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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Politica Externa e Eleicoes Presidenciais: livro de ensaios - Paulo Roberto de Almeida

Como estamos em um ano eleitoral, e como tenho produzido, desde meados dos anos 1980, estudos e análises sobre a interação entre a política externa, o sistema político, as atividades dos partidos, as campanhas eleitorais presidenciais e o funcionamento do Congresso em matérias diplomáticas, resolvi reunir meus escritos (seletivamente) num único volume para consulta dos interessados.
Eis o volume:  https://www.academia.edu/s/01644a871c/eleicoes-presidenciais-no-brasil-relacoes-internacionais-politica-externa-e-diplomacia-brasileira-1985-2018


Eleições Presidenciais no Brasil
Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira
1985-2018

Paulo Roberto de Almeida 
 
Índice 

Preparando o acompanhamento da campanha presidencial de 2018 , 17

1. Partidos políticos e política externa (1985)  , 47
2. A política externa nas eleições presidenciais: 1989 e 1994 (1994) , 85
3. Política externa e sistema político: as eleições de 1989, 1994 e 1998 (1998)105
4. O projeto externo como projeto nacional (2002) , 137
5. As relações internacionais nas eleições presidenciais de 1994 a 2002 (2003) , 141
6. Blog Eleições Presidenciais 2006 171
7. A política externa na campanha de 2006: antecipando o debate (2006) , 175
8. Desconstruindo o Brasil: como iludir com números - a brochura do PT (2006) , 179
9. Programas da campanha presidencial de 2006: alguns comentários (2006) , 185
10. Os programas econômicos dos candidatos: comentários (2006) , 189
11. Blog Eleições Presidenciais 2010209
12. A política externa nas eleições presidenciais de 2010 (2010)  ,  225
13. Uma declaração de princípios, preventiva, sobre as eleições (2010)229
14. A política externa e as eleições presidenciais no Brasil em 2010 (2010)233
15. Declaração de voto: um manifesto quase marxista (2010) , 239
16. Contra o Voto Nulo: meus critérios de escolha (2010)253
17. O programa do candidato do PSDB: uma crítica central (2010)259
18. As promessas da candidata eleita: breve avaliação (2010) , 263
19. O que está em jogo nestas eleições (2014) ,   267
20. O que os liberais podem esperar das eleições de 2014? (2014)271
21. O Brasil quebrou três vezes sob FHC? Mentira da candidata! (2014)  , 275
22. Toda a Gália está ocupada? Não! Uma pequena aldeia resiste ainda... (2014)279
23. Blog Eleições Presidenciais 2018283

Relação de trabalhos sobre eleições presidenciais, 1985-2018 , 285
Livros de Paulo Roberto de Almeida  ,  293
Nota sobre o autor ,  297

