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sexta-feira, 15 de maio de 2020

My God! A burguesia já desembarcou do barco do Bolsonaro - CNI - IstoÉ

É a primeira vez que vejo isso: a burguesia se afastando do capitão genocida.
O boletim da CNI, um sindicato de ladrões da burguesia, como diriam os marxistas, divulga matéria da revista IstoÉ, que se posiciona claramente contra Bolsonaro.
Paulo Roberto de Almeida

http://cni.empauta.com/e6/?autolog=eJwzMDAwMDQ3MDAzszQwAkIDU0NTACkDA--2B0--3D/#/noticia/2005151589550978003

Saia Bolsonaro


Revista IstoÉ | Reportagem Principal
15 de maio de 2020

Marcos Strecker e Vicente Viiardaga


O Brasil se torna um vetor mundial de expansão da pandemia, e o principal responsável é Jair Bolsonaro. A curva de crescimento dos infectados projeta uma das situações mais graves do mundo, mas o presidente debocha da crise. No sábado, 9, enquanto o País ultrapassava a marca de 10 mil óbitos, Bolsonaro passeava de jet ski - nos cinco dias seguintes, mais 3.149 brasileiros perderam a vida. No mesmo dia, mostrando sintonia com a sociedade, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) decretaram luto oficial. Mas não Bolsonaro. Alheio ao drama humanitário, ele continuou a enfraquecer a economia promovendo instabilidade e negligenciando a necessidade de um plano para a retomada. Tudo isso em uma semana crucial para o seu mandato. Inquéritos no STF podem esclarecer a tentativa de interferir na Polícia Federal (PF) e outros crimes. A intromissão na PF, denunciada pelo ex-ministro Sérgio Moro, está sob investigação na corte. Uma peça decisiva é o vídeo de uma reunião de ministros no Planalto. São processos que podem desembocar na sua saída.

A pandemia está colocando o Brasil no centro do mundo. O País já se aproxima da marca de 1.000 óbitos diários. De forma certeira, a Lancet, revista científica que é referência internacional, publicou um editorial demolidor com o sugestivo título de "So what?" (E daí?). Disse que o presidente se torna a maior ameaça ao combate da Covid-19 no Brasil. "Ele não só continua semeando confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distanciamento físico e confinamento introduzidas pelos governadores e prefeitos, mas também perdeu dois importantes e influentes ministros nas três últimas semanas", aponta a publicação. Com a antipolítica de Bolsonaro, o País está se tornando um pária na comunidade internacional. A América Latina é o maior foco de crescimento no mundo, e o Brasil é o responsável por isso. A revista ressalta que o País tem a maior taxa de transmissão entre os 48 países analisados pelo Imperial College, de Londres, uma das universidades de maior prestígio da Europa. Na última semana, com mais de 188 mil infectados, tornou-se o sexto país com maior número de casos - atrás apenas de EUA, Rússia, Espanha, Reino Unido e Itália. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, citado pela revista, declarou que o Brasil pode liderar o número de casos da doença no mundo, e voltou a criticar Bolsonaro: "Os números falam por si só. Ele fez o que ele quis fazer, mas a história vai dizer quem estava errado e quem estava certo".

Desde que o STF suspendeu a indicação do nome de Bolsonaro para a direção da PF, a corte endureceu sua relação com o presidente
Enquanto o País padece, Bolsonaro luta para se manter no cargo. O principal alvo das hostes bolsonaristas atualmente é o STF, que tem inibido as vontades autoritárias do presidente. O isolamento crescente do presidente pode ser verificado em várias decisões recentes do tribunal. Desde que o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a indicação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da PF, o STF endureceu sua relação com o presidente. Bolsonaro atacou Moraes dizendo que a decisão era política e que o ministro só ocupava um lugar na corte por causa de sua amizade com o ex-presidente Michel Temer. Os outros ministros criticaram o presidente e consideraram "inadmissível" qualquer ofensa pessoal aos magistrados. O ministro Gilmar Mendes considerou a atitude de Bolsonaro "ilegítima e inaceitável" e classificou as ofensas a Moraes de "censura personalista". O ministro Luís Roberto Barroso defendeu a "competência e integridade" de Moraes e disse que sua atuação no STF "tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência".

