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quarta-feira, 26 de junho de 2019

Oliver Stuenkel: política externa de Bolsonaro provoca incertezas na AmSul

Como a política externa caótica de Bolsonaro preocupa o resto da América do Sul

Diplomatas na região começaram a considerar o Brasil uma fonte de instabilidade

Oliver Stuenkel, da Americas Quarterly
25/06/2019 - 09:51 / Atualizado em 25/06/2019 - 13:51
O presidente Jair Bolsonaro Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
O presidente Jair Bolsonaro Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Quando se trata de política externa, as ideias controversas do presidente Jair Bolsonaro e de seus conselheiros mais próximos, como os  riscos do “globalismo”, o ceticismo em relação a instituições multilaterais como as Nações Unidas e a convicção de que o aquecimento global não passa de um complô marxista, já deixavam apreensivos muitos diplomatas da região. Ademais, simplesmente transparecer qualquer possibilidade de apoio brasileiro a uma intervenção militar americana na Venezuela já disparou os alarmes dos Ministérios de Relações Exteriores  dos países vizinhos.
O que mais preocupa os diplomatas da América do Sul, no entanto, não são as ideias de Bolsonaro em si, mas o fato de que a política externa brasileira — e a diplomacia presidencial em particular — se tornou imprevisível. Há um consenso crescente, de Bogotá a Santiago, de que as decisões de Brasília são produto de disputas internas de poder em vez de cálculos estratégicos — uma situação preocupante para os latino-americanos, tendo em vista que a participação ativa do Brasil é crucial para o avanço de qualquer iniciativa na região.
Prestes a completar seis meses no cargo, o atual governante brasileiro parece não ter diretrizes claras quanto ao Mercosul, um diplomata uruguaio  declarou em off: com exceção de ocasionais dicas de Guedes que o Brasil está incomodado com o statu quo . A visita recente de Bolsonaro a Buenos Aires pareceu resumir a falta de coerência que se tornou a marca registrada das relações externas do Brasil desde janeiro. A visita aconteceu após uma série de gestos de desprezo à Argentina , algo sem precedentes desde a redemocratização da década de 1980: a primeira visita internacional de Bolsonaro foi a Santiago, não Buenos Aires, como era tradição na diplomacia brasileira .
Ainda assim, quando finalmente visitou a Argentina, o volátil presidente se mostrou subitamente animado com a ideia de uma moeda única entre os dois países , um projeto que, no cenário mais otimista, levaria décadas para ser implementado e exigiria um compromisso extremo de integração regional. Sem titubear, Bolsonaro pareceu apoiar uma integração no estilo da União Europeia,  ideia que vai  de encontro a tudo que seus conselheiros antiglobalistas mais próximos acreditam ser necessário para preservar a soberania e a autonomia do Brasil. Semanas antes, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um  propagador de teorias conspiratórias, declarou publicamente que torcia pelo Brexit e pelo êxito dos candidatos nacionalistas de direita nas eleições do Parlamento Europeu.
“É difícil levar tudo isso a sério”, afirmou um cientista político argentino enquanto Bolsonaro embarcava de volta para Brasília.
Países de menor porte, como o Uruguai, estão sem saber como reagir ao que fica cada vez mais aparente: Bolsonaro e Araújo carecem de qualquer tipo de visão coerente sobre o que eles esperam ver na região — além do desejo de que partidos de direita vençam as eleições pelo continente. Mas ao repetidamente alertar os argentinos sobre os perigos do retorno ao poder do movimento da ex-presidente Cristina Kirchner nas eleições de outubro, Bolsonaro cometeu um erro de principiante. Não só sua retórica foi de pouca ajuda para o presidente Macri — cujas esperanças de reeleição dependem de sua habilidade em atrair eleitores moderados, que veem Bolsonaro com maus olhos — como também pode criar um problema para o Brasil caso o kirchnerismo retorne de fato, afetando negativamente a mais importante relação bilateral na América do Sul. Enquanto os interesses em integração regional forem baseados em alinhamentos ideológicos temporários, não há muita esperança para um debate construtivo de longo prazo sobre o futuro da região.
Outra mudança de diretriz de último minuto pegou de surpresa até membros da alta cúpula do governo brasileiro. Bolsonaro reconheceu formalmente María Belandria, enviada da oposição venezuelana, como embaixadora no Brasil, após se recusar a fazê-lo dias antes. A decisão foi uma derrota para a ala militar de seu governo, que já o tinha convencido contra a decisão. Os conselheiros militares de Bolsonaro argumentaram que reconhecer formalmente Belandria era uma provocação desnecessária, que poderia atrapalhar as tentativas do país de normalizar a situação na fronteira reaberta havia poucos dias, após meses fechada. A mudança abrupta aumentou as preocupações de governos da região sobre a previsibilidade da política externa de Bolsonaro — e como um diplomata europeu delicadamente comentou, Bolsonaro era um “parceiro difícil”.
A economia  cambaleante do Brasil e sua instabilidade política devem aumentar as chances de que 2019 seja um ano perdido para a política externa do país, já que reduzem a capacidade do governo de articular e implementar um projeto internacional coeso. Um olhar sobre a política externa do Brasil desde a redemocratização sugere que ativismo internacional só é possível se as coisas estiverem em ordem dentro de casa — como foi o caso (com alguns tropeços) entre 1995 e 2013. Só quando a hiperinflação foi superada o presidente Fernando Henrique Cardoso teve tempo e credibilidade para desenhar uma estratégia internacional, e o Brasil se manteve como um ator importante por quase duas décadas. Ainda assim, desde os protestos de 2013, nenhum presidente brasileiro teve tranquilidade e aprovação popular para ter impacto no exterior, com efeitos na vizinhança.
Muitos fatos sugerem que, em 2019 — e possivelmente depois —, Bolsonaro estará  bastante ocupado com desafios domésticos para seguir com seu ativismo na política externa. Nesse sentido, a política brasileira é diferente da americana, em que presidentes impopulares às vezes reforçam seu ativismo externo, haja vista o fato de a política exterior ser a única área  onde podem atuar livremente. A política externa brasileira, em contraste, só é significativa quando os presidentes são populares internamente, o que não parece ser o caso de Bolsonaro. As consequências são graves. Um Brasil com o olhar voltado para dentro deve limitar drasticamente a capacidade de a América do Sul articular e implementar uma estratégia clara para seus muitos desafios em comum e lidar em conjunto com um cenário político global cada vez mais imprevisível.