Apresentação
A política externa nas campanhas presidenciais


Esta compilação de textos foi montada com base nos muitos trabalhos – ensaios, artigos para a imprensa, materiais inéditos, notas conjunturais, comentários em blogs – que fui produzindo ao longo dos anos eleitorais, em número relativamente elevado, como se pode verificar pela lista final de trabalhos, que serviu de fonte a esta seleção de trabalhos mais relevantes quanto aos temas de relações internacionais e de política externa do Brasil desde meados dos anos 1980, quando, com a democratização, comecei a acompanhar mais detidamente os processos políticos naquela conjuntura.
Eu havia recém regressado de um doutoramento no exterior – na Universidade Livre de Bruxelas, em 1984 – com tese situada conceitualmente no âmbito da sociologia histórica, cujo tema era a relação entre a democracia e o capitalismo no itinerário das revoluções burguesas clássicas, e sua aplicação ao caso brasileiro, mediante um exame metodológico e empírico das teses do sociólogo paulista Florestan Fernandes. Mas o foco estava obviamente voltado para a situação conjuntural do Brasil, que naquele momento se preparava para superar as duas décadas de regime autoritário, sob a égide dos militares. Ao reintegrar-me ao ambiente brasileiro no momento exato da transição democrática, comecei a dar aulas de Sociologia Política, justamente, tanto no curso de preparação à carreira diplomática, do Instituto Rio Branco, quanto no mestrado em sociologia da Universidade de Brasileira, e, a despeito de um exame tipicamente acadêmico das teorias e doutrinas clássicas nessa área (Maquiavel, Marx, Weber, Aron, etc.), eu também passei a acompanhar detidamente os preparativos para o processo de elaboração constitucional que começava a ser desenhado.
Já estabelecendo uma ponte entre as atividades profissionais na carreira e as lides acadêmicas, a decisão pelo exame das relações entre o sistema político e a política externa foi natural, daí a dedicação ao exame dos programas e atividades partidárias, bem como à interação entre o Parlamento e a diplomacia, objeto dos primeiros ensaios e palestras nessa área. Não fiquei no Brasil para acompanhar toda a trajetória do processo de elaboração de uma nova Carta, mas tão pronto a Constituição de 1988 foi finalizada e promulgada, passei a um exame do seu texto, bem como dos anais da comissão constitucional da área em exame, redigindo trabalhos de análise dos dispositivos afetando a orientação da política externa e a atividade diplomática do Brasil, inclusive em perspectiva comparada. A etapa seguinte foi o acompanhamento dos processos eleitorais, em especial as campanhas presidenciais, com um exame tanto quanto possível exaustivo dos programas partidários e das plataformas eleitorais (na verdade com impacto muito relativo nos debates correntes e nos políticas efetivas posteriores).
Creio ter sido relativamente pioneiro nesse tipo de análise no Brasil, e meus textos começaram a ser citados em trabalhos universitários, ainda que eu não adotasse a metodologia e o ferramental de ciência política, mas mais simplesmente o foco linear e textual dos dispositivos constitucionais ou dos argumentos políticos e sua correlação com dados econômicos nacionais ou internacionais. A partir de 2006 dediquei blogs especializados no acompanhamento conjuntural e analítico das campanhas políticas de nível presidencial, com dezenas, ou centenas de postagens que permanecem registradas e portanto disponíveis para consulta. Eventualmente, eu fazia uma declaração de voto, não partidária ou vinculada a um candidato específico, mas com base em certos valores e princípio políticos, como por exemplo a oposição ao voto nulo ou em branco.
No momento em que finalizo uma primeira versão desta compilação, algumas constatações são praticamente inevitáveis. O quadro geral do Brasil, na sociedade, nas instituições de Estado, no debate público, é de uma grave crise de legitimidade do sistema político, de erosão na confiança que a cidadania ativa e consciente deveria ter em relação ao funcionamento “normal” dos poderes constituídos, e uma sensação de quase desalento ou de desespero ante a mediocridade das supostas elites que deveriam conduzir o país nos momentos difíceis de sua trajetória. Tomou-se consciência, com as revelações efetuadas no quadro da Operação Lava Jato, de que o Brasil e os brasileiros tinham sido assaltados por uma organização criminosa, que não poupou nenhum esforço para saquear o Estado, as empresas privadas, os particulares, em toda a extensão possível da riqueza criada pela sociedade, num ambiente de negócios particularmente atroz, do ponto de vista de uma verdadeira economia de mercado.
A transição política se exerceu, em 2016, em condições muito longe do ideal, com a preservação de imensos bolsões de corrupção que ainda estão sendo combatidos por uma fração corajosa do Ministério Público, da Polícia Federal, de poucos setores da justiça de primeira instância, em face de uma resistência, quando não sabotagem, do sistema político “carcomido” – como se dizia da velha República – e de áreas influentes da própria Justiça, em seus escalões superiores. A crise econômica, à qual eu chamei de A Grande Destruição lulopetista, produziu os seus piores efeitos entre 2015 e 2017, e começa a ser superada gradualmente, embora com perspectivas ainda pessimistas quanto à realização das reformas estruturais indispensáveis para recolocar o Brasil numa trajetória de crescimento sustentado.
