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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

O Sul Global que Lula quer liderar - Estadão, Paulo Roberto de Almeida

O Estadão dedica uma matéria, nesta quinta 29/02, ao diáfano Sul Global:
"O Sul Global que Lula quer liderar.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende com frequência o protagonismo do "Sul Global". Mas, afinal, o que é esse 'eixo' composto por países pobres e emergentes? Analistas ouvidos pelo Estadão apontam imprecisões e contradições nessa tentativa de dividir o mundo que tem ganhado tração no contexto de uma nova Guerra Fria. Entenda aqui o que está em jogo."
Minha opinião está aqui:

1509. “Se eu quiser falar com o tal de Sul Global, telefono para quem?”, Brasília, 27 abril 2023, 3 p. Publicado na revista Crusoé (edição 265, 25/05/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/paulo-roberto-de-almeida/se-eu-quiser-falar-com-o-sul-global-telefono-para-quem/); divulgado no blog Diplomatizzando (25/10/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/10/e-como-anda-o-tal-de-sul-global-muito.html . Relação de Originais n. 4375. 


Se eu quiser falar com o tal de Sul Global, telefono para quem? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo para a revista Crusoé

  

Como encontrar interlocutores válidos, na pletora de Estados e blocos regionais?

Meio século atrás, quando Mister K – Henry Kissinger, o grande nome da diplomacia americana e mundial – pontificava em diferentes cenários problemáticos – Vietnã, China, Oriente Médio, Chile, por bons e maus motivos –, e quando a Europa enfrentava uma longa fase de “euroesclerose” – aproximadamente desde a quebra do sistema de Bretton Woods, em 1971, e o projeto do “mercado unificado” em 1986 –, havia uma preocupação entre as grandes potências ocidentais (já organizadas no G7), sobre como efetuar a coordenação entre elas para assuntos não exclusivamente econômicos, geralmente tratando de guerras ou ameaças de conflitos envolvendo uma ou outra das grandes potências. Tendo de exercer o que foi chamado de “shuttle diplomacy”, ou seja, de viagens rápidas, conectando duas ou mais capitais, para extinguir alguma fogueira preocupante, Kissinger não sabia como mobilizar os principais líderes europeus para associá-los a uma ou outra de suas missões “pacificadoras” (ou guerreiras, segundo os casos). Indagado por que empreendia sozinho todas aquelas missões desafiadoras para qualquer diplomata experiente, ele costumava dizer: “Se eu quiser falar com a Europa, eu telefono para quem?”

De fato, a Europa ocidental – tanto a então Comunidade Europeia, quanto outros países membros da Otan – não possuía um representante definido para negociações diplomáticas complexas, pois as instâncias comunitárias ainda não tinham evoluído no plano institucional para designar os equivalentes dos “presidentes”, “porta-vozes” ou “chanceleres” dos Estados nacionais. Ela fez progressos, desde então, e já consegue falar de uma voz única (ou quase), como no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Hoje, o Secretário de Estado, ou qualquer outro chanceler “externo”, sabe a quem telefonar quando quiser falar com a Europa, ou com qualquer outra potência ou Estado membro da ONU.

 

Saindo dos campos verdejantes do “centro” para as selvas e desertos da “periferia”

Essa mesma preocupação da velha raposa metternichiana que era o Kissinger dos anos 1970, se manifesta atualmente quando alguém (geralmente um acadêmico, ou político) fala desse tal de “Sul Global”. Essa entidade diáfana e praticamente fantasmagórica existe, apenas que não tem personalidade ou representante definidos. O chamado Sul Global, no entanto, não é novo, aliás, é eterno, existindo em todas as épocas, geralmente no hemisfério sul, como fica geograficamente evidente pela própria designação. Essa configuração bonita e pretensiosa – quando se fala de um “Sul Global” dá a impressão de algo grandioso e muito relevante – já existiu sob a forma de colônias europeias, depois de “países subdesenvolvidos” ou, numa reencarnação mais simpática, “em desenvolvimento”, alguns deles ascendendo como “economias emergentes” (os tigres asiáticos, por exemplo), ou, os mais infelizes, sendo rebaixados à categoria de “menos desenvolvidos” (isto é, os “super pobres”), com muito poucas variações no que se refere à divisão entre todos eles e os “países desenvolvidos”, antigas metrópoles coloniais ou “potências hegemônicas”, isto é, imperialistas, por definição.

Nada disso é novo na história da humanidade, pois a divisão entre centro e periferia é básica na evolução histórica das sociedades mais ou menos organizadas sob a forma de Estados soberanos e as comunidades humanas sujeitas a um tipo qualquer de dominação. Quando o sistema internacional de cooperação entre Estados soberanos se consolidou no pós-Segunda Guerra, a ONU mantinha uma divisão quadripartite: os países desenvolvidos, os em desenvolvimento, os socialistas e a China, sempre um “grupo à parte”. A segunda categoria, sempre reclamando algum tratamento de favor – ou preferencial e mais favorável, no linguajar do Gatt e de outros organismos da ONU, se mobilizou nos anos 1950 e 60 para a reforma do tratamento igualitário concedido a todos eles em Bretton Woods: em 1944, não se fazia nenhuma distinção entre todos eles (e de socialista só havia a União Soviética, que participou da conferência que criou o FMI e o Banco Mundial, mas não aderiu a essas entidades do “capitalismo). 

As demandas para a reforma do Gatt e do sistema de cooperação ao desenvolvimento focavam na recusa do tratamento igualitário e da reciprocidade estrita, em favor de um tratamento diferencial para os “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, que passaram a ser agrupados no Grupo dos 77, com a criação da Unctad (a conferência das Nações Unidas para comércio e desenvolvimento). Minhas passagens por diversas entidades multilaterais foram marcadas por intensas discussões no interior do G77 (e dentro dele, o Grulac, o subgrupo latino-americano) e “contra” o Grupo B, dos “desenvolvidos” (e dentro dele os europeus da antiga CEE, que demoravam horas para se concertarem entre si, e depois buscarem uma postura unificada com o resto dos “ricos”). As discussões entre os países pobres e emergentes não eram menos acaloradas e demoradas, mas como era preciso contemplar os “interesses nacionais” de todos os membros do G77 (que ascendeu a mais de 120 integrantes), a postura negociadora adotada era, ordinariamente, a mais radical possível, ou a mais confusa, o que frequentemente também ocorria entre americanos, europeus e japoneses. Não foram poucas noites atravessadas em discussões intermináveis em torno de um conceito ou de colchetes ([conceito]) que inundavam alguma resolução, texto de tratado ou declaração (na maior parte das vezes inúteis, pois que poucos cumpriam depois). Certos drafts (rascunhos) de resoluções continham mais brackets (colchetes) do que ideias interessantes. Mas assim era, e é, o mundo da ONU.

