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domingo, 17 de março de 2019

O guru manda bala: Olavo de Carvalho, o escatologico - IstoE

Olavo de Carvalho: o guru manda bala

Como o filósofo Olavo de Carvalho ascendeu no bolsonarismo, a ponto de, em meio a xingamentos nas redes sociais, exercer tamanha influência sobre o governo

Crédito: Vivi Zanatta/Folhapress
TIROS A ESMO Da Virgínia (EUA) onde mora, Olavo de Carvalho “atira” em todo mundo, até mesmo nos apadrinhados (Crédito: Vivi Zanatta/Folhapress)
O presidente Jair Bolsonaro e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho não são de frequentar a casa um do outro. Nunca sequer almoçaram juntos ou tomaram um cafezinho, prática comum entre os políticos de Brasília. Os dois jamais se viram pessoalmente e nem celebraram o clássico aperto de mãos. Bolsonaro e Olavo só se falam por telefone ou através de mensagens, já que o ideólogo permanece em seu período sabático em Richmond, no estado de Virgínia (EUA). O que uniu esses dois mundos aparentemente tão distintos – já que um tem as raízes no militarismo enquanto o outro é dado a digressões intelectuais – foi a causa em que ambos militam: o combate incessante à esquerda. A relação se intensificou durante as eleições. A aproximação de Olavo fez com que Bolsonaro conquistasse o voto dos milhares de seguidores do filósofo.
Inicialmente, o papel do escritor no governo limitava-se aos bastidores. Sem muito alarde, ele indicou nomes para o primeiro escalão. Nos últimos tempos, passou a dar conselhos ao presidente e a integrantes do governo sobre qual direção levar o País. Embora rejeite a pecha de guru e se autodenomine apenas um mero “observador científico” da realidade, Olavo encarna uma espécie de “feiticeiro” do bolsonarismo, tal qual o Rasputin que pautou o comportamento dos czares russos, tamanha a influência que exerce sobre o governo. Lembra também, guardadas as proporções, a ascensão do general Golbery do Couto e Silva sobre o presidente Ernesto Geisel, mas com uma diferença abissal entre os dois: o lendário chefe de gabinete do presidente militar foi fundamental para que o nome de Geisel entrasse para história, sendo dele o pontapé inicial para a transição à democracia. Olavo, por sua vez, age perigosamente no fio da navalha e parece querer levar o presidente ao isolamento político.
“O Velez se vendeu ou se deu?  Não tenho a menor idéia”  Olavo de Carvalho, filósofo, sobre o ministro da Educação
“O que acontece, agora, com o ministro da Educação, Ricardo Vélez, está destinado a todos aqueles que ainda pagam pedágio intelectual, moral e ideológico a Olavo de Carvalho: são uns gênios. Depois, se tornam bodes-expiatórios”. A frase é do escritor conservador Martim Vasques, um dos inúmeros alvos, nos últimos dias, do ideólogo da direita bolsonarista, quando ele em desabalada carreira se ocupou de acionar sua metralhadora giratória contra desafetos, inimigos e até mesmo integrantes do governo Bolsonaro os quais ele apadrinhou. Se Olavo não tem método para ensinar, reconhecem até mesmo seus alunos, o mesmo não se pode dizer do procedimento na hora de agir. Contraditório na essência, como quem veio para confundir, mas firme em seus propósitos, Olavo dispara contra quem se opõe a ele e ao governo que ajudou a eleger. Preferencialmente, perpetra ataques diários contra a mídia, o ensino nas universidades e tudo o que deriva do pensamento de esquerda, da política partidária à agenda cultural. Cria inimigos imaginários – em geral “todos comunistas”. As diatribes do astrólogo passariam despercebidas como chuvisco de verão não fosse ele uma pessoa que exercesse tanto fascínio sobre o governo e sobre a figura do próprio presidente da República, que gasta tempo e energia para, em geral, reverberar suas sandices e, não raro, arbitrar em favor do séquito do guru.
Crise no MEC
Além de frequente interlocutor de um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro, e alguém que faz igualmente a cabeça do “01” e do “02”, Olavo chancelou a indicação de integrantes no mais alto escalão governamental. Entre eles Filipe G. Martins, assessor do presidente para assuntos internacionais e mais notadamente os ministros Eduardo Araújo, de Relações Exteriores e Ricardo Vélez, contra o qual Olavo lançou petardos nos últimos dias. No início da semana, para surpresa geral, Olavo vociferou contra a presença dos próprios alunos no Ministério da Educação, a quem pediu que entregassem os cargos. Puro teatro. Na realidade, Olavo estava enfurecido por saber que alguns de seus apóstolos haviam perdido posições na escala hierárquica do MEC. “O Velez se vendeu ou se deu? Não tenho a menor ideia”, chegou a escrever. O recado surtiu efeito. Na terça-feira 12, a mando de Bolsonaro, Vélez teve de demitir três militares que se opunham aos olavistas no ministério. Entre eles o coronel da Aeronáutica Ricardo Roquetti, a quem Olavo e cia acusavam de servir de obstáculo ao processo conhecido como “Lava Jato da Educação” – uma auditoria em contratos antigos da pasta anunciada por Vélez. O desfecho do episódio, em que bovinamente o ministro parece ter agido em sintonia com os desígnios do astrólogo, escancara como a gestão de Bolsonaro nutre uma relação de vassalagem com o autoproclamado filósofo da Virgínia. Em meio à crise, o número dois do ministério foi demitido. Já o número dois do País é indemissível. Ainda bem, porque Olavo parece dispor de carta branca para atacar como um pitbull feroz até mesmo o vice-presidente a República. No fim de janeiro, classificou o general de “vergonha para as Forças Armadas”.
“Quanto mais a esquerda mente contra o Bolsonaro e seu governo, mais o Mourão abana o rabinho para ela”, tuitou. “O Mourão é obviamente um inimigo do presidente e de seus eleitores”, acrescentou. “O Olavo de Carvalho agora acha que sou comunista. Paciência…”, reagiu Mourão com bom humor. Na verdade, há tempos o mestre dos magos do bolsonarismo vem direcionando seus rifles lá da Virgínia para a cabeça de Mourão. Mas, como o vice ficará mesmo onde está, o ideólogo assestou suas baterias para outros alvos. Como o embaixador Paulo Roberto de Almeida. O diplomata havia chamado Olavo de “debiloide” e acabou por experimentar o mesmo infortúnio de Roquetti: foi exonerado do Itamaraty.
MORDE E ASSOPRA Responsável por sua indicação, Olavo quase derrubou o ministro Vélez Rodriguez (ao centro) (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
Palavrões
Olavo tempera os argumentos com palavrões dos mais diversos. Mas demonstra proverbial predileção pela palavra que descreve a extremidade do aparelho excretor. “Atenção, ô chefe da fôia: Ideólogo é o cu da sua mãe”, reagiu ele a uma reportagem da Folha de S.Paulo. Recentemente, no Facebook, ao lado de uma imagem de um animal abatido, Olavo sapecou: “Fui buscar hoje a minha Henry Big Boy (rifle) cal. 45-70. Pau no cu dos ursos”. A maneira repetitiva com que ele pronuncia incessantemente o substantivo parece mesmo uma obsessão. “Em breve só restarão duas religiões no mundo: maconha e cu”.
Na semana passada, em meio ao surto da contenda no MEC, não poderia faltar a palavra mágica. “Não quero derrubar ministro nenhum. Apenas apresentei pessoas, sem a menor pretensão de influenciá-las. O ministério é do Vélez. Que o enfie no cu”.
Mas de onde emana esse magnetismo que o filósofo usa para inebriar o clã Bolsonaro? Olavo é basicamente catalisador de críticas à esquerda. O astrólogo perambulava entre um ou outro artigo na imprensa até seu nome ganhar força em 2009, com a criação do COF – Curso Online de Filosofia, classificado pelo escritor Martim Vasques de “teia hierárquica”, cuja meta seria influenciar espiritualmente os eventos políticos de uma nação, igual a uma casta. “E agora passa a ter o senso de missão de que é uma espécie de corpus mysticum, no qual cada participante será análogo a um fiel que pode finalmente perceber a realidade em toda a sua nudez”. E quem seria o intermediário de tudo isso? Olavo de Carvalho. Inspirado em Sócrates, ele afirma logo no início do curso que, “mesmo quando o aluno supera o mestre, ele sabe de onde veio e a quem tudo deve”, e, ao tentar “cortar o cordão umbilical”, na hora de “confrontá-lo”, é igual ao “adolescente” que não superou os desafios desta idade e “depois tenta lançá-los no lugar errado”, escreveu Vasques em alentado ensaio.
BOM HUMOR Sob o ataque constante de Olavo, o vice Mourão usa a serenidade e a descontração como defesa (Crédito:NELSON ALMEIDA)
Aclamado por personalidades da TV, como o apresentador Danilo Gentili, o filósofo atraiu a atenção e admiração de políticos ligados a Bolsonaro. Quem apresentou as ideias de Olavo para o então pré-candidato à Presidência da República foi a deputada Bia Kicis (PSL-DF). A deputada é hoje a principal interlocutora de Olavo com o presidente. A parlamentar é oriunda do Ministério Público do Distrito Federal e leitora assídua dos livros do guru. “Antigamente, as pessoas tinham vergonha de dizerem que eram de direita. Ele despertou gerações”, ressalta ela com brilho nos olhos.
Em 2017, Olavo declarou que votaria em Bolsonaro por ser o único candidato “desvinculado do capital internacional”. Decidiu, então, moldar sua linguagem para um tom mais popular e ampliar o espectro do bolsonarismo. Uma vez tendo ajudado a eleger Bolsonaro presidente, o filósofo, pelo visto, abriu mão do papel de um simples “observador científico” e passou a “agente político”. Olavo sabe do poder de influência que possui sobre seus seguidores e do uso dela para desconstruir a imagem de eventuais desafetos. Num post no Twitter de 20 de fevereiro, ele fez uma ameaça clara às possíveis dissidências: “Todos que subiram ao poder na esteira do Bolsonaro aprendam enquanto é tempo: fiquem do lado dele ou serão odiados pelo povo tanto quanto o são os comunopetistas”. Hoje, o tom é favorável a Bolsonaro. Permanecerá até o fim do mandato? Por mais que ideais em comum os unam, há uma diferença óbvia: Bolsonaro tem a responsabilidade moral e política de governar um País. Olavo de Carvalho nem parece saber o que é responsabilidade.

