins de adoração de seu ídolo”. Quando materializado, e agora a opinião é minha, esse espaço de veneração é concomitante ao entorno topográfico oficial: é o cercadinho.

O populista radical, segundo os autores, apresenta-se como o herói antissistema. Gerencialmente é incompetente. Vale-se dessa incompetência como um selo de autenticidade. Entre a competência e a autenticidade (ainda que fingida, o que possível) o medíocre insatisfeito com a mediocridade de sua vida não pensa duas vezes: quer o autêntico.

Que caminho histórico pavimentou o populista reacionário, porta-voz de uma utopia regressiva de restauração a tempos imaginados? Era latente essa utopia? Na tentativa de explicar essas duas perguntas os autores primeiramente exploram uma revolução judiciarista, que se dizia instrumento de uma suposta capacidade regenerativa da Nação. O Judiciário resolveria tudo. Aplicaria a lei.

É o lavajatismo, em sua versão mais completa, que assumiu o padrão de um tenentismo togado. O ex-juiz de Curitiba e o ex-procurador da República que lá atuava tentaram ser versões contemporâneas de Juarez Távora e de Eduardo Gomes. Creio que não conseguiram, ainda que incensados na imprensa e nas redes, aplaudidos em aviões e restaurantes, ouvidos em gravações suspeitas.

Na tese dos autores de O populismo reacionário o judiciarismo escorava-se em legitimidade oriunda do acesso meritocrático ao serviço público. Acrescentaram também o tema do neoconstitucionalismo, que resultou na valorização das corporações jurídicas e, paradoxalmente, na massificação do ensino de Direito. Havia uma multidão de bacharéis que falavam o tempo todo em regras e princípios, citavam autores alemães em tradução (Hesse, Häberle, Müller e Alexy) e remoíam o aspartame jurídico anglo-saxão (Dworkin e Rawls). Defendiam uma maior participação do Judiciário em detrimento dos demais poderes. A restauração se dava no curul, a cadeira dos altos dignitários romanos que ditavam a jurisprudência.

Segundo os autores, basta que consultemos os livros de Direito Constitucional para constatarmos que o espaço dedicado ao Legislativo é ínfimo em relação ao espaço dedicado ao Judiciário e às corporações jurídicas. O judiciarismo que já se verificava em Rui Barbosa e em Pedro Lessa voltou para o proscênio. O moralismo recorrente da UDN, na voz de Afonso Arinos, Bilac Pinto e Aliomar Balleeiro estava na espinha dorsal dessa revolução do judiciário, que também, o que mais paradoxal, escorou-se em intepretações padronizadas do Brasil, como lemos em Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta.  Esse diálogo seria impossível. Os autores nos lembram que os udenistas de Carlos Lacerda pularam do barco em 1965, do mesmo modo que Sergio Moro e o MBL o fizeram em tempo próximo.

No argumento de O populismo reacionário o núcleo da nova expressão de poder orbitava em torno do culturalismo reacionário de Olavo de Carvalho e do neoliberalismo de Paulo Guedes. Do primeiro apreendeu-se uma concepção petrificada de cultura, centrada na obsessão em face do marxismo cultural, contra o qual se opôs o decadentismo, a crítica à globalização e a âncora da metapolítica, para a qual a cultura vem depois da política. Do segundo, de acordo com os autores, sabe-se que o ponto fraco dos neoliberais tem sido sempre a impopularidade do programa.

O populismo reacionário distancia-se muito da referência e da reverência que tem para com a tecnocracia militar. É que o conservadorismo estatista de Golbery do Couto e Silva subordinou e dominou o culturalismo de Gilberto Freyre e de Miguel Reale, bem como o neoliberalismo de Roberto Campos e de Octávio Bulhões. Os autores não chegam a conjecturar sobre uma explicação para essa disfunção. Talvez, a adesão do populismo reacionário ao negacionismo estrutural possa ser uma chave interpretativa para o enigma.