Diante da decisão do ministro, manifestantes pró-Bolsonaro foram protestar em frente ao prédio onde Moraes habita, em São Paulo, e dois deles, um engenheiro de 64 anos e um autônomo de 58 anos, acabaram presos em flagrante por difamação, injúria, ameaça e perturbação do sossego alheio. Os dois pagaram fiança, mas foram proibidos de manter qualquer contato com o ministro, pessoal ou indireto, e devem a partir de agora respeitar uma distância de 200 metros de Moraes. Além disso, a Justiça determinou para os dois acusados o recolhimento domiciliar durante a noite e nos dias de folga e a proibição de deixar São Paulo por mais de oito dias sem autorização judicial. Grupos radicais que apoiam o presidente, atuando com violência ou produzindo fake news, estão sendo acompanhados de perto pelo STF por seu incitamento ao ódio e iniciativas antidemocráticas. A Justiça atuou firmemente para impedir o acampamento nos gramados da Esplanada do Ministério do grupo 300 do Brasil, que diz lutar contra a "ditadura do STF". Moraes é justamente o relator de um inquérito que apura a divulgação de fake news com ofensas caluniosas e difamatórias contra os ministros da corte e seus familiares. O inquérito se aproxima do clã Bolsonaro. A PF identificou o filho 02 do presidente, Carlos, como o coordenador das fake news contra o tribunal.

Vídeo ameaça o presidente

Os ministros do Supremo, porém, mantêm uma postura de cautela diante das diferentes versões sobre o vídeo da reunião do conselho de ministros, no dia 22 de abril, em que Jair Bolsonaro ameaçou demitir Sérgio Moro (

Outra razão que motivou o presidente a interferir na PF é o ataque a faca de que foi vítima durante a campanha eleitoral. Sempre insinuou que havia mandantes. Mas a PF concluiu em um segundo inquérito, entregue à Justiça na última quarta-feira, 13, que Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho, por iniciativa própria e sem ajuda de terceiros. A conclusão diminui um dos argumentos do presidente para mostrar insatisfação com o órgão. A investigação sobre a possível interferência na PF pode, segundo juristas, levar a um processo por crime de responsabilidade. Na contramão dos fatos apurados até agora, Bolsonaro nega qualquer tentativa de interferência. Declarou que nenhum familiar dele foi investigado pela corporação. Mas a PF tinha um inquérito eleitoral até março passado que apurava se o seu filho Flávio cometeu lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral ao declarar seus bens nas eleições de 2014, 2016 e 2018. Flávio atribuiu valores diferentes para um mesmo apartamento. A PF concluiu o caso e pediu seu arquivamento, sem quebrar seu sigilo fiscal e telefônico. Esse mesmo imóvel é objeto de outra investigação do Ministério Público do Rio sobre a prática da "rachadinha". Ainda corre na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros da PF do Rio um inquérito que cita Fabrício Queiroz, braço-direito de Flávio e amigo de 40 anos do presidente. A PF foi envolvida em mais um episódio ligado à família Bolsonaro. A pedido do presidente, abriu um inquérito para apurar a menção ao seu nome feita pelo porteiro do seu condomínio da Barra da Tijuca, no caso Marielle. Fora da PF, Flávio e Carlos Bolsonaro são alvos de cinco procedimentos de investigação do MP carioca que apuram a existência de funcionários fantasmas em seus gabinetes. Ao todo, 19 familiares de Bolsonaro estão sob investigação no Rio.

No STF, o presidente não tem encontrado respaldo para suas atitudes irresponsáveis. No mês passado, ele sofreu uma contundente derrota numa votação do pleno do STF, que, por 9 a zero, decidiu que o presidente não tem competência para tornar sem efeito, por meio de decreto, decisões tomadas por governadores e prefeitos para conter o contágio pelo coronavírus. Bolsonaro não pode se meter em atribuições que são dos governos estaduais e municipais. Mesmo assim, na segunda-feira, 11, o presidente voltou à baila e publicou em uma edição extra do Diário Oficial da União um decreto que inclui salões de beleza, barbearias e academias esportivas na lista de atividades essenciais que podem funcionar durante a quarentena. O próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, foi pego de surpresa pela decisão.

De qualquer forma, graças à decisão anterior do STF, o novo decreto de Bolsonaro deve virar letra morta, já que cabe aos governos locais decidir o que pode ou não funcionar durante a pandemia. Vários governadores e prefeitos já declararam que vão ignorar o decreto. Mas as declarações diárias do presidente contra a quarentena surtem efeito. Desestimulam a população a seguir as normas de contenção e servem para abarrotar ainda mais os hospitais, já sem condições de atender a pacientes em UTIs em vários casos.