domingo, 10 de março de 2019

Confusão no reinado do Olavismo - revista IstoÉ

Diplomata é demitido após postar textos críticos ao chanceler Ernesto Araújo e ao ideológo Olavo de Carvalho, enquanto Sergio Moro é obrigado a recuar na nomeação de conselheira

Crédito: Roque de Sá
CAÇA ÀS BRUXAS Afastado, o embaixador Paulo Roberto de Almeida estrilou: “não tenho a menor ideia do que seja essa coisa“ (Crédito: Roque de Sá)
Quando o ministro das Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo, foi indicado para o cargo pelo ideólogo Olavo de Carvalho, imaginava-se que o poder do escritor brasileiro radicado nos Estados Unidos, ficaria restrito à algumas indicações ou a um ou outro pitaco na política do governo. No entanto, a demissão do embaixador Paulo Roberto de Almeida, na segunda-feira 4 do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), órgão vinculado ao MRE, mostra que há um sério conflito ideológico no Itamaraty, sob orientação do escritor, que teria muito mais força na condução da política externa brasileira do que se julgava. Toda a confusão ocorreu quando o embaixador Almeida postou, em seu blog pessoal, textos críticos à condução da política externa, com trechos de uma palestra do ex-ministro Rubens Ricupero e de um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito da Venezuela. A publicação dos textos foi vista pelo chanceler Ernesto Araújo como uma crítica indireta ao seu trabalho.
ACABOU  Moro é obrigado por Bolsonaro a demitir uma conselheira ligada à esquerda: fim à prometida carta branca (Crédito: Rafael Andrade/Folhapress)
Personalidade bizarra
O problema é que a gama de críticas à política externa acabou incomodando também Olavo de Carvalho. Após ser exonerado do Ipri, o embaixador fez críticas ao atual chanceler em seu blog, alegando que Araújo fora indicado para o cargo não por sua capacidade técnica, mas por sua ligação íntima com os filhos do presidente e com Olavo. “Adicionalmente, meu blog trouxe críticas a uma personalidade bizarra do momento político, totalmente inepta em matéria de relações internacionais, mas ao que parece grande eleitor nas circunstâncias atuais”, disse.
O embaixador deixou claro que sua exoneração foi pedida por Olavo de Carvalho. “O fato de eu ter ofendido o ‘Professor’ foi demais para o chanceler. Ele não suportou minha ironia corrosiva contra a suprema ignorância demonstrada pelo sofista da Virgínia em matéria de comércio internacional”, complementou o embaixador. Em uma lavação de roupa suja, Almeida afirmou que até o momento Ernesto Araújo não definiu quais seriam as principais diretrizes da política externa. “Eu até gostaria de escrever alguma coisa a respeito da ‘nova política externa’, mas não tenho a menor ideia do que seja essa coisa”, atacou. “O que temos até aqui são invectivas contra o globalismo, o climatismo, as migrações, o marxismo cultural, a ideologia do gênero e outras bobagens”, complementou Almeida.
Internamente, integrantes do Itamaraty destacam que o embaixador foi corajoso em expor uma situação que tem tirado o sono de outros diplomatas. Eles alegam que de fato o chanceler ainda não definiu qual é o foco da política externa e garantem que dentro do órgão vive-se um clima de “caça às bruxas”. Se isso não bastasse, os próprios integrantes do governo foram protagonistas, na semana passada, de mais uma trapalhada. O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi obrigado pelo presidente a demitir do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a advogada Ilona Szabó, que ele mesmo havia nomeado. Bolsonaro obrigou o ministro a voltar atrás depois de ter sido pressionado por seguidores nas mídias sociais que identificaram a advogada como ligada à esquerda, numa demonstração cabal de que a “carta branca” dada a Moro só valerá quando ele tomar decisões do agrado do presidente.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Mais Médicos: a escravidão cubana, com a colaboração lulopetista (IstoÉ)

Revista ISTO É

As atrocidades do Mais Médicos

Depoimentos, áudios e trocas de mensagens às quais ISTOÉ teve acesso revelam que médicos cubanos viviam quase como escravos no Brasil. Vigiados por agentes enviados por Havana, não podiam sair de um município a outro sem autorização mesmo nas folgas, eram assediados sexualmente e até extorquidos. Agora, quem não quer voltar à ilha sofre ameaças

07/12/18 - 09h30 - Atualizado em 07/12/18 - 10h42
Montagem sobre foto: Gerson Nascimento

Em 29 de novembro, a doutora Dayaimy González Valon, 38 anos, integrante do programa “Mais Médicos”, anunciou em transmissão ao vivo pelo youtube uma decisão, segundo ela, de caráter irrevogável: preferia permanecer no Brasil a regressar ao flagelo da ditadura cubana. “É uma decisão da qual não me arrependo”, desabafou ela, que havia desembarcado no Brasil no dia 12 de outubro de 2016, com destino ao município de Paranatinga, interior de Mato Grosso, em substituição a um colega. Nesses dois anos, além de atender aos moradores da cabeceira municipal, a médica viajou exaustivamente pela região para atender à população de cinco assentamentos rurais e duas comunidades indígenas.
Apenas vinte minutos após a declaração de ruptura, a médica recebeu a ligação do Coordenador Estadual da Brigada no estado de Mato Grosso, Dr. Leoncio Fuentes Correa. A conversa que começou amena rapidamente degenerou para o tom ameaçador. “Pense bem doutora, eu apenas sugiro (…) no final, se você ficar aqui, você sabe que não vai entrar em Cuba por oito anos. E você tem família em Cuba (…) e se algo acontecer com um de seus familiares, que tomara não aconteça, você não poderá entrar no país (…)”, afirmou. “Se você não entrar nesse voo (marcado para 7 de dezembro), eu te reportarei por abandono do posto. Quando eu preencher essa ficha, ela automaticamente vai para a imigração e em oito anos você não poderá ir a Cuba. Isso não tem retorno”, advertiu o coordenador numa ligação de sete minutos gravada pela médica, à qual ISTOÉ teve acesso.
Apesar de não ser uma norma escrita, os cubanos que saem do país enviados pelo governo para as chamadas “missões internacionalistas”, sejam médicos, esportistas ou maestros, e decidem abandonar os contratos laborais, são banidos e proibidos de voltar durante o período de oito anos. “O castigo é arbitrário e busca punir de maneira exemplar àqueles que ousam desobedecer. Nega o direito de entrar na nossa própria terra e o direito de conviver com nossos familiares”, lamenta a Dra. Nora Salvia, que saiu da Missão Bairro Adentro na Venezuela em 2014 e é uma das fundadoras do Grupo NoSomosDesertores, que pressiona pela suspensão da norma.

