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domingo, 28 de janeiro de 2024

Quando o Brasil voltará a crescer? - André Nassif (O Globo)

Quando o Brasil voltará a crescer?

Retomada do crescimento é inadiável e não há outra saída senão redefinir política econômica no curto prazo

Por André Nassif

O Globo, 26/01/2024 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/quando-o-brasil-voltara-a-crescer.ghtml 2/11

 

Desde o início da década de 1980, o Brasil vem passando por processo de

estagnação, sem fim. Entre 1980 e 2023, a taxa de crescimento do PIB não superou os 2,3% ao ano, inferior ao crescimento mundial, de 2,8% ao ano. O crescimento médio da produtividade tem rodado próximo de zero em igual período. A retomada do crescimento, em ritmo mais expressivo e sustentável, é inadiável, porque dele depende a melhoria do padrão de vida dos brasileiros no futuro. A questão é: o Brasil voltará a crescer sobre bases sustentáveis?

Para responder à pergunta, recorro ao modelo de equilíbrio geral de James Meade, Prêmio Nobel de Economia em 1977, para quem o desafio dos policy-makers é adotar políticas consistentes que assegurem, simultaneamente, o equilíbrio interno (crescimento compatível com o pleno emprego e estabilidade de preços) e o equilíbrio externo (equilíbrio do balanço de pagamentos). Embora seja um modelo de curto prazo, concebido para o mundo de Bretton Woods, em que prevaleciam taxas de câmbio fixas (mas ajustáveis) e controle de capitais, ele pode não apenas ser adaptado para o mundo atual, com taxas de câmbio flutuantes e elevada abertura ao movimento de capitais, como também estendido ao longo prazo.

No modelo, o equilíbrio interno e o equilíbrio externo são determinados,

simultaneamente, pela taxa de câmbio real e pela absorção doméstica (consumo, investimento e gastos do governo). Enquanto as políticas monetária e fiscal afetam diretamente o nível da demanda doméstica e o equilíbrio interno, a política cambial, ao alterar a composição da demanda agregada destinada aos produtos domésticos e aos produtos importados, interfere diretamente no equilíbrio externo.

A taxa de câmbio real está associada negativamente ao equilíbrio interno, mas positivamente ao equilíbrio externo. Assim, uma taxa de câmbio real menor (moeda brasileira sobrevalorizada), por diminuir a absorção de bens domésticos em detrimento dos importados (que se tornam mais baratos) e causar desemprego, requer incremento da absorção doméstica (por exemplo, através de uma política fiscal expansionista) para levar a economia de volta ao equilíbrio interno; já uma taxa de câmbio real maior (moeda brasileira subvalorizada), ao ampliar a competitividade internacional, afeta positivamente as exportações líquidas e acarreta (tudo o mais constante) maior superávit do balanço de pagamentos.

Atualmente, a economia brasileira conta com equilíbrio externo, mas não interno, pois opera abaixo de seu potencial e com elevado desemprego. No mundo de Bretton Woods, havia maior autonomia no manejo da política macroeconômica. Uma política monetária expansionista poderia levar a economia ao pleno emprego e até mesmo provocar alguma inflação no médio prazo. Uma política de desvalorização cambial, acompanhada de ajustes finos de contração monetário-fiscal, poderia levá-la a alcançar a situação ótima de pleno emprego, estabilidade de preços e equilíbrio do balanço de pagamentos.

O modelo sugere que os instrumentos da política macroeconômica envolvem dilemas (trade-offs): em um mundo com taxas de câmbio fixas (mas ajustáveis) e controle de capitais, políticas monetárias e fiscais expansionistas aumentam a absorção doméstica e reduzem o desemprego, mas deterioram os resultados do balanço de pagamentos. Para contornar o trade off, uma política de desvalorização cambial seria capaz de reorientar a composição da demanda agregada para gastos em produtos e serviços domésticos em detrimento dos importados, propiciando uma melhoria dos resultados do balanço de pagamentos.

Acontece que no Brasil (e no mundo), atualmente, prevalecem regimes de câmbio flutuantes e elevada mobilidade dos fluxos de capitais externos. A autonomia para a execução de políticas macroeconômicas compatíveis com os interesses sociais de longo prazo é reduzida, mas não inexistente. O ideal é que os regimes de metas de inflação sejam razoavelmente flexíveis, com bancos centrais conferindo pesos iguais aos objetivos de manter a inflação na meta e alcançar o pleno emprego.

