A operação da Polícia Federal, batizada de "Sem Desconto", revelou um escândalo bilionário de fraudes por meio de descontos associativos que atingiu os cofres do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2019 e 2024 e criou um problema visto até agora como insolúvel para o Palácio do Planalto: como blindar governo Lula do esquema de roubos de aposentadorias e pensões.
E eis aí um dos maiores temores de Lula e de sua equipe, em ano pré-eleitoral.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS pode escancarar detalhes dessa fraude – algo na casa dos 6,3 bilhões de reais, dos quais cerca de 64% dos descontos ocorreram entre os anos de 2023 e 2024.
Alguns acreditam que a investigação pode trazer pistas até da participação do Palácio do Planalto no esquema.
Existe a suspeita de que personagens que estavam na cozinha do Planalto tiveram se envolveram no roubo de aposentadorias.
Quer seja por ação ou omissão. O ex-ministro da Previdência Carlos Lupi ignorou alertas dados por subalternos em junho de 2023 sobre o aumento de denúncias de descontos não autorizados.
Ele tomou providências apenas um ano depois. Na época, o alerta foi dado pela conselheira Tonia Galleti, representante dos aposentados e pensionistas no Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido por Lupi.
Nesta quinta, 28, a defensora pública Patrícia Bettin, coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão Previdenciária da Defensoria Pública da União (DPU), disse que o INSS não respondeu a ofícios enviados pela DPU com questionamentos sobre descontos indevidos.
Ela citou exemplos de documentos que não foram respondidos pelo Instituto Nacional do Seguro Nacional em outubro do ano passado, já durante a gestão Lula.
O ex-ministro da Secom Paulo Pimenta tentou minimizar a informação. Para ele, isso não mostra a leniência do governo Lula no episódio.
Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, apontado como operador financeiro das fraudes, era visto pela Polícia Federal como figurinha carimbada no Ministério da Previdência, atuando como lobista para facilitar autorizações a entidades associativas.
A PF apontou que Antônio Carlos é sócio de 22 empresas, e que "várias" foram utilizadas nas fraudes.
Pessoas físicas e jurídicas ligadas ao “Careca do INSS” receberam em torno de 53,5 milhões de reais das fraudes.
Careca do INSS
Em um dos primeiros requerimentos, a CPMI solicitou o número de visitas do “Careca do INSS” ao órgão e ao Ministério da Previdência entre 2019 e 2025.
A esperança da oposição é que o aumento do número de visitas seja proporcional ao volume maior de contratos firmados por intermédio do “Careca do INSS”.
A Procuradoria Federal que atua no INSS — que funciona como advocacia pública do órgão — deverá enviar informações à CPMI sobre as fraudes, especialmente sobre a relação entre Antunes e o ex-procurador Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho.
Careca deve ser alvo tanto da base quanto da oposição. Por isso, ele já correu para obter um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para não falar. Quem deve, teme.
Frei Chico
Outro personagem que preocupa o governo Lula é José Ferreira da Silva mais conhecido como Frei Chico.
Frei Chico é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi).
A entidade da qual ele faz parte é citada em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontando possível participação nas fraudes do INSS.
Os repasses do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ao Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) aumentaram 564% entre 2020 e 2024.
O valor obtido pela entidade com descontos nos benefícios de segurados passou de 23,2 milhões de reais em 2020 para 154,7 milhões no ano passado. O sindicato é alvo de uma devassa no Tribunal de Contas da União.
Na visão de parlamentares que atuam na CPMI, Frei Chico poderia levar diretamente o escândalo do INSS para a cozinha do Palácio do Planalto.
“Tudo que queremos encontrar é uma transação fiscal entre Lula e Chico com recursos do Sindinapi. Seria o ápice da CPMI”, confidenciou um integrante do colegiado em caráter reservado para Crusoé.
Por essa razão é que a tropa de choque do governo Lula tenta um acordo para blindar Chico da CPMI.
E houve uma primeira vitória. Nesta semana, durante a votação do plano de trabalho do colegiado, integrantes da base e da oposição fizeram um acordo para não convocar Frei Chico.
Mas isso apenas em um primeiro momento.
Tanto o presidente do colegiado, Carlos Viana (Podemos-MG), quanto o relator da CPMI, Alfredo Gaspar (União-AL), atuam para achar um melhor momento de chamar Chico para depor.
“Não há, da minha parte e da do relator, qualquer acordo para que a gente blinde quem quer que seja. Toda e qualquer pessoa poderá ser chamada. Qual é a regra que nós estabelecemos e que está sendo muito clara a todos. Serão chamados aqui aqueles que, no decorrer dos depoimentos, houverem nexo causal”, esclareceu nesta quinta-feira, o presidente da CPMI Carlos Viana.