Em mais uma atitude nociva, Bolsonaro manteve até a terça-feira, 12, um silêncio antirrepublicano de dois meses sobre o resultado de seus testes de coronavírus. Finalmente, a Advocacia Geral da União (AGU) entregou ao STF três testes de coronavírus do tipo PCR, realizados pelo presidente, em março, sob os codinomes de Airton Guedes e Rafael Augusto, mas com CPF e data de nascimento corretos, que foram parar nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski - a quem coube a decisão de divulgá-los. Ele fez isso no dia seguinte.

A entrega dos testes atendeu a um pedido do jornal

O Estado de S.Paulo ao tribunal, que alegou interesse público sobre as informações referentes à saúde de Bolsonaro. A Justiça Federal de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) garantiram ao jornal o direito de ter acesso aos documentos. Os resultados mostraram que Bolsonaro não estava infectado na época da realização dos testes. Segundo a AGU, foram utilizados nomes de terceiros nos exames para a preservação da imagem e da privacidade do presidente e por questões de segurança.

A divulgação dos testes, que respeita o princípio constitucional do direito à informação, diminuiu a pressão sobre o presidente, mas não aliviou sua situação. Mesmo que escape da inquirição do STF e das dezenas de processos de impeachment protocolados no Congresso, por ora, ele é uma figura que diminui a cada dia e também apequena o Brasil, que se pergunta qual é o líder instalado no Planalto. Os bolsonaristas ainda se apegam à ideia anacrônica de líder no sentido antigo, de um "herói" capaz de guiar as massas pelo seu carisma. Mas, atualmente, o conceito mudou. O verdadeiro líder é reconhecido quando é capaz de resolver problemas concretos da sociedade em uma determinada situação. Nada mais distante do atual presidente, que anda na contramão do mundo na maior emergência dos últimos cem anos. O líder é capaz de unificar a sociedade. Bolsonaro, ao contrário, vive da polarização. O líder protege a população. Bolsonaro ignora a saúde do povo em função de seu projeto político pessoal. Ao contrário dos estadistas que cresceram com a crise pregando transparência, cooperação, solidariedade e se apoiaram na ação dos cientistas e na orientação dos especialistas, ele ignorou os conselhos técnicos e até este momento defende um medicamento, a cloroquina, que não foi referendado por estudos sérios - inclusive dois amplos trabalhos divulgados nos EUA nos últimos dias. Além disso, insiste em propagar desinformação sobre a doença, como um post no Instagram que mentia sobre os óbitos no Ceará. A rede precisou colocar um aviso de fake news na mensagem - mais um papelão para o presidente da oitava maior economia do mundo.

A publicação britânica Lancet apenas chancela o que os brasileiros já sentem. Os ataques de Bolsonaro às ações que poderiam atenuar os efeitos da doença fazem o País pagar um alto preço em vidas humanas. Mas também traduz uma percepção internacional que já se cristaliza, afetando a imagem do País. O Brasil vai na contramão do mundo. Para Bolsonaro, o desprezo pela vida humana e por ações humanitárias provocou o repúdio da comunidade internacional e a reprovação de órgãos como a Organização Mundial da Saúde. No último dia 26, relatores da ONU criticaram o governo brasileiro por políticas que colocam "a economia acima da vida" no combate ao coronavírus. A centenária revista The Atlantic chamou Bolsonaro de "líder mundial do movimento negacionista da Covid-19". O Financial Times o apontou como um dos quatro líderes mundiais que se recusaram a levar a doença a sério, ao lado do presidente da Belarus, do Turcomenistão e da Nicarágua. Apelidou-os de "Aliança do Avestruz". A crise na imagem brasileira já estava em curso, mas se aprofundou com Bolsonaro, diz Guilherme Casarões, professor da EAESP-FGV. "Ele ampliou a desconfiança. As demissões de Mandetta e Moro mudaram a percepção internacional de o presidente poder liderar o Brasil."