República Islâmica do Brasil? Pode ser... - Jamil Chade

Brasil se abstém em voto sobre saúde sexual e reprodutiva na ONU

Jamil Chade
UOL notícias, 26/06/2019
O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, com o secretário de Estado americano Mike Pompeo em Washington (ERIC BARADAT/AFP)
Novo posicionamento do Brasil sobre temas sexuais, reprodutivos e de gênero cria choque com velhos aliados e, ironicamente, deixa o país mais próximo de governos islâmicos.
 GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro se absteve nesta quarta-feira na votação de trechos de uma resolução da ONU que falava da necessidade de garantir "saúde sexual e reprodutiva" a pessoas afetadas por crises humanitárias. A iniciativa por tentar derrubar tais referências foi do governo de Donald Trump, sem sucesso.
A resolução debatida no Conselho Econômico e Social da ONU se referia a um fortalecimento da coordenação dos trabalhos humanitários internacionais. O UOL apurou que a Casa Branca fez uma pressão importante para obter o apoio do Brasil e, pelo menos, evitar que o Itamaraty apoiasse a proposta original.
O voto ocorreu no mesmo dia em que o jornal Folha de S. Paulo também revelou que diplomatas brasileiros receberam nas últimas semanas instruções do Itamaraty para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem "o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino".
O debate vem em meio a uma ofensiva do atual governo para desfazer algumas das posições tradicionalmente tomadas pelo Brasil nos últimos 18 anos. Uma das principais delas se refere ao termo gênero, considerado dentro de parte do governo como uma "construção social".
Mas a transformação da posição do Brasil nos organismos internacionais vai além. Se por alguns meses um debate claro foi travado dentro do governo brasileiro sobre como se comportar em votos nas entidades, a consolidação da posição mais conservadora passou a vigorar nas últimas semanas. E foi amplamente notada por governos estrangeiros e ongs.
Um dos exemplos ficou claro na votação desta quarta-feira. Num dos trechos da resolução, o texto falava da necessidade de garantir acesso a pessoa vítimas de crises humanitárias para serviços de "saúde sexual e saúde reprodutiva".
Por insistência do governo americano, porém, um texto alternativo foi apresentado, pedindo apenas que "apoio de saúde para salvar vidas" fosse garantido. O temor dos americanos era de que a frase original daria espaço para políticas pró-aborto.
O novo texto ainda alerta que o aborto não faz parte do direito internacional, ainda que se reconheça que existam países com leis domésticas neste sentido.
"A ONU não pode promover o aborto e nem novos direitos reprodutivos e sexuais", explicou a delegação americana, ao sugerir a emenda ao texto original.
Num segundo trecho da mesma resolução, outra vez um veto a uma referecia à necessidade de que as organizações humanitárias da ONU garantam serviços básicos para populações afetadas, entre eles serviços para assegurar "saúde sexual e saúde reprodutiva".
Em seu lugar, entram referências como "saúde materna, assim como planejamento familiar voluntário e outras opções para evitar o abordo".
Votaram pela ideia americana apenas dois países. Outros nove optaram por se abster, entre eles Rússia, Egito, Paquistão, Bielorrúsia e Quênia, além do Brasil.
Mas votaram contra a proposta americana 30 países diferentes, entre eles Uruguai, Venezuela, Coreia, Romênia, Paraguai, Filipinas, Mali, Malta, Mexico, Marrocos, Holanda, Noruega, India, Irlanda, Japão e Luxemburgo.
Explicação
Ao explicar o voto de abstenção, o governo brasileiro indicou na ONU que estava de acordo com a posição do governo americano de que os conceitos no artigo não eram alvos do direito internacional e que não tinham seu escopo definido. "Nossa preferência, portanto, seria por eliminar essas expressões", disse a diplomata.