Os autores dão pistas. A negação do aquecimento global, do holocausto, a fé no terraplanismo, a crença na hipótese de que nazismo e fascismo seriam de esquerda, o racismo reverso, o conspiracionismo, a pandemia, a eficiência da vacina, a ortodoxia das urnas e o tema da ideologia de gênero transitariam nesse quadro explicativo. Na pergunta de Fernando Gabeira, “por que se afastam tanto da realidade e quando se dão conta dela ficam tão revoltados?”.

O populista reacionário cerca-se de quadros medíocres e servis, fomentando um macarthismo administrativo. Os dissidentes são perseguidos. Na construção do caminho para o populismo reacionário formulou-se uma teoria constitucional de sustentação, sempre servida por juristas desfrutáveis (a expressão é dos autores) que retomaram o tema da razão do Estado, agora justificativa de segredos quase perpétuos (100 anos).

Acrescento ao argumento dos autores o papel de certa teologia da prosperidade. Para Carl Schmitt (o príncipe dos juristas desfrutáveis) o milagre estaria para a fé como a jurisprudência para o direito. Para sua quase versão brasileira (Francisco Campos) o Estado totalitário seria uma técnica a serviço da democracia. É a união entre o templo e o palácio da justiça.

Penso que a grande mensagem de Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro nesse belíssimo livro consiste na constatação de que se abandonou a busca racional da verdade como fundamento da vida coletiva. Os autores instigam mais para a busca racional da verdade do que para a própria verdade. Afinal, sobre essa última, e a questão é bíblica (João 18:38) nem mesmo Pilatos sabia do que se tratava.

*Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Referência


Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro. O populismo reacionário. São Paulo, Contracorrente, 196 págs.

Do site A Terra é Redonda

Brasil volta à cena externa com diplomacia passadista - Editorial Valor Econômico

 Brasil volta à cena externa com diplomacia passadista


Os primeiros passos de Lula indicam mais do mesmo, da política externa “ativa e altiva”. O pragmatismo pode forçá-lo em outras direções

Valor Opinião, 27/01/2023


O presidente Lula escolheu os parceiros certos para dar início a suas viagens internacionais oficiais e imprimir uma marca distinta em relação à desastrosa diplomacia de seu antecessor.

Lula visitou a Argentina e o Uruguai e já tem agenda para próximos encontros com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente da China, Xi Jinping. O vigor da retomada diplomática, porém, não parece até o momento se refletir no conteúdo das mensagens brasileiras, que deixam no ar a impressão de que se trata apenas de uma volta ao passado.

As relações com o Mercosul são prioritárias e Lula retomou os vínculos com a Argentina, rompidos por Jair Bolsonaro, uma ruptura que foi até recebida com alívio pelo presidente argentino, o peronista Alberto Fernandez. Mesmo no tempo em que os Kirchners governavam o país, o relacionamento do Brasil o país vizinho foi conflituoso. A economia argentina se dilacera de crise em crise e de novo não tem fontes de financiamento externo, sustentando-se apenas em um acordo com o FMI, com empréstimos com carência de US$ 45 bilhões - e criticado pela vice-presidente, Cristina Kirchner.

Com escassez de divisas, a Argentina argumenta com um motivo a mais para não abrir sua economia - o outro é a resistência ideológica dos peronistas em fazer isso. As reticências se refletem no acordo União Europeia-Mercosul, cujas negociações foram iniciadas no primeiro governo de Lula e só concluídas no governo Bolsonaro. AArgentina ainda quer negociar mudanças pois vê pontos negativos para sua indústria no acordo. A posição expressa por Lula é de fechar o acordo, embora sinais diplomáticos indiquem que o Brasil também gostaria de fazer reparos nele.

Como gesto de boa vontade, Lula acenou com medidas de efeito duvidoso. A primeira foi a moeda para transações comerciais externas, como forma de driblar a escassez de financiamento para o país vizinho. Deficitária na balança comercial com o Brasil, a Argentina tampouco tem reais para suprir diferenças da liquidação contábil. O Brasil propôs, além disso, financiamentos do Banco do Brasil, com base em um Fundo Garantidor. Não há mais detalhes sobre isso.