Para o País, as consequências são desastrosas. O custo humanitário é o mais alto e penoso, mas há também o dano econômico. Ações coordenadas em linha com a experiência internacional, como o isolamento social, os testes em massa e o monitoramento amplo da população abreviariam a quarentena. Além de se preparar de forma coordenada para enfrentar o surto, o País já deveria planejar a reabertura programada da economia. Como não há planos, a retomada será ineficiente e sujeita a retrocessos. A inação do presidente vai custar caro. "Com uma liderança apropriada, o Brasil claramente teria a capacidade de salvaguardar a saúde das pessoas, mas agora é uma área de alta incidência na América Latina. Isso não protege a economia, pelo contrário", declarou Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do FMI. Por causa das ações de Bolsonaro, ele calcula que a queda do PIB vai superar os 5,3% previstos pela entidade este ano. Analistas já projetam um tombo de dois dígitos. Pior, pode haver uma segunda onda de infecções, causando um rombo ainda maior na economia.

Prejuízos ao país

À medida que o Brasil se torna um vetor de disseminação da doença, a sua capacidade de liderança também é atingida. Desde o século XIX, o País conseguiu liderar a América Latina com uma política de não ingerência e poder brando. Agora, países vizinhos como Argentina, Paraguai e Chile já discutem a ameaça que o Brasil representa com o avanço da Covid-19. Um vexame para a tradição diplomática regional. Donald Trump, que Bolsonaro considera seu maior aliado, segue dando rasteiras no brasileiro. Diz que o Brasil tem um "surto sério" e avalia banir os voos entre os países. Já a China, maior parceira comercial do Brasil, é atacada pelo chanceler Ernesto Araújo. Bolsonaro destruiu o "soft power" cultivado ao longo de décadas pelo Itamaraty. A Lancet resumiu bem o dilema brasileiro. Para a revista, a desorganização no centro da administração do governo não é só um transtorno com consequências fatais no meio de uma emergência sanitária, mas também um forte sinal de que o líder do Brasil perdeu a sua bússola moral, "se é que alguma vez teve uma". Como a publicação aponta, o desafio para garantir o direito à saúde é, em última análise, político. "O Brasil deve unir-se para dar uma resposta clara ao 'E daí?' do presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair", diz a revista. Uma afirmação precisa e verdadeira.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O abominável Bolsonaro das queimadas - Carlos José Marques (IstoÉ)