Pois bem, o Sul Global é exatamente isso: uma massa de 130 ou 140 países em desenvolvimento – os socialistas desapareceram pelo caminho, e a China permaneceu sendo a China, o “grupo do eu sozinho” –, que pediam “tratamento diferencial e mais favorável”, depois uma “Nova Ordem Econômica Internacional” (NOEI), mais adiante novas preferências comerciais e acordos favoráveis às “políticas nacionais de desenvolvimento” (a palavra chave em todos os convescotes multilaterais), mais “transferência de tecnologia” (de graça, claro), um maior volume de “empréstimos concessionais” e o reforço da “cooperação ao desenvolvimento”. Alguns países (poucos) pularam a barreira do subdesenvolvimento, ascendendo do G77 para os desenvolvidos (os tigres asiáticos), vários ex-socialistas ingressaram na UE e na OCDE, outros, talvez mais numerosos, com as crises financeiras, retrocederam para o grupo dos “super pobres” (ou LDCs, na sigla em inglês). 

O Sul Global permanece o mesmo, e até tem gente pedindo uma nova NOEI, quando não uma “nova ordem global” tout court. Pois bem, retomo a pergunta do título: se eu quiser falar com o tal de Sul Global, eu telefono para quem? Mister K teria alguma ideia?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4375: 27 abril 2023, 3 p.

Divulgado no blog Diplomatizzando (25/10/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/10/e-como-anda-o-tal-de-sul-global-muito.html).

 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1) - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

Recém publicado na Crusoé: 

 1546. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/). Relação de Originais n. 4509.


Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Nove décimos da História foram feitos de muitos sofrimentos para a maioria da humanidade. Desnutrição, inanição, morte precoce, pela fragilidade alimentar, pela intervenção de fatores naturais ou daqueles criados pelas mãos dos homens: invasões, guerras, dominação, escravidão, quando não matanças e apropriação das riquezas de outras tribos. Durante milhares de anos, a escravidão foi um fato corriqueiro na vida dos povos, seja como escravocratas, seja como objetos da servidão forçada, pela dominação, pelas dívidas, pela submissão sob qualquer pretexto. Sobrevieram melhorias na agricultura, a revolução tecnológica mais importante na trajetória das sociedades humanas, antes da segunda, milhares de anos depois: a revolução industrial, no século 18. O crescimento agrícola e a domesticação de espécies vegetais e animais representaram a superação da insegurança alimentar, que sempre pairou sobre todos. 

Historiadores retraçaram o destino das sociedades humanas e a transmissão das novas técnicas e variedades vegetais e animais ao longo do espaço euroasiático do hemisfério setentrional, liberto das barreiras que se interporiam a essa disseminação no eixo Norte-Sul, na faixa tropical. Tais barreiras estão na origem das divergências entre o norte temperado e as latitudes tropicais, uma das razões do lento desenvolvimento, ou da preservação do atraso, no hemisfério meridional (exceto Austrália e Nova Zelândia, situadas na zona temperada, e que se beneficiaram da colonização britânica).

Dez mil de anos se passaram entre a primeira, a agrícola, e a segunda revolução econômica da espécie humana, a industrial. A do século 18, na Europa ocidental, foi a primeira de um ciclo cada vez mais rápido de mudanças nos padrões industriais, criando a grande divergência entre as nações mais ricas e as outras, que permaneceram pobres. No intervalo, a humanidade conheceu progressos econômicos muito lentos, com avanços tecnológicos sendo neutralizados pela armadilha malthusiana, a geométrica expansão das populações exercendo uma pressão constante sobre o aumento aritmético da oferta alimentar. 

(...)

Se pudéssemos resumir as diferenças fundamentais entre as sociedades ibéricas e as sociedades anglo-saxãs, elas seriam estas: tudo o que não fosse expressamente concedido, permitido, alocado, atribuído pelo poder soberano – sob a forma de alvarás régios, mandato ou concessão especial – estava ipso facto proibido à iniciativa privada, devendo portanto aguardar que a atribuição régia ou burocrática se fizesse pelo Estado centralizado; do outro lado, tudo o que não fosse expressamente proibido por alguma legislação emitida legalmente poderia ser objeto da iniciativa individual ou coletiva por parte de particulares, sem a necessidade de um ato concessivo por parte do soberano. As primeiras, obviamente, foram as nações de tradição ibérica, as segundas, as anglo-saxãs. 

A outra diferença é que o povoamento em bases familiares na América do Norte, com famílias camponesas trazendo avanços tecnológicos já adquiridos ex-ante, não tinham correspondência nas colônias de exploração de recursos locais, em bases senhoriais, apoiadas na servidão das populações originais ou na escravatura africana, com reflexos nos modos de organização política e social em cada lado. A colonização anglo-saxã se faz a partir de instituições similares às que existiam nas comunidades de origem, com uma democracia de base simbolizada na eleição local dos xerifes de aldeia e dos juízes de condado, ao passo que no mundo ibero-americano a representação política sempre obedeceu aos ritos do mandonismo dos senhores de terras, secundados por oficiais da metrópole encarregados de um sistema amplamente disseminado de extração de recursos em favor da metrópole colonial. Esta é a base histórica da diferenciação. Veremos a continuidade desse processo no próximo artigo.


Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 13 de novembro de 2023)


A seguir.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Um Brasil ambientalista se torna associado à OPEP - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Um Brasil ambientalista se torna associado à OPEP

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé sobre a nova postura pouco ambientalista do governo Lula.

Publicado, sob o título de “Governo Lula entra para o cartel dos chantagistas do petróleo” na Crusoé (n. 299, 26/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/299/governo-lula-entra-para-o-cartel-dos-chantagistas-do-petroleo/). 