Apesar de termos caminhado, lentamente, penosamente, quase nos arrastando, para algumas reformas econômicas absolutamente necessárias, nossos dirigentes ainda teimam em praticar aquele velho nacionalismo estatizante esclerosado, aquele dirigismo anacrônico dispensável e aquele patrimonialismo secular que nos mantêm, todas essas deficiências, num estado de letargia indesejado, e mais do que atrasados materialmente, numa situação de retardamento mental insuportável. No plano político, nossos “representantes” insistem em continuar abusando de sua capacidade de zombar de todos os cidadãos, não apenas insistindo em praticar extorsão contra a economia nacional à luz do dia, mas também em legalizar “malfeitos” passados passando uma borracha oficial nos desvios já cometidos, além de pretender financiar sua continuidade em mandatos arrancados por meio dessas falcatruas por meio de novas extorsões pornográficas, que levam o nome de Fundo Partidário e Financiamento Público de Campanhas (ou “fundo eleitoral”).
No plano do Judiciário, contemplamos alguns pequenos avanços nos processos e condenações de meliantes de colarinho branco, embora os verdadeiros e grandes bandidos — os que dispõem do ultrajante foro privilegiado — continuem leves, livres e soltos, graças à conivência insultante de mandarins da “Justiça” e de alguns tiranetes togados, que também insistem em manter privilégios inaceitáveis em face da cidadania desprotegida e tosquiada por um Estado produtor de desigualdades legalmente instituídas. No setor da educação, continuo a observar o mesmo desastre pedagógico tradicional, agravado durante os muitos anos de vulgar gramscismo acadêmico estimulado pelo lulopetismo ignaro e delirante, a despeito de alguns poucos sinais de reforma nos métodos e procedimentos, estes até provocados pela tremenda crise fiscal deixada pela herança maldita do lulopetismo econômico, ainda assim insuficientes para superar os imensos retrocessos mentais acumulados ao longo de anos e anos de militantismo sindical próximo do corporativismo fascista.
No plano cultural, finalmente, continuamos a ser intimidados pelos progressos imbecilizantes do politicamente correto, ao mesmo tempo em que os militantes das causas afrodescendentes continuam a construir um infeliz e deletério Apartheid racial, que vai conseguir criar no Brasil algo que nunca existiu na cultura nacional (a despeito de sinais reais de preconceitos e desigualdades sociais possuindo clivagens raciais), que é a divisão fundamental da cidadania em duas categorias de indivíduos: os “negros”, e assimilados a tais, de um lado, e todos os demais cidadãos, de outro.
O ano eleitoral de 2018 se apresenta, portanto, sob auspícios os mais complicados e incertos, quanto a um desfecho provavelmente esperado pela maioria da população: a de termos um candidato não messiânico, não populista, não demagógico, simplesmente realista e sincero quanto às dificuldades que ainda nos aguardam. A massa de candidatos oportunistas que novamente nos aguarda em outubro de 2018 assusta, pela absoluta contradição entre o que é necessário e o que se nos apresenta. Existe no entanto uma maneira fácil – para um debate entre pessoas normais, razoáveis, entenda-se – de dirimir qual o melhor candidato dentre os que estão se apresentando fora do espectro tradicional dos grandes partidos: solicitar que se poste uma declaração, um manifesto, um artigo, um ensaio, um discurso, uma nota, uma carta, um escrito qualquer, mais ou menos bem estruturado, num Português aceitável, que exponha claramente os propósitos do dito candidato, suas intenções, seu programa para uma eventual presidência que venha a ganhar, no qual esse candidato diga, em suas palavras – portanto sem esses recursos a marqueteiros políticos que embelezam o discurso – e de modo sincero o que, exatamente, ele pretende fazer se chegar à presidência da República.
Por exemplo, existem questões já postas, às quais os candidatos não podem fugir: a atual crise fiscal, a reforma da Previdência, o papel do Estado na economia, novos investimentos em infraestrutura, em segurança, um novo perfil para as relações exteriores, isto é, abertura econômica, liberalização comercial, ao contrário do velho protecionismo, o que fazer com as estatais deficitárias ou falimentares, com a corrupção, todas questões que são absolutamente objetivas, e não dependem dos candidatos gostarem delas ou não, pois terão de enfrentá-las, uma vez algum deles sentado na cadeira presidencial. Para tudo isso, não bastam declarações gerais, demonstrações de “vou fazer, vou acontecer”, “eu sou o único”, etc. Vamos aguardar o início da campanha, para ver o que se apresenta.
Enquanto aguardamos o deslanchar de um novo processo, que vou acompanhar detidamente como sempre faço, coloco à disposição dos leitores interessados esta compilação de velhos e novos trabalhos sobre a interação entre a política externa e o sistema político, um dos meus focos principais de estudos e pesquisas, ao lado da história diplomática e das relações econômicas internacionais do Brasil. De minha parte pretendo seguir atentamente o processo político em curso, mas sem muitas ilusões de que possamos superar rapidamente as dificuldades da atual conjuntura. O grau de destruição causado pelos anos tenebrosos do lulopetismo, nas instituições e na economia, foi de tal ordem que vamos necessitar de um período prolongado de ajustes e reparações nas estruturas de governança e no sistema produtivo. Oxalá possa ser breve.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de janeiro de 2018