O abominável Bolsonaro das queimadas

Crédito: Divulgação
(Crédito: Divulgação)
O Brasil vive uma aberração administrativa sem precedentes. Bolsonaro, o presidente-capitão que tem prazer em tripudiar, fazer pouco caso e ofender adversários imaginários, enxergando comunistas até debaixo da cama, acabou subindo de status e é agora classificado como um desastre global – arrastando junto consigo o prestígio do Brasil, que no plano ambiental levou décadas para ser erigido com ações de preservação e que em poucos dias virou cinzas pela negligência gritante do mandatário para com o assunto. 
O reputado “The New York Times” classificou o Messias dos trópicos como “o mais maçante e insignificante dos líderes”. No mundo inteiro, da Alemanha aos EUA, do Canadá à Noruega, sem contar na mais nova inimiga preferencial do capitão, a França, diversos protestos repudiaram seus atos tidos como fascistas e selvagens, perto da barbárie. Bolsonaro resolveu responder à reação com bravatas. Confunde soberania com soberba. Mistura conceitos, faz malversação de dados técnicos e explora as fake news para produzir suas estultices. Ele mesmo se converteu em uma versão satirizada de Dom Quixote a enfrentar moinhos, trazendo a reboque seu exército de Brancaleone. E são muitos ao lado dele a compartilhar do universo paralelo que criaram. 
Em um rompante de sabujice explícita, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou o francês Emmanuel Macron de “idiota oportunista”. O filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, aspirante à vaga de embaixador em Washington, deu lições de diplomacia tosca endossando o xingamento. O ministro Onyx Lorenzoni mandou os europeus enfiarem o dinheiro — R$ 300 milhões que iriam ser lançados aqui sob a forma de contribuição ao Fundo da Amazônia — lá pelas bandas de suas florestas “que necessitam mais”. E o titular da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou ditar regras para receber a ajuda. 
Ao falarem grosso encenaram um show de patetices, comandado pelo capitão em pessoa, que ainda recorreu às redes sociais para veicular vídeos de caça à baleia na Dinamarca como se fossem na Noruega. Só faltaram as bananas para ornar o festival de cretinices da republiqueta. Mas ainda estávamos prestes a testemunhar uma cafajestada capaz de causar vergonha alheia a qualquer brasileiro minimamente digno, que preza pelo respeito ao ser humano. O governante golden shower, afundando na degradação moral, resolveu fazer um comentário jocoso digno de borracharia sobre a primeira-dama da França. Em tom de galhofa, com imagens das respectivas cônjuges dos dois líderes, um seguidor bolsonarista havia publicado que a razão da “inveja” de Macron seria a beleza de Michele Bolsonaro em comparação a de Brigitte Macron. No que o mandatário brasileiro não perdeu tempo e sapecou a sua pândega sexista: “não humilha, kkkkkkk”. 
O abominável Bolsonaro das queimadas, como vem sendo visto lá fora, passou de todos os limites. Isso vindo de um mero “hater” das redes já seria desprezível. Em se tratando de um chefe de Estado, que representa a Nação e seus compatriotas, passa do suportável. A falta de compostura de Bolsonaro na Presidência da República já era conhecida de boa parte dos brasileiros. Ganhou alcance planetário e o converteu em um pária global. Transamazônico, literalmente. Por aqui um movimento intitulado “#DesculpaBrigitte” tentou remediar o estrago. Recebeu milhares de adeptos não apenas entre o público feminino. 
O escritor Paulo Coelho levantou a mesma bandeira e resolveu enviar escusas formais em nome do Brasil. Espremendo o que ainda restava de credibilidade nacional, o “Mito” abriu novo flanco de guerra alegando que as terras indígenas “inviabilizam” o País. O direito dos índios a parte do território nacional é garantido pela Constituição, mas isso pouco importa quando o objetivo é encontrar culpados pelos problemas ambientais. Parece que toda a alegação vale a pena em seu triste espetáculo de desinformação. Antes o mandatário havia atribuído a responsabilidade das queimadas a ONGs e, no momento seguinte, aos produtores rurais. Sem apresentar qualquer prova em um caso ou outro. 
Com o seu repertório infindável de bobagens, o presidente age como um doidivanas inimputável, que pode esnobar recursos, dar falsos testemunhos, difamar reputações e praticar crimes contra a honra alheia. E não pode. 
Na verdade é constrangedor assistir a tantos atentados retóricos e de comportamento. Na essência, eles escancaram a mediocridade de comando que tomou o Planalto. Difícil mensurar o tamanho da ruína política que essa escalada de escárnio e falta de escrúpulos do mandatário no que tange a questões de interesse mundial vai causar ao País. Mas desde já é possível prever que ele caminha para um isolamento e irrelevância internacionais em virtude do ridículo. 
O Brasil entrou com ele na fogueira. Complicado será não sair chamuscado de lá.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Marcos Lisboa: "Existe algo de grave na nossa economia" -

"Existe algo de grave na nossa economia" 
Entrevista com Marcos Lisboa
Marcos Strecker
Revista IstoÉ, edição 16/08/2019 - nº 2590

O economista Marcos Lisboa tem se firmado como uma das vozes mais influentes no debate econômico nos últimos anos. Após participar do primeiro governo Lula como secretário de Política Econômica, despertou reações ao criticar os rumos da gestão Dilma, e anteviu a crise que se seguiria. Agora, ele alerta sobre o fato de que o País estará condenado à estagnação e ao crescimento baixo se as reformas como a da Previdência não forem logo implementadas. “É preciso reconhecer que existe algo de grave na nossa economia”, afirma. Lisboa considera que o governo está lento na agenda de privatizações. Pior: acha que não tem sido eficiente para melhorar o ambiente de negócios e atrair mais investimentos: “A medida da liberdade econômica me decepcionou profundamente. A impressão que fica, com raras exceções no governo, é que existe boa intenção, mas pouco conhecimento técnico.” Sobre a Reforma Tributária, o próximo grande projeto que vai mobilizar o Congresso e pode ajudar a destravar a economia, ele é enfático: “Voltar à CPMF é inacreditável”.
Como o senhor vê as propostas de Reforma Tributária que incluem uma nova CPMF?
O Brasil perdeu o bonde da história. Mais de 150 países usam o imposto sobre valor agregado (IVA), que é bastante simples. Você paga sobre o que vendeu, descontado o que seus fornecedores já recolheram. É simples, padrão. Temos um sistema tributário completamente deformado, e isso aparece em diversos indicadores.

