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terça-feira, 25 de junho de 2019

Antibolsonaristas querem o Brasil fora do BRICS - André Motta Araújo (Jornal GGN)

Parece que o pessoal da esquerda vai um pouco além do posicionamento contrário à política externa de Bolsonaro, inspirada no guru da Virgínia e zelosamente implementada por um dos Bolsokids e o chanceler da Terra (quase) Plana. Eles não se conformam com o alinhamento à política externa trumpista e já querem ver o Brasil fora dos BRICS, o que provavelmente não vai ocorrer, não pelo menos agora.
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil fora dos BRICS, por André Motta Araújo

Todos os nomes que estão sendo hoje circulados para representar o Brasil tem fortes ligações com os EUA, o que deverá ser muito mal visto pelos demais países sócios do Banco, razão pela qual podem provocar alguma manobra para tirar a vez do Brasil, que deveria ter a próxima Presidência.

O Brasil fora dos BRICS

por André Motta Araújo


O grupo de grandes países emergentes que tem 40% da população mundial é uma realidade geopolítica, hoje consubstanciada no New Development Bank, o banco dos BRICS, com sede em Shangai, cuja próxima Presidência DEVERIA ser do Brasil, mas provavelmente não será. O Brasil foi fundador entusiasta do Banco dos Brics e tinha lá como seu representante e diretor um nome de alto prestígio, o economista Paulo Nogueira Baptista Jr., que tinha sido o diretor brasileiro do Fundo Monetário Internacional por muitos anos.
Nogueira Baptista foi afastado de seu cargo pelo governo brasileiro, sendo sem dúvida o mais experiente nome para esse cargo, dada sua longa experiência em instituições financeiras multilaterais.
Todos os nomes que estão sendo hoje circulados para representar o Brasil tem fortes ligações com os EUA, o que deverá ser muito mal visto pelos demais países sócios do Banco, razão pela qual podem provocar alguma manobra para tirar a vez do Brasil, que deveria ter a próxima Presidência. Para os demais sócios não teria sentido ter na Presidência um quinta-coluna de Washington, dado que o banco foi criado exatamente para não estar sob a influência dos EUA, em contraposição ao Banco Mundial.
O Brasil simplesmente se afastou neste novo governo, de forma ostensiva, desagradável, estridente, ilógica, pouco inteligente e nada diplomática do conceito geopolítico que embasa esse bloco de países, cuja base é se opor a pretensão imperial dos Estados Unidos em política externa.
Não é um enfrentamento direto, é uma disputa por áreas de influência no mundo, considerando que os EUA pretendem continuar a exercer um modelo que ao fim do dia traz mais problemas que soluções às relações internacionais. O consenso evidente do conceito BRICS é que seus componentes, Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul, tenham, no mínimo, uma política externa INDEPENDENTE daquela que é a linha imperial dos Estados Unidos. Um alinhamento a Washington automaticamente desqualifica um País a pertencer ao bloco.
Ora, a postura do atual governo, se oferecendo, sem que isso tivesse sequer sido sugerido pelos americanos, como alinhado total de Washington, mais do que isso, à Administração Trump, malvista no mundo inteiro, da União Europeia à Ásia e com um único aliado automático, Israel, tira o Brasil da lógica do bloco BRICS, é uma evidência óbvia, de consequência geopolítica.