 

Uma das inovações mais surpreendentes da política externa de Lula em 2023 foi o anúncio, em plena COP-28 – quando o Brasil estava tentando convencer o mundo de que seu programa de transição energética era para valer – de que ele também estava se tornando um país associado à OPEP, a organização dos países produtores de petróleo, dominada pelos grandes exportadores árabes de óleo cru. Paralelamente, se anunciou também que a Petrobras estava dando início a novas perfurações tentativas na faixa equatorial do Atlântico Norte e na própria Amazônia. Como diriam alguns, uma no cravo, outra na ferradura; ou seja, a despeito de apregoar seu engajamento na redução do recurso a combustíveis fósseis, para combater o aquecimento global, o Brasil estava igualmente dando consistência a seu novo status de grande produtor e exportador de petróleo.

Mas, o que significa essa “associação” – diferente de ser membro pleno – a uma organização que pretende justamente dar continuidade a um cartel de países produtores cujo primeiro compromisso é com a manutenção dos preços mais altos possíveis, conscientes de que a miragem da substituição dos combustíveis fósseis por equivalentes “sustentáveis” não passa mesmo, no futuro previsível, de uma grande miragem? 

(...)

A “opepização” do Brasil e a nova preeminência atribuída à Petrobras pelo atual governo petista vai, de alguma forma, “escurecer” – sem concessão ao politicamente correto do “racismo estrutural” – a imagem que o Brasil pretende exibir ao mundo de protagonista sincero nas várias causas ambientalistas anunciadas antes dessa recaída no mundo do “ouro negro” (mas já inscritas na agenda do G20, presidido pelo país em 2024). A “transição energética” vai ter de disputar terreno com as crescentes exportações de petróleo e com o novo papel indutor da Petrobras nos investimentos estatais e no crescimento do Brasil. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4543, 4 janeiro 2024, 3 p.



sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Um ano de muita diplomacia presidencial e nenhum-resultado - Duda Teixeira (Crusoé); Nota da Secom só enaltece Lula: Itamaraty não existe, nem Ucrânia

Como destaca o jornalista Duda Teixeira, a nota da Secom sobre as realizações em política externa do governo Lula só enaltece o próprio. O Itamaraty sequer é mencionado e a Ucrânia simplesmente não existe. O próprio encontro de Lula com o presidente Zelensky em NY desapareceu completamente, como se não tivesse existido. Tudo o Lula fez sozinho. 

Tamanha concentração no chefe não tinha ocorrido nos primeiros mandatos. (PRA)

 

 

Um ano de muita diplomacia presidencial e nenhum-resultado

Duda Teixeira

Crusoé, 05.01.24

 

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Secom, divulgou na manhã desta sexta, 5, um texto e um vídeo com destaques do ano na área de política externa. O título fala que 2023 foi um ano “orientado à reconstrução da política externa brasileira”. Fala-se ainda que “em quase todos os temas” o Brasil foi “protagonista no cenário global” tecendo “novos diálogos”.

 

Chama a atenção que a Secom, ligada à Presidência, tenha sentido a necessidade de elaborar uma peça de propaganda para justificar a política externa brasileira. O fato só confirma que a diplomacia está sendo feita do Palácio do Planalto, por meio de Lula e do assessor especial Celso Amorim, e não do Itamaraty, comandado pelo chanceler de ofício Mauro Vieira. Aliás, em momento algum da nota aparecem as palavras “Itamaraty” ou “Ministério de Relações Exteriores”.

 

Mauro Vieira aparece uma única vez no texto, justamente no trecho em que a nota registra um fracasso da diplomacia brasileira.

 

Em outubro do ano passado, quando o Brasil assumiu como presidente do Conselho de Segurança da ONU, Lula aventou a possibilidade de alcançar a paz na guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, por meio de uma resolução. Nada foi alcançado.

 

Diz a nota da Secom: “Encontro convocado pelo Brasil foi conduzido pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Proposta de paz brasileira recebeu amplo apoio, mas acabou sendo recusada pelos EUA, que têm poder de veto“. A culpa, claro, é sempre dos americanos.

 

Algumas ausências chamam ainda mais a atenção.

 

Em busca de um “protagonismo global”, Lula tinha afirmado que atuaria para mediar a guerra na Ucrânia e falou de criar um clube de paz. Na nota da Secom, a palavra “Ucrânia” simplesmente não aparece.

 

Na América Latina, o principal acontecimento que mais pode chacoalhar a região é uma possível guerra entre a Venezuela, do ditador Nicolás Maduro, e a vizinha Guiana. Lula nunca criticou seu aliado Maduro por querer tomar um naco de 74% do país vizinho. O assunto foi ignorado na peça de propaganda elaborada pela Secom.

 

O vídeo de 28 minutos que acompanha a nota deixa claro que o país está colocando em prática a “diplomacia presidencial”, aquela que entende que basta a figura e o carisma de Lula para que todos os problemas do mundo se resolvam.

 

Logo no início, o vídeo fala em “26 viagens internacionais”, “11 cúpulas pelo mundo”, “87 bilaterais”, mostrando Lula cumprimentando inúmeros chefes de governo ao som de acordes de violão ao ritmo da Bossa Nova.

 

Em dois momentos, o presidente petista aparece dizendo que é urgente assinar um acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Mas o tratado, como já tratamos diversas vezes na Crusoé, não foi assinado, após ter sido sucessivamente bombardeado pelo governo petista.

 

E a peça da Secom ainda mostra Lula se encontrando com pessoas que nem sequer são chefes de Estado ou de governo, como o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica e as Mães da Praça de Maio, na Argentina.

 

O presidente, é certo, nunca viajou tanto, e a primeira-dama Janja o acompanhou em quase todos esses passeios internacionais.

 

Mas só o fato de que a Secom tenha sentido a necessidade de publicar uma nota com os destaques do ano já não é bom sinal.

 

https://crusoe.com.br/diario/um-ano-de-muita-diplomacia-presidencial-e-nenhum-resultado/

 

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Nota da Secom sobre as realizações do ano na política externa governamental:

 

RELAÇÕES EXTERIORES

2023 foi ano orientado à reconstrução da política externa brasileira

Em quase todos os temas nos quais o Brasil havia sido protagonista no cenário global foi preciso tecer novos diálogos, tanto no contexto global quanto regional.