Disponível na plataforma Academia.edu, link: 
https://www.academia.edu/s/01644a871c/eleicoes-presidenciais-no-brasil-relacoes-internacionais-politica-externa-e-diplomacia-brasileira-1985-2018


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A diplomacia na construcao da nacao: qual o seu papel? - Paulo Roberto de Almeida

A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel?, por Paulo Roberto de Almeida

Uma tradição política convergindo para a centralização estatal
A formação da nação brasileira, a construção do Estado no Brasil, sua afirmação nos planos regional e internacional estão em grande medida ligadas à política externa, à sua diplomacia, antes mesmo de sua constituição, ao início do século XIX, enquanto entidade autônoma na comunidade de países independentes e de estados reconhecidos formalmente como pertencentes ao sistema de interlocutores legítimos nas relações internacionais. O Brasil emerge para esse cenário, e para as realidades da política internacional ainda em sua fase colonial, quando se passa dos antigos arranjos bilaterais concertados em Tordesilhas, em 1494, antes mesmo do descobrimento formal do Brasil, aos novos arranjos contraídos entre os dois reinos ibéricos em 1750, no quadro do Tratado de Madrid, em grande medida negociado por um “diplomata” brasileiro, Alexandre de Gusmão a serviço do rei português, D. João V. Sua grande contribuição à construção da futura diplomacia brasileira foi a adoção do princípio, ou do instrumento, do uti possidetis, como base da aceitação recíproca dos limites territoriais da possessão colonial portuguesa na América do Sul. Esse princípio se firmou subsequentemente, e serviu para consolidar as fronteiras do Brasil, no decorrer do século XIX e início do XX, tanto pela via arbitral, em alguns casos, quanto pelas negociações diretas, como preferido pelo Barão do Rio Branco a partir de sua posse como chanceler, em 1902.
Tais características da formação incipiente da diplomacia brasileira, no século XVIII, e logo em seguida ao início do século XIX, são evidenciadas no novo livro do embaixador Rubens Ricupero, A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017). Quais eram seus fundamentos essenciais? A afirmação do Direito, sem dúvida, em face das demonstrações de força das potências hegemônicas, às quais o Brasil não tinha condições de responder em igualdade de condições. Isso ficou evidente, por exemplo, nas exações britânicas contra o tráfico escravo, finalmente extinto em 1850, depois de muitas tergiversações e medidas “para inglês ver”. A continuidade da centralização política foi outro elemento essencial, o que permitiu manter a unidade nacional, num contexto de rebeliões periféricas, desde a Regência, o que poderia resultar no surgimento de três ou quatro unidades políticas em lugar de um Império unificado. Aí surge a força do Estado, que se constitui como um outro elemento essencial na construção do Brasil moderno. A partir do Segundo Império, o Brasil contemporâneo assume contornos mais definitivos, ainda que a velha República tenha buscado imprimir um sistema mais descentralizado, em seu início, movimento logo revertido, nos anos 1930 e novamente a partir do regime militar (1964-85), com a grande centralização operada em favor da União (sobretudo no plano fiscal), o que se mantém em larga medida na atualidade.
O Brasil moderno, mas ainda tradicional
As duas forças básicas do Brasil, a partir de meados do século XIX, são o estatismo e o nacionalismo, ambos refletidos perfeitamente em sua diplomacia, assim como em suas diversas elites (econômicas, políticas, acadêmicas), ao lado de outras forças históricas evidenciadas por diversas analistas, como o patrimonialismo (objeto de estudos clássicos de Antonio Paim e de Ricardo Vélez-Rodríguez). O patrimonialismo encontra-se entranhado na burocracia pública do Estado imperial, e projetou-se nos estamentos burocráticos do regime republicano, permanecendo extremamente forte em toda a nossa história. De certa forma, essa confusão entre o público e o privado se apresenta ainda mais forte nos dias que correm, com um “estamento burocrático” – a expressão vem do estudo clássico de Raymundo Faoro sobre os “donos do poder” – extremamente cioso de suas vantagens, privilégios e distinções, extraídos à custa de um sistema tributário iníquo e extorsivo dos verdadeiros criadores de riqueza no país, os empresários e trabalhadores do setor privado.
A diplomacia brasileira sempre pertenceu ao “estamento burocrático”: ela começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe, segundo o livro de Ricupero, uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), afinal conquistada a partir de 1844, conceito que veio a ser retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra existir embebido na política exterior do Império. A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). A diplomacia brasileira é mais baseada na inteligência dos seus servidores do que na força externa do Estado, a rigor inexistente, como demonstrado pelas dificuldades de projeção externa, seja na guerra do Paraguai, seja no envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Depois da revolução de 1930, o estatismo, a centralização e o nacionalismo são extremamente reforçados, e são complementados pela ideologia do desenvolvimento, que se converte na ideia central dos dirigentes nacionais, quaisquer que sejam suas outras posturas políticas em relação a questões econômicas ou sociais. Ideólogos de “direita”, ou conservadores, assim como representantes de correntes de esquerda, ou aproximadas a tal, são igualmente estatizantes, nacionalistas e desenvolvimentistas. Essas “ideias-forças” estão amplamente internalizadas e profundamente associadas ao que Dante Moreira Leite chamou de “caráter nacional brasileiro”, a sua investigação sobre os traços maiores da psicologia nacional.
Militares e diplomatas, os dois agentes por excelência de um Estado organizado, partilham integralmente as mesmas ideias estatizantes e nacionalistas, e estão unidos em torno de projetos difusos ou mais explícitos de desenvolvimento econômico, ao longo do último século. Esses projetos – consubstanciados em uma sucessão impressionante de “planos nacionais de desenvolvimento” – não são exatamente liberais, mas sim tutelados pelo Estado, e basicamente críticos em relação à participação dos capitais estrangeiros no processo de desenvolvimento. Esses novos princípios continuam a conviver com o patrimonialismo, e de fato, o regime Vargas, que marca o Brasil ainda hoje, nada mais fez senão alterações cosméticas no patrimonialismo.