Na próxima reunião do G-20, em Osaka, no Japão, haverá uma reunião paralela dos BRICS, para a qual o Brasil não deve ser convidado. A atitude nem sequer é hostil, é apenas lógica. Se nessa reunião se tratar de discussões sobre a situação mundial, onde existem conflitos, onde de um lado estão Russia, China e Índia, como no caso da guerra comercial e de outro estão os EUA, como confiar na mesa em um parceiro que é alinhado absoluto de Washington?
UMA OPÇÃO ERRADA
Os EUA são o passado e não o futuro. A posição relativa dos EUA no arranjo econômico mundial é decrescente há décadas. Em 1945 os EUA tinham 51% do PIB mundial, hoje tem em torno de 26%, a queda foi de lento decréscimo e continua. China e Índia crescem suas economias a um ritmo de 6 a 7% ao ano, enquanto a economia americana cresce em torno de 3 a 3,5% nos bons anos, o que matematicamente aumenta o “gap” a cada década, tudo isso sem falar em uma guerra comercial dos EUA com a China, o México e a União Europeia, que está apenas começando e aumentará a divergência entre os blocos.
Ora, o Brasil se alinhar à potência decrescente é um contrassenso, ainda mais porque a China é o maior comprador de exportações brasileiras, enquanto os EUA são concorrentes do Brasil no mercado mundial, o que aumenta o contrassenso. Mais ainda, os EUA não são aliados do Brasil em tudo, embora o Brasil deseje essa posição, o Brasil SE ofereceu como aliado sem condições, inclusive isentando de vistos cidadãos americanos SEM reciprocidade, uma situação simbolicamente humilhante, como a dos passageiros dos antigos navios de luxo, onde os passageiros de 1ª classe podiam ir à 2ª classe procurar namoradas mas os da 2ª classe não tinham acesso à 1ª classe, uma postura de inferioridade explícita e que diminui um País, sua autoestima e seu prestígio.
Não é preciso dizer que a situação diplomática do Brasil hoje é de ISOLAMENTO. Não subiu de categoria junto à Washington, que não deu até agora vantagem alguma em contrapartida à oferta unilateral de aliança do Brasil e, por outro lado, o Brasil perde lugar à mesa dos BRICS, cai de categoria como potência média e de grande País emergente. Junto à União Europeia perde a extraordinária e valiosa posição de potência ecológica respeitada, ao rejeitar os acordos climáticos que eram, por excelência, área de influência e controle do Brasil. Ai se completa o isolamento geopolítico e diplomático procurado, enquanto que no Oriente Médio o Brasil perde o seu antigo papel, posição e prestígio junto ao bloco árabe, grande cliente dos produtos brasileiros por se oferecer, sem que tivesse sido solicitado, em aliança com Israel, país carente mundialmente de aliados, com exceção única dos EUA e que pouco ou nada representa para os interesses e comércio exterior brasileiro.
Quanto a uma suposta disponibilidade tecnológica de Israel para o Brasil, NÃO é preciso nenhuma aliança, basta ter dinheiro para comprar, Israel vende sua tecnologia para quem puder pagar, sem restrições.
O isolamento geopolítico do Brasil está apenas começando, a tendência natural é de aumento, diplomacia é geralmente área de movimentos lentos e atrás das cortinas, as costuras são imperceptíveis a olhos nus, quando o Brasil se der conta seremos párias mundiais, nos darão um resto de conforto à exportação de alimentos mas ai também  há o risco de retrocessos por causa de questões de “selo verde” e alianças erradas.
E pensar que a diplomacia brasileira já foi das mais prestigiadas do mundo, pelo seu equilíbrio e bom senso, alianças sutis e vantajosas, parceira da paz.
Aqui, comentário da BBC sobre o Brasil e os BRICS, pelo criador do expressão BRICS, Jim O´Neill.
AMA

