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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Posse no Itamaraty: resumo da imprensa

Posse do novo Chanceler em 2/01/2019

Araújo critica globalismo na política externa brasileira
02/01/19 - 21h07
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O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou nesta quarta-feira, 2, ao assumir o cargo, que pretende implementar uma política comercial “adequada aos dias de hoje” e não presa ao “globalismo para agradar outras nações”.
“Os acordos comerciais que o Brasil acertou no passado ou que ainda está discutindo partem de um princípio de submissão. Devemos negociar (com outros países) a partir de uma posição de força”, afirmou. “O Itamaraty voltou porque o Brasil voltou.”
Na fala, Araújo fez mais um aceno à política externa americana, ao dizer que vai dar o apoio à reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). O pleito é um dos principais de Donald Trump, que enviou seu secretário de Estado, Mike Pompeo, à posse de Jair Bolsonaro. No mesmo sentido, o chanceler disse que vai apoiar na ONU as agendas do Brasil e não das ONGs.
Elogios a Israel e Estados Unidos
Araújo elogiou no discurso de posse do seu cargo as políticas externas dos Estados Unidos, de Israel, e de países europeus, como a Itália, a Hungria e a Polônia.
Ao defender uma diplomacia brasileira preocupada com questões nacionais e contra o globalismo, Araújo disse que admira o “exemplo de Israel, que nunca deixou de ser nação mesmo quando não tinha solo”. Daí adiante, citou os Estados Unidos, do presidente Donald Trump, e os países latino-americanos que, segundo ele, se “livraram do Foro de São Paulo”. O novo chanceler disse também admirar a “luta do povo venezuelano contra a tirania de (Nicolás) Maduro”.
Araújo disse admirar ainda as chancelarias italiana, húngara e polonesa. Os três países têm em comum o fato de ter tido uma guinada à extrema-direita nos últimos anos. “Nós admiramos aqueles (países) que se afirmam”, comentou.
Mesmo sem citar nominalmente chanceleres anteriores a ele, Araújo disse que se arrisca a dizer que a “diplomacia brasileira estava fora de si mesma”. “O Itamaraty não pode achar que pode ser melhor que o Brasil. Estou certo de fazer o Itamaraty mais fiel a si mesmo e ao Brasil”, afirmou.
Araújo fez uma série de menções em seu discurso. Falou de Renato Russo, Raul Seixas, da emissora americana CNN e citou, em grego, o versículo bíblico “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, do Evangelho de São João. Além disso, ele leu, em tupi, a Ave Maria.
Na avaliação dele, as pessoas que apoiam o globalismo estão “tentando afastar o homem de Deus e é contra isso que nos insurgimos”. Araújo disse também que a luta pessoal dele é “pela família e pela vida”, consonante com os princípios do presidente Jair Bolsonaro.

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Ernesto Araújo diz que parceria com EUA é 'por uma ordem internacional diferente'

O diplomata Ernesto Araújo, escolhido por Bolsonaro para o ministério das Relações Exteriores
Eduardo Rodrigues Brasília 02/01/2019 10h53

Após encontro com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse há pouco que os chefes das diplomacias nos dois países conversaram sobre como trabalhar juntos por uma "ordem internacional diferente". Segundo ele, o Brasil se alinhará com países grandes e pequenos que comunguem dos mesmos ideais brasileiros. "Tive uma excelente conversa com Mike Pompeo sobre termos... –

Pompeo avaliou que as expectativas do povo brasileiro com o governo de Jair Bolsonaro são altas e disse que pode perceber isso ao ver milhares de pessoas acompanharem a posse presidencial ontem na Praça dos Três Poderes. "Estamos comprometidos para trabalhar ao lado do governo brasileiro na área econômica, mas também na área de segurança", disse Pompeo. Enquanto Araújo apontou que os dois governos irão trabalhar juntos "pelo bem e por uma ordem internacional diferente", Pompeo foi mais incisivo ao afirmar que a parceria se dará "contra os governos autoritários do mundo". Questionado sobre a mudança de alinhamento ideológico da diplomacia brasileira e se não haveria um "exagero" n... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/01/02/ernesto-araujo-ve-parceira-com-os-eua-por-uma-ordem-internacional-diferente.htm?cmpid=copiaecola


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Ernesto Araújo fala em “ordem internacional diferente”

Segundo o chanceler, o Brasil se alinhará com países grandes e pequenos que comunguem dos mesmos ideais brasileiros

Após encontro com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse há pouco que os chefes das diplomacias nos dois países conversaram sobre como trabalhar juntos por uma “ordem internacional diferente”. Segundo ele, o Brasil se alinhará com países grandes e pequenos que comunguem dos mesmos ideais brasileiros.
“Tive uma excelente conversa com Mike Pompeo sobre termos uma parceria mais intensa e elevada com os EUA. Temos várias ideias concretas que começamos a discutir sobre a parceira com o governo americano e vamos discutir nos próximos meses”, afirmou o chanceler brasileiro. “Estamos no começo de uma nova etapa nas relações com os EUA, que será muito produtiva. Iremos gerar empregos e oportunidades de negócios e novas iniciativas em todas as áreas”, completou.
Pompeo avaliou que as expectativas do povo brasileiro com o governo de Jair Bolsonaro são altas e disse que pode perceber isso ao ver milhares de pessoas acompanharem a posse presidencial ontem na Praça dos Três Poderes. “Estamos comprometidos para trabalhar ao lado do governo brasileiro na área econômica, mas também na área de segurança”, disse Pompeo.

