Pequena reflexão sobre a independência e a situação
atual do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
[Reflexões
livres, balanço do país e listagem das tarefas]
[Quadro de Pedro Américo retratando o “grito do
Ipiranga, em 7/09/1822]
Que sentido existe em se
comemorar, ou ao menos rememorar, a independência da pátria? Vejo pelo menos
dois.
Por um lado, proclamar,
mais uma vez, que naquela data, a nação, finalmente, passou a ser autônoma em
relação a qualquer poder externa, a se governar sozinha, a atuar soberanamente
no concerto das nações independentes, e coisas do gênero. Parece que muitos
ainda exibem com certo orgulho essa condição de soberania estatal.
Por outro lado, olhar
para trás e constatar o quanto foi realizado desde o primeiro momento de vida
independente, a nação que foi construída, os progressos que foram alcançados, o
bem estar adquirido, os avanços conquistados, e coisas do gênero. Muitos também
exibem com orgulho as realizações feitas em quase 200 anos de vida
independente.
Confesso que, de minha
parte, infenso que sou a qualquer demonstração de ufanismo patrioteiro,
indiferente como sou a qualquer tipo de glorificação em torno do passado, ou
até do presente, não me deixo comover por essas datas de celebração patriótica,
sempre centradas nas vitórias alcançadas e nos supostos avanços feitos. Como
sou um antipatriota por excelência – uma vez que muitas guerras são justamente
estimuladas por esse nacionalismo piegas, que já causou muito sofrimento a
vários povos – prefiro aproveitar essas datas para fazer o que estou fazendo
agora: fazer uma pequena reflexão não sobre o que já foi feito, mas exatamente
sobre o que ainda precisa ser feito, pois não deixo de reconhecer – olhando o
mundo como ele é – que fizemos pouco, ou que poderíamos ter feito bem mais, o
que deixamos de fazer foi por total incapacidade das nossas elites (na qual eu
também estou incluído), pois outros países fizeram mais e melhor do que nós.
Existe uma frase, talvez
de autoconsolação, que ainda não determinei se é de Talleyrand, de
Chateaubriand, ou de qualquer outro personagem, pois foi apropriada por
diversos como sendo uma espécie de compensação no momento de uma avaliação
qualquer: “Quand je me regarde, je me
désole; quand je me compare, je me console”. Pode ser que a frase sirva para alguma coisa, em
relação ao país, mas isso não me deixa minimamente satisfeito, seja comigo
mesmo, seja com a situação geral da nação.
O Brasil certamente é
hoje um país melhor do que era, cem ou duzentos anos atrás, tal como refletido em
diversos indicadores sociais: esperança de vida, educação, saneamento, renda,
organização política, ascensão social de camadas mais pobres, oportunidades
para os que vêm de baixo, justamente, enfim, uma série de performances que
podem contentar os patriotas e os otimistas. A mim isso não me convence muito,
pois, como já dito, outros povos e nações fizeram mais e melhor no mesmo espaço
de tempo. Poderíamos estar mais à frente, e bem menos atrás, como estamos, de
fato.
Onde foi que falhamos,
onde foi que erramos, o que deixamos de fazer, o que poderíamos ter feito
diferente? Por que nossa trajetória foi essa, e ela não me enche absolutamente
de orgulho, e não outra? Em lugar de comemorar as “maravilhas” realizadas, em
lugar de me consolar com as supostas “vitórias” alcançadas, eu prefiro olhar
para as deficiências, me concentrar nas tarefas à frente, e determinar qual é,
nos termos da Revolução francesa, o nosso “cahier de doléances” para, a partir
desse tipo de diagnóstico, elaborar uma lista de prescrições e de encargos para
nos aproximarmos, enfim, daquilo que queremos ser: não a nação mais avançada do
mundo, mas um país no qual ninguém precise morrer na fila do atendimento
hospitalar, ninguém deixe de ter uma oportunidade de melhorar de vida por falta
de um estudo de qualidade, ninguém necessite roubar por necessidade absoluta
(embora eu esteja convencido de que roubos, infelizmente, não são feitos por
necessitados, e sim por... bandidos).
O Brasil é um país no
qual, a despeito de tudo o que existe, ou de tudo o que se fez de bom e de bem
(mas mesmo na situação colonial não devia ser diferente), muita gente ainda
sofre das mazelas acima apontadas, e quanto ao roubo eu prefiro me referir às
vítimas, não aos bandidos, que o são por opção, não por necessidade. Os piores
roubos, justamente, são aqueles cometidos por gente da elite, gente posicionada
nos escalões do poder, e que usam dessa condição para roubar a todos e ao país,
como ocorreu, não é segredo, com a organização criminosa que assaltou o Brasil
e o povo entre 2003 e 2016. Sempre tivemos elites – na maior
parte das vezes irresponsáveis –, sempre tivemos um povo sofrido, sempre
tivemos inovadores sufocados, sempre tivemos grandes bandidos.
