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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Pequena reflexao sobre a independencia e a situacao atual do Brasil - Paulo Roberto de Almeida


Pequena reflexão sobre a independência e a situação atual do Brasil

Paulo Roberto de Almeida
 [Reflexões livres, balanço do país e listagem das tarefas]


[Quadro de Pedro Américo retratando o “grito do Ipiranga, em 7/09/1822]

Que sentido existe em se comemorar, ou ao menos rememorar, a independência da pátria? Vejo pelo menos dois.
Por um lado, proclamar, mais uma vez, que naquela data, a nação, finalmente, passou a ser autônoma em relação a qualquer poder externa, a se governar sozinha, a atuar soberanamente no concerto das nações independentes, e coisas do gênero. Parece que muitos ainda exibem com certo orgulho essa condição de soberania estatal.
Por outro lado, olhar para trás e constatar o quanto foi realizado desde o primeiro momento de vida independente, a nação que foi construída, os progressos que foram alcançados, o bem estar adquirido, os avanços conquistados, e coisas do gênero. Muitos também exibem com orgulho as realizações feitas em quase 200 anos de vida independente.
Confesso que, de minha parte, infenso que sou a qualquer demonstração de ufanismo patrioteiro, indiferente como sou a qualquer tipo de glorificação em torno do passado, ou até do presente, não me deixo comover por essas datas de celebração patriótica, sempre centradas nas vitórias alcançadas e nos supostos avanços feitos. Como sou um antipatriota por excelência – uma vez que muitas guerras são justamente estimuladas por esse nacionalismo piegas, que já causou muito sofrimento a vários povos – prefiro aproveitar essas datas para fazer o que estou fazendo agora: fazer uma pequena reflexão não sobre o que já foi feito, mas exatamente sobre o que ainda precisa ser feito, pois não deixo de reconhecer – olhando o mundo como ele é – que fizemos pouco, ou que poderíamos ter feito bem mais, o que deixamos de fazer foi por total incapacidade das nossas elites (na qual eu também estou incluído), pois outros países fizeram mais e melhor do que nós.
Existe uma frase, talvez de autoconsolação, que ainda não determinei se é de Talleyrand, de Chateaubriand, ou de qualquer outro personagem, pois foi apropriada por diversos como sendo uma espécie de compensação no momento de uma avaliação qualquer: “Quand je me regarde, je me désole; quand je me compare, je me console”. Pode ser que a frase sirva para alguma coisa, em relação ao país, mas isso não me deixa minimamente satisfeito, seja comigo mesmo, seja com a situação geral da nação.
O Brasil certamente é hoje um país melhor do que era, cem ou duzentos anos atrás, tal como refletido em diversos indicadores sociais: esperança de vida, educação, saneamento, renda, organização política, ascensão social de camadas mais pobres, oportunidades para os que vêm de baixo, justamente, enfim, uma série de performances que podem contentar os patriotas e os otimistas. A mim isso não me convence muito, pois, como já dito, outros povos e nações fizeram mais e melhor no mesmo espaço de tempo. Poderíamos estar mais à frente, e bem menos atrás, como estamos, de fato.
Onde foi que falhamos, onde foi que erramos, o que deixamos de fazer, o que poderíamos ter feito diferente? Por que nossa trajetória foi essa, e ela não me enche absolutamente de orgulho, e não outra? Em lugar de comemorar as “maravilhas” realizadas, em lugar de me consolar com as supostas “vitórias” alcançadas, eu prefiro olhar para as deficiências, me concentrar nas tarefas à frente, e determinar qual é, nos termos da Revolução francesa, o nosso “cahier de doléances” para, a partir desse tipo de diagnóstico, elaborar uma lista de prescrições e de encargos para nos aproximarmos, enfim, daquilo que queremos ser: não a nação mais avançada do mundo, mas um país no qual ninguém precise morrer na fila do atendimento hospitalar, ninguém deixe de ter uma oportunidade de melhorar de vida por falta de um estudo de qualidade, ninguém necessite roubar por necessidade absoluta (embora eu esteja convencido de que roubos, infelizmente, não são feitos por necessitados, e sim por... bandidos).
O Brasil é um país no qual, a despeito de tudo o que existe, ou de tudo o que se fez de bom e de bem (mas mesmo na situação colonial não devia ser diferente), muita gente ainda sofre das mazelas acima apontadas, e quanto ao roubo eu prefiro me referir às vítimas, não aos bandidos, que o são por opção, não por necessidade. Os piores roubos, justamente, são aqueles cometidos por gente da elite, gente posicionada nos escalões do poder, e que usam dessa condição para roubar a todos e ao país, como ocorreu, não é segredo, com a organização criminosa que assaltou o Brasil e o povo entre 2003 e 2016. Sempre tivemos elites na maior parte das vezes irresponsáveis –, sempre tivemos um povo sofrido, sempre tivemos inovadores sufocados, sempre tivemos grandes bandidos.