O País tem uma dívida com Rogério Marinho pela Reforma da Previdência. Mas parece que boa parte do governo se perde em problemas menores

Por exemplo…
O contencioso entre a Receita Federal e as empresas representa 12% do PIB. Esse número não existe em outro país. É resultado de regras ruins. No ICMS o problema é maior ainda. Voltar à CPMF é inacreditável. Os poucos países arrumados que adotaram um imposto sobre movimentação financeira o abandonaram. Há um que o mantém, com uma alíquota elevada, de 2%: a Venezuela. É surpreendente que lideranças empresariais e o próprio governo pensem em fazer um imposto que, nessa proporção, só existe na Venezuela. É descabida essa tributação. Entendo o medo dos empresários, que receiam pagar mais impostos. Precisamos então tratar da informalidade, dos problemas. Mas não vamos criar um espantalho completamente descabido, que ninguém razoável no mundo usa, porque se tem medo de pagar um pouco mais.
A Reforma da Previdência no seu formato atual é suficiente para resolver o problema fiscal?
Precisamos derrubar alguns mitos. Primeiro, a Reforma da Previdência não resolve o problema fiscal. Ela faz com que a situação pare de piorar. Na melhor das hipóteses, vai estabilizar o gasto em relação ao PIB. Vamos precisar de outras reformas para economizar dinheiro. Segundo, o problema dos estados é grave. A reforma precoce de professores e PMs é um problema para eles. Por que professores precisam ter aposentadoria precoce em relação a outras profissões? Em que medida seus trabalhos são mais desgastantes ou estressantes do que os de um médico de UTI? Em diversos estados 70% dos gastos com aposentadoria são com PMs e professores. Esse é o drama brasileiro. O oportunismo, o autointeresse exacerbado e a falta de solidariedade são típicos. O agronegócio não quer pagar contribuição para a Previdência. A indústria diz que precisa de crédito subsidiado e proteção contra os estrangeiros. Esse egoísmo dos diversos grupos de interesse explica o motivo pelo qual o Brasil ficou para trás.
O Banco Central baixou a Selic. Os juros menores vão impulsionar a economia? Em outras palavras, a política monetária sozinha pode levar à retomada econômica?
Imaginar que a política monetária ajuda o crescimento é um equívoco que a gente comete há anos. Ela controla a inflação e ajuda a atividade. Os juros estão caindo por uma razão ruim, pois a economia está muito fraca. Pela queda que ocorreu, já devia ter se recuperado. Isso é um sinal preocupante de como a economia está frágil. Há sinais um pouco positivos. Esse ano vamos terminar com crescimento ao redor de 1%, talvez um pouco menos. É possível que, 12 meses à frente, possamos crescer 2%. Mas o nosso crescimento potencial, sustentado, é de 1% ou menos. Isso é uma má notícia.
E no curto prazo?
Podemos ter uma retomada maior no curto prazo pela capacidade ociosa, mas não será sustentável. A economia brasileira está muito machucada. Vamos crescer pouco, a menos que façamos diversas reformas difíceis e importantes.
As polêmicas criadas pelo presidente Jair Bolsonaro e sua pauta de costumes põem em risco a agenda de reformas?
Certamente esse ruído tem atrapalhado. Passa a Previdência e começamos a discutir nomeação de embaixador, como se fosse algo relevante. Isso cria uma insegurança nas pessoas sobre se o governo sabe para onde está indo e o que é prioridade. Aparentemente não, em muitos casos. Porém, precisamos ressaltar as exceções. O País tem uma dívida com o Rogério Marinho pela Reforma da Previdência e com o Mansueto Almeida pela clareza com os problemas fiscais. Mas parece que boa parte do governo se perde em problemas menores, em um País que está estagnado há uma década.
A polarização política e a falta de consensos ameaçam o enfrentamento das questões estruturais, como educação, saúde e segurança?
Nada mais parecido no Brasil do que a extrema esquerda e a extrema direita. Basta ver a Reforma da Previdência. A esquerda dizia que não havia déficit, não havia problema. Afirmava que serviria para ajudar alguns setores, haveria interesses escusos. E o pior é que uma parte da direita tem a mesma combinação de superficialidade e leviandade no discurso. É preocupante. Há muitos problemas relevantes, e no entanto fica uma briga de comadre entre a esquerda e a direita, um difamando o outro de maneira disfuncional.
A guerra comercial EUA-China ameaça o Brasil?
Esse é outro ponto preocupante. É preciso um mínimo de responsabilidade, porque o mundo hoje é mais instável, difícil. O País precisa cuidar dos seus fundamentos para que possa crescer de forma minimamente sustentável. Uma parte da América Latina foi bem-sucedida. O Chile conseguiu crescer, o Peru, a Colômbia, o Panamá. E outra parte insiste nesses discursos disparatados. Há um país, há anos, que empobrece lentamente: a Argentina. Outro escolheu o lado do penhasco: a Venezuela. Infelizmente, o Brasil parece estar entre os dois.
Os acordos de livre comércio com a União Europeia e talvez com os EUA podem acelerar o crescimento?
O acordo com a União Europeia é ótimo. É um processo de dez anos, que requer muitas medidas e ações. Mas boa parte do que um acordo como esse com a UE requer é cuidar do meio ambiente. Parece que de um lado se quer fazer o acordo, de outro, não. O Brasil é um país estranho. É um dos mais fechados ao comércio industrial. Há restrições de tarifas, técnicas. Esse é um clube que integramos com alguns países africanos muito pobres. Há a burocracia, as regras de conteúdo nacional. É um pesadelo trazer uma máquina mais eficiente do exterior. Esses anúncios ufanistas são bacanas, mas temo a frustração, pois não estamos fazendo o dever de casa. São temas que estão na mão do governo federal.
As privatizações estão caminhando no ritmo adequado?
O Brasil está mais do que atrasado. Há resistências de quem quer ser oposição — pois tem de falar mal do governo — e dos sindicatos, dos servidores. Por outro lado, na campanha, o governo prometeu mais do que tem. Já podia ter privatizado a Eletrobras. Por que está tão lento? Privatizar diversas empresas é bom, mas não vai resolver o problema do País. Fico frustrado de esse processo demorar tanto. Em termos de saneamento, ainda somos reféns das empresas estaduais. Por que isso não andou?
O combate à corrupção ainda é um dos principais desafios do País?
É fundamental. O Brasil deu um salto imenso, mas é importante entender também o que o permitiu. Esse é um problema histórico. A causa foi o Estado grande com poder discricionário. Numa hora você quer fortalecer uma grande empresa estatal, e o diretor pode decidir construir isso ou aquilo. Quando se cria esse poder público gigantesco com tamanho poder decisório, nas mãos de diretores de estatais, abre-se espaço para a corrupção. Se o País acha razoável regras tributárias tão diferenciadas, essa meia entrada generalizada, você abre espaço para a corrupção. Às vezes se dá o benefício por boas intenções. Outras vezes, pelas razões erradas. É preciso resgatar o princípio republicano de tratar os iguais como iguais. E dar transparência à concessão de benefícios. Toda vez que ela é obscura, abre-se margem para o malfeito. Não se deve concedê-los por meio de isenções tributárias. Isso deve ser feito via orçamento, gasto, jamais via tributação. Ela não é o mecanismo adequado para fazer política pública. a não ser em casos excepcionais.
O estrago do governo Dilma é equivalente ao do governo Geisel. O sistema tributário virou um pesadelo