 

Janeiro:

Lula reafirma importância dos laços com a América Latina, em suas primeiras missões internacional após a posse à Argentina e ao Uruguai (Cúpula da CELAC)

(21/01/2023) – Escolha de Lula em iniciar a agenda internacional na Argentina refletiu a prioridade em retomar a integração com os países da região, negligenciada pelo governo anterior. Ele discursou na abertura da VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e comemorou o retorno do Brasil à comunidade.

 

Fevereiro:

A convite de Joe Biden, Lula vai a Washington e debate defesa da democracia e do meio ambiente

(10/02/2023) – Lula enfatizou, na Casa Branca, a necessidade de uma governança global com medidas para o fortalecimento da democracia e defesa do meio ambiente. A reunião também foi marcada pelo anúncio da primeira contribuição dos EUA ao Fundo Amazônia.

 

Abril:

Cooperação Brasil – China prevê investimentos de R$ 50 bilhões

(14/04/2023) – Viagem de Lula à China resulta em investimentos da ordem de R$ 50 bilhões. Foram firmados 15 acordos, com destaque para áreas de facilitação do comércio e cooperação tecno-científica, em temas como agricultura, pesquisa espacial e energia. Viagem também incluiu paradas em Xangai, para a posse de Dilma Rousseff na presidência do NDB (“Banco dos BRICS”) e nos Emirados Árabes, onde foram anunciados investimentos da ordem de 12 bilhões de reais em energias renováveis.

 

Brasil e Portugal firmam acordo de equivalência dos ensinos Fundamental e Médio

(22/04/2023) – O presidente Lula e o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, assinaram uma série de 13 acordos bilaterais em diversas áreas, entre eles o que trata da Concessão de Equivalência de Estudos no Brasil (Ensino Fundamental e Médio) e em Portugal (Ensino Básico e Secundário), facilitando a cidadãos dos dois países a realização de estudos em nível superior e a prática profissional.

 

Maio:

A convite, Lula participa da Cúpula do G7 e reforça defesa da paz e do multilateralismo

Após 14 anos, Brasil voltou a ser convidado para a Cúpula das sete economias mais industrializadas do mundo (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido).

 

Durante visita de Lula, Japão anuncia isenção de vistos para brasileiros

Acordo anunciado pelo primeiro-ministro Fumio Kishida, em reunião com o presidente Lula, libera de vistos os turistas brasileiros que entram no Japão e japoneses que chegam ao Brasil. Medida passou a valer em 30 de setembro.

 

Lula trata da proteção das florestas tropicais com presidente da Indonésia

20/05/2023) – Em reunião à margem da Cúpula do G7, em Hiroshima, o presidente Lula conversou com o presidente da Indonésia, Joko Widodo, sobre a agenda comercial, política e ambiental, com destaque para a articulação de um grupo de países detentores de grandes florestas tropicais, para defesa de posições conjuntas na proteção dos biomas. Em agosto, na Cúpula da Amazônia, o presidente trataria do tema também com os presidentes do Congo e da República Democrática do Congo.

 

Confirmação de Belém do Pará como sede da COP-30, a conferência para o clima

(26/05/2023) – O presidente Lula anunciou que o Brasil sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em novembro de 2025, em Belém (PA). A confirmação do Brasil como sede do mais importante evento ambiental do planeta é resposta ao pleito do próprio Lula, durante participação na COP- 27, no Egito, logo após vencer as eleições.

 

Lula realiza cúpula de presidentes sul-americanos em Brasília

(30/05/2023) – Lula liderou encontro com presidentes dos países da América do Sul. Na ocasião, também foi comemorado o retorno do Brasil à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual volta a fazer parte após quatro anos.

 

Junho:

Lula e Papa Francisco falam sobre a paz em audiência no Vaticano

(21/06/2023) – Encontro reservado ressaltou a convergência de visões entre o presidente e o pontífice nas áreas ambiental e social e na promoção da paz.

Em Paris, Lula cobra de países ricos financiamento à preservação ambiental

(22/06/2023) – Viagem do presidente Lula à França foi marcada por discurso na abertura do ‘Novo Pacto de Financiamento Global’ e pela participação na iniciativa ‘Power Our Planet’, que reuniu grande público no Campo de Marte. Lula cobrou de governantes mundiais o combate às desigualdades, o cumprimento dos compromissos ambientais dos países desenvolvidos e a reforma das instituições de governança global.

 

Julho:

Brasil assume presidência temporária do Mercosul e Lula pede união entre países

(04/07/2023) – O presidente Lula recebeu do presidente Alberto Fernández, da Argentina, a presidência temporária do Mercosul durante a 62ª Cúpula de Chefes de estado do bloco sul-americano em Puerto Iguazu. Em seu discurso, Lula defendeu a união entre os países vizinhos como forma de enfrentar os desafios contemporâneos.

 

Lula participa de acordo eleitoral entre governo e oposição da Venezuela

(18/07/2023) – Em paralelo à terceira Cúpula União Europeia - Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), os presidentes do Brasil, Argentina, Colômbia e França lideraram iniciativa que trouxe à mesa de negociações o governo e a oposição da Venezuela, para entendimentos que levem à organização de eleições justas, transparentes e inclusivas no país. Um dos resultados imediatos da iniciativa foi o levantamento temporário de algumas sanções impostas à Venezuela pelos EUA.

 

Agosto:

Brasil realiza a primeira Cúpula da Amazônia

(09/08/2023) – O Brasil realizou a primeira Cúpula da Amazônia, reunindo líderes dos países da região. O encontro foi antecedido pelos Diálogos da Amazônia, com ampla participação social, e resultou na Declaração de Belém, documento que ressalta os compromissos e prioridades conjuntas na proteção e desenvolvimento sustentável da Amazônia.

 

Lula participa da Cúpula do BRICS na África do Sul

(22/08/2023) – O presidente Lula participou da 15ª Cúpula de Chefes de Estado do BRICS, em Joanesburgo. O tema do encontro foi “BRICS e a África: parcerias para o crescimento mutuamente acelerado, desenvolvimento sustentável e multilateralismo inclusivo”. Destaque para a decisão conjunta de expandir o bloco, com a adesão de novos países-membros.