“Ele me ofendia, me humilhava e ameaçava me desligar. Depois,
oferecia passagem para relaxar um pouco no hotel com ele”
Médica, vítima de assédio sexual praticado por agente cubano

Leôncio Fuentes é um dos 36 consultores internacionais contratados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), para o biênio 2018-2019. Todos, sem exceção, funcionários cubanos com cargos nas instituições de saúde em Cuba. Assim como também é cubano o representante da entidade regional no Brasil, Joaquin Molina, que, antes de ingressar na OPAS, em 1991, ocupara altos cargos no Ministério de Saúde da ilha caribenha. Travestidos de “consultores internacionais”, os funcionários cubanos compuseram e ainda compõem no Brasil – ao menos enquanto aqui estiverem – uma rede de vigilância montada pelo regime para exercer controle total sobre os profissionais enviados pela ilha – tratados por esses agentes cubanos quase como escravos desde que desembarcaram em solo brasileiro. Emails, mensagens e depoimentos obtidos por ISTOÉ lançam luz sobre a atuação desta rede de verdadeiros capatazes em Santa Catarina, Rio Grande Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Mato Groso, Goiás e Pará. Era para esses “consultores” da OPAS que os médicos deviam informar sobre cada passo. Desde visitas familiares que receberiam de Cuba até meras saídas para outros municípios fora do horário do expediente. Os agentes cubanos controlavam para que a permanência dos parentes no Brasil não excedesse três meses, sob pena de o profissional ser desligado do programa Mais Médicos. Segundo o relato de uma médica cubana, para comprovar o retorno para Cuba do marido, foi exigido o envio do cartão do embarque. No caso de viagens para fora dos municípios de atuação, mesmo nas folgas, médicos relataram que deviam ter autorização do coordenador para se deslocar, informando o endereço onde ficariam. Caso contrário, eram punidos.

Controle autoritário
Médicos cubanos ouvidos por ISTOÉ que decidiram romper com o regime e ficar no Brasil denunciaram outras situações de autoritarismo, descaso, abuso de poder e até assédio sexual por parte dos coordenadores cubanos. “Ele me fez sofrer muito, me ofendia, me humilhava, me chamava de indisciplinada e ameaçava analisar meu caso e me desligar”, relata uma médica que foi vítima de assédio sexual do seu superior estadual durante um longo período. “Passei a gravar as conversas”, relata. O coordenador, segundo ela, “oferecia pagar a passagem” para a capital do estado, a mais de 380 km da região onde a médica exercia, para “relaxar um pouco no hotel com ele”. Aflita com a situação, a médica decidiu contar para uma colega em outro município, que confessou ter recebido os mesmos apelos e afagos do coordenador.
O cubano Alioski Ramirez Reyes rompeu com o regime em 2017. Ao finalizar o contrato de três anos no Mais Médicos, também optou por não voltar ao seu país. E vivenciou a pressão dos emissários de Havana. “Tive a amarga experiência de receber a senhora Amaylid Arteaga García (assessora estadual) na minha casa. Fez uma serie de denúncias e ameaças porque, supostamente, meu nome estaria na lista de 180 médicos que haviam entrado na Justiça do Brasil pelo direito de assinar um contrato individual no Programa Mais Médicos. Disseram que iam me colocar no primeiro avião para Cuba e que estavam avaliando invalidar meu diploma de medicina”, conta. “Eles ameaçam sempre de forma verbal, não deixam registros”, explica. Por não retornar para Cuba, Alioski foi expulso do Partido Comunista pela estrutura partidária montada pelos cubanos no Brasil.
ATUAÇÃOMédicos cubanos no Brasil acompanham hemodiálise: trabalho sob vigilância linha dura

Arrecadação
Quiçá o fato mais revelador de que os assessores da OPAS não passavam de comissários políticos comandados pelo regime foi o mecanismo estruturado nas 27 unidades federais do País para a arrecadação mensal de uma contribuição partidária. Não bastassem os 75% tungados dos respectivos salários, os médicos filiados ao Partido Comunista eram obrigados a entregar mensalmente no Brasil uma contribuição de R$ 24. O dinheiro era arrecadado em cada município e transferido para a conta do coordenador estadual, que por sua vez repassava os valores para a Coordenação Nacional em Brasília. Estima-se que, por essa via, os cubanos podem ter arrecadado no Brasil mais de R$ 1,7 milhão extra, em nome do Partido Comunista. Operado sob sigilo total, o esquema era de conhecimento geral dos médicos cubanos, mesmo entre aqueles não filiados ao partido.
Para falar do assunto, mantido a sete chaves, os coordenadores usavam códigos. O dinheiro era “Bola”, “Maçã” ou “Pinhata” e os militantes eram “peloteros”, termo usado em Cuba para designar “jogador de beisebol”, o esporte nacional. “Uma amiga do Partido me explicou o significado do código, que vi pela primeira vez em um e-mail enviado para todos os médicos. Também tivemos algumas reuniões de colaboradores em Porto Alegre e, no final, a coordenadora se reunia com seus “peloteros”, conta a Dra. Eva Maria Arzuaga Duanys, 44 anos, que mora em Barros Casal, Rio Grande do Sul.
Num grupo fechado de médicos no Facebook, a revolta com a decisão cubana de deixar o Mais Médicos extravasou e o sigilo partidário foi quebrado. Os cubanos protestavam pelo pouco tempo fornecido a eles para organizar o envio dos pertences para Cuba, pela falta de dinheiro para transportar eventualmente uma carga e a ausência de informações sobre o traslado. “Onde estão os nossos coordenadores? Para cobrar o dinheiro da contribuição do partido ligam pelo WhatsApp, mas para dar uma resposta que merecemos ninguém aparece”, escreveu uma médica.

TEATRO DO ABSURDO Depois de submetidos a humilhações por consultores cubanos no Brasil, médicos são recebidos com “pompa” por autoridades de Cuba (Crédito:MARCELINO VAZQUEZ) 


Na conta de quem?
De 2013 a 2018, a OPAS contratou 120 desses consultores internacionais, conforme os Planos de Trabalho divulgados pela entidade desde 2014 e de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou os primeiros desembolsos do governo federal em 2013. Além de apontar “obscuridade na relação” OPAS-Cuba, o TCU questionou a contratação de 20 assessores internacionais para os primeiros sete meses do programa, pelo salário de R$25.000 por mês. O TCU pediu esclarecimentos sobre o papel deles no projeto, sendo que o Mais Médicos já previa tutoria de profissionais brasileiros para os cubanos. O salário dos consultores estava incluído nos custos do Programa e era repassado pelo Ministério da Saúde à OPAS no montante para pagamento dos bolsistas, passagens, diárias, seguros e ajudas de custo para a instalação dos médicos nos municípios.