Enquanto Araújo apontou que os dois governos irão trabalhar juntos “pelo bem e por uma ordem internacional diferente”, Pompeo foi mais incisivo ao afirmar que a parceria se dará “contra os governos autoritários do mundo”.
Questionado sobre a mudança de alinhamento ideológico da diplomacia brasileira e se não haveria um “exagero” na aproximação de alguns países em detrimento de outros, Araújo respondeu que é possível aliar diplomacia e interesses econômicos.
“O Brasil está se realinhando consigo mesmo, com seus valores e com o povo brasileiro. Nos aproximaremos de grandes e pequenos países que comungam dos nossos ideais. O Brasil tem que se colocar como um país grande, e um país grande não precisa renunciar aos seus valores para criar oportunidades comerciais”, considerou.
Para Pompeo, as nações tendem a trabalhar melhor juntas quanto compartilham valores, e o povo americano compartilha com o povo brasileiro os mesmos valores de democracia e liberdade. “Vi uma transição de governo pacífica ontem, e isso não acontece em todos os lugares do mundo. As pessoas em Cuba, Venezuela e Nicarágua não têm essa oportunidade”, afirmou, após dizer que deseja que a democracia retorne à Venezuela.
Perguntado sobre a afirmação de Donald Trump de que era “difícil” fazer negócios com o Brasil, Pompeu respondeu que o presidente norte americano considera importante que as relações econômicas sejam conduzidas de maneira transparente. “Transações comerciais devem se basear na economia e não serem direcionadas por razões políticas”, explicou.
A imprensa internacional ainda perguntou se o governo americano teria alguma preocupação com a possível redução da proteção aos direitos humanos no Brasil, dado o discurso de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Pompeo deixou Araújo responder primeiro, e o chanceler brasileiro garantiu que não há razão para temer uma diminuição da proteção aos direitos humanos no Brasil.
“Isso é um resquício da campanha eleitoral. O compromisso do governo brasileiro com os direitos humanos é absoluto. Inclusive queremos aumentar a proteção a alguns direitos que não estão sendo defendidos”, enfatizou.
O secretário americano então acrescentou que os EUA são consistentes em defender os direitos humanos em todo o mundo. “A conversa na manhã de hoje mostrou que Brasil está comprometido com os direitos humanos”, concluiu.

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Análise: com Araújo, Bolsonaro faz uma de suas apostas mais arriscadas

Novo chanceler assume com discurso religioso e de alinhamento com Estados Unidos e Israel. Movimento quebra tradição do Itamaraty

A chegada de Ernesto Araújo, com 51 anos, ao posto máximo da diplomacia brasileira representa uma das maiores apostas do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Pelas declarações e gestos feitos desde sua indicação, o novo chanceler tem a intenção de protagonizar uma das maiores guinadas da política externa do país.
No encontro que teve na manhã desta quarta-feira (2/1) com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, Araújo avançou na retórica da formulação de uma “ordem internacional diferente”. Nesse caminho, o Brasil se alinharia a “países grandes e pequenos que comunguem dos mesmos ideais brasileiros”.
Os rumos apontados pelo ministro das Relações Exteriores, pelo dito antes da posse, representam o rompimento com a tradição da diplomacia praticada desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde a década de 1950, quando o Itamaraty formulou a Política Externa Independente (PEI), prevalece a orientação de pluralismo nas relações internacionais.
No início da ditadura, o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco tentou adotar a “teoria dos círculos concêntricos”, idealizada pelo general Golbery do Couto e Silva, que privilegiava a aproximação com o bloco ocidental, encabeçado pelos Estados Unidos.
Em pouco tempo, a estratégia de Castelo Branco fracassou diante da realidade. O pragmatismo das relações comerciais das empresas brasileiras com países de todos os blocos prevaleceu frente aos interesses políticos dos militares.
No caso de Araújo, pesam as desconfianças por se tratar de um diplomata inexperiente no circuito internacional. Também soam exóticas suas declarações de cunho religioso, com a de que a “divina providência” teria unido o filósofo Olavo de Carvalho ao presidente Jair Bolsonaro. Pelo observado até agora, o viés religioso tem tudo para se transformar em um dos pontos de tensão dentro do Itamaraty.
O homem escolhido por Bolsonaro para comandar a política externa também promete “combater” o que chama de “marxismo cultural”, expressão com a qual define as concepções aplicadas pelos governos do PSDB, do PT e do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Também surgem como novidades intrigantes a aproximação ostensiva com os primeiros-ministros de Israel, Benjamin Netanyahu, e da Hungria, Viktor Orban, expoentes da direita internacional. Esse é uma opção que afasta o Brasil de países com quem o setor privado nacional mantém sólidas e lucrativas transações comerciais, principalmente no mundo árabe.
Araújo terá tempo para provar se é uma aposta acertada de Bolsonaro. Para isso, terá de se mostrar capaz de quebrar a tradição de pluralidade do Itamaraty e, mais importante, demonstrar que essa guinada é boa para o país.
Sob outro ângulo, a ascensão de Araújo provoca certa curiosidade sobre como será a atuação dos diplomatas e dos oficiais de chancelaria às novas orientações. Na época da ditadura, quando foram postos à prova de servir a um governo autoritário, muitos reagiram contra abusos e foram até punidos. Outros se adaptaram.
Agora, trata-se de uma democracia. Mas o choque cultural, com tom religioso, parece mais violento do que no golpe de 1964.
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Discurso ideológico de Bolsonaro contra o "socialismo" do Brasil