 

Lula participa de cúpula dos países de língua portuguesa em São Tomé e Príncipe

(24/08/2023) – O presidente Lula participou da 14ª Conferência de Chefes de Estado e Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O grupo, unido pelo idioma e por uma herança histórica comum, inclui Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal e Timor Leste.

 

Brasil e Argentina firmam acordo de US$ 600 milhões para financiar exportações

(28/08/2023) – Cooperação entre Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) poderá disponibilizar US$ 600 milhões para garantir o fluxo das exportações brasileiras ao país vizinho.

 

Brasil assumirá pela primeira vez a Presidência do G20

(30/08/2023) – O mandato brasileiro na presidência do G20, o bloco que reúne as 21 maiores economias do mundo, vai de 01/12/23 a 30/11/24 e se concentra nos temas da inclusão, da sustentabilidade e da reforma da governança global. Mais de 200 reuniões estão previstas por todo o território nacional, incluindo a Cúpula, a ocorrer em novembro/24, no Rio de Janeiro.

 

Setembro:

Em discurso na ONU, Lula defende o diálogo como ferramenta para construção da paz

(19/09/2023) – Em discurso muito elogiado, o presidente Lula abriu a 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, reafirmando a necessidade de uma união global contra a desigualdade e a fome, a adoção de medidas urgentes contra as mudanças climáticas e a reforma de instituições de governança global.

 

Brasil e EUA lançam iniciativa conjunta sobre dignidade do trabalho

(20/09/2023) – Iniciativa inédita que visa a valorizar os empregos dignos e combater a precarização do trabalho nos dois países e em escala global foi lançada pelos presidentes Lula e Joe Biden à margem da Assembleia Geral da ONU, em 20/9.

 

Outubro:

Brasil preside reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre guerra no Oriente Médio

(11/10/2023) – Encontro convocado pelo Brasil foi conduzido pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Proposta de paz brasileira recebeu amplo apoio, mas acabou sendo recusada pelos EUA, que têm poder de veto.

 

Operação Voltando em Paz: mais de 1.400 brasileiros transportados da zona de conflito no Oriente Médio em voos da Força Aérea Brasileira

(23/12/2023) – O Brasil iniciou a Operação Voltando em Paz resgatando civis brasileiros e seus familiares de zonas de conflito no Oriente Médio, em Israel, Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Até o mês de dezembro mais de 1.400 pessoas foram repatriadas pelo governo brasileiro e acolhidas no território nacional.

 

Novembro:

Presidente Lula instala Comissão Nacional do G20

(23/11/2023) – O presidente Lula instalou a Comissão Nacional do G20 – grupo que reúne as vinte maiores economias do mundo. A solenidade no Palácio do Planalto contou com a participação dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso, do Banco Central, Roberto Campos Neto, além de ministros, ministras e outras autoridades.

 

Dezembro:

Visita de Lula a Berlim consolida retorno da parceria estratégica Brasil-Alemanha

(03/12/2023) – O presidente Lula esteve na Alemanha, marcando o fechamento de um ano intenso de cooperação bilateral, em que o Brasil recebeu visitas de diversas autoridades germânicas. A reaproximação diplomática resultou na assinatura de acordos em áreas como energia, indústria e transição ecológica. Destaque para declaração conjunta sobre cooperação tecnológica para a promoção da integridade da informação e combate à desinformação (fake news).

 

Governo celebra resultados da COP 28 nos Emirados Árabes

(13/12/2023) – Evento em Dubai tratou, pela primeira vez, do tema da superação do uso de combustíveis fósseis, estabelecendo objetivos globais para a transformação de sistemas energéticos rumo à neutralidade climática até 2050. Outro importante resultado da COP28 foi a conclusão do primeiro balanço global sob o Acordo de Paris.

 

Fundo Amazônia soma R$ 3,9 bilhões em doações em 2023

(11/12/2023) – O Fundo Amazônia recebeu, desde janeiro de 2023, R$ 3,9 bilhões em novas doações. A retomada do fundo foi acompanhada e resulta do retorno de políticas efetivas de controle do desmatamento pelo Brasil, com resultados já muito significativos. O Fundo, que contava com contribuições de Alemanha e Noruega, havia sido congelado pelo governo anterior. Sob o governo do presidente Lula, recebeu recursos também da Dinamarca, EUA, Reino Unido, Suíça e União Europeia.

 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Contra as sanções (a estranha amizade e proteção do Brasil a Putin e à Rússia) Duda Teixeira Crusoé

Contra as sanções 

Duda Teixeira
Crusoé, 2/01/2024

 E essa nem foi a primeira vez que Vieira fez o jogo de Moscou. Em abril, o ministro recebeu Lavrov pela primeira vez, em Brasília. O russo estava tentando angariar apoio internacional em um roteiro que incluiu países aliados, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. De Vieira e dos ditadores latino-americanos, Lavrov ouviu o que queria: críticas às sanções impostas ao Ocidente por causa da invasão da Ucrânia. “Reiterei a posição brasileira contra a aplicação de sanções unilaterais. 

Tais medidas, além de não contarem com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, têm impacto negativo sobre as economias de todo mundo, em especial dos países em desenvolvimento”, disse Vieira à época. A esperança de que o Conselho de Segurança da ONU não faz sentido algum, uma vez que a Rússia integra o órgão e jamais concordaria com algo que iria contra os próprios interesses. Após falar com Vieira, Lavrov se encontrou com o presidente Lula. Apenas dois meses depois, em junho, Vieira recebeu novamente Lavrov dizendo que “estava com saudades“. 

 A depender de Lula e dos seus subordinados, o Brasil sempre estará “muito contente” em fazer o jogo de Putin e criticará qualquer sanção imposta à Rússia, sem importar para a ficha criminal do autocrata. Ministério de Relações Exteriores, Itamaraty, deveria ter como prerrogativa básica a defesa dos interesses nacionais. Sendo um órgão do Executivo, cabe ao presidente da República, eleito pelo povo, indicar que interesses seriam esses. No terceiro mandato de Lula, contudo, o Itamaraty parece mais empenhado em defender os interesses da Rússia que os do Brasil. 