O BUNKER Sede da OPAS no Brasil abrigava conselheiros que atuavam aqui a serviço do regime cubano (Crédito:Divulgação/Kardel Producoes Fotograficas)

Sustentar a vigilância opressiva cubana teria custado aos cofres públicos R$ 52,1 milhões, transferidos à OPAS como pagamento de assessores. De acordo com médicos cubanos entrevistados, os coordenadores recebiam líquido R$ 11.800, o que indica que Cuba também aplicava confisco salarial aos seus homens de confiança. Até março deste ano, o Ministério da Saúde havia desembolsado mais de R$ 6,6 bilhões pela permanência dos cubanos no programa. Considerando que a entidade regional ficava com 5% do líquido dos recursos, a OPAS faturou pelo menos R$ 330 milhões em cinco anos de Mais Médicos.
Diferentemente do que acontece com os médicos brasileiros e de outras nacionalidades, os cubanos recebiam apenas R$ 2.976,26 dos R$ 11.800 referentes à bolsa paga pelo Mais Médicos. A retenção salarial pactuada entre o governo petista de Dilma Rousseff e o regime de Cuba foi possível graças ao mecanismo usado para a contratação dos cubanos.
De acordo com o 80º Termo de Cooperação Técnica assinado pelo PT, a entidade ficou responsável pelo fornecimento de profissionais de saúde para atendimento da população brasileira. Os cubanos chegaram então ao programa não através de contratos individuais com o Ministério da Saúde, mas como parte de um acordo de cooperação entre a OPAS e Cuba. Segundo o contrato, o governo brasileiro entregava à OPAS o valor total dos salários e das ajudas de custo, que são repassados integralmente para Cuba. O governo cubano se encarregava de fazer a remuneração dos médicos através de depósitos que saíam da Embaixada de Cuba em Brasília. Cuba ficava com a maior parte da ajuda de custo oferecida pelo programa para a instalação dos médicos participantes, além de embolsar 75% dos vencimentos dos médicos. O que sobrava do confisco constituía o “prêmio” por suportar aqui, em solo brasileiro, as atrocidades típicas do regime cubano perpetradas por agentes travestidos de consultores internacionais. Tudo pago com o nosso dinheiro.

sábado, 27 de outubro de 2018

E o PT criou Bolsonaro - Rudolfo Lago e Wilson Lima (IstoE)

Revista ISTO É

E o PT criou Bolsonaro

O recado da sociedade é inequívoco: em busca do novo, tentando enterrar a política do compadrio, da corrupção e da mentira disseminada pelo lulopetismo, o País está prestes a eleger como presidente Jair Bolsonaro, antagonista que o próprio Lula gerou

26/10/18 - 09h00
Ilustração: SattuFoi durante um pesadelo que a escritora inglesa Mary Shelley buscou a inspiração para, aos 19 anos, escrever a obra prima da literatura de horror. No livro, o médico Viktor Frankenstein ousa brincar de Deus recriando a vida a partir de uma criatura que constroi a partir de partes de corpos humanos. Logo, porém, o médico percebe que o ser que julgava ter criado era na verdade uma criatura que, logo no primeiro momento após a vida, se voltaria contra seu criador. Há um parentesco óbvio entre a obra de Mary Shelley e o desenlace da disputa presidencial. Em boa parte, foi o PT quem engrossou o caldo de cultura responsável pela provável eleição de Jair Bolsonaro, candidato do PSL. O ex-presidente Lula, que já se comparou a Jesus Cristo, fez de tudo para transformar o pleito numa eleição polarizada. Acabou gerando sua própria antítese, que se revelou nas urnas um líder de massas, como ele. Inicialmente, Lula imaginava que o eleitorado brasileiro iria ungí-lo novamente. Sabendo que não poderia ser candidato, com base na Lei da Ficha Limpa, sancionada por ele mesmo quando presidente, considerou que conseguiria transferir sua popularidade para um preposto, como fez com Dilma Rousseff em 2010. Posaria de vítima, reafirmando que sua prisão era política. Ao final, apostava que essa narrativa seria consagrada nas urnas. Era a eleição plebiscitária com que sonhava. Ao contrário da Justiça, que o condenava, as urnas, acreditava, o absolveria. De roldão, viriam juntos absolvidos todos os demais petistas condenados e denunciados.


Ricardo Moraes/Reuters; Fabio Rodrigues-Pozzebom/Ag. Brasil; Geraldo Bubniak/agb; Juca Rodrigues/Framephoto; Jorge Araújo/Folhapress; Ricardo Stuckert; VANESSA CARVALHO/BRAZIL PHOTO PRESS; AFP PHOTO/Raysa Leite; Reprodução

Armadilha
À medida em que avançava nesse projeto, o PT e Lula radicalizavam o discurso e a postura de vítimas. Afrontavam a Justiça e outras instituições na conformação da sua narrativa. Iam, assim, juntando as peças do seu Frankenstein político. Quando o Frankenstein acordou, revelou-se algo bem mais virulento do que previam. Como reação à radicalização do discurso petista, surgiu em contraposição Jair Bolsonaro, do PSL, um candidato radical, de discurso por vezes perigoso, mas que parece encarnar aos olhos do eleitor justamente a contraface do que, para ele, o PT representa. “Bolsonaro é uma armadilha que o PT inicialmente não previa”, considera o analista político Leopoldo Vieira, da empresa de consultoria IdealPolitik.
O que torna complicada a situação para o PT é que boa parte do eleitorado de Bolsonaro declara saber dos riscos que ele representa. Mas fez a escolha por rejeição ao PT. O efeito teflon migrou de Lula para Bolsonaro. Para o analista político, um dado importante desse fato incontestável é que alguns dos defeitos que o PT aponta em Bolsonaro, o próprio eleitor de Bolsonaro enxerga no PT. Se o aspirante do PSL ao Planalto, agora, é acusado de ter criado uma ampla rede na internet para propagar fake news, antes era o PT quem montava uma estrutura de disseminação de notícias e perfis falsos. Se Bolsonaro às vezes demonstra ter pendores antidemocráticos, expostos por diversas declarações suas e de seus filhos, Eduardo e Flávio, o PT foi além: financiou governos que em nada respeitavam os princípios básicos da democracia, como Cuba e Venezuela. Se o candidato do PSL provoca sobressaltos, capazes de pôr em vigília instituições como o Supremo Tribunal Federal, o PT assustava ao ameaçar levar a cabo atitudes revanchistas caso vencesse as eleições – consubstanciadas na frase do ex-ministro José Dirceu, para quem o partido não iria vencer a disputa, mas “tomar o poder”.
Embriagado pela ideia de reescrever a história e redimir Lula, o PT, portanto, não enxergou os sinais de que a história de radicalização que vinha construindo tinha grande chance de refluir para o nascimento de um contraponto igualmente radical. Atônitos para o que antes do domingo 28 parece já ser uma derrota inevitável, hoje integrantes do partido e de seus aliados, como PDT e PSB, admitem que deveriam ter prestado mais atenção ao que começou a transparecer no país a partir dos protestos de 2013, durante a Copa das Confederações. “A gente pareceu esquecer que tudo começou como reação a aumentos de passagens de ônibus, trem e metrô na gestão do próprio Haddad na Prefeitura de São Paulo”, observa agora um parlamentar do PT.
Em algum momento da trilha para o fracasso nas urnas, Lula tentou promover uma espécie de evangelização de seus aliados e correligionários. Foi quando comparou-se a Cristo. “Jesus Cristo foi condenado à morte sem dizer uma palavra, recém-nascido. E, se o José não corre, ele tinha sido morto. E olhe que não tinha empreiteira naquele tempo, não tinha Lava Jato”, disse. Às vésperas de ser preso, o petista autoproclamou-se uma “ideia”. “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês”, proclamou. “Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Vocês são milhões de Lulas”. No seu entender, ele havia ascendido à dimensão divina. Agora ele encontra no extremo oposto e “com a mão na faixa presidencial”, o antagonista gestado por ele próprio – embora nem Bolsonaro seja capaz de encarnar o “mito”, alardeado pelo seu séquito, nem Lula possa arvorar-se de ente divino, como querem crer os fanáticos petistas.
Dentro do próprio PT, integrantes da sigla admitem que o antipetismo chegou a um nível tão grande que dificilmente ele será dissipado nas próximas eleições. A grande questão é que esse antipetismo foi fomentado, justamente, por ações do próprio partido. A autocrítica cobrada por muitos, Fernando Haddad só começou a fazer, de forma tímida, na reta final da campanha eleitoral. Para um integrante da Executiva Nacional do PT, um grande equívoco agora seria o partido desistir de aprofundar essa revisão dos seus erros. Ainda que, no que parece hoje improvável, o PT venha a virar as eleições, a autocrítica precisará ser feita. E, no caso mais provável de derrota, será essencial para que o partido não acabe minguando nos próximos anos. Hoje, parte do PT ressente-se de não ter feito o que o ex-ministro Tarso Genro propôs quando presidia o partido logo após o escândalo do mensalão, uma revisão profunda, que chamava de “refundação”. “Éramos para ter cortado na própria carne enquanto havia tempo”, diz o petista.
Ao contrário, o PT não apenas renegou seus erros como passou a atacar todos aqueles que os explicitavam. A começar pela imprensa, passando pelo juiz Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato, por todos os juízes em todas as instâncias, até chegar ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF), e alguns de seus integrantes, como o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Para tanto, valeu-se de uma ampla rede de blogueiros e influenciadores digitais. No esforço para estabelecer uma narrativa distorcida da realidade, o PT acabou criando em contraposição outra realidade igualmente distorcida. Assim, a racionalidade foi ficando de lado e as paixões afloraram.
Outro sinal que hoje os petistas admitem ter ignorado foi a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Estava clara ali uma profunda divisão do país, a partir da constatação de que Dilma vencia o pleito com somente pouco mais da metade dos votos. Deveria ter sido feito, avaliam petistas hoje, um aceno de conciliação. Não foi feito. Nem cogitado. Dilma passou a campanha incutindo nas pessoas o temor de que perderiam suas conquistas sociais caso não fosse reeleita. E de que ela era a única alternativa para evitar a recessão e a crise. Mais uma mentira deslavada propagada pelo PT. Tão logo tomou posse, Dilma passou a fazer exatamente o que dizia que seus adversários fariam. Ali apareceu uma figura que, dizem, hoje Bolsonaro explora: a do petista arrependido. “Quando tentamos rever posições, ele cola na gente a ideia do petista arrependido”,diz um integrante do partido. Ou seja: estabelece uma falta de firmeza e de convicção, em vez de um reconhecimento de erro.
No processo de impeachment de Dilma, já parecia claro, pela falta de reação mais forte das ruas, que a narrativa do golpe não ganhava eco na sociedade. Foi outro sinal ignorado. Com efeito contrário, a manutenção de tal discurso reforçou o antipetismo. Na prisão de Lula, a intensidade só aumentou. Finalmente, o erro fatal: a manutenção da candidatura de Lula pelo máximo de tempo possível quando já se sabia da sua impossibilidade legal. A visão colhida até mesmo de petistas é que, ao insistir em uma candidatura que todos sabiam insustentável, Haddad ficou sem tempo de construir a sua própria identidade. Quando entrou, não era como um candidato próprio à eleição. Era como um reserva de Lula. “Lula é Haddad”, dizia o slogan da campanha. “Com o arrefecimento do antipetismo, Haddad herdou mais a rejeição de Lula do que os seus votos”, observa o analista Leopoldo Vieira. Como disse Ciro Gomes, do PDT, era dançar “uma valsa à beira do abismo”. Às vésperas do segundo turno, o PT exibe o que chama de “face perigosa” de Bolsonaro. A essa altura, o eleitor parece decidido. Prefere correr o risco com Bolsonaro, do que endossar a volta do PT ao poder, cujas práticas ele conhece bem e quer ver extirpadas do País.
STF sob ataques
“Eu já adverti o garoto”, disse Bolsonaro