Presidente do Brasil reafirmou que quer "se libertar do socialismo", defender "a tradição judaico-cristã", conservar valores e "combater a ideologia de género".
António Rodrigues
antoniorodrigues@newsplex.pt

Michelle Bolsonaro quebrou o protocolo e discursou antes do presidente, em linguagem gestual, mas o seu vestido fazia lembrar o de Melania Trump na tomada de posse do presidente dos Estados Unidos e o discurso de Jair Bolsonaro assemelhava-se ao do seu ídolo Trump, afirmando-se não ideológico, mas sendo absolutamente ideológico: “É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Até não faltou, tal como com Trump, uma polémica à volta da quantidade de pessoas presentes. As informações que circulavam em Brasília davam conta de um número entre 250 mil e 500 mil pessoas, afinal, os números oficiais do Gabinete de Segurança Internacional falam em 115 mil pessoas. Mais do que Dilma Rousseff, mas inferior a Lula da Silva.
Quem estava à espera de um acalmar de ânimos, um discurso mais moderado e inclusivo agora que a campanha acabou e se torna mesmo presidente do Brasil, ouviu um Bolsonaro a falar mais para as massas que o elegeram: “Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de género, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas.”
Como escreve Juan Arias, na edição brasileira do “El País”, “é como afirmar que aqueles que defendem, em seu direito democrático, os valores que não são os da extrema direita, não cabem mais no Brasil”. Por isso, o novo presidente, “em vez de unir o país em uma esperança comum de convivência, ele o arrasta e incita a continuar não apenas dividido, mas a abrir uma guerra ideológica mais perigosa do que a que tenta combater”.
Desde Washington, Donald Trump foi rápido a reagir no Twitter, saudando Bolsonaro pelo seu “grande discurso de posse”, acrescentando um “os EUA estão contigo!” Mensagem que o presidente brasileiro se apressou a agradecer: “Juntos, com a proteção de Deus, traremos mais prosperidade e progresso a nossos povos”.
O novo ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, garantiu esta quarta-feira que o Brasil e os EUA iniciam uma nova etapa nas relações, como aliás deixou claro na reunião com o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, com quem se reuniu em Brasília.
“Estamos no começo de uma nova fase que será muito produtiva, tenho certeza, na relação entre Brasil e Estados Unidos”, afirmou Araújo. “Aproveitando muito trabalho que já foi feito, mas criando uma dimensão muito mais intensa na nossa relação”. Nas suas primeiras declarações como chefe da diplomacia brasileira, Araújo sublinhou que ele e Pompeo trocaram ideias sobre “como trabalhar juntos pelo bem, por uma ordem internacional diferente, que corresponda aos valores dos nossos povos”.
Se Trump não esteve presente na tomada de posse, para tristeza do novo chefe de Estado, a lista de presenças e de ausências na cerimónia da tomada de posse em Brasília, também serve de perceção sobre o futuro das relações entre este novo Brasil e o mundo. Sebastiãn Piñera, o presidente chileno de direita lá estava, mas faltava Mauricio Macri, outro homem da direita com quem Bolsonaro gostava de realinhar uma nova aliança latino-americana, só que o presidente argentino torce o nariz ao esvaziamento do Mercosul que o seu homólogo brasileiro pretende. Também estava Evo Morales, o presidente boliviano que, apesar de ser de esquerda, precisa de negociar a venda de gás boliviano com o novo mandatário.
Por falar em negócios, o alinhamento do Brasil com Israel, a possibilidade de Bolsonaro também mudar a embaixada para Jerusalém, seguindo o exemplo dos EUA, fez com que Benjamin Netanyahu passasse cinco dias no país em contactos de alto nível. O primeiro-ministro israelita até deu uma entrevista à Record, a televisão oficial do governo Bolsonaro, onde falou nos dois países como irmãos. Um alinhamento que pode custar caro a Bolsonaro e levantar muitos problemas: 32 milhões de brasileiros têm ascendência árabe, fruto de uma aliança tácita com o Médio Oriente desde a viagem do imperador Dom Pedro ao Líbano em 1870. Mas, mais importante, numa altura em que a diplomacia se tornou muito mais económica que política, o mundo árabe e o Irão são grandes compradores de produtos pecuários em geral e de carne de frango em particular. Ao contrário de Israel, que pretende vender mais do que comprar.
Para já, o clima de desconfiança ou de esperar para ver reina em termos internacionais. Segundo “O Estado de São Paulo”, estiveram presentes 46 delegações na tomada de posse, um número substancialmente inferior que as 130 na tomada de posse de Dilma Rousseff, 110 com Lula e 120 com Fernando Henrique Cardoso.