 Na quarta, 27, o chanceler de ofício do Itamaraty, Mauro Vieira (foto), afirmou em entrevista à rede britânica BBC que o Brasil ficaria agradecido caso o presidente da Rússia, Vladimir Putin, viesse ao país para a cúpula do G20, agendada para novembro de 2020. “Se ele (Putin) quiser vir, nós estaremos muito contentes que esteja presente e nas reuniões do Brasil“, disse Vieira. A declaração de Vieira, que teoricamente está no topo da diplomacia brasileira, é assombrosa ao denotar completo desprezo pelo direito internacional.

 O Tribunal Penal Internacional, TPI, emitiu um mandado de prisão contra Putin por crimes contra a humanidade. Ele é suspeito de ter ordenado o sequestro de crianças ucranianas. Elas foram afastadas dos pais e receberam nova cidadania na Rússia. Vieira ainda aventou que o Brasil não seria obrigado a cumprir a ordem de prisão, o que é falso. O país é signatário do Tratado de Roma, que foi validado pelo Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal. Em respeito às instituições brasileiras e ao direito internacional, não há alternativa a não ser cumprir o que manda o TPI. “Obrigado a cumprir? Não. Tem que haver a ordem. Senão seria como o TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares) que é sobre não proliferação e desarmamento e só se pensa no desarmamento, na proliferação ninguém dá importância. Enfim… não é assim. Cada circunstância é uma circunstância“, disse Vieira na entrevista. É um acinte. 

O que temos é nada mais do que um ministro dizendo que os tratados internacionais não precisam ser respeitados. Se tudo varia com a circunstância, de que valem as negociações diplomáticas? O Acordo de Paris, em que os países adotaram voluntariamente cortes de emissão de gases de efeito estufa também não tem importância? A fala do chanceler, mesmo absurda, está infelizmente em linha com as de Lula, do assessor Celso Amorim, do ministro da Justiça Flávio Dino e do ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida. Para justificar a acolhida ao autocrata russo, todos eles não titubearam em colocar em dúvida a legitimidade do TPI. Contra as sanções E essa nem foi a primeira vez que Vieira fez o jogo de Moscou. Em abril, o ministro recebeu Lavrov pela primeira vez, em Brasília.

 O russo estava tentando angariar apoio internacional em um roteiro que incluiu países aliados, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. De Vieira e dos ditadores latino-americanos, Lavrov ouviu o que queria: críticas às sanções impostas ao Ocidente por causa da invasão da Ucrânia. “Reiterei a posição brasileira contra a aplicação de sanções unilaterais. Tais medidas, além de não contarem com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, têm impacto negativo sobre as economias de todo mundo, em especial dos países em desenvolvimento”, disse Vieira à época. 

 A esperança de que o Conselho de Segurança da ONU não faz sentido algum, uma vez que a Rússia integra o órgão e jamais concordaria com algo que iria contra os próprios interesses. Após falar com Vieira, Lavrov se encontrou com o presidente Lula. Apenas dois meses depois, em junho, Vieira recebeu novamente Lavrov dizendo que “estava com saudades“. A depender de Lula e dos seus subordinados, o Brasil sempre estará “muito contente” em fazer o jogo de Putin e criticará qualquer sanção imposta à Rússia, sem importar para a ficha criminal do autocrata. 


terça-feira, 3 de outubro de 2023

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a reunião de cúpula no G20 da Índia.

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/).

 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos eram para valer.

Independentemente, porém, das diferenças de hierarquia, de representação e de agenda dos dois grupos, similares na composição, mas não semelhantes em propósitos – o primeiro mais burocrático, o segundo mais político –, ambos grupos precisam tratar das crises recorrentes das economias de mercado, pois que praticamente todas o são atualmente, com a exceção de duas pequenas sobrevivências do stalinismo senil situadas nas antípodas do mundo. O contexto mundial no qual vivemos atualmente é sensivelmente diferente daquele que vigorava no final dos anos 2000, já que o prevalecente ao início desta terceira década do século e de uma perda relativa da preeminência econômica do G7, com respeito, por exemplo, à da crescente importância comercial, tecnológica e financeira do bloco do BRICS – recentemente ampliado, mas sempre contando com o peso desproporcional da China –, e acima disso, no tocante ao clima político e diplomático que se deteriorou significativamente na relação entre as potências econômicas das democracias avançadas de mercado e as duas grandes autocracias que no passado eram oficialmente comunistas.

O Brasil, como uma das dez maiores economias do mundo, esteve presente em todas essas ocasiões, assim como Lula esteve presente, desde o primeiro mandato, como convidado especial, em reuniões exclusivas do G7 (ou G8, enquanto este existiu, até 2014), ainda que apenas para um encontro informal entre os dirigentes do G7 e um pequeno número de dirigentes de países  selecionados esporadicamente entre pequenas e grandes nações, algumas desenvolvidas, outras em desenvolvimento, mas que eram “apenas reuniões de sobremesa”, não decisórias, como disse algumas vezes Lula, um pouco depreciativamente. Desde 2003, Lula esteve presente no G7 de Evian, a convite do presidente Jacques Chirac, de quem aliás ganhou de presente um relógio de pulso Piaget, avaliado em algumas dezenas de milhares de euros, mas não no quadro dos encontros do G7, e sim por ocasião do ano do Brasil na França, em 2005. Ao início de seu primeiro mandato, Lula tentou estender o seu programa “Fome Zero” – aliás, um fracasso no Brasil, descontinuado em favor da aglomeração de diversos programas sociais criados sob Sarney e FHC no Bolsa Família – numa espécie de “Fome Zero Universal”, tampouco bem-sucedido, mas depois transformado, com a ajuda do mesmo Chirac, num programa de ajuda a países africanos no combate à Aids. 

O G20 não trouxe exatamente uma “solução” para os problemas criados pela crise dos derivativos de 2008 – que arrastou diversos grandes bancos e até países desenvolvidos à inadimplência, socorridos pelos meios tradicionais do FMI e do Banco Central Europeu, notadamente no caso da Grécia –, mas permitiu um começo de intercâmbio de ideias e propostas entre os dirigentes das principais economias do planeta, que mais adiante se refletiu em alguns avanços em outras matérias que não exatamente crises financeiras, como na área ambiental ou no combate à lavagem de dinheiro e outros crimes transnacionais. A despeito da oposição do PT, essas reuniões do G20 abriram caminho para que mais adiante, nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, Joaquim Levy e Henrique Meirelles reforçassem a política de aproximação com a OCDE, e até ao pedido de adesão por este último.