Problemático também foi a oferta de Lula de o BNDES financiar gasodutos para escoamento do gás de Vaca Muerta até o Brasil. No fim do governo Lula e princípio do de Dilma, o BNDES foi abarrotado de funding por transferências do Tesouro. Sem o Tesouro, os desembolsos do banco encolheram muito. O país vive uma penúria fiscal e há que escolher criteriosamente para aonde vão os recursos, já que são escassos internamente também. Vaca Muerta, além disso, é um pesadelo ecológico para ambientalistas, e seu gás cobriria primordialmente déficits de abastecimento da Argentina. Não seria vital para o Brasil, que desperdiça gás do pré-sal.

No Uruguai, Lula tentou apagar incêndios. O presidente Lacalle Pou, de centro-direita, abriu negociações com a China para ingressar na Parceria Transpacífico. O Uruguai tomou a atitude unilateralmente, o que fere o Tratado do Mercosul, que obriga à negociação conjunta. Lula argumentou que o Mercosul deveria se concentrar no acordo com a UE para depois tratar da China, que também ofereceu um acordo comercial com o Brasil, mas parece não ter convencido o parceiro uruguaio. Sem uma tarifa externa comum, o bloco se fragmentará.

No campo político, Lula propagandeou sua versão da história, ao mencionar o “golpe” de Estado que depôs Dilma e chamar o ex-presidente Michel Temer de “golpista”, passando por cima do fato de que o Congresso, com assistência do Judiciário, removeu Dilma do poder pelas pedaladas fiscais. Lula reatou laços com a Celac (Comunidade dos Estados LatinoAmericanos e do Caribe), com elogios à defesa que fizeram da democracia quando esteve ameaçada no Brasil. Da Celac fazem parte Venezuela, Cuba e Nicarágua, países que estão longe de ser democráticos. Coube a Lacalle Pou dizer na reunião que a defesa da democracia não era monopólio da esquerda, referindo-se aos três países, que o Brasil apoia, que não tem práticas democráticas.

A diplomacia sob Lula terá de se adaptar a um novo mundo, mais hostil. A opção pelas relações Sul-Sul pode se mostrar inviável diante da rivalidade aberta entre EUA e China, e da invasão da Ucrânia pela Rússia, dois parceiros do Brasil nos Brics, grupo que tende à implosão. Os primeiros passos de Lula indicam mais do mesmo, da política externa “ativa e altiva”. O pragmatismo pode forçá-lo em outras direções.


Dia Internacional em Memória das vítimas do Holocausto

 27 de Janeiro, dia de luta contra o esquecimento.


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Atos internacionais do Brasil, desde 1822: acesso à Base de Dados Concórdia

 Acesso aos atos internacionais do Brasil desde 1822:

O principal arquivo de documentos diplomáticos é a Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores: 

Atos Internacionais
Segundo definiu a Convenção de Viena do Direito dos Tratados, de 1969, tratado internacional é "um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica" (Art. 2, a).
Atos internacionais correspondem, segundo a prática brasileira, a tratados, acordos, memorandos de entendimento, ajustes complementares, convenções ou protocolos que criem normas e regulamentos.
A rigor, a Divisão de Atos Internacionais é responsável pelo processo de revisão formal anterior à celebração e o procedimento necessário à tramitação desses atos, com vistas à sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito do Ministério das Relações Exteriores, cabe às áreas responsáveis pelo acompanhamento do tema objeto do texto a negociação e a posterior implementação dos dispositivos de cada acordo.
A tradição constitucional brasileira não concede o direito de concluir tratados aos Estados-membros da Federação. Nessa linha, a atual Constituição diz competir à União, "manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais" (art. 21, inciso I). Por tal razão, qualquer entendimento que um estado federado ou município deseje concluir com Estado estrangeiro, ou unidade dos mesmos que possua poder de concluir tratados, deverá ser feito pela União, com a intermediação do Ministério das Relações Exteriores, decorrente de sua própria competência legal.