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Araújo cita Anchieta, Renato Russo e Ave Maria em tupi ao assumir Itamaraty
Novo chanceler faz discurso contra a ordem global e promete 'libertar a política externa brasileira', que está 'presa fora de si mesma'
Eliane Oliveira e André Duchiade
02/01/2019 - 18:57 / Atualizado em 02/01/2019 - 23:19

BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO - Com citações em latim, grego e tupi, e menções a Renato Russo, Raul Seixas, Dom Sebastião, que combateu os muçulmanos e não voltou, e ao padre José de Anchieta — cuja Ave Maria em tupi recitou —, o novo chanceler, Ernesto Araújo, tomou posse ontem prometendo “libertar a política externa brasileira e o Itamaraty”.

— O Brasil está preso fora de si mesmo e a política externa está presa fora do Brasil — diagnosticou Araújo, que afirmou que trabalhará “pela pátria” e “não pela ordem global”. — Queríamos ser um bom aluno na escola do globalismo e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior — afirmou, citando o termo usado pela direita americana para se referir, de modo pejorativo, às instituições globais, acusadas de intervir indevidamente na soberania dos países.

No seu primeiro discurso público desde a indicação ao cargo, Araújo seguiu a tônica de seus artigos e tuítes e fez uma fala com ares românticos e grandiosos, intercalando a exaltação da redescoberta de tradições supostamente esquecidas e críticas à globalização. O chanceler também se referiu indiretamente a seus críticos, e disse que irá provar que a condução efetiva da política exterior é compatível com a carga ideológica do seu discurso.
— Um dos instrumentos do globalismo é afirmar que para fazer comércio e negócio não se pode ter ideias e espalhar valores. Com um sentido de harmonia e missão, formularemos programas para desenvolver cada relação de maneira dinâmica.
No começo de seu discurso, Araújo citou, em grego, o evangelista João — “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará”. Escritores, como Clarice Lispector, Cecília Meireles e José de Alencar, e músicos, como Renato Russo e Raul Seixas, também foram mencionados.
Ele também apresentou três conceitos gregos que conduziram a sua exposição: o conhecimento (“gnosis”), a verdade (“aleteia”) e a liberdade (eleutheria). O chanceler afirmou que o conceito de liberdade está desacreditado no Brasil, mas que, sob Bolsonaro,  adquire nova relevância. O presidente, afirmou, libertou o Brasil e revelou a verdade sobre o país.
Para Aráujo, Olavo de Carvalho "é o grande responsável pela transformação que o Brasil está vivendo". Ele comparou o guru da direita a Dom Quixote, que, "caído a beira do caminho, começou a conversar com os passantes sobre as próprias façanhas".

Críticas ao Itamaraty

O chanceler citou meios de comunicação estrangeiros, sugerindo a seus críticos:
— Vamos ler menos Foreign Affairs e mais Clarice Lispector. Menos New York Times e mais José de Alencar. Menos CNN e mais Raul Seixas.
Ele defendeu a aliança do Brasil com países que cultivam o nacionalismo. Citou Israel, Itália, Polônia e Hungria — todos governados hoje por ultraconservadores — como nações “amadas”, assim como vizinhos latino-americanos que “se libertaram do Foro de São Paulo”. Também afirmou que combaterá o que chamou de ódio a Deus e à pátria.
— O problema do mundo hoje não é a xenofobia, mas a “oikofobia”, a rejeição ao próprio lar, ao próprio passado — disse, explicando que o termo significa “ódio ao lar”.

Araújo fez várias críticas ao Itamaraty. Segundo ele, se o Brasil está ruim, o Itamaraty não pode achar que é melhor e não fazer parte do país.
— Não tenham medo de ser Brasil. Nossa política externa vem se atrofiando, com medo de ser criticada.
Araújo disse que o Ministério das Relações Exteriores, mais do que outras instituições brasileiras, salvaguarda tradições e valores sociais, mas que este papel de protetor perdeu-se em eras mais recentes. O ministro afirmou que a recuperação deste legado é sua missão.
— Fazemos parte de uma aventura magnífica. O Itamaraty voltou porque o Brasil voltou.
As referências a medidas concretas só vieram na parte final da fala. O modelo de negociação do Itamaraty baseia-se na década de 1990 e está desatualizado, não sendo “direcionado às potencialidades concretas”, afirmou:
— Investiremos em negociações multilaterais sobretudo para a OMC, onde o Brasil entrará com peso — disse. — Hoje negociamos em uma posição de fraqueza, quando deveríamos negociar em uma posição de força.