Mas, ao mesmo tempo, apoiar o texto americano acabaria ferindo as leis domésticas do país. A proposta também seria contrária às políticas públicas de acesso à saúde no Brasil. "Portanto, vamos os abster", disse.
A Romênia, em nome da UE, criticou a iniciativa dos EUA. Num discurso, o bloco indicou que "lamenta profundamente" a emenda americana e diz que ela rompia um tradicional consenso sobre essa resolução. Canadá, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia também insistiram na necessidade de que direitos reprodutivos e sexuais sejam garantidos.
Com a derrota do projeto americano, o Brasil acabou também se abstendo ao ser questionado se aceitaria manter o parágrafo original, que falava explicitamente de direitos reprodutivos e sexuais. Uma vez mais, a posição do Brasil foi derrotada.
Na sala, ao ver o martelo bater para aprovar a resolução final sem voto, muitos aplaudiram. Mas a representante brasileira na sala não seguiu o aplauso geral.
Após a votação, o Brasil voltou a pedir para explicar sua posição. Apesar de se aliar ao consenso final da resolução geral sobre a questão humanitária, o governo de Bolsonaro indicou que se "desassocia" dos parágrafos referentes a saúde sexual e reprodutiva.
Surpresa 
O caso da votação deixou os europeus e outros países surpreendidos com a posição brasileira. Mas o caso não é isolado. Há poucos dias, delegados de um país membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU pediram a cooperação do Brasil para fazer uma declaração conjunta sobre temas sociais num dos seminários na sede das Nações Unidas.
Os diplomatas prepararam um texto e submeteram aos diplomatas brasileiros para sua consideração. Mas quando o texto voltou, os negociadores estrangeiros levaram um susto. Ao abrirem o arquivo num email, os termos "igualdade de gênero" tinham sido cortados pelo Brasil.
Os diplomatas estrangeiros, que pediram para não ser identificados, se recusaram a aceitar as sugestões de alteração propostas pelo Brasil e decidiram ir adiante com a declaração ignorando a postura do Brasil.
Mas, para os governos de outros países, o caso escancarou a guinada tomada pelo governo de Jair Bolsonaro nos bastidores da diplomacia internacional. Hoje, como parte dos resultados da posição brasileira, a América Latina já não tem uma posição comum sobre temas de igualdade e mesmo sobre saúde reprodutiva.
No lugar de "igualdade de gênero", todos os discursos e resoluções apoiadas pelo Brasil devem agora mudar o termo para "igualdade entre homens e mulheres". No fundo, trata-se de uma orientação sobre determinações biológicas, o que não tem sido apoiado por outros governos ocidentais.
Recentemente, em Nova Iorque, equipes do ministério de Direitos Humanos fizeram discurso em debates, mas sem mencionar o termo "igualdade de gênero". O novo formato: "igualdade entre homens e mulheres".
Na Organização Mundial da Saúde, em maio, o Brasil já também se alinhou ao grupo de países mais conservadores, e muitos deles islâmicos, ao falar de direitos reprodutivos.
Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, se reúne nesta semana para tratar de crimes e violações
Teste
Mas um outro grande teste da nova posição brasileira vai ocorrer nas próximas semanas. No Conselho de Direitos Humanos da ONU, duas resoluções foram propostas e que citam amplamente temas relacionados a gênero.
O Canadá tabulou um texto sobre violência contra as mulheres, enquanto o México lidera uma resolução para combater a discriminação contra a mulher. O problema: os dois textos estão repletos de menções consideradas como indesejadas pelo governo brasileiro.
No texto canadense, por exemplo, existem várias referências à "igualdade de gênero". Há ainda trechos que abrem brechas para o aborto. "Direitos Humanos incluem o direito de ter controle e decidir livremente e de forma responsável sobre assuntos relacionados com sexualidade, à saúde sexual e reprodutiva livre de coerção, violência, e integridade do corpo e autonomia", diz o rascunho do texto, obtido pelo UOL.