“A pessoa participou, recebeu, influenciou qualquer um dos inquéritos ou questões do escândalo do INSS. Se não houver nexo causal, se não houver razões específicas, jurídicas, para que a gente chame qualquer pessoa, nós não o faremos. Não será nesta CPMI aqui a exposição da privacidade de qualquer pessoa que não esteja ligada aos casos do INSS”, acrescentou o parlamentar.
Enquanto não tiver depoimento, o tema Frei Chico vai martelar a base governista e o Palácio do Planalto.
Palácio do Planalto
Ao longo desta semana, o presidente Lula cobrou maior empenho de sua base para tentar controlar a narrativa da CPMI.
O assunto é sensível no Palácio do Planalto.
O governo federal já disponibilizou olheiros e mantém uma espécie de comitê paralelo de investigação para apurar flancos deixados pelo governo Jair Bolsonaro que resultaram em desvios de aposentadorias e pensões.
A ideia da base governista é, ao final da investigação, apresentar um relatório paralelo sobre a CPMI, apontando que o governo Lula não é algoz.
Na visão do Planalto, o esquema do INSS somente foi descoberto porque foi a atual gestão que incentivou as investigações da Polícia Federal, muito embora o escândalo tenha sido revelado após uma série de reportagens do portal Metrópoles.
“A oposição está tentando divulgar informações que tiram o foco da investigação, a gente sabe (… ) Foi o governo anterior que criou o roubo, e foi o governo atual que acabou com esse escândalo", disse Paulo Pimenta na quinta, 27, em entrevista coletiva durante a CPMI.
Sem pizza
Até a semana passada, a CPMI tinha tudo para terminar em pizza. Mas uma cochilada do governo Lula fez, de fato, a investigação mudar completamente de rumo.
Ao conseguir emplacar o presidente e o relator, a oposição no Congresso conseguiu um trunfo que pode ser utilizado até as vésperas da eleição do ano que vem.
É importante ressaltar que uma CPMI tem prazo de duração inicial de 180 dias, prorrogáveis por mais 180.
Se a oposição conseguir, ela poderia empurrar essa investigação até agosto do ano que vem, na boca das eleições de outubro – é tudo o que os oposicionistas querem.
"Governo não dá para subestimar, força de governo, de emendas, de cargos, eles têm tudo para fazer (…) Fui num jantar na casa de um amigo [na véspera da instalação da CPMI] que a gente tem em comum com o senador Carlos Viana, que é meu amigo pessoal, e mostrei para ele a possibilidade que a gente tinha. Falei: 'Olha, a gente tem que agir calado. Você tem que chegar lá amanhã, às 11h, e protocolar sua candidatura'", confidenciou o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, com exclusividade ao programa Meio-Dia em Brasília, de O Antagonista.
Sóstenes disse que não contava com a ausência de alguns governistas na sessão de instalação da CPMI, como Mário Heringer (PDT-MG) e Rafael Brito (MDB-AL).
Os dois foram substituídos por parlamentares do PL na votação que elegeu Viana presidente da CPMI do INSS por 17 votos a 14. A articulação também contou com a ajuda do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“A gente conseguiu uma vitória para o Brasil, porque a pior coisa seria uma CPMI para não investigar ou para investigar e querer colocar a culpa só no Bolsonaro, por exemplo, que era uma intenção deles”, acrescentou Sóstenes.
“O primeiro a assumir a responsabilidade [pela derrota] e a culpa sou eu”, disse na semana passada, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
Depois da cochilada, o governo resolveu retomar o controle. Com isso, os embates tendem a ser mais intensos daqui para a frente.
A oposição, para conseguir fazer o tema avançar, vai negociar com a base a aprovação de quebras de sigilo bancário e telemático ou esperar novos cochilos da base governista para fazer tocar a investigação.
André Mendonça
Outra esperança é a parceria firmada com o magistrado André Mendonça, relator dos casos no Supremo Tribunal Federal.
Mendonça se comprometeu a liberar o máximo de material aos integrantes da CPMI, inclusive aqueles que tramitam sob sigilo.
A linha de investigação do relator Alfredo Gaspar deve apontar na seguinte direção: o governo Dilma Rousseff recebeu os primeiros alertas, algo que se seguiu nos governos de Michel Temer, Jair Bolsonaro, mas teve um salto no governo Lula.
Por mais que a regulamentação dos descontos associativos date da gestão Bolsonaro, os maiores descontos ocorreram sob a tutela da administração petista.
E eis aí o temor do governo: que com as quebras de sigilo possam aparecer informações que liguem o esquema do INSS ao Palácio do Planalto ou que algum aliado de outrora, como o ex-ministro Carlos Lupi, possa fazer revelações bombásticas sobre o Poder Executivo.
É como se fala sempre em Brasília: sabe-se como se inicia uma CPMI, não como termina.
E é justamente essa imprevisibilidade de uma investigação que tem tirado o sono tanto de Lula quanto de seus principais aliados no Palácio.
Afinal de contas, uma CPMI, como instrumento da minoria, normalmente tem um alvo: o governo de plantão.
Por: Wilson Lima
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