Guinada inédita

O ministro disse que irá “arejar o fluxo da carreira”, promovendo diplomatas mais novos para posições de comando do ministério, e não se esquivou do risco de ser acusado de militarista, afirmando diversas vezes que está em uma luta.
— Não escutem o globalismo quando diz que paz é não lutar. Cautela, prudência, pragmatismo não nos ensinam para onde ir.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Thiago Galvão, o discurso trouxe três aspectos importantes. Um deles foi a mensagem de que Araújo é um intelectual que gostaria de resgatar a tradição de chanceleres que pensam a política externa. O segundo é uma retomada do ocidentalismo forte, que marcou períodos como o início do regime militar. O terceiro aspecto é uma associação do Itamaraty com o sagrado, em uma releitura do que existe nos Estados Unidos.
De acordo com o professor de Relações Internacionais da FGV Oliver Stuenkel, Araújo possivelmente representa a maior guinada da história da política externa brasileira.
— Ele traz um vocabulário totalmente novo para a política externa. E a grande pergunta é como ideias que estão muito fora do mainstream serão implementadas, porque ele tem falado muito de grandes conceitos, mas muitos são bastante abstratos — afirmou.
4 COMENTÁRIOS
Eliana Teixeira 
02/01/19 - 22:42
Foi o samba do diplomata louco!!!
Luciana Guerra Malta 
02/01/19 - 22:27
É inacreditável que o chanceler de um país diga que "A cautela, prudência, pragmatismo não nos ensinam para onde ir". Tudo que contraria qualquer cânone da diplomacia. Parece realmente alguém que não se encontra em seu juízo perfeito.
Daniel Filippi 
02/01/19 - 20:59
O Brasil tornou-se um exemplo fantástico para compreender a história do século XXI, sofreremos nós. Mas, a realidade é que estamos contemplando a possibilidade da pós-verdade no Estado, cada um molda o mundo como lhe interessa, tudo é possível e nada é razoável.
Jenny Raschle 
02/01/19 - 19:24
Este senhor tem uma mente irracionalmente doentia, pretende um projeto pessoal a partir de uma doutrinacao doentia , distante de uma politica de inserçao do pais harmonica e construtiva .
  

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Chanceler designado propõe pacto de nacoes cristas: EUA, Brasil, Russia (FSP)

Artigo de Ernesto Araújo selou sua nomeação ao novo governo
Um artigo reservado do diplomata Ernesto Araújo com proposições de política externa, tais como a “contestação ao eixo globalista China-Europa-esquerda americana”, selou seu ingresso na equipe ministerial do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
O texto, obtido pela Folha, que Araújo fez chegar ao núcleo da campanha em setembro, foi o primeiro passo para sua posterior nomeação como chanceler do futuro governo.
Intitulado “Por uma política externa do povo brasileiro”, o artigo, de cinco páginas, é propositivo, uma espécie de carta de intenções.
Nele, o diplomata revisa o pacifismo nacional (“não estamos no mundo para ser Miss Simpatia”) e sugere um realinhamento internacional do Brasil com o eixo de direita populista em ascensão.
“É o caso dos Estados Unidos com Donald Trump, da Itália com seu atual governo, de alguns países da Europa do Leste como Polônia e Hungria. É o caso talvez de alguns países não ocidentais que desejam defender suas próprias civilizações e suas nações frente ao globalismo dominante”, escreve.
Em sua interpretação, “há países que resistem à demonização do sentimento nacional, ao esmagamento da fé (principalmente da cristã), que rejeitam o esvaziamento da alma humana e sua substituição por dogmas anêmicos que servem apenas aos interesses de dominação mundial de certas elites”. 
Folha o procurou para comentar o teor. Araújo respondeu que era complicado e que conversaria a respeito depois, o que não ocorreu.
Com a vitória nas urnas, a primeira das sugestões do artigo já foi anunciada: a saída do Brasil do Pacto Mundial para Migração, que propõe a cooperação internacional para enfrentar ondas migratórias.
No texto, Araújo já defendia o que chamou de “dessacralização da imigração, combatendo a ideologia do ‘imigrante intocável’, do direito universal à migração sobrepondo-se à soberania nacional”.
O texto propõe a “renacionalização das políticas comerciais”, alegando não se tratar “de negar o comércio, mas de tornar a política comercial um instrumento do Estado, e não [fazer do] Estado um instrumento da política comercial”. 
Nessa linha, Araújo defende que o Brasil questione os Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Sugeriu que se tente, no lugar, constituir “um agrupamento nacionalista Brasil – EUA – Itália – (Rússia?) – (Índia?) – (Japão?) – (países de Visegrado?)”, em suma “um Brics antiglobalista sem a China”.
Os países de Visegrado são Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia.
Sem entrar em detalhes, o futuro chanceler faz uma proposição inusitada no campo da geopolítica, que causou estranhamento entre interlocutores de Bolsonaro. Para Araújo, conviria ao governo “explorar a possibilidade de um núcleo composto pelos três maiores países cristãos, Brasil-EUA-Rússia”.
Ele expressa preocupação particular com a questão da fé, requerendo “promoção da liberdade religiosa, notadamente defesa do espaço para o exercício da fé cristã, ameaçada e acuada em todo o mundo”.
À China são reservadas numerosas linhas. Araújo quer impor ao país, principal parceiro comercial do Brasil, “pressão em todas as frentes”. 
“Condicionar qualquer avanço na relação com esses países ao exercício da liberdade religiosa e liberdades políticas básicas”, propõe. “Utilizar os organismos financeiros internacionais para frear a crescente dependência dos países em desenvolvimento em relação ao capital chinês. Virar o jogo da globalização contra a China.”
Em sintonia com o discurso de Bolsonaro, Araújo defende a “liquidação do bolivarianismo nas Américas”. Segundo o diplomata, “o Brasil poderia comandar o processo de deslegitimação do governo Maduro na Venezuela e pressão total, juntamente com os EUA, para sua substituição por um regime democrático”.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Futuro chanceler: perto de Trump e longe da China - Lu Aiko Otta (OESP)