Infelizmente, diferentemente de outros países, este não tem sido o caso do Brasil. Na situação atual, por exemplo, tanto a política monetária quanto a política fiscal operam com vieses contracionistas. O novo arcabouço fiscal confere maior flexibilidade para que a política fiscal se desvie para o terreno expansionista, mas este dependerá da dinâmica das receitas do governo. Dada a desaceleração econômica em curso, se mantida a meta de déficit fiscal primário zero, será mínimo o potencial para incremento dos investimentos públicos, condição necessária para acionar o motor da recuperação econômica.

Qual seria a melhor solução agora? Mesmo com os cortes esperados da Selic, para 9% até o final do ano, ainda assim a taxa de juros real básica de curto prazo, de 4,9%, permanecerá com viés contracionista no final de 2024, considerando expectativas de inflação de 3,9% e taxa de juros real neutra de 4%, de acordo com as projeções do Banco Central. Logo, não há outra saída senão redefinir os contornos da política econômica no curto prazo, alterando a meta de déficit fiscal primário para 1% do PIB, de sorte que a expansão dos investimentos públicos programados proporcione o start inicial da recuperação econômica e impulsione, consequentemente, os investimentos privados.

Voltando ao modelo de equilíbrio interno-externo, com câmbio flutuante e livre

mobilidade de capitais, uma política fiscal expansionista, no momento, faria com que a economia brasileira aumentasse a absorção doméstica e reduzisse o desemprego. E, prevendo alguma incerteza no mercado financeiro, que sempre reage, de forma exagerada e, na maioria dos casos, injustificadamente, à expansão dos gastos públicos, esse impulso fiscal, ao gerar alguma turbulência temporária no mercado de câmbio, provocaria maior depreciação do real e equilíbrio externo às custas do equilíbrio interno. Porém, com o manejo dos instrumentos de política cambial vigentes (venda de reservas, swaps cambiais etc), o Banco Central do Brasil seria plenamente capaz de aliviar a pressão sobre a taxa de câmbio e trazer a economia brasileira ao equilíbrio “geral”, entre 2024 e 2025.

Evidentemente, as medidas sugeridas não respondem integralmente à pergunta que dá título a este artigo. Afinal, o crescimento da economia sobre bases sustentáveis depende de uma diversidade de fatores adicionais complementares, como o impacto da nova política industrial a ser lançada (a neoindustrialização) sobre a taxa de investimento, redução das taxas de juros reais para níveis internacionais, preservação de uma taxa de câmbio real competitiva e estável etc. Mas para que o novo arcabouço fiscal venha a funcionar de forma satisfatória, preservando investimentos públicos e gastos sociais em patamares que proporcionem aumento da produtividade da economia e redução das desigualdades, mas permitindo, ao mesmo tempo, ritmo de crescimento das receitas públicas superior ao das despesas primárias, é preciso que o motor da recuperação seja acionado pela política fiscal.

Do contrário, o Brasil contratará não apenas menor crescimento econômico, mas também maior dificuldade para colocar em prática o novo arcabouço fiscal vigente.

 

André Nassif é professor-visitante do King’s College London, Reino Unido, e autor de “Desenvolvimento e Estagnação: o Debate entre Desenvolvimentistas e Liberais Neoclássicos”.

E-mail: andre.nassif@kcl.ac.uk; andrenassif27@gmail.com

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Trade patterns in a globalised world: Brazil as a case of regressive specialisation - André Nassif, Marta R. Castilho

Trade patterns in a globalised world: Brazil as a case of regressive specialisation

Cambridge Journal of Economics, bez069, https://doi.org/10.1093/cje/bez069
https://academic.oup.com/cje/advance-article-abstract/doi/10.1093/cje/bez069/5733108

Globalisation is the extent and intensity with which a country’s production, trade and capital flows are integrated into the world economy. Our focus is on globalisation through international trade. We analyse the main theoretical predictions about the effects of global trade integration on trade patterns between countries of different levels of income and technology and compare this analysis to our investigation of Brazil’s trade integration between 1990 and 2016. Particularly, we investigate whether Brazil’s recent trajectory has been directed to a pattern of regressive specialisation. By regressive specialisation, we refer to that in which both production and export structures are strongly oriented to goods of low technological sophistication and low income elasticity of demand. The recent theoretical literature on technological gaps suggests that when a country enters a rapid pattern of regressive specialisation, a falling-behind trajectory is observed. Our main findings are as follows (i) the technological gap significantly widened for all groups of manufactured goods classified by factor content and technological sophistication; (ii) the income elasticity of demand for Brazilian imports is greater than that for Brazilian exports, implying a falling-behind trajectory of the economy in the past few decades and that growth has been constrained by long-term balance-of-payments equilibrium (Thirlwall’s law); and (iii) there has been a very marked trend of high concentration of Brazilian exports in primary goods, but imports composed of high technologically sophisticated manufactured goods, reinforcing the regressive specialisation of Brazil’s trade pattern in the last decades.