Esses mesmos traços de caráter acabam resvalando para certa rejeição de uma integração mais ousada com a economia mundial e o sistema internacional. Segundo Wilson Martins, um observador arguto de nossas construções mentais:
O Brasil sofre da mania de perseguição colonialista – é ela a responsável pelo nosso alheamento da realidade. Resultante de velho complexo de inferioridade – compensado e sublimado delirantemente pela criação de estereótipos os mais inconsistentes – ela alcança, neste momento da vida nacional, formas verdadeiramente patológicas, erigida que está em política, em programa da vida coletiva. (História da Inteligência Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1979, vol. VII, p. 418).
Essa mania de perseguição refletiu-se, no decorrer dos últimos cem anos, no desejo de escapar a toda “dependência” do exterior, o que na verdade significa uma atitude de desconfiança em relação aos países mais poderosos, ou seja, os mesmos que investiam, por seus agentes privados, no Brasil. Essa atitude reforça o nacionalismo e, mais tarde, já no mundo onusiano a partir do pós-Segunda Guerra e sobretudo nos anos 1960, desemboca no terceiro-mundismo, que permanece uma das opções preferenciais, por vezes atenuada, da diplomacia oficial. Estatismo, nacionalismo, desenvolvimentismo e terceiro-mundismo constituem, portanto, os traços mais relevantes da diplomacia brasileira, que influenciam poderosamente a conformação de sua política externa, e portanto, os grandes traços das relações internacionais da nação.
 Rupturas e continuidades nas relações internacionais do Brasil
As relações internacionais da nação e a sua política externa constituem, a rigor, duas áreas nas quais os elementos de continuidade costumam ser mais fortes do que as forças de ruptura, inclusive pela própria estrutura dos vetores que atuam sobre as opções disponíveis aos agentes públicos. Estes podem, sem maiores constrangimentos, mudar mais amplamente políticas domésticas, inclusive a econômica, do que conseguem atuar sobre forças que se exercem a partir do exterior, geralmente no sentido da continuidade. A própria independência do Brasil, em certa medida, respondeu a reações a fatores externos, como a tentativa das cortes portuguesas de modificar o status do Brasil no quadro do Reino Unido estabelecido em 1815. As mudanças subsequentes na política comercial, em 1844 por exemplo, também se deveram à necessidade de romper com os compromissos feitos por Portugal e pelo próprio Brasil independente no quadro da aliança britânica, cuja hegemonia também esteve presente na decisão de abolir o tráfico.
A República, por sua vez, surge de uma crise propriamente interna, embora não fossem desimportantes o exemplo de progresso econômico da grande nação hemisférica e o fato de o Brasil ser considerado uma anomalia política num continente quase que inteiramente republicano. O manifesto dos republicanos de 1870 começava, aliás, pela frase: “Estamos na América e queremos ser americanos”. Outras mudanças políticas e econômicas também tiveram apoio em alterações do quadro externo, embora nem sempre determinante, como a revolução liberal de 1930 (em parte acelerada pela crise econômica iniciada em 1929), e a própria saída do Estado Novo, em 1945. O clima de Guerra Fria e a suposta ameaça de “comunização” do país estiveram subjacentes às crises politico-militares do início dos anos 1960, que desembocaram no golpe militar e na implantação do regime autoritário em 1964. Todos esses episódios tiveram reflexos na política externa e nas relações internacionais do país, com novas ênfases atribuídas a determinadas orientações em relativa ruptura com a fase precedente.
Outras mudanças, porém, decorreram de impulsos propriamente internos, ainda que respondendo a certas percepções quanto ao ambiente internacional e sua propensão mais ou menos convergente com os já mencionados projetos das elites (políticas, militares e diplomáticas) no sentido de acelerar o processo de desenvolvimento econômico. A Política Externa Independente (1961-64), por exemplo, ou o retorno não declarado às suas principais premissas desenvolvimentistas, a partir de 1967, respondem à percepção geral de que a aliança estreita com a potência hegemônica não estava dando os retornos esperados em termos de financiamento do desenvolvimento – guiado pelo Estado, como seria natural esperar – e que era necessário ampliar o leque de relações em direção a novas parcerias, inclusive para reafirmar o sempre presente projeto de autonomia plena em certas políticas estratégicas e tecnológicas (na nuclear, sobretudo).
Na maior parte dos casos, no entanto, a política externa acompanhou as grandes opções de política econômica seguidas por uma elite desenvolvimentista e nacionalista, mas não necessariamente doutrinária, ou ideológica, pois que propensa a adotar diversas configurações na frente externa – cooperação e atitudes mais ou menos favoráveis ao capital estrangeiro, segundo os casos, adesão a projetos integracionistas até certos limites, abertura econômica e liberalização comercial decididas de maneira ad hoc, de acordo com as circunstâncias e necessidades –, as quais a diplomacia profissional atendia de forma disciplinada, ainda que transmitindo ao decisor último sua própria visão dos desafios externos do Brasil. As preocupações naturais da área econômica do governo sempre estiveram mais focadas nos equilíbrios (ou desequilíbrios) externos de balanço de pagamentos, nos riscos cambiais e de solvência nos pagamentos externos, ao passo que a diplomacia colou mais o Brasil nas coalizões típicas da ONU, distinguindo, antes, países desenvolvidos, os socialistas e os em desenvolvimento, o que mudou, no período recente, com a implosão do socialismo e o ingresso decisivo da China nas relações internacionais, bem mais na vertente econômica do que em outras áreas.