Num outro trecho, mais uma polêmica. O texto cita a necessidade de defender "direitos sexuais". Mas, para o Brasil, existem apenas "direitos reprodutivos".
Consultados pelo UOL, diplomatas de países europeus lamentaram a guinada brasileira. O temor é de que, pelo peso do país, a nova posição comece a influenciar outros países menores a votar da mesma forma, minando uma tendência dos últimos 20 anos de ampliar direitos, e não reduzi-los.
Falando na condição de anonimato, diplomatas ocidentais ainda alertaram como a nova posição do Brasil pode, no fundo, dar um apoio decisivo para o grupo de países islâmicos.
Por anos, esses países tentaram encontrar mais apoio para frear uma agenda mais progressista no que se refere aos direitos sexuais e da situação da mulher. Mas não tinham votos suficientes.
Agora, sem uma voz ativa do Brasil neste sentido, o temor é de que um silêncio do Itamaraty deixe o espaço aberto para que os islâmicos acabem prevalecendo com sua visão e que, em alguns pontos, haja uma "irônica coincidência de posições".
No caso da resolução mexicana, diplomatas estrangeiros confirmaram que, por enquanto, o Brasil não se pronunciou. Mas o país latino-americano confirmou que, na única menção ao termo "gênero" no texto, governos como o do Egito, Bahrein e Rússia já solicitaram sua eliminação da resolução como condição para que ela seja aprovada por unanimidade.
Visões Diferentes
O UOL esteve nos debates sobre cada um dos artigos da resolução e presenciou um racha profundo entre diferentes visões de mundo.
Num trecho contestado pelo Paquistão, a diplomata do país com maioria muçulmana explicou que, em sua cultura, os homens sempre deixam as mulheres entrar primeiro em um ônibus. "Não quero perder isso", disse.
Mas ela foi rebatida por um delegado mexicano, contrário à ideia de que tais medidas signifiquem que existe uma igualdade entre homens e mulheres na sociedade. Para o latino-americano, tal gesto pode ser um sinal ou de que os homens consideram as mulheres como sendo mais frágeis ou simplesmente fazem isso para poder olhar de forma maliciosa para as mulheres subindo as escadas do veículo.
Num outro trecho do debate, os governos da Arábia Saudita, Paquistão, Egito e Irã pediam que o Canadá retirasse de sua resolução sobre a violência contra a mulher uma referência à necessidade de se ter uma educação sexual compreensiva.
O Bahrein também se pronunciou. "Não vemos motivo para colocar isso numa resolução de violência contra mulher", disse.
Em resposta, o governo da Argentina saiu ao apoio da educação sexual como forma de frear a violência contra a mulher. "Muitos não sabem nem o que é sexo consensual", disse a diplomata de Buenos Aires durante o encontro.
Reações
A posição do Brasil também é alvo de preocupação de ongs e ativistas. "Se antes o Brasil era visto como um negociador sério, cujas posições tinham peso nos debates em esferas como a ONU e OEA, ver nossos diplomatas defendendo posições atrasadas como vincular gênero ao sexo biológico reduzirá demasiadamente a relevância internacional de nossa diplomacia", disse Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas.
"Estaremos com países párias que usam espaços em prol dos direitos humanos para miná-los? A ministra Damares Alves anunciou no início do ano que o Brasil é candidato à reeleição ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Uma postura como essa do Itamaraty vai na contramão do que se é esperando de um país com tais aspirações", completou Camila Asano.
Gustavo Coutinho, advogado e secretário de Política Sobre Drogas da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), também critica a posição brasileira.
"A posição de entender gênero como sexo biológico vai contra a Constituição Federal e ao entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 4275", disse. "O STF já reconheceu o direito à autodeterminação de gênero, desconstruindo um paradigma biologizante e patologizante", declarou.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