Numa reação orquestrada, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram duros. Entenderam que precisavam se impor como instituição e deixar claro os limites democráticos de um presidente, por maior que seja sua popularidade. O vídeo que começou a circular no fim de semana, em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, fala que bastam “um cabo e um soldado” para fechar o STF chocou os ministros. “Eu já adverti o garoto”, desculpou-se Bolsonaro.
Em julho, durante uma palestra para estudantes, Eduardo Bolsonaro foi perguntado sobre o que aconteceria se o STF impugnasse a candidatura de seu pai. “Aí vai ter que pagar pra ver. Pessoal até brinca lá, cara, se quiser fechar o STF sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo”, disse Eduardo. Diversos ministros reagiram. Para o ministro Celso de Mello, a fala foi “inconsequente e golpista”. Para o presidente do STF, Dias Toffoli, “atacar o Judiciário é atacar a democracia”.
As reações mostram uma ação combinada de defesa da ordem institucional. Mas não foi a primeira vez que o STF foi atacado. Como reação à prisão de Lula, petistas também falaram em “fechar” o Supremo. Defendiam diminuir a importância da Suprema Corte. “Temos que redesenhar o papel do Poder Judiciário. Temos que fechar o STF. Fazê-lo virar corte constitucional”, disse o deputado Wadih Damous (PT-RJ). Em entrevista a um portal do Piauí, o ex-ministro José Dirceu foi na mesma linha. “É preciso tirar poderes do STF para ser só corte constitucional”, disse. “Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois, que são eleitos: o Legislativo e o Executivo”. Afrontar as instituições, bem como ameaçar a imprensa, é moda perigosa e precisa ser duramente combatida.
A criatura
ADEMIR PHOTOGRAFO/FUTURA PRESSDe escândalo em escândalo, o chamado “quadrilhão do PT” – termo usado pelo STF para investigar os petistas que comandaram o maior esquema de corrupção já desvendado no Brasil – acabou sendo responsável pelo empoderamento dos grupos que orbitavam em torno de Bolsonaro, como a bancada evangélica (que clamava contra a crise nos costumes), a bancada de bala (inconformada com a onda de violência) e a bancada ruralista (insatisfeita com o crescente desprestígio do agronegócio). Foi o rio caudaloso onde desaguou o capitão reformado


domingo, 30 de setembro de 2018

Rio Branco reenquadrado, por Luis Claudio Villafane (entrevista na IstoÉ)

Luís Cláudio Villafañe G. Santos traça um perfil pouco heroico do patrono da diplamacia brasileira, revelando segredos, como suas aventuras amorosas e envolvimento com jogatina e espionagem