Durante o período militar – que representou, paradoxalmente, um ponto alto no desempenho da diplomacia profissional – algumas “rupturas” com a prática tradicional da diplomacia foram registradas, embora se alinhassem todas com o objetivo maior de busca de mercados, de promoção das exportações brasileiras de manufaturados, de uma maior amplitude, justamente, no projeto autonomista que era também o dos militares. A política do “pragmatismo responsável” retomava, sem precisar mencionar isso de forma explícita, muitas das teses e posturas da Política Externa Independente, que continuou, sendo, aliás, o paradigma de todas as demais diplomacias no curso da redemocratização. As inovações feitas foram todas adaptativas, no sentido de avançar nos projetos já em curso de integração regional, com uma dimensão sul-americana mais afirmada, e de dar prosseguimento à universalização das relações internacionais do Brasil, estendendo a rede de contatos, de visitas recíprocas e de acordos de cooperação a um número maior de parceiros em todos os continentes.
A grande ruptura com os padrões tradicionais da diplomacia brasileira se deu, obviamente, quando da assunção do Partido dos Trabalhadores ao poder, em 2003, e mais até do que o PT, a personalidade do presidente e as de seus principais assessores diplomáticos – tanto os do partido quanto os diplomatas profissionais – no sentido de passar a imprimir uma orientação partidária, antes que consensual, às grandes linhas da política externa. Tal ocorreu bem mais no plano regional – com uma aliança explícita, até constrangedora do ponto de vista dos valores democráticos, com alguns dos piores regimes na região – do que no plano mundial, mas aqui também ocorreu a opção por uma anacrônica “diplomacia Sul-Sul”, como se os demais parceiros na região tivessem essa mesma dimensão em suas respectivas agendas diplomáticas. No contexto da América do Sul, e até mais além, houve uma nítida preferência ideológica – mas materializada em vários projetos com implicações econômicas para o Brasil – pelos chamados regimes “bolivarianos”, em total desprezo por regras elementares do jogo democrático, e até por normas constitucionais e diplomáticas relevantes, como o princípio da não interferência nos assuntos internos de outros países. Traços ainda mais vergonhosos para o relacionamento externo do Brasil foi o envolvimento do presidente, como chefe de Estado ou já ex-mandatário, mas ainda influente na política nacional, com diversos negócios envolvendo construtoras brasileiras nitidamente contrários, e até afrontosos, a compromissos internacionais do país, como a convenção da OCDE sobre a corrupção nos contratos envolvendo governos e funcionários estrangeiros.
Impedido o governo do PT por um processo de impeachment, a diplomacia brasileira retomou padrões mais tradicionais, ou simplesmente adequados ao perfil do Brasil, como um país respeitador de certos princípios e valores, a começar pela cessação de afinidades ideológicas na fixação de diretrizes para as grandes opções da política externa nacional. Uma das principais reorientações compatíveis com as necessidades atuais de reinserção do Brasil na economia mundial foi a decisão de se solicitar adesão plena à OCDE, o clube de boas práticas que são absolutamente indispensáveis para o país efetivar as reformas estruturais que se impõem na atual fase de transição política.
A diplomacia na reconstrução do Brasil: que tipo de agenda econômica se requer?
O Brasil não possui nenhum problema de política externa, ou sequer de diplomacia. Esta última está bem servida por um corpo profissional de funcionários competentes e devotados disciplinadamente à política externa determinada pelo presidente. O Brasil se relaciona amplamente com a comunidade internacional, com base em princípios constitucionais, e em valores que são os da sua diplomacia, também amparados constitucionalmente. Mas o Brasil possui um grave problema de política econômica externa, que é a sua NÃO INSERÇÃO internacional, resultado de políticas econômicas equivocadas e de posturas diplomáticas pouco adequadas a uma correta inserção internacional, como infelizmente tivemos nos anos 2003-2016.
É a política externa, portanto, que precisa mudar para que a diplomacia possa contribuir de modo competente e coadjuvante para a solução dos mais graves problemas da nação, que são todos de ordem exclusivamente interna. Com efeito, praticamente todos os graves problemas brasileiros — econômicos, políticos, sociais, regionais — têm origem interna e precisam receber soluções essencialmente, senão totalmente, domésticas, para que o Brasil possa iniciar um novo processo de crescimento sustentado, com transformações estruturais de seu sistema produtivo, no sentido de maiores ganhos de produtividade e com a distribuição social de seus benefícios.
A diplomacia sempre foi a coadjuvante dos processos e programas nacionais de desenvolvimento, mas ela nem sempre foi orientada da maneira mais racional possível para servir plenamente a tais objetivos. A primeira tarefa da política externa, e consequentemente também a de sua diplomacia, é contribuir para um processo de crescimento sustentado da produtividade da economia, pela redução do custo do capital e o aperfeiçoamento do capital humano, os dois elementos mais importantes da produtividade total de fatores, junto com as demais externalidades positivas que cabe ao Estado prover de forma eficiente.
A melhor maneira de atingir esses objetivos passa pela abertura econômica e pela liberalização comercial, e ambas medidas constituem, igualmente, decisões de política doméstica, bem mais do que de política externa, que só pode ser acessória a esses objetivos maiores. A maneira de fazê-lo é necessariamente uma tarefa de política interna, tanto por razões estruturais quanto conjunturais, e é fácil identificar as razões.
O Brasil é hoje um país introvertido, o mais fechado do G-20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo, que todas possuem coeficientes de abertura externa bem superiores ao exibido pelo Brasil. Numa fórmula simples, somos estruturalmente, sistemicamente protecionistas. No plano conjuntural, contudo, o mundo atravessa uma fase de relativa estagnação nas iniciativas e propostas de negociações comerciais multilaterais, e não há muito o que esperar da OMC, daí a razão dos muitos acordos de livre comércio em escala regional, ou dos esquemas mais abrangentes do que as zonas de comércio preferencial, restritos aos países dispostos a ir além dos meros mecanismos de acesso à mercados para entrar no terreno regulatório e nos novos temas dos intercâmbios globais (investimentos, serviços, propriedade intelectual, etc.). O Brasil, como no caso da abertura tarifária, está singularmente ausente desse universo negociador, o que constitui mais uma razão para que as iniciativas nesse terreno sejam também de origem basicamente interna.