O desmonte da diplomacia brasileira - Mara Gabrilli (OESP)

O desmonte da nossa diplomacia

Mara Garbrilli
O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 2019
Mara Gabrilli. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
“Não é qualquer um que entra na nossa casa. Nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros.” Esta foi uma das primeiras declarações de impacto internacional proferidas por Jair Bolsonaro ao assumir a Presidência e declarar a saída do Brasil do Pacto Global da Migração.
Na ocasião, o chanceler Ernesto Araújo assegurou que os imigrantes eram bem-vindos ao nosso país, mas não de forma indiscriminada. Ao diplomata, no entanto, faltou fazer contas: nosso país tem apenas 1 milhão de residentes estrangeiros – menos de 0,5% do total da população brasileira. Em contrapartida, há 3 milhões de brasileiros vivendo fora do País. Todos agora desassistidos.
Por outro lado, se opondo aos princípios da reciprocidade, desde março está em vigor um decreto presidencial que dispensa — de forma unilateral — a necessidade de visto para entrada de cidadãos dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália.
Com a decisão, o Brasil ganha incentivando o turismo, mas abre mão de um acordo migratório promissor para se colocar em uma situação de subserviência aos EUA e à política imprevisível de Donald Trump, a quem o presidente já mostrou grande afeição, mas pouco senso crítico para ponderar decisões.
Não fosse, aliás, a capacidade mesmo que tardia da ala militar e de ruralistas, de convencer o presidente a voltar atrás da decisão de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, o prejuízo do nosso país em exportações seria bilionário. Atualmente, o Oriente Médio representa 10% das exportações brasileiras. Israel, por outro lado, menos de 1% do comércio exterior do País.
A inabilidade do governo em conversar com o restante do mundo e manter acordos firmados nos coloca em risco em diversos âmbitos além do prejuízo em cifras. Perdemos em conquistas imensuráveis, como o reconhecimento de sermos uma nação aberta ao diálogo, ao acolhimento de outros povos e aos direitos humanos.
Características do nosso soft power (habilidade de um país conseguir o que deseja sem fazer uso de arsenal bélico, mas de sua imagem, cultura e paciência) que hoje corre riscos diante de uma política internacional ufanista e inclinada – ora por religião, ora por convicções pessoais do próprio presidente.
Durante a 63.ª sessão da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres, ocorrida em março, o governo brasileiro deixou isso claro ao afirmar que não deveria haver nenhum tipo de interferência do Estado que pudesse dissolver ou enfraquecer a “estrutura da tradicional família”. Este não é o posicionamento esperado de um governo que surgiu com a promessa de livrar o Brasil de ideologias.
Ideologizar parece ser o verbo da vez. Recentemente, mais uma vez por meio de decreto, o governo extinguiu todos os cargos de peritos do Mecanismo Nacional contra a Tortura, organismo que desempenhava papel fundamental na exposição de casos graves de tratamento cruel, desumano e degradante em penitenciárias por todo o País.
O desmonte na fiscalização pode ampliar a violência nos presídios e consequentemente nas ruas. Afinal, o melhor parâmetro que se pode ter sobre a segurança pública de uma nação é medido pela situação de seus presídios. Torturar gente não é estratégia de correção social. Ao contrário, devolvemos à sociedade o que oferecemos à população carcerária. E o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo. São cerca de 720.000 detentos e um vasto histórico de violações em instituições estatais.
O governo, na tentativa de coibir a violência, optou (novamente por decreto) – flexibilizar o porte e a posse de armas da população. E o fez por meio de um texto – sem precedentes em todo o mundo – que, entre outros ineditismos, aumentava de 50 para 5.000 o limite de projéteis que podem ser adquiridos anualmente por uma única pessoa. O número extrapola – até mesmo nas terras de Trump – a quantidade considerada razoável para ser consumida para defesa pessoal.
Passado o primeiro semestre de mandato, o governo ainda tem o desafio de resolver a equação negativa de suas relações com o mundo. Temos mais erros que acertos a comemorar, mas ainda há tempo de conciliar interesses do Brasil com outros países do mundo, inclusive com ideais alinhados àqueles de primeiro mundo.
Nações desenvolvidas não ignoram pactos internacionais que foram pensados para proteger, por exemplo, o meio ambiente, pois entendem que as mudanças climáticas podem ameaçar o progresso e empurrar mais de 120 milhões de pessoas para a pobreza extrema. Nações que visam a prosperidade entendem também que o respeito à diversidade humana e a igualdade de gênero são pautas que impactam além das relações internacionais, a economia em seu próprio território.
Como senadora e membro de um Comitê na Organização das Nações Unidas, testemunho no dia a dia a importância das relações de cordialidade e respeito na diplomacia entre os países. Quem quer crescer não compreende organismos como a ONU como mera sigla. Muito pelo contrário: quem está ao lado do desenvolvimento não compactua com retrocessos e não nega a importância desses mecanismos. E o presidente já o fez certa vez, quando manteve o Ministério dos Direitos Humanos, acenando positivamente aos brasileiros mais vulneráveis, e que tanto carecem da proteção do Estado.
Apesar das recentes decisões da política externa, ainda mantemos o prestígio da nossa diplomacia, reconhecida e respeitada em todo o mundo – disso não podemos abrir mão.
Já passou da hora de descer do palanque e olhar para o futuro do País e do planeta.