Crédito: Alexia Fidalgo
O escritor Luis Claudio Villafañe (Crédito: Alexia Fidalgo)
O diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, de 58 anos,  pesquisou ao longo de mais de dez anos para concluir o livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco” (Companhia das Letras). O volume tem mais de 500 páginas, mas é o contrário da típica biografia monumental, em que o biografado surge como vulto da pátria. Para Santos, trata-se de evitar o heroísmo e assim fazer surgir o perfil realista de José Maria da Silva Paranhos Filho (1845-1912), o barão do Rio Branco. Santos traça um perfil nada heroico do patrono da diplomacia brasileira. Revela segredos de alcova, caça e conflitos internacionais. Mas também apresenta uma interpretação do papel e do legado do Barão.
Ainda é possível dizer algo de novo ou encontrar novidades em uma das personagens mais biografadas do Brasil como o Barão do Rio Branco?
Claro que sim. Para começar, as boas biografias do Rio Branco são antigas – a do Álvaro Lins é de 1945 e a do Viana Filho de 1959. De lá para cá, há alguns ensaios de qualidade, mas nenhuma biografia propriamente dita. Além de documentos revelados na pesquisa, o livro faz um resgate de histórias que caíram no esquecimento e reinterpreta os diversos episódios à luz das discussões historiográficas atuais. E, também, a própria abordagem biográfica mudou muito, já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear, sem contradições, erros, inseguranças e incertezas. O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído, etc.
Que fatos novos você revela no livro?
Em relação às biografias existentes há uma coleção de novidades. Algumas estavam enterradas em livros antigos ou documentos esquecidos, outras conhecidas apenas pelos raros estudiosos e algumas que identifiquei ao longo da pesquisa. Dou exemplos. Eu resgatei um tratado secreto que o Rio Branco assinou com o Equador para uma ação militar conjunta em uma eventual guerra contra o Peru, algo que nenhum biógrafo anterior jamais mencionou. Eu publiquei o texto desse acordo em uma revista especializada em 2017, mas o tema era desconhecido na historiografia brasileira. Desencavei no Arquivo Histórico do Itamaraty um minucioso estudo que não chegou a ser publicado de um bibliotecário do Ministério sobre as anotações que o Barão fazia nos livros de sua vasta biblioteca, com muitas coisas interessantes. Resgatei histórias esquecidas como a do genro-espião, o quase assassinato de um colega de faculdade pelo jovem Juca, o uso de lobistas e mesmo de informantes infiltrados junto aos juízes nas arbitragens sobre os territórios de Palmas e do Amapá, entre outras.
Você corrobora a interpretação tradicional que atribui a Rio Branco um papel fundamental tanto no estabelecimento das fronteiras do Brasil como da definição do papel do Brasil na geopolítica americana. Há outros aspectos a acrescentar nessa interpretação?
O papel do Rio Branco na definição das fronteiras é inegável e transcendente. Trata-se, sem dúvida, de seu maior legado. Mas, mesmo essa história está mal contada. No livro eu aprofundo essa questão das negociações de limites, cuja interpretação está até hoje muito baseada na narrativa que o próprio Rio Branco criou. Por exemplo, a negociação com o Peru, onde se poderia ter perdido todo o Acre, mesmo depois de pago – em dinheiro e territórios – para a Bolívia, é sempre apresentada como uma coisa quase burocrática, quando demorou mais de cinco anos e quase resultou em uma guerra que teria sido muito complicada. É o próprio Rio Branco que dá origem a essa interpretação porque ficava melhor para ele, conforme explico no livro.
O Rio Branco viveu mais de vinte anos na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Ele compartia plenamente a visão das elites desses países em relação ao sistema internacional. O que almejou fazer na América foi, de alguma maneira, reproduzir o arranjo europeu, criar uma espécie de “concerto americano” em que os Estados Unidos, o Brasil, a Argentina, o Chile e o México se entenderiam para manter o continente em paz e longe das intervenções europeias.
Muitas vezes, Rio Branco parece ter agido de forma maquiavélica para beneficiar um país aliado ou uma situação favorável ao Brasil?
Em termos de relações internacionais, Rio Branco foi o que hoje chamaríamos de um realista. Ele entendia que o poder é o elemento mais importante nas relações entre os países e agiu de acordo com esse entendimento. No livro, eu dou elementos para que o leitor ou leitora faça seu próprio julgamento em cada episódio. Por exemplo, a questão da retificação das fronteiras com o Uruguai, em que o Brasil cedeu, sem compensação, o condomínio da Lagoa Mirim e do rio Jaguarão teve também um elemento de cálculo político para constranger a Argentina; mas definir em que medida pesou mais a vontade de remediar uma situação injusta ou se foi por causa da rivalidade com a Argentina fica por conta de quem interpreta a questão.
Você adentra um terreno desafiador que coloca em nexo a diplomacia e a moldagem de conceitos de identidade nacional. De que forma essa relação se altera com as mudanças de regime e de modelo de Estado e Nação no Brasil do Império à Nova República?
Eu tratei especificamente dessa questão da ligação entre política externa e identidade nacional em um livro anterior, que, pelo papel do Rio Branco nesse processo, acabou se chamando O Dia em que Adiaram o Carnaval (UNESP, 2010). Por ter sido uma monarquia por quase sete décadas, com a conservação de muito do imaginário, das relações socias e das formas de legitimação do Antigo Regime – em contraste com os Estados Unidos e com os países vizinhos – nas bases como se entende o fenômeno hoje em dia, o nacionalismo foi tardio no Brasil e, assim, ainda que tendo atuado quase um século depois da independência, pode-se dizer que o Rio Branco tem um papel relevante como formador da nacionalidade. Mas isso eu exploro mais a fundo nesse outro livro de 2010.
Nesse processo, Rio Branco ofereceu um modelo de nacionalidade? Quem entre os seus sucessores exerceram o mesmo papel, sem esquecer o antecessor Joaquim Nabuco?
O papel do Rio Branco como formador da nacionalidade está muito ligado a seu desempenho, político e discursivo, na consolidação das fronteiras. A questão do território – que precederia a nação, um legado da natureza que a colonização portuguesa nos teria transmitido – está na base da construção da ideia de nacionalidade no Brasil. O Rio Branco resgatou e atualizou esse mito fundador e, assim, destaca-se entre seus contemporâneos nesse processo de fortalecimento do sentimento nacional. A política externa tem um papel importante na construção da nacionalidade, pois afinal é a política pública que lida especificamente com o “outro” e a alteridade é fundamental na construção da identidade.
Rio Branco defendia a aliança íntima com os Estados Unidos. A diplomacia brasileira posterior buscou se afastar dessa intimidade? Houve uma espécie de angústia da influência em relação a essa convicção no Itamaraty ao longo do século XX?
Essa interpretação é um mito que o livro desafia. A suposta prescrição invariável de Rio Branco em favor de um alinhamento com os Estados Unidos não se sustenta. Antes de mais nada, a ideia de priorizar as relações com os Estados Unidos precede Rio Branco; foi uma política perseguida de forma estridente já imediatamente depois da proclamação da república e, inclusive, vinha do Manifesto Republicano de 1870. De fato, em determinados momentos, Rio Branco entendeu que seria importante ao menos aparentar uma sintonia com os Estados Unidos, principalmente como proteção contra ingerências das potências europeias. Essa política, que teve seu ponto máximo na III Conferência Pan-americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906, desandou a partir da Conferência da Paz na Haia em 1907 e ao fim do período de Rio Branco as relações com os Estados Unidos estavam em seu ponto mais baixo em muitas décadas. Foram os sucessores do Barão que, para legitimar suas escolhas, passaram a atribuir ao Rio Branco essa ideia de uma aliança incondicional com os Estados Unidos. Essa visão durou ao longo de grande parte do século XX e se reforçou com a tese da “aliança não escrita”, inventada na década de 1960 muito mais para legitimar a política daquela década, depois do golpe de 1964, do que como descrição válida das relações entre os dois países no início do século XX.
Você poderia descrever em poucas linhas a pessoa de Juca Paranhos, como personalidade, gostos, aspecto físico e psicológico? Ele não parecia ser um grande intelectual, apesar de inteligente.
Uma das coisas que diferencia o livro das biografias anteriores é, justamente, mostrar a evolução do personagem ao longo de sua vida. Minha análise atende a prescrição de Pierre Bourdieu de desmascarar o que ele chamou de “ilusão biográfica”: mostrar os biografados como personagens planos, cujas principais características sociais, pessoais e de caráter permanecem praticamente inalteradas durante toda sua trajetória. Ao contrário, eu procuro mostrar as transformações do Rio Branco ao longo de sua vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que ele se reinventou.
Quanto à questão do legado intelectual, o Rio Branco não deixou uma obra “acadêmica” de relevo; ficaram muitos textos dispersos, de diversos tipos, que inclusive eventualmente têm contradições entre si. Foram, na maior parte dos casos, escritos de circunstância. Isso não deixou de ser uma vantagem para os que, desde então, passaram a atribuir ao Barão a paternidade de suas políticas como forma de legitimá-las. Mas, vale dizer, mesmo sem ter escrito obras de maior fôlego, o Rio Branco foi um grande erudito nas áreas de história e geografia do Brasil, conhecimento que ele aproveitou muito bem para sustentar sua atuação diplomática e política.
Você busca traçar um perfil menos monumental desse vulto pátrio, símbolo da hegemonia (rural) oligárquica o Império que não hesita em defender e consolidar a República Velha. No que ele fraquejou, errou e acertou? 
O livro, em suas quinhentas e tantas páginas, está aí para responder a essa pergunta. Não me furto em mostrar as hesitações, erros de avaliação e contradições; e também os grandes acertos e vitórias, bem como as polêmicas que enfrentou. A trajetória do Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República, e não somente na política externa. O livro explora também a relação entre a política interna e a política externa e a atuação do Rio Branco na política interna; desfaz o mito de sua suposta autonomia na condução da política externa. Então, como hoje, a política externa reflete a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários.
 Que lição Paranhos legou ao Brasil, e que pode ainda hoje pode ser considerada fundamental para a instauração de um Estado e uma Nação brasileiras? O “concerto americano” esboça de alguma forma os tratados atuais entre os países do continente?
A ideia de um “concerto americano” que ele tinha em mente é muito distinta do que se pode propor hoje. Sua visão das relações internacionais, na linha dos seus contemporâneos, era essencialmente oligárquica. Vale dizer que é nesse período em que a noção de uma hierarquia entre os países como uma coisa natural e legítima começa a ser posta em questão. A ideia da igualdade das nações teve na Conferência da Haia de 1907 um marco importante. É um episódio que eu exploro no livro e aí se vê que, ao contrário do Rui Barbosa, o Barão aceitava com muito mais naturalidade a preponderância das grandes potências. Esse exercício de buscar na atuação e nas ideias do Rio Branco antecedentes ou justificativas para políticas atuais foi usado e abusado pelos seus sucessores no Itamaraty, mas não resiste a uma análise mais detida.
Num exercício de especulação fantasiosa, como Rio Branco reagiria ao papel atual do Itamaraty?
Não cabe muito essa especulação. A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente. Qual seria a posição do Rio Branco sobre mudança climática, exploração dos fundos marinhos? Mesmo temas que já existiam – comércio, direitos autorais, transportes, etc. – são profundamente diferentes hoje.
Quais foram as principais surpresas e dificuldades durante esses (talvez seis) anos de pesquisas em arquivos?
São mais de dez anos de pesquisas. Já para o livro sobre o papel da política externa na construção da nacionalidade, publicado em 2010, estava trabalhando com o Rio Branco. As investigações para aquele livro vêm, naturalmente, de antes e assim acho que passo já dos dez anos pesquisando, direta ou indiretamente, sobre o Rio Branco. Investigar um tema é sempre descobrir coisas novas que, muitas vezes, mudam a interpretação que se tinha. O resultado nunca é como se imaginou que seria no início, o que é o melhor sinal de que a pesquisa valeu a pena. Não tive nenhuma dificuldade específica de acesso à documentação e as surpresas foram surgindo naturalmente pelo caminho.
Você poderia estabelecer uma comparação entre sua interpretação de Rio Branco e as de outros biógrafos, como Luís Viana Filho e outros que aparentemente praticaram a biografia-exaltação?
As biografias falam dos biografados e de suas épocas, mas também refletem o momento em que foram escritas. Um dos grandes desafios do biógrafo é dar elementos para que os leitores e as leitoras possam se relacionar empaticamente com o biografado. No caso, foi necessário um esforço para situar a visão de mundo, as inseguranças, as expectativas, os dilemas e a teia de relações sociais de um personagem que nasceu em 1845 e se socializou e atuou em um contexto bastante diferente do nosso, um mundo que sofreu transformações importantes durante sua existência. Esse esforço tem de ser atualizado a cada releitura. Explicar o Rio Branco em 1945, como fez o Álvaro Lins, é muito diferente do desafio enfrentado pelo Viana Filho, em 1959, e da tarefa de mostrar esse personagem, complexo e muitas vezes contraditório, para o público de hoje.