Abertura econômica e liberalização comercial constituem, portanto, os dois grandes objetivos das medidas de política doméstica que precisam e devem ser coadjuvados pela política externa e pela diplomacia para produzirem resultados benéficos no curto e no médio prazo. Foram esses dois elementos que contribuíram, junto com as privatizações, para maiores ganhos de produtividade na economia brasileira no curso dos anos 1990, quando importantes reformas foram feitas nessa direção, o que preparou o Brasil, a partir da estabilização macroeconômica conduzida entre 1994 e 1999, para a fase de maior crescimento na primeira metade dos anos 2000, expansão revertida logo adiante pelas políticas equivocadas adotadas pelos dirigentes políticos entre 2003 e 2016.
É nesse contexto de reformas estruturais importantes, a serem implementadas nos planos interno e externo, que se situa a importante decisão tomada pelo atual governo de transição no sentido de solicitar adesão plena do Brasil à OCDE, o “clube das boas práticas” que pode contribuir para esse processo de reformas que o Brasil deve perseguir no seu próprio interesse nacional. A OCDE possui notória expertise e vasta experiência nos terrenos das reformas fiscais, setoriais e sociais, com destaque para as áreas de políticas comercial, industrial, tecnológica e educacional, ou seja, tudo o que o Brasil necessita para deslanchar um novo salto no plano do crescimento sustentado. Os requerimentos de entrada podem, aliás, apoiar as reformas.
O Brasil sempre privilegiou a via multilateral e a coordenação regional em diversas áreas, inclusive em matéria de integração econômica. O que caberia fazer agora seria recuperar a autonomia da política externa na coordenação das políticas nacionais em todas as áreas de negociações internacionais e regionais, compatíveis com as reais necessidades da economia e da sociedade nacional. O Brasil é grande o suficiente, e dotado de uma diplomacia suficientemente preparada, para poder atuar de modo independente nos mais diferentes foros de negociações internacionais, sem precisar de uma coordenação redutora em certas áreas, o que o acaba levando a um mínimo denominador, em escala regional ou em outras esferas, distante, portanto, de objetivos mais ambiciosos, que correspondem ao seu novo objetivo de integração plena à economia mundial.
A plena capacitação tecnológica de sua economia, por exemplo, pode e deve-se fazer numa abertura decisiva em direção de tradicionais parceiros de seu processo de desenvolvimento e atendendo a requisitos objetivos de centros de estudos reputados por sua qualidade técnica e visão objetiva. Políticas sociais e educacionais, ou mesmo a regulação setorial, ganhariam bem mais com a adoção de padrões já adequadamente testados em países avançados, todos pertencentes à OCDE, do que em experimentos descolados da vida empresarial, ou estimulados num âmbito puramente governamental.
Qualquer consulta aos relatórios técnicos mais relevantes da economia global — competitividade, ambiente de negócios e liberdade econômica — revela que o Brasil não avançou, e que, de fato, ele recuou em vários desses indicadores globais ou setoriais. Cabe agora avançar, para recuperar o atraso acumulado em várias áreas.
O que se propõe, portanto, é a adoção verdadeiramente estratégica de todos esses indicadores, refinados e adaptados ao nosso contexto, para guiar as diretrizes setoriais da política externa e da diplomacia brasileira nesse esforço de integração do Brasil à economia global. Os relatórios do Fórum Econômico Mundial sobre competitividade, os do Banco Mundial sobre “Fazendo Negócios” e os do Fraser Institute sobre liberdades econômicas deveriam converter-se em manuais práticos de nossos técnicos econômicos e diplomatas na redefinição de amplas áreas da regulação nacional tratando de políticas econômicas externas e de relações econômicas internacionais. Uma leitura atenta desses relatórios, confrontando indicadores relativos ao Brasil com os de outros países, inclusive economias menores ou nações de menor renda per capita que a brasileira, revela o que já se sabe: nosso país apresenta inúmeras distorções macro e setoriais, quase todas derivadas da burocracia estatal, de um sistema tributário inadequado, de uma regulação excessivamente intrusiva, tudo isso fazendo um ambiente de negócios extremamente negativo para o empresariado nacional. Todos esses relatórios exibem um número excessivo de idiossincrasias brasileiras, ou mais exatamente do Estado brasileiro.
A diplomacia brasileira pode, em consequência, identificar como outros países, colocados num mesmo patamar de desenvolvimento, atuaram sobre os mecanismos mais distorcivos e mais perversos que retiram competitividade aos produtos e serviços, indicadores que colocam o Brasil nos piores lugares em escala comparativa. A Índia, por exemplo, deu enormes saltos de produtividade e de competitividade no plano mundial simplesmente ao identificar os critérios no levantamento do Banco Mundial que a colocavam numa classificação muito baixa no ranking do Doing Business: o trabalho feito de correção dessas distorções levou-a, em poucos anos, a ultrapassar o Brasil na classificação geral. O mesmo pode ser feito pela diplomacia brasileira em diversos outros componentes de políticas setoriais, identificando as melhores práticas pelos países que apresentam indicadores mais favoráveis ao ambiente de negócios.
O mesmo se estende, por exemplo, aos mercados de capitais, regimes laborais, sistemas de inovação, funcionamento do ensino público e sua complementação pelo setor privado nos diversos níveis e várias outras áreas problemáticas no atual cenário brasileiro: a diplomacia pode, e deve, trazer uma grande contribuição para diagnósticos realistas sobre as disfunções brasileiras, atribuindo-se depois à política externa a missão de negociar eventuais acordos de cooperação para que as prescrições adequadas sejam seguidas de propostas concretas de reformas setoriais, em linha com padrões existentes de qualidade em países de melhor desempenho nessas áreas. Aqui, novamente, os estudos da OCDE e os relatórios do Banco Mundial poderiam prover o Brasil de todas as informações necessárias a esses diagnósticos, com vistas a estabelecer as prescrições adequadas. O resto é liderança política…