terça-feira, 21 de maio de 2019

Diplomacia não tem ideologia - André Motta Araújo

Diplomacia não tem ideologia

País algum com uma diplomacia organizada opera fora de seu projeto geopolítico que não tem cor. Valem os interesses do País e nada mais.

Diplomacia não tem ideologia

por André Motta Araújo

A proclamação da República em 15 de novembro de 1889 enfrentou um grave problema de reconhecimento externo do novo regime. O Império era respeitabilíssimo na Europa, muito mais que qualquer outra República da América Ibérica. Os republicanos tinham fundados receios de resistência ao reconhecimento do novo regime pelas monarquias europeias, especialmente pela Inglaterra. O Império Britânico estava no seu apogeu, a soberana era a Rainha Vitória e o Primeiro Ministro era o irascível Lorde Salisbury (Robert Gayscone Cecil). Como Londres iria reagir à deposição do soberano Dom Pedro II, aparentado com os Habsburgos e Bourbons, um monarca sólido, muito respeitado, com reputação impecável, modernizante e progressista?
O primeiro Ministro de Relações Exteriores da República, Quintino Bocaiuva tinha essa como sua maior preocupação, a República dependia do reconhecimento fundamental do Império Britânico, maior parceiro comercial do Brasil e principal financiador do Estado brasileiro desde a Independência.
O grande historiador Rocha Pombo, em sua básica HISTÓRIA DO BRASIL, em cinco volumes, dedica dois capítulos longos a esse tema.
Como o Império Britânico reagiria ao novo regime, sendo esse Império símbolo das monarquias reinantes no planeta?
Rocha Pombo mostra o extraordinário pragmatismo do Foreign Office em Londres. O telegrama de Lorde Salisbury, que acumulava os cargos de Primeiro Ministro e Secretário de Relações Exteriores ao Embaixador inglês no Rio de Janeiro era direto e simples: “O novo regime controla o território? Se a resposta for afirmativa, reconheça-o”.  A maior monarquia do planeta não se prendia a simpatias e sim ao realismo pragmático.
Décadas depois o mesmo império Britânico dava provas de seu pragmatismo, fruto de séculos de experiência e história. Em 1917 a Revolução Soviética liquida com a monarquia russa, cujo titular, Nicolau II, era primo-irmão do Rei da Inglaterra, Jorge V, ambos netos da Rainha Vitória, fuzilado pelos bolcheviques em Ekaterimburgo.
Em 1929 Londres reconhece o novo regime no que era o antigo Império Russo, agora a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, o mesmo regime que assassinou o primo do monarca reinante, o mesmo Jorge V. Em Moscou mandava o arqui-inimigo Stalin. Mas Londres não vive de lágrimas.
O reconhecimento tinha como objetivo para o Império Britânico a abertura do imenso mercado suas máquinas, locomotivas, caminhões. A URSS tinha como pagar. Enquanto o mundo inteiro entrava na grande crise do capitalismo de 1929, a Rússia não sendo capitalista estava imune.
A Rússia tinha ouro, petróleo, madeiras, tinha vastos recursos financeiros que lhe permitiram abrir em Londres, como parte do reconhecimento britânico, um grande banco, o Moscow Narodny Bank Ltd., para financiar o comércio exterior soviético.
Abriu em Londres também uma grande empresa de comércio, a Arcos Trading Ltd. O Império Britânico não podia querer mais, ganhou novo parceiro comercial de peso, passando por cima dos cadáveres da família imperial Romanoff, parentes de sangue do Rei.
Nenhuma ideologia, rancor, vingança, apenas interesse geopolítico e econômico. Assim é a diplomacia britânica, com sua secular experiência.

A DIPLOMACIA DA REPÚBLICA DE 1946
O Brasil construiu sólida base de pragmatismo diplomático a partir de sua marcante participação no bloco dos Aliados na Segunda Guerra. Essa participação não foi somente pelo envio de uma divisão completa ao teatro de guerra da Itália. Foi especialmente pela liderança brasileira nas duas cruciais conferências de 1942, a de Havana e a do Rio, quando o Brasil liderou a América Latina ao lado do bloco anglo-americano. Não foi pouca coisa.
Havia no continente forte corrente de neutralidade, liderada pela Argentina, que o Brasil venceu, levando todas as nações latino-americanas, com exceção de Argentina e Chile, para o lado dos Aliados, pela extraordinária liderança do chanceler Oswaldo Aranha, depois figura de proa na criação das Nações Unidas.
Desde então a diplomacia brasileira ganhou peso e importância máxima como instrumento de pragmatismo diplomático, cujo ponto alto foi o Governo Geisel que, representando um regime de direita, reconheceu em primeiro lugar os regimes marxistas de Angola e Moçambique, seus antípodas ideológicos, para com isso ganhar influência e projeção de poder nessas ex-colônias portuguesas, capital infelizmente destruído pela cruzada moralista brasileira.
Esse pragmatismo sem ideologia foi a marca da diplomacia brasileira desde o fim da Segunda Guerra até 2018.

A DIPLOMACIA PRAGMÁTICA DA FRANÇA
País símbolo da diplomacia por um dos seus maiores construtores, o Príncipe de Talleyrand (Charles Maurice de Talleyrand Perigord), a França vende a alma para não perder o negócio. Conseguiu uma proeza extraordinária em manter seus laços culturais, econômicos e políticos com suas ex-colônias africanas, com uma diplomacia de primeiríssima qualidade. Levou ao Ministro na França dois grandes líderes africanos, Leopold Senghor e Felix Houphouet Boigny, este último membro da Academia Francesa e deputado à Assembleia Nacional em Paris, enquanto Felix Boigny foi Ministro da Saúde da França, depois Presidente da Costa do Marfim, uma costura diplomática extraordinária., lembrando que o General De Gaulle, detestado por Roosevelt, se aliou a Stalin como contra-vapor, sendo De Gaulle um direitista convicto mas as alianças não tem cor e nem lado.
O Presidente da França, Valery Giscard d Éstaing , assistiu impassível à coroação do Imperador Bokassa para manter esse território sob o guarda-chuva francês, sendo Bokassa um bárbaro.

DIPLOMACIA NÃO TEM LADO
País algum com uma diplomacia organizada opera fora de seu projeto geopolítico que não tem cor. Valem os interesses do País e nada mais.
Visão e operação fora da realidade nada significam a não ser puro amadorismo cujo preço pode ser o infinito, um País não é um brinquedo.