sábado, 22 de setembro de 2018

Golpe versus golpe: os perigos dos extremos - Carlos José Marques (IstoE)

Golpe versus golpe

Carlos José Marques, editor
Revista IstoÉ, 21/09/2018

Um fato ninguém discute: tanto Bolsonaro como Lula – e, por tabela, seu preposto – são, lado a lado, odiados por uma ampla parcela da população. Carregam insuperáveis índices de rejeição às suas ideias, práticas e propostas. São alvo de repulsa especialmente pelo que representam – em direções opostas, é bem verdade. Como diria em sua antológica frase o ex-congressista Roberto Jefferson, um e outro despertam “os instintos mais primitivos” dos eleitores. E eis que chegamos às vésperas das urnas na inusitada situação de conceder a vitória àquele menos odiado. Ou o “menos” pior. Ou o que galvaniza a porção majoritária de defensores dos extremos à direita e à esquerda. Lula encarnado na figura de Haddad, que usa a máscara do próprio mentor para dizer que um e outro representam o mesmo ser, tal filho e espírito santo, o postiço funcionando como um mero pau-mandado do padrinho. Serão juntos recriadores de um caudilhismo singular – que fez história no velho coronelismo da caatinga – com todos os vícios, roubos e aberrações de gestão já experimentados por essas paragens. A divindade Lula reencarnará, tomará forma e método na imagem mimetizada de Haddad. Assim prega o lulopetismo. E assim deve ser. Haddad, que empresta corpo e alma, não recusa o papel, de mais a mais bem melhor que o de um prefeito paulistano apagado, desprezado, marcado pela ineficiência administrativa, pela mediocridade de projetos e pela arrogância na conduta. Na outra ponta do ringue, a imprudência fardada. Bolsonaro e seu general de estimação, Mourão, o vice das incontinências verbais, já demonstraram ter zero de noção sobre o que fazer para reconsertar o País. Na prática, nem estão preocupados com o assunto. Não tratam disso. Sugerem implantar um modelo liberticida de poder escorado na intolerância (como se fosse possível tamanha ambiguidade). A radicalização prende, extermina o contraditório, extirpa do convívio os adversários que não concordam com seus mandamentos. O trunfo de Bolsonaro e Mourão é surfar a onda do desencanto, pegar todo mundo na base da raiva. Atrair os insatisfeitos que seguem largados por todos os lados, sem respostas. Querem mover e moer a máquina na base dos impulsos tribalistas, vingativos, irracionais. Contra tudo que está aí, quem sabe até contra a democracia, por que não? E eis o inacreditável: a proposta de trucidar a democracia lidera as pesquisas como o último toque de recolher na caserna após a fuzarca. Restam os órfãos, a expressiva maioria localizada no centro ideológico, aqueles que temem ser esta talvez a derradeira das eleições democráticas por uma longa e tenebrosa era, caso nada reverta o quadro ou vinguem os anseios totalitários em ascensão. Já é possível contemplar: um aparato rudimentar de governo aguarda o Brasil logo ali na esquina, na virada das eleições, em uma marcha da insensatez em ritmo acelerado nesse sentido. Como foi possível chegar a tal ponto de degradação política? Que forças ocultas ou de corpo presente empurram o País para tão sombria perspectiva que, nem de longe, representa a expressão dos sentimentos da maioria, mas que deve se confirmar como única fórmula disponível, pelo mero desencanto daqueles que desistiram de lutar por saídas alternativas? O dueto de Bolsonaro/Mourão versus o de Lula/Haddad possuem no escopo de princípios deploráveis de suas respectivas cartilhas muitas similaridades de interpretações, adaptadas às versões de cada lado. Sobre o golpe, por exemplo. Ambos pregam que ele existiu ou existirá – se desconte diferenças de timing na conclusão de um para o outro. A chapa verde oliva passou a alertar sobre um tresloucado golpe em gestação na forma de fraude nas urnas, tese conspiratória logo ridicularizada pelas autoridades competentes. A chapa vermelho raivoso sustenta a pregação de uma eleição golpista por não contar com o nome de Lula nas urnas. Irresponsavelmente, ambos os lados atentam contra as instituições, as leis e as regras do jogo democrático. É golpe versus golpe, abrindo margem a contestações futuras, anarquia e flerte com eventuais ditaduras. Nem o mais insensato dos cidadãos pode vir a concordar com tamanho despautério. Ainda dá tempo. Seu voto é carimbo para um melhor futuro.

sábado, 24 de setembro de 2016

O Grande Assalto aos Fundos de Pensao: criminosos sindicais do PT esvaziam os cofres - Aguirre Talento (IstoE)

O grande assalto aos Fundos de Pensão: durante anos, bastava olhar para constatar que sindicalistas da CUT e dos sindicatos controlados pelo PT estavam controlando soberanamente todos os mais importantes fundos de pensão das estatais do país. Dava para perceber que eles estavam roubando os associados.
E ninguém fez nada? As assembleis de cotistas e membros não serviam para nada?
As entidades de controle do governo não faziam nada? Fechavam os olhos?
Sinto pelos associados, mas deixar suas entidades nas mãos de bandidos dá nisso.
Paulo Roberto de Almeida

As gravações que comprovam a fraude de R$ 2 bi na Funcef
Aguirre Talento
IstoÉ, sábado, 24 de setembro de 2016

• Documentos e áudios obtidos por ISTOÉ revelam como diretores do fundo de pensão da Caixa, pressionados por dirigentes petistas, entre eles o ex-tesoureiro João Vaccari, aprovaram investimentos prejudiciais à instituição que beneficiaram aliados e a OAS, de Léo Pinheiro, implicada no Petrolão

Operação Greenfield
Segundo os procuradores, o núcleo político da organização criminosa influenciava os diretores dos fundos de pensão

Aparelhados pelos partidos políticos durante a era petista, os fundos de pensão das estatais e empresas federais se tornaram alvo de uma megainvestigação da Procuradoria do Distrito Federal sobre desvios de recursos que lesaram os aposentados em R$ 8 bilhões. Trata-se da Operação Greenfield, que cumpriu, no último dia 5, um conjunto de 28 mandados de condução coercitiva, sete de prisões temporárias e 106 de buscas e apreensão. ISTOÉ obteve com exclusividade as gravações que fundamentaram a operação. Os áudios referem-se a reuniões de diretores da Funcef – órgão que administra a previdência complementar da Caixa e foi comandado por executivos indicados e ligados ao PT, acumulando um prejuízo de ao menos R$ 2 bilhões. O material explosivo revela a total negligência com os recursos dos aposentados e indica uma clara atuação de dirigentes da Funcef no sentido de honrar acertos políticos. Para a PF, há fortes indícios de que o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto, atualmente preso pela Lava Jato, esteja por trás das operações fraudulentas aprovadas pela cúpula da Funcef. As suspeitas também recaem sobre o ex-ministro da Casa Civil de Dilma, Jaques Wagner. Um dos beneficiários do esquema, segundo as investigações, foi o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, ligado ao PT, a Lula e a Jaques Wagner.