Sobre o autor

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI-MRE.

Como citar este artigo

Mundorama. "A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel?, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais,. [Acessado em 10/01/2018]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/?p=24351>.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Diplomatas "ganham" o seu sindicato proprio; farao bom uso dele?

Por princípio, sou um libertário, ou seja, contra qualquer corporação de ofício, guilda, cartel, e, não hesito em dizer, sindicatos em geral. Pode ser que sindicatos sejam benéficos aos seus afiliados, mas não tenho certeza de que também o sejam para a sociedade como um todo. Certos sindicatos são máquinas de provocar desemprego, o que não é o caso do sindicato dos diplomatas, que entram na carreira por concurso, todos, e são avaliados, em princípio, por mérito (nem sempre ocorre...).
Digo isto porque hoje, 19/12/2017, recebo a notícia de que, no dia 18 de dezembro de 2017, foi deferido o Registro Sindical do Sindicato dos Diplomatas Brasileiros.
A Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) agora é também um sindicato.
 
A pessoa que me mandou a notícia acrescentou: 
"Parabéns a todos por esse importante passo na defesa dos interesses da diplomacia brasileira."
 
Não tenho certeza disso, pois os interesses da diplomacia brasileira não necessariamente coincidem com os interesses dos diplomatas, que podem estar mais focados em ganhos próprios, em nível individual (promoção, remoção, postos, chefias, prebendas, etc.), do que propriamente nos interesses nacionais.
Digamos que podem coincidir, mas não necessariamente.

Pode-se transcrever, a propósito, trecho do famoso discursos pronunciado por José Maria da Silva Paranhos, o grande Visconde do Rio Branco, que ele fez no Senado do Império, em 5 de junho de 1865, ao voltar, humilhado, de sua missão no Prata, quando tinha conseguido converter o governo uruguaio de "hostil", a amigo dos brasileiros, mas acabou sendo
demitido por conveniências da política interna. Na ocasião ele disse:

Sempre professei ainda hoje professo que a política externa não deve estar sujeita às vicissitudes da política interna, que deve ter princípios tradicionais e fixos, comuns a todos os partidos; e, seguramente, senhores, desgraçado o país que, depois de tantos anos de independência como conta o Brasil, nem ao menos tenha ainda princípios fixos acerca de sua política externa com relação aos estados limítrofes.

José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco), Anais do Senado, Sessão de 05/06/1865, Apêndice, p. 3, in: Cesar de Oliveira Lima Barrio: A Missão Paranhos no Prata (18664-1865): diplomacia e política na eclosão da guerra do Paraguai (Brasília: Funag, 2010), p. 142.
 
O próprio filho do Visconde, depois Barão do Rio Branco, ao assumir o cargo de chanceler, em dezembro de 1902, deixou claro, em seu primeiro pronunciamento, que não tinha vindo servir a partidos, mas ao Brasil. Como a frase é por demais conhecida, deixo de transcrevê-la por inteiro.
Mas, lembrei-me agora de uma carta de Ribeiro Couto, um intelectual diplomata de meados do século XX, que ficou muitos anos em Belgrado, quase esquecido. Em carta para o seu amigo Afonso Arinos de Melo Franco Filho, em 1956, ele escrevia: 

Assisto daqui [Belgrado, 1956] ao formidável páreo em que os valores históricos se chocam. Mas, para o Itamaraty, mando sempre menos do que poderia mandar, pois NUNCA RECEBI INSTRUÇÕES POLÍTICAS, e até ignoro (por isso mesmo) se o Brasil tem uma 'política exterior'. Cada vez gosto mais do meu posto em Belgrado. Nado de braçada nestas águas comunistas. Isto é um pequeno universo no qual forças rebeldes se esforçam por criar um 'socialismo'inédito. O povo passa miséria. Mas o posto é excitante. As experiências que os idealistas e os malucos fazem aqui, servirão para nós. Quer dizer: saberemos, graças aos de cá, AQUILO QUE NÃO DEVEMOS INTENTAR. (...) Que maravilha, servir na diplomacia do nosso tempo! Pena é (repito) que o Brasil não tenha nenhuma política exterior, a não ser pagar pensão [sic; provavelmente bolsas de estudos] para alguns estudantes paraguaios e bolivianos.

Afonso Arinos Filho, "Rui Ribeiro Couto", in": Alberto da Costa e Silva (org.), O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Instituto Rio Branco, 2001), p. 245.
 
Pois é, nada como ler os antigos para constatar o que existe de novo na diplomacia brasileira. Agora temos um sindicato. Vai melhorar?
Não sei...
 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19 de dezembro de 2017