*Mara Gabrilli, senadora (PSDB-SP), publicitária, psicóloga, foi deputada por dois mandatos, vereadora de São Paulo e secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista. Em 2018, em uma conquista inédita para o país, foi eleita membro do Comitê da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Após sofrer um acidente de carro que a deixou tetraplégica, fundou uma ONG, em 1997, para apoiar o paradesporto, fomentar pesquisas cientificas e promover a inclusão social em comunidades carentes.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Embaixadas e legações do Brasil, desde o século XIX - Rogerio S. Farias e Frederico A. Ferreira

O Rogério de Souza Farias é, sem qualquer hipótese de engano meu, o historiador oficial do Itamaraty, ainda que o cargo não exista (ainda), e talvez não venha a existir pelos próximos anos (ainda que eu venha insistindo para que se crie tal cargo, que todas as chancelarias de respeito possuem, desde muitos anos, desde décadas). Vou continuar insistindo nisso.
No momento, recebo com imensa alegria, a obra que ele finalmente conseguiu terminar em primeira edição, com a cooperação do colega Frederico Antonio Ferreira: 

Legações e Embaixadas do Brasil
1ª ed. – Brasília : Funag, 2019

Coloquei esta versão preliminar à disposição dos interessados, neste link: 
https://www.academia.edu/s/9cb10efbb7/embaixadas-e-legacoes-do-brasil-rogerio-s-farias-frederico-a-ferreira-2019

Ele me enviou a seguinte mensagem, que partilho com todos os interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de junho de 2019


Prezados(as) colegas,


Já havia encaminhado um email para muitos de vocês sobre novidades do Rio de Janeiro. Agora, mais uma vez um email a título pessoal para os que estudam história da política externa brasileira e têm interesse nos acervos de Brasília.  

Primeiro, está digitalizada toda a série "Almanaques/Anuários de pessoal". Muitos números já estavam disponíveis na Biblioteca Nacional, mas a última edição de lá é de 1977 e são apresentados na plataforma não tão amigável do Docvirt. Agora, com a grande ajuda do Chdd, todas as edições estão disponíveis neste link

Segundo, em julho, se tudo der certo, conseguirei, em colaboração com a biblioteca, iniciar a digitalização da série circulares postais das décadas de 1970 e 1980. A DCA gentilmente emprestou temporariamente um scanner CZUR para a tarefa. É um projeto piloto. Poucas pessoas sabem, mas a biblioteca em Brasília conta com grande volume de documentos, inclusive os relatórios das delegações do Brasil às Assembleias Gerais da ONU e muitos panfletos raros. Diria ser o "quarto" arquivo do MRE de Brasília.

Terceiro, estou na fase final de revisão do volume da história administrativa e listagem de chefes de postos diplomáticos, iniciativa em colaboração com o meu colega Frederico Ferreira, chefe do arquivo no Rio de Janeiro. A última versão do rascunho vai anexa. Será acompanhada dos dados em CSV/Excel para os pesquisadores darem destinação mais criativa e uma página com dashboards apresentando as informações de forma sistemática e amigável (teste por enquanto hospedado aqui.