Futuro chanceler está perto de Trump e longe da China

Escolhido para chefiar Itamaraty diz que mudança climática é uma trama marxista para favorecer País asiático

Lu Aiko Otta, O Estado de S.Paulo 
16 Novembro 2018 | 05h00

O futuro chanceler brasileiro, o embaixador Ernesto Fraga Araújo, de 51 anos, acredita que a mudança climática é um dogma científico influenciado por uma cultura marxista que quer atrapalhar o ocidente e favorecer a China. “Esse dogma vem servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados sobre a economia e o poder das instituições internacionais sobre os Estados nacionais e suas populações, bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China”. 
A tese publicada em seu blog, o Metapolítica 17, no último dia 12 de outubro, revela a aversão à esquerda do futuro ministro das Relações Exteriores. Em ensaios e artigos, Ernesto Araújo coloca a China como um inimigo do desenvolvimento do Ocidente. Ele afirma que o “globalismo” tem entre seus projetos “transferir o poder econômico” do Ocidente para o País asiático e que esse movimento era algo que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estaria tentando evitar. 
O “globalismo”, diz o futuro chanceler, “surgiu quando alguém entendeu que o consumismo era o melhor caminho para o comunismo” e a ideia de um mundo onde não haveria fronteiras para o comércio e o investimento avançou para um mundo no qual os países não têm mais identidade. “É a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. 
O futuro chanceler afirma que o “marxismo cultural” estaria transformando os seres humanos em uma “paçoca maleável” incapaz de assumir um papel social ou ter ideias “que não sejam os chavões politicamente corretos veiculados na mídia”. Esse processo estaria enfraquecendo o Ocidente não do ponto de vista econômico ou militar, mas do ponto de vista da identidade, do “espírito”. Por isso, ele afirma que o “globalismo” é “anti-humano” e “anticristão”. 
Em artigo publicado na revista do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri), ele sustenta que Trump é um raro líder que identificou o processo de decadência do Ocidente e decidiu reagir. É nesse contexto que Trump estaria travando sua guerra contra a China. 
A China, diz ele num post, está até hoje sob um sistema de dominação “disfarçado de pragmatismo e abertura econômica”. Em outro post, ele menciona o maoísmo. “Haddad é o poste de Lula. Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano. Maduro é o poste de Chávez. Chávez era o poste do Socialismo do Século XXI de Laclau. Laclau e todo o marxismo disfarçado de pós-marxismo é o poste do maoísmo. O maoísmo é o poste do inferno. Bela linha de transmissão”, escreveu. Ernesto Laclau era um teórico político argentino identificado como “pós-marxista” que viveu entre 1935 e 2014. 
No artigo, Araújo diz que, além de uma política externa, o Brasil precisa de uma metapolítica externa, “para que possamos situar-nos e atuar naquele plano cultural-espiritual em que, muito mais do que no plano do comércio ou da estratégia político-militar, estão-se definindo os destinos do mundo.” 
O quanto das ideias de Araújo será transferido para a prática da política externa brasileira ainda não se sabe. A sua escolha não foi propriamente uma surpresa no Itamaraty, já que ele era cotado há várias semanas para o cargo. Mas avaliava-se que, pelo fato de ser um diplomata recém-promovido a embaixador, ele deveria perder o posto para algum colega mais experiente e ocupar alguma outra posição na equipe do presidente eleito. 
A ruptura dessa lógica causou mal-estar e preocupação. Porém, os diplomatas são treinados para seguir instruções com um rigor semelhante ao dos militares. Até para proteger a instituição, o sentimento predominante é o de “dar uma força” ao jovem chanceler. 
Procurado, Araújo não se manifestou. As assessorias do Itamaraty e da equipe de transição informaram que, por ora, ele não concederá entrevistas.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Os perigos da guinada radical no Itamaraty - Guilherme Evelyn (Epoca)

Análise: Os perigos da guinada radical no Itamaraty

Alinhamento com os EUA de Trump é ruptura com tradição. População mais pobre e vulnerável pode pagar o preço da ideologização da política externa