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

Putin não comparecerá ao G20 da Índia, assim como não compareceu ao Brics de Joanesburgo, provavelmente por causa do pedido de prisão por crimes de guerra na Ucrânia a pedido do TPI, a despeito do fato de a Índia não ser aderente ao Estatuto de Roma, o que era o caso da África do Sul, mas também sob a ameaça de ser acusado de ser o que é, pelos dirigentes dos países que apoiam a Ucrânia e o respeito devido à Carta da ONU. A Índia, aliás, teoricamente neutra nessa guerra de agressão, é uma das nações mais oportunistas, ao adquirir petróleo com desconto da Rússia, e possivelmente revendê-lo a preços mais elevados para outros países importadores de combustível. O Brasil, no mesmo sentido, expandiu num significativo percentual, suas importações de combustíveis da Rússia, contribuindo assim para o esforço de guerra de Putin, mesmo aderindo, teoricamente, a esse neutralismo mal disfarçado dos países do assim chamado “Sul Global”, que acaba beneficiando ao agressor.

Não se espera qualquer resultado relevante desse G20 “indiano”, para o mundo e para o próprio Brasil, a não ser o fato de que a presidência rotativa do grupo passa pelo prazo de um ano para o governo Lula, que terá assim a obrigação de organizar reuniões preliminares e outros grupos técnicos de sua preferência, como forma de preparar o encontro de cúpula do segundo semestre de 2024. Espera-se que o Brasil dê ênfase aos temas privilegiados pelo governo Lula na agenda internacional, como o combate às desigualdades e à fome, a cooperação nas iniciativas já tomadas em torno da sustentabilidade e outras questões habituais nesse tipo de encontro, com algum toque diferente que o Itamaraty ou o próprio governo possam sugerir. 

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé.

Publicado em 4/08/2023 (link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/275/o-brasil-aos-olhos-do-mundo-como-era-antes-como-ficou-agora/).

  

Todo país, toda nação, exibe uma imagem aos olhos do mundo, por vezes com base em estereótipos simplistas, mas ainda assim identificados com alguma característica da nação em questão. Marco Polo deixou um testemunho direto da China sob a dominação mongol, com alguns exageros involuntários, o que alimentou a curiosidade dos europeus pelo fabuloso Celeste Império. A riqueza em ouro e prata dos impérios pré-colombianos no México e no Peru atuais atiçou a cobiça dos conquistadores ibéricos, prontamente seguidos por piratas e corsários de outros reinos europeus, saqueando galeões carregados dos preciosos metais. 

O Brasil da era do café e seus barões apreciadores dos cabarés de Paris suscitaram a criação de uma figura cenográfica, o “Brésilien d’operette”, o pródigo ricaço do interior, que acendia charutos com notas de 100 francos e bebia champagne nos sapatos das dançarinas de can-can. A prática era tão comum que deu origem ao termo, momentaneamente inscrito nos dicionários franceses, de paulistade, significando gastar à tripa forra nos cabarés. Mais tarde, na fase da aliança com os Estados Unidos da era Vargas, o típico carioca de Carnaval se transmutou no Zé Carioca do Walt Disney, junto com a cantora Carmen Miranda, acolhida por Hollywood, encantando a todos com seus balangandãs e a coroa de frutas na cabeça.

A imagem do Brasil esteve associada, durante muitas décadas, ao Carnaval e às selvas luxuriantes, mais adiante a Pelé, seguramente o brasileiro mais famoso do mundo, no tempo em que a Bossa Nova se juntou ao jazz para brindar ao mundo inteiro os encantos da praia de Ipanema ao ritmo das músicas de Tom Jobim e na voz suave de Astrud Gilberto. A ditadura militar ofuscou muito desse brilho, com a repressão truculenta na política e na cultura, mais as notícias pouco edificantes de extermínio dos indígenas, de destruição ambiental, de pobres dormindo nas ruas. A inflação astronômica, as crises financeiras e da dívida externa também grudaram na imagem do país durante as décadas seguintes, até praticamente o período recente, quando a corrupção política colocou o país, junto a várias ditaduras, nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional. 

A despeito de tudo isso, nos governos Lula 1 e 2, o prestígio do Brasil aumentou enormemente, em função das viagens do presidente, de sua agenda social e pelo aparente dinamismo econômico, o que fez a Economist ilustrar uma capa de 2010 com a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. Entretanto, pouco tempo depois, a revista inglesa ilustrou nosso novo declínio, com o mesmo Cristo despencando das alturas. A revista persistiu no ano seguinte, representando a corrupção do PT nos anos Dilma, com uma capa na qual uma passista fantasiada para o Carnaval afundava num pântano tropical. 

A imagem se deteriorou ainda mais a partir do governo Bolsonaro, primeiro pela destruição do meio ambiente e a devastação da Amazônia, pelas queimadas humanamente induzidas, assim como pela negação dos direitos humanos, das minorias em especial, depois pelo negacionismo durante a pandemia, e, de forma mais condenatória ainda, pelas seguidas tentativas golpistas. O capital de simpatia que poderia ter restado em duas ou três décadas de tribulações econômicas e de persistência da corrupção, veio abaixo com o afundamento da credibilidade diplomática do país, não só arranhada, mas praticamente demolida, por um presidente e um chanceler adepto de teorias conspiratórias antiglobalistas e que não se importavam ao ver o país transformado em “pária internacional”. 

Pode-se dizer que o mundo saudou a vitória de Lula, em outubro de 2022, como sendo a “volta do Brasil” ao cenário mundial, em especial na temática ambiental e nas questões sociais, ao mesmo tempo em que se faziam alertas contra as manobras continuístas do presidente derrotado. Raras vezes uma inauguração presidencial recebeu tanta atenção da mídia internacional e com a presença de dirigentes estrangeiros quanto a assunção ao poder de Lula 3 em janeiro de 2023, a despeito de declarações controversas já feitas sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, equiparando ambos os contendores. Mesmo assim, o presidente foi objeto de considerações elogiosas nos meios de comunicação e em declarações de líderes dos principais parceiros do país, todos incluídos numa lista de viagens e visitas que “inflacionou” a agenda diplomática bilateral e a de grupos de países no início de 2023. 