Do ponto de vista dos meus colegas do arquivo, há muitos avanços: 

1) Ano passado foi concluída a digitalização da série Informações ao Presidente da República, na minha opinião o acervo mais importante do regime militar (vai até 2002, mas nem tudo foi desclassificado ainda); 

2) Provavelmente até outubro será concluída a digitalização dos microfilmes de ofícios, circulares telegráficas, telegramas e série chanceler do período que vai do final da década de 1960 até o fim da década de 1980. Serão provavelmente mais de 30 TB com centenas de milhares de páginas;

3) Conclusão da reforma das novas salas de pesquisa. Agora é possível acolher pelo menos quatro pesquisadores concomitantemente;

4) Foram reiniciadas conversas com a área de ciência da informação da UnB para uma consultoria sobre o arquivo que definirá um projeto para sanar as pendências junto ao CONARQ/Arquivo Nacional, identificará problemas na organização e preservação do acervo, confeccionará os documentos para subsidiar a contratação de equipe de digitalização e criará um repositório institucional (ATOM) para a disponibilização do material digitalizado aos pesquisadores.

Este último ponto é um gargalo muito sério para os usuários e a ideia é que atenda as necessidades do Rio de Janeiro também. 

5) A série "Memorandos" é a melhor para compreender o processo decisório interno do MRE, sendo possível inclusive identificar os debates que levavam à confecção das Informações ao Presidente da República. Agora, ela finalmente está bem organizada, mas infelizmente ainda não há planos de digitalização, o que é uma pena. Futuramente tentarei discutir a possibilidade de um grupo de historiadores compartilharem o custo de um estagiário de pesquisa para não ter de esperar o incerto processo de digitalização futuro (é isso que estou fazendo com as circulares postais no momento).

Enfim, tendo experiência desde 2004 com a área, posso afirmar que nunca houve perspectiva tão otimista, apesar de todos os constrangimentos orçamentários e entraves naturais da burocracia.

Por favor circulem as informações para seus orientandos que se interessem pelo tema.

Abraços,
Rogerio de Souza Farias
IPRI-Funag/MRE

terça-feira, 21 de maio de 2019

Diplomacia não tem ideologia - André Motta Araújo

Diplomacia não tem ideologia

País algum com uma diplomacia organizada opera fora de seu projeto geopolítico que não tem cor. Valem os interesses do País e nada mais.

Diplomacia não tem ideologia

por André Motta Araújo

A proclamação da República em 15 de novembro de 1889 enfrentou um grave problema de reconhecimento externo do novo regime. O Império era respeitabilíssimo na Europa, muito mais que qualquer outra República da América Ibérica. Os republicanos tinham fundados receios de resistência ao reconhecimento do novo regime pelas monarquias europeias, especialmente pela Inglaterra. O Império Britânico estava no seu apogeu, a soberana era a Rainha Vitória e o Primeiro Ministro era o irascível Lorde Salisbury (Robert Gayscone Cecil). Como Londres iria reagir à deposição do soberano Dom Pedro II, aparentado com os Habsburgos e Bourbons, um monarca sólido, muito respeitado, com reputação impecável, modernizante e progressista?
O primeiro Ministro de Relações Exteriores da República, Quintino Bocaiuva tinha essa como sua maior preocupação, a República dependia do reconhecimento fundamental do Império Britânico, maior parceiro comercial do Brasil e principal financiador do Estado brasileiro desde a Independência.
O grande historiador Rocha Pombo, em sua básica HISTÓRIA DO BRASIL, em cinco volumes, dedica dois capítulos longos a esse tema.
Como o Império Britânico reagiria ao novo regime, sendo esse Império símbolo das monarquias reinantes no planeta?
Rocha Pombo mostra o extraordinário pragmatismo do Foreign Office em Londres. O telegrama de Lorde Salisbury, que acumulava os cargos de Primeiro Ministro e Secretário de Relações Exteriores ao Embaixador inglês no Rio de Janeiro era direto e simples: “O novo regime controla o território? Se a resposta for afirmativa, reconheça-o”.  A maior monarquia do planeta não se prendia a simpatias e sim ao realismo pragmático.
Décadas depois o mesmo império Britânico dava provas de seu pragmatismo, fruto de séculos de experiência e história. Em 1917 a Revolução Soviética liquida com a monarquia russa, cujo titular, Nicolau II, era primo-irmão do Rei da Inglaterra, Jorge V, ambos netos da Rainha Vitória, fuzilado pelos bolcheviques em Ekaterimburgo.
Em 1929 Londres reconhece o novo regime no que era o antigo Império Russo, agora a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, o mesmo regime que assassinou o primo do monarca reinante, o mesmo Jorge V. Em Moscou mandava o arqui-inimigo Stalin. Mas Londres não vive de lágrimas.
O reconhecimento tinha como objetivo para o Império Britânico a abertura do imenso mercado suas máquinas, locomotivas, caminhões. A URSS tinha como pagar. Enquanto o mundo inteiro entrava na grande crise do capitalismo de 1929, a Rússia não sendo capitalista estava imune.
A Rússia tinha ouro, petróleo, madeiras, tinha vastos recursos financeiros que lhe permitiram abrir em Londres, como parte do reconhecimento britânico, um grande banco, o Moscow Narodny Bank Ltd., para financiar o comércio exterior soviético.
Abriu em Londres também uma grande empresa de comércio, a Arcos Trading Ltd. O Império Britânico não podia querer mais, ganhou novo parceiro comercial de peso, passando por cima dos cadáveres da família imperial Romanoff, parentes de sangue do Rei.
Nenhuma ideologia, rancor, vingança, apenas interesse geopolítico e econômico. Assim é a diplomacia britânica, com sua secular experiência.