Guilherme Evelin
Revista Época, 14/11/2018

Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo
Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Ao nomear o embaixador Ernesto Araújo para ministro das Relações Exteriores, o presidente eleito Jair Bolsonaro resolveu pisar fundo e dar uma guinada radical na política externa brasileira. Como chanceler, Ernesto Araújo deve promover uma política de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. Chefe do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, Araújo é um fã declarado do governo Donald Trump, que ele considera uma espécie de muralha de defesa de valores ocidentais em declínio por conta de uma doutrina globalista preconizada por elites seculares. Para o embaixador, o Ocidente não sabe, mas está “perdendo o jogo”, diante do avanço de forças como o fundamentalismo islâmico, que cresce, entre outros motivos, por causa do apego das sociedades muçulmanas aos valores religiosos.
Araújo publicou no ano passado um longo ensaio com o título “Trump e o Ocidente” na revista do Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais, órgão vinculado ao Itamaraty. No resumo que serve de prólogo para o texto, Araújo deixa logo claro o que pensa. Segundo ele, “Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal,mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”. Segundo o diplomata, essa visão é baseada numa longa tradição intelectual que mostra o “nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente”. “Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”, escreveu Araújo. “O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente”. Com citações de “Choque de Civilizações”, de Samuel Huntington, o ensaio parece evocar, várias vezes, “Submissão”, o romance distópico em que Michel Houellebecq imagina uma França governada por um presidente muçulmano.
A última vez em que o Brasil seguiu uma política de alinhamento com os Estados Unidos foi no governo Fernando Collor. Mas, como lembra o professor Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas, autor de uma tese de doutorado sobre a política externa do governo Collor, essa opção foi feita em circunstâncias políticas radicalmente diferentes. A eleição de Collor, após a queda do Muro de Berlim em 1989 e a derrocada dos regimes comunistas na Europa Oriental e na extinta União Soviética, coincidiu com a ascensão dos Estados Unidos à posição de única superpotência global. Agora, caminhamos para um cenário em que os Estados Unidos dividirão a hegemonia política internacional com a China – nosso maior parceiro comercial, por quem Bolsonaro nutre uma antipatia aberta .
Além de uma ruptura com a tradição universalista da diplomacia brasileira – princípio pelo qual o Brasil busca contruir um relacionamento amplo e diversificado com todos os países, sem excluir ninguém – corremos o risco de uma política externa guiada pela ideologia e não pelo interesse nacional. Uma parte da população brasileira – a mais pobre e a mais vulnerável – pode pagar o preço de uma política ideologizada, veneno que Bolsonaro via no Itamaraty dos governos do PT, mas que ele parece querer substituir apenas com viés trocado. A retirada dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos, que pode deixar sem assistência cerca de 24 milhões de brasileiros, que moram principalmente em áreas de difícil acesso do Norte e Nordeste ou em reservas indígenas, segundo estimativas do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, é resultado das provocações desnecessárias de Bolsonaro a Cuba, com quem o Brasil normalizou relações desde 1986.
Ainda que Bolsonaro tenha razão em classificar o regime cubano como uma ditadura que se apropria dos salários dos médicos enviados ao Brasil como forma de engordar os seus combalidos cofres, o interesse nacional – e da população mais pobre que hoje só tem acesso a médicos cubanos — recomendava que qualquer revisão do programa fosse tratada com maior prudência e pragmatismo. Cuba não tem qualquer interesse estratégico para o Brasil, a não ser para aqueles que continuam a ver a política internacional pelas lentes anacrônicas usadas durante a Guerra Fria.

Para futuro Chanceler, Europa representa vazio cultural - Jamil Chade (OESP)

Bem, como diria o Pequeno Príncipe, uma pessoa se torna eternamente responsável por aqueles a quem cativam. Mas não sei se cativar é o verbo correto neste caso...
Paulo Roberto de Almeida