Nossa educação melhorou?
Talvez, mas não tenho certeza disso. Os jesuítas começaram a montar uma boa
rede de escolas quando foram brutalmente interrompidos por um “déspota
esclarecido”, que prometeu colocar outra coisa no lugar, e até começou a cobrar
um novo imposto especial para financiar a criação e manutenção de escolas
públicas – ah, essa mania de carimbar recursos do orçamento... --- e depois
tudo ficou por isso mesmo. Chegamos à taxa de escolarização – enrollment rate – de que gozavam os países mais avançados 150 (cento
e cinquenta) anos depois que eles conseguiram colocar a maior parte das
crianças no ensino obrigatório de primeiro grau. Tudo bem, alguém poderia
dizer, demorou mas chegamos lá. Ilusão digo eu, pois a tal taxa de matricula
cai vergonhosamente no final do primário, para se reduzir dramaticamente já no
secundário, e atingir níveis ínfimos no terceiro ciclo, supostamente superior.
Isso do ponto de vista meramente quantitativo; acho que não preciso dizer nada
do ponto de vista qualitativo, não é mesmo? E mesmo quando os pioneiros da
educação pública, os grandes reformadores da era Vargas, poderiam, enfim, se
orgulhar da consolidação de um ensino público relativamente completo, teve
início um processo deletério de destruição “mental” da educação, ao se
disseminar pelas faculdades de pedagogia os “ensinamentos” daquele que eu
classifico como o maior idiota do Brasil, o maoísta Paulo Freire, pateticamente
convertido em “patrono da educação brasileira” pelo regime criminoso dos
companheiros.
Considero que o grande
problema brasileiro, o grande fracasso da nacionalidade, a maior tragédia do
país, é o atraso indescritível na educação pública (e até mesmo na privada, que
não fica muito à frente dos padrões gerais, embora existam, como parece natural
em todas as partes, ilhas de excelência nos diversos níveis e locais de
ensino). O quadro é muito pior do que eu poderia descrever aqui, e
terrivelmente difícil de ser equacionado e “solucionado” no futuro previsível.
Os companheiros também destruíram a economia brasileira, e de uma maneira muito
mais profunda do que aparece nos indicadores conjunturais de desempenho, mas
essa área pode ser, digamos assim, reconstruída num prazo relativamente curto –
3 a 5 anos para reparar os mais graves desgastes, tapar os grandes buracos – e
depois restaurada em bases mais sadias num prazo médio de dez ou doze anos, mas
sabendo que teremos crescimento medíocre pela frente durante um tempo
indefinido, uma vez que grandes problemas da produtividade nacional, também
medíocre, requerem reformas estruturais que não estamos pertos de começar a
resolver no horizonte de curto ou médio prazo. Os companheiros também
desmantelaram diversas instituições públicas, a começar pelo parlamento e os
tribunais ditos superiores, mas isso também pode ser remediado de alguma forma.
A destruição na área do
ensino foi, porém, muito profunda, embora eles tenham apenas agravado um quadro
de declínio que já vinha numa rota de decadência – em função, justamente, do “freirismo”
dominante desde os anos 1960 – e ao qual eles agregaram o componente das
divisões regionais (o Nordeste “explorado” pelo Sul-Sudeste), sociais (“nós”, o
povo, e “eles”, as elites) e raciais (os afrodescendentes, de um lado, todo o
resto do Brasil, de outro). Os estragos foram incomensuráveis e essa área demorará
muito tempo para ser reconstruída, se e quando as políticas corretas começarem,
algum dia, a serem implementadas, o que é altamente duvidoso, em vista do
quadro mental que prevalece na maior parte das instituições de ensino, em todas
elas, praticamente do jardim da infância ao pós-doc. Os desafios nesse área
crucial da nacionalidade, e é a que me suscita mais pessimismo quanto às
chances de renovação ou transformação.
Esta é a “mini”, ou
midi-reflexão que me veio à mente neste dia supostamente de comemoração da independência
brasileira. Não, não estou satisfeito com o que foi feito, e sobretudo não
estou satisfeito com o que está sendo feito hoje, agora. Acho que, a despeito
de começarmos a “consertar” tudo de errado, de equívocos (vários deles
cometidos deliberadamente, justamente para roubar) que contemplamos desde o início
do milênio, em especial na área econômica, os desafios no plano educacional são
tão gigantescos que apenas um grande estadista, com uma visão clara da importância
do ensino público para o futuro do país, poderia dar início à regeneração. Oxalá!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de setembro de 2016