A DIPLOMACIA DA REPÚBLICA DE 1946
O Brasil construiu sólida base de pragmatismo diplomático a partir de sua marcante participação no bloco dos Aliados na Segunda Guerra. Essa participação não foi somente pelo envio de uma divisão completa ao teatro de guerra da Itália. Foi especialmente pela liderança brasileira nas duas cruciais conferências de 1942, a de Havana e a do Rio, quando o Brasil liderou a América Latina ao lado do bloco anglo-americano. Não foi pouca coisa.
Havia no continente forte corrente de neutralidade, liderada pela Argentina, que o Brasil venceu, levando todas as nações latino-americanas, com exceção de Argentina e Chile, para o lado dos Aliados, pela extraordinária liderança do chanceler Oswaldo Aranha, depois figura de proa na criação das Nações Unidas.
Desde então a diplomacia brasileira ganhou peso e importância máxima como instrumento de pragmatismo diplomático, cujo ponto alto foi o Governo Geisel que, representando um regime de direita, reconheceu em primeiro lugar os regimes marxistas de Angola e Moçambique, seus antípodas ideológicos, para com isso ganhar influência e projeção de poder nessas ex-colônias portuguesas, capital infelizmente destruído pela cruzada moralista brasileira.
Esse pragmatismo sem ideologia foi a marca da diplomacia brasileira desde o fim da Segunda Guerra até 2018.

A DIPLOMACIA PRAGMÁTICA DA FRANÇA
País símbolo da diplomacia por um dos seus maiores construtores, o Príncipe de Talleyrand (Charles Maurice de Talleyrand Perigord), a França vende a alma para não perder o negócio. Conseguiu uma proeza extraordinária em manter seus laços culturais, econômicos e políticos com suas ex-colônias africanas, com uma diplomacia de primeiríssima qualidade. Levou ao Ministro na França dois grandes líderes africanos, Leopold Senghor e Felix Houphouet Boigny, este último membro da Academia Francesa e deputado à Assembleia Nacional em Paris, enquanto Felix Boigny foi Ministro da Saúde da França, depois Presidente da Costa do Marfim, uma costura diplomática extraordinária., lembrando que o General De Gaulle, detestado por Roosevelt, se aliou a Stalin como contra-vapor, sendo De Gaulle um direitista convicto mas as alianças não tem cor e nem lado.
O Presidente da França, Valery Giscard d Éstaing , assistiu impassível à coroação do Imperador Bokassa para manter esse território sob o guarda-chuva francês, sendo Bokassa um bárbaro.

DIPLOMACIA NÃO TEM LADO
País algum com uma diplomacia organizada opera fora de seu projeto geopolítico que não tem cor. Valem os interesses do País e nada mais.
Visão e operação fora da realidade nada significam a não ser puro amadorismo cujo preço pode ser o infinito, um País não é um brinquedo.