Para futuro chanceler, Europa significa 'um espaço culturalmente vazio'
Bruxelas teme que novo governo brasileiro estabeleça uma aliança estratégica com os EUA
Jamil Chade, O Estado de S.Paulo 
15 Novembro 2018 | 11h46
GENEBRA - Textos acadêmicos escritos pelo futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, passaram a circular pela comunidade diplomática em Bruxelas nesta quinta-feira, 15, deixando autoridades da União Europeia preocupados com a postura que o novo governo brasileiro adotará em relação aos europeus. Num desses textos, o novo ministro diz que a Europa significa hoje “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por 'valores' abstratos”.  
Suas críticas foram publicadas nos Cadernos de Política Exterior, do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), no segundo semestre de 2017. No texto, o futuro ministro indicado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro sai em defesa das políticas de Donald Trump e seu papel em “salvar” o Ocidente. No Parlamento Europeu, a notícia sobre o novo ministro também foi recebida com “cautela”.   
Nos bastidores da Comissão Europeia, o Estado apurou que a escolha do novo chanceler foi recebida como uma confirmação de que o governo brasileiro buscará uma aliança estratégica com os Estados Unidos. Diante da vitória de Bolsonaro, Bruxelas passou a tentar avançar nas negociações para a criação de um acordo comercial com o Brasil, antes do final do governo de Michel Temer.  
Oficialmente, porém, a ordem é a de mostrar o compromisso com Brasília. “A UE e o Brasil tem uma parceria de longa data na esfera internacional em muitas áreas, tais como paz e segurança, comércio, ciência e tecnologia, energia, clima e direitos humanos”, indicou a Comissão em um comunicado. “Não prejulgamos as ações que o futuro ministro de Relações Exteriores tomará uma vez no trabalho e trabalharemos para fortalecer nossa parceria com o novo governo”, declarou.  
Mas trechos de seu texto chamaram a atenção nos corredores em Bruxelas, principalmente diante das críticas em relação à construção da UE. Nele, o futuro chanceler aponta que “a fundação da União Europeia anulou, pasteurizou todo o passado”. “Os europeus de hoje podem até estudar sua história, mas não a vivem como um destino, muito menos a celebram, nem a entendem como 'sua', não veem nela um sentido nem um chamado”, escreveu.  
“É interessante ler lado a lado os historiadores europeus que escrevem hoje sobre a Grécia e Roma, por exemplo, ou sobre qualquer outro assunto, e aqueles que escreviam no Século XIX, antes do grande cataclisma, da grande desnacionalização do Ocidente a partir da Primeira Guerra”, disse. “Aqueles de então viamse claramente dentro da História que contavam, participavam, falavam com a paixão e o empenho de quem sente, de quem conhece as pessoas de que fala, eram íntimos de Péricles e Godofredo de Bulhões”, apontou. 
“Os de hoje escrevem uma história fria, seus personagens não têm vida, são meras figuras esquemáticas, parece que estão escrevendo história por obrigação, nenhum sentimento do destino ou do mistério os conduz, não têm imaginação, não conseguem verse a si mesmos empunhando uma lança na falange macedônia ou içando as velas na Santa Maria”, destacou o futuro ministro.  
“Já os historiadores norteamericanos de hoje – pelo menos alguns deles, os que escrevem para o grande público e não para a academia – parecemse àqueles europeus do século XIX, pois ainda contam a história americana como uma história de carne e osso, uma história que consegue comunicar o presente com o passado”, comparou.   
“A Europa pósmoderna – junto com os Estados Unidos que, até Obama, cada vez mais se assemelhavam à Europa – viviam ultimamente numa espécie de tanque de isolamento histórico, viviam já fora da história, depois da história, num estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território estranho”, escreveu.   
“Os europeus de hoje não sentem mais que façam parte da mesma história que seus antepassados, como sentiam até o começo do século XX”, disse.   
“Já não se percebem como atores do mesmo drama que colocou em cena os cretenses e seu minotauro, os aqueus às portas de Troia, Eneias caindo de joelhos ao entender que o Lácio era sua terra prometida (salve fatis mihi debita tellus), Salamina e as Termópilas, Alexandre em busca da imortalidade, Aníbal com seus elefantes às portas de Roma, as legiões chegando à Lusitânia e maravilhandose ao contemplar pela primeira vez as ondas majestosas do Atlântico”, escreveu.   
“Nada disso significa mais nada para um europeu – é como se ele houvesse deixado o palco e sentadose na plateia, 'já não é comigo'”, apontou o futuro chanceler. “Só quem ainda leva a sério a história do Ocidente, só quem continua sendo ator e não mero espectador, são os norteamericanos, ou pelo menos alguns norteamericanos. Hoje, é muito mais fácil encontrar um ocidentalista convicto no Kansas ou em Idaho do que em Paris ou Berlim”, completou.  
Entre pessoas próximas à Comissão, os comentários do futuro chanceler podem representar uma pressão extra sobre a UE,  que já sofre uma cobrança por parte sociedade civil e deputados para que o acordo com o Mercosul seja suspenso. Em nome de parlamentares de partidos socialistas, o francês Emmanuel Maurel emitiu na semana passada uma carta para a Comissão Europeia cobrando uma suspensão do diálogo com o Mercosul.  
“A Comissão sempre diz que os acordos de parceria da UE são baseados em valores democráticos, humanistas e progressivos”, escreveu. “Bolsonaro representa o polo oposto de todos esses princípios básicos”, acusou. “Os discursos dele (Bolsonaro), abertamente contra mulheres, homossexuais, pretos e populações nativas, sua política com base na força militar, suas gangues armadas intimidando, agindo de forma volta e assassinatos, suas declarações sobre a saída do Brasil do Acordo de Paris e a abertura da Amazônia para a agricultura são incompatíveis, ao meu ver e na visão dos democratas, com os valores da UE”, declarou.  
“Quando é que a Comissão anunciará a total paralisação das negociações com o Mercosul?”, cobrou o deputado. “Ela vai declarar que, dada a situação, não haverá uma negociação separada com o Brasil?”, atacou.   
Minutas da reunião mantida na última sexta-feira entre os ministros europeus de Comércio ainda revelam a pressão feita pelas ONGs europeias do setor de proteção animal contra o acordo. “Sob as atuais condições do Brasil, os sinais relacionados à sociedade civil e à vontade política para cooperar são claramente negativas e, portanto, acreditamos que a UE não deve entrar em um compromisso de longo prazo com o Brasil, salvo se souber quais são as reais intenções do novo governo”, indicou a minuta do encontro, citando as ONGs. “Precisamos de tempo para saber para onde o Brasil irá”, declararam.