A postura observada nas reuniões é escandalosa: diretores dão o aval aos investimentos mesmo admitindo não terem lido todos os documentos, autorizam aportes sem saber de onde a Funcef vai tirar dinheiro e passam por cima de riscos considerados graves por executivos do órgão, como a existência de dívidas tributárias e trabalhistas de uma empresa que demandava recursos do fundo. Em comum, nos encontros de diretores da Funcef, há o fato de os presidentes do Fundo de Pensão dos servidores da Caixa, indicados pelo PT, sempre defenderem a liberação dos recursos, a despeito dos reiterados alertas feitos pelos seus diretores. São eles, em dois momentos administrativos distintos da Funcef: Guilherme Lacerda e Carlos Alberto Caser, ambos ligados ao PT. Os dois e outros cinco gestores do fundo foram presos temporariamente durante a Operação Greenfield. Depois de prestarem depoimento, deixaram a cadeia.

A PF destaca três reuniões como as mais emblemáticas para demonstrar a existência de negociações prejudiciais à Funcef, feitas única e exclusivamente para cumprir acordos políticos: a que selou aportes de R$ 400 milhões na OAS Empreendimentos, a que confirmou investimentos de R$ 1,2 bilhão em três anos na Invepar (braço da OAS na área de transportes) e a que ratificou a aplicação de R$ 17 milhões no FIP Enseada, a fim de reerguer a Gradiente. Naquele momento, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro pressionava a cúpula petista pelo aval aos negócios de seu interesse. Nas mensagens extraídas do celular do empreiteiro, há referências à atuação de Jaques Wagner e Vaccari na Funcef. Em julho de 2013, quando o caso estava sob discussão, Léo Pinheiro escreveu para o acionista da OAS Antônio Carlos Mata Pires: “Como foi na Funcef? O nosso JW [Jaques Wagner] me perguntou”. Ao que Pires respondeu: “Ótimo. Foi aprovado para contratação do avaliador, Deloitte. Agora, precisaremos de JW [Jaques Wagner] na aprovação final”. Em outra conversa pelo celular, Léo Pinheiro diz que pela Funcef estaria tudo certo, mas adverte César Mata Pires, dono da OAS, que poderia haver problemas na aprovação do negócio pela Caixa. Segundo a mensagem, Carlos Borges, diretor da Funcef, havia ligado para Pinheiro preocupado com a questão. Quem também telefonou para agendar um encontro foi João Vaccari. Ao fim, o investimento foi aprovado. “Não esqueça de me reservar uma vaga de officeboy nesse arranjo político. Afinal com a sua influência junto ao Galego e o Lula, vc é o CARA”, atesta Carlos Borges, da Funcef, em mensagem encaminhada a Léo Pinheiro em 2014.

Sinal verde à fraude

Para a PF, a pressão que precedeu a aprovação do negócio explica o conveniente “descuido” na hora de aprovar os investimentos que deram prejuízos à Funcef. A reunião da diretoria da Funcef para sacramentar o investimento na OAS Empreendimentos ocorreu em novembro de 2013. O aporte seria feito em duas parcelas de R$ 200 milhões. Os diretores não sabiam de que fonte orçamentária sairia o segundo aporte. Mesmo assim, deram o sinal verde para a operação. Isso gerou longos embates na reunião, que durou 1 hora e 23 minutos. Nas conversas, o então diretor de Planejamento e Controladoria da Funcef, Antônio Bráulio de Carvalho, faz uma autocrítica e alerta para o risco de faltar dinheiro para honrar os compromissos: “A gente não presta muita atenção na política de investimentos e não faz as discussões nos momentos que têm que ser feitos. Se eu aprovo R$ 200 milhões aqui pro ano que vem, se chegar outro investimento também que não está previsto… se chegar outro que não tá previsto, o que vou fazer? Nós estouramos a liquidez”. Um outro participante da reunião, não identificado, faz outra ressalva: “Vai ter que vencer isso, de onde sai o dinheiro. Não dá pra investir R$ 400 milhões, ou R$ 200 milhões, e falar ‘ah não sei de onde’”. No final da reunião, o diretor-presidente Carlos Alberto Caser, indicado pelo PT, rebate as críticas e sustenta que não deveriam deixar de aprovar o negócio só porque não estava previsto na política de investimentos. Para ele, a fonte dos recursos seria resolvida posteriormente. “Depois de termos gastado um ano de discussões, contratando uma consultoria que custou R$ 500 mil, foi cara pra dedéu. Negociamos blá blá blá blá blá blá. Agora [para quê] eu vou submeter isso (…) burocraticamente à política de investimentos, tendo um retorno bom?”, afirmou Caser. Ao fim, a Funcef aprovou o negócio. Segundo o Ministério Público Federal, os milhões investidos viraram pó: valiam apenas R$ 117,5 mil em dezembro de 2015.

Gestão temerária
Outro investimento na OAS de R$ 1,2 bilhão, o chamado FIP Invepar, foi aprovado sem relatórios da análise jurídica e de conformidade – que avalia o cumprimento a determinadas regras. É o que revela o áudio da reunião ocorrida em 20/10/2008, com duração de 37 minutos. No encontro, o diretor de Planejamento e Controladoria, Antônio Bráulio, discorda da pressa na aprovação: “Em termos de coerência fica complicado. Como é que um diretor de conformidade e controle pode aprovar uma coisa sem ter analisado anteriormente?”. Coube mais uma vez a um diretor-presidente ligado ao PT, neste caso Guilherme Lacerda, intervir para garantir o negócio: “(…) Eu queria também fazer um apelo, é um apelo, é um esforço muito grande o investimento que a gente tá, pode dar errado (…) mas é um investimento que vinha pensado aqui muitas vezes, na perspectiva de ter uma valorização grande”.

O terceiro caso que chamou a atenção dos investigadores envolveu a aprovação do investimento de R$ 17 milhões no FIP Enseada, um fundo constituído para reerguer a antiga Gradiente, mergulhada em dívidas trabalhistas e tributárias. De novo os diretores resolveram passar por cima dos riscos que envolviam o negócio para agradar ao então presidente da empresa, Eugênio Staub, que havia declarado apoio a Lula na eleição. Logo ao apresentar o projeto, o diretor de investimentos Demósthenes Marques adverte: “A gente tá entrando em um negócio que é de nível de risco maior do que a grande maioria”. Bráulio, por sua vez, classifica de “preocupante” a possibilidade de as dívidas da empresa provocarem perdas à Funcef. A exemplo do episódio anterior, em que avalizou um negócio altamente temerário com o único objetivo de atender demandas políticas, o presidente Guilherme Lacerda banca o aporte. Atribui as advertências a “fofocas de jornal” e diz que o fato de o dono da Gradiente ter anunciado apoio ao Lula não pesaria em sua decisão. Pesou.

“Estou tranquilo em relação às posições que adotei na Funcef porque as informações que tinha à época levariam qualquer gestor a ter a mesma postura”, disse Lacerda por meio de seu advogado. Não é o que pensam os investigadores. Para eles, as negociações ocorriam “em conjunto com autoridades políticas que tinham clara ascendência sobre os diretores dos fundos de pensão”. Vaccari integraria o chamado núcleo político do esquema e, segundo a PF, “possivelmente concorreu” para que fosse aprovado o investimento na OAS “em detrimento do patrimônio da Funcef”. O próximo passo do procurador Anselmo Henrique é destrinchar ainda mais a relação desse núcleo político com os fundos de pensão. Nos últimos dias, foram analisados os depoimentos prestados no último dia 5. Agora, o MP quer acesso a delações da Lava Jato. Na última semana, empresas alvo da operação firmaram acordos com o MP para depositar valores em juízo e ficarem livres de medidas restritivas. A OAS devolveu R$ 240 milhões. Ainda é muito pouco perto do bilionário prejuízo amargado pelos aposentados da Caixa.