Nossa educação melhorou? Talvez, mas não tenho certeza disso. Os jesuítas começaram a montar uma boa rede de escolas quando foram brutalmente interrompidos por um “déspota esclarecido”, que prometeu colocar outra coisa no lugar, e até começou a cobrar um novo imposto especial para financiar a criação e manutenção de escolas públicas – ah, essa mania de carimbar recursos do orçamento... --- e depois tudo ficou por isso mesmo. Chegamos à taxa de escolarização – enrollment rate – de que gozavam os países mais avançados 150 (cento e cinquenta) anos depois que eles conseguiram colocar a maior parte das crianças no ensino obrigatório de primeiro grau. Tudo bem, alguém poderia dizer, demorou mas chegamos lá. Ilusão digo eu, pois a tal taxa de matricula cai vergonhosamente no final do primário, para se reduzir dramaticamente já no secundário, e atingir níveis ínfimos no terceiro ciclo, supostamente superior. Isso do ponto de vista meramente quantitativo; acho que não preciso dizer nada do ponto de vista qualitativo, não é mesmo? E mesmo quando os pioneiros da educação pública, os grandes reformadores da era Vargas, poderiam, enfim, se orgulhar da consolidação de um ensino público relativamente completo, teve início um processo deletério de destruição “mental” da educação, ao se disseminar pelas faculdades de pedagogia os “ensinamentos” daquele que eu classifico como o maior idiota do Brasil, o maoísta Paulo Freire, pateticamente convertido em “patrono da educação brasileira” pelo regime criminoso dos companheiros.
Considero que o grande problema brasileiro, o grande fracasso da nacionalidade, a maior tragédia do país, é o atraso indescritível na educação pública (e até mesmo na privada, que não fica muito à frente dos padrões gerais, embora existam, como parece natural em todas as partes, ilhas de excelência nos diversos níveis e locais de ensino). O quadro é muito pior do que eu poderia descrever aqui, e terrivelmente difícil de ser equacionado e “solucionado” no futuro previsível. Os companheiros também destruíram a economia brasileira, e de uma maneira muito mais profunda do que aparece nos indicadores conjunturais de desempenho, mas essa área pode ser, digamos assim, reconstruída num prazo relativamente curto – 3 a 5 anos para reparar os mais graves desgastes, tapar os grandes buracos – e depois restaurada em bases mais sadias num prazo médio de dez ou doze anos, mas sabendo que teremos crescimento medíocre pela frente durante um tempo indefinido, uma vez que grandes problemas da produtividade nacional, também medíocre, requerem reformas estruturais que não estamos pertos de começar a resolver no horizonte de curto ou médio prazo. Os companheiros também desmantelaram diversas instituições públicas, a começar pelo parlamento e os tribunais ditos superiores, mas isso também pode ser remediado de alguma forma.
A destruição na área do ensino foi, porém, muito profunda, embora eles tenham apenas agravado um quadro de declínio que já vinha numa rota de decadência – em função, justamente, do “freirismo” dominante desde os anos 1960 – e ao qual eles agregaram o componente das divisões regionais (o Nordeste “explorado” pelo Sul-Sudeste), sociais (“nós”, o povo, e “eles”, as elites) e raciais (os afrodescendentes, de um lado, todo o resto do Brasil, de outro). Os estragos foram incomensuráveis e essa área demorará muito tempo para ser reconstruída, se e quando as políticas corretas começarem, algum dia, a serem implementadas, o que é altamente duvidoso, em vista do quadro mental que prevalece na maior parte das instituições de ensino, em todas elas, praticamente do jardim da infância ao pós-doc. Os desafios nesse área crucial da nacionalidade, e é a que me suscita mais pessimismo quanto às chances de renovação ou transformação.
Esta é a “mini”, ou midi-reflexão que me veio à mente neste dia supostamente de comemoração da independência brasileira. Não, não estou satisfeito com o que foi feito, e sobretudo não estou satisfeito com o que está sendo feito hoje, agora. Acho que, a despeito de começarmos a “consertar” tudo de errado, de equívocos (vários deles cometidos deliberadamente, justamente para roubar) que contemplamos desde o início do milênio, em especial na área econômica, os desafios no plano educacional são tão gigantescos que apenas um grande estadista, com uma visão clara da importância do ensino público para o futuro do país, poderia dar início à regeneração. Oxalá!

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 7 de setembro de 2016