As primeiras reações a um “neutralismo” mal disfarçado em favor do agressor foram cautelosamente moderadas, e Lula foi confirmado como um dos participantes convidados ao encontro deste ano do G7, em Hiroshima, no Japão. Antes dessa reunião, contudo, Lula recebeu em Brasília o ditador venezuelano Nicolas Maduro, com honras de visita de Estado, o que causou estranheza até entre os demais convidados da América do Sul, que ele acolheu no dia seguinte para discutir um improvável retorno da Unasul (que foi, como se sabe, dominada pelos chavistas, até se desacreditar por completo). O presidente brasileiro teve de ouvir de seus colegas chileno (de esquerda) e uruguaio (de direita) um desmentido aberto e cabal em face da “narrativa” que ele tentou apregoar, segundo a qual a Venezuela seria apenas uma democracia como as outras, rechaço que ele também teve de encaixar dos dirigentes de várias democracias ocidentais. Em Hiroshima, Lula fez de tudo para não se encontrar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, ele sim recebido como um grande estadista de estatura mundial, o que certamente ofuscou o brilho que Lula esperava obter como um potencial líder de um fantasmagórico “Sul Global”. 

Um editorial do Globo, do dia 23 de maio de 2023, resumiu o revés que representou a reunião do G7 para os planos de Lula: “As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. (...) Lula volta de Hiroshima menor do que chegou.” Esta parece ser a imagem que agora passa a marcar o Brasil de Lula no contexto mundial: uma promessa de inclusão no campo das democracias que ficou perdido no pequeno clube dos revisionistas da ordem global liberal. O Brasil já não é o que poderia ter sido...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4415, 13 junho 2023, 3 p.

 

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Meu artigo mais recente publicado na revista Criusoé: 

4414. “Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil”, Brasília, 11 junho 2023, 4 p. Artigo para a revista Crusoé. Publicado em 7/07/2023 (link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/). Relação de Publicados n. 1515. 


Grandezas e misérias da diplomacia presidencial: o caso do Brasil

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre uma ferramenta muito delicada: a diplomacia feita por chefes de governo. 

Revista Crusoé (7/07/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/). Relação de Publicados n. 1515.

  

A diplomacia foi inventada para que os soberanos não tivessem de recorrer à guerra cada vez que surgisse uma desavença qualquer entre duas nações vizinhas. Nem sempre foi exercida por diplomatas profissionais, sendo que a existência e a continuidade de enviados permanentes, acreditados junto a Estados estrangeiros, são fenômenos relativamente recentes na história da humanidade, começando a se desenvolver na idade moderna, mais exatamente a partir das grandes navegações, e tomando uma forma mais elaborado no Congresso de Viena de 1815, ao final das guerras napoleônicas. Antes, e mesmo depois desse famoso congresso – objeto de uma tese de doutorado do mais famoso diplomata contemporâneo, o agora centenário Henry Kissinger –, o mais usual era o envio de enviados extraordinários, ou ministros plenipotenciários, junto às cortes e governos dos países amigos, com os quais havia interesse em negociar tratados de comércio e navegação ou para tratar de questões delicadas surgidas nessas relações. Na Europa do Antigo Regime, esse intercâmbio de representantes dos soberanos adquiriu certa amplitude e intensidade, com o que a “troca” de embaixadores passou a ser mais frequente.

Eram bem mais raros, todavia, os encontros entre os próprios soberanos, não apenas pela dificuldade de comunicações, como pela pompa que um deslocamento real exigia. Nas democracias burguesas do século 19, tais encontros começaram a frutificar, mas apenas por ocasião de visitas bilaterais, visando os mais altos interesses dos Estados. Nem no Congresso de Viena isso ocorreu, pois os assuntos mais relevantes da Europa pós-napoleônica foram tratados entre os chanceler dos Estados mais importantes ou seus designados especiais. As negociações de paz de Paris, em 1919, contaram com a presença do presidente americano Woodrow Wilson, que ali apresentou seus famosos “14 pontos” – onde figurava a criação da primeira organização multilateral voltada para a paz e a segurança, a Liga das Nações –, mas os demais participantes foram representados por seus ministros das relações exteriores ou, no máximo, pelos primeiros-ministros, dado o formato quase geral de regimes parlamentares. 

A partir daí, a configuração das relações diplomatas passa a ser objeto de regras bastante minuciosas, até que estas fossem finalmente formalizadas nas duas convenções de Viena do início dos anos 1960, sobre relações diplomáticas e consulares. Mas, os encontros de cúpula permaneciam ainda assim muito raros, sendo mesmo excepcionais, ...

(...)

Um dos problemas da diplomacia presidencial é justamente esse, o entusiasmo do dirigente máximo pelos seus próprios projetos pessoais, sem que eles tenham sido estudados e avaliados pela corporação dos profissionais da diplomacia e por outros assessores especializados da burocracia estatal, de maneira a mapear devidamente o caminho que o chefe de Estado, e de governo, pretende trilhar nas relações exteriores, como forma de evitar surpresas desagradáveis, como essa de ficar falando sozinho sobre um tal de “Clube da Paz”. Outro tema constrangedor, para diplomatas e responsáveis econômicos, é ver o presidente deblaterar contra o dólar, ao pretender “libertar” o Brasil, o Mercosul, o Brics, e quem mais quiser, dessa incômoda “dependência” do dólar, propondo sua substituição por uma “moeda comum”, cuja viabilidade é próxima de zero nos anos de seu mandato. Diplomacia presidencial pode ser útil, em determinadas circunstâncias, mas exercida em excesso pode ter efeitos inesperadas para quem pretende voltar triunfalmente aos cenários globais.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4014, 12 junho 2023, 4 p.

Revista Crusoé (7/07/2023; link: https://oantagonista.uol.com.br/opiniao/crusoe-grandezas-e-miserias-da-diplomacia-presidencial/)