O liberalismo econômico nunca foi popular no País. A agenda do ministro Paulo Guedes vai prosperar?
Acho que isso vem mudando no Brasil há uns 20 anos. Começou no final do governo Sarney, com a abertura comercial, além das privatizações que vieram no governo Collor e Itamar. A introdução das agências reguladoras no governo FHC… Mesmo o governo Lula, no começo, preservou essa agenda. Tivemos um retrocesso imenso a partir de meados do segundo governo Lula e no governo Dilma. Vamos pagar por isso por muito tempo. O estrago do governo Dilma é equivalente ao estrago do governo Geisel. Houve destruição e má alocação de recursos, o sistema tributário virou um pesadelo. Essa disfuncionalidade é uma das responsáveis pela pobreza no Brasil. O que está me preocupando é que está havendo muito discurso e pouco resultado. A medida da liberdade econômica me decepcionou profundamente, não foi bem feita. Precisamos enfrentar os problemas, e não criar regras gerais, princípios. A impressão que fica — com raras exceções no governo — é que existe boa intenção, mas pouco conhecimento técnico de como implementar as medidas. Acabam vendendo pílula do câncer.
Haverá retomada econômica?
Olha a demora para a recuperação. O estado ao qual o Brasil chegou. Se alcançarmos 2% de crescimento vamos ficar aliviados — uma economia com 12 milhões de desempregados e que andou para trás na última década. Isso depois da imensa queda de juros desde o governo Temer. É preciso reconhecer que existe algo de grave na nossa economia, ou estaremos condenados à estagnação e ao crescimento baixo por mais uma geração. Meu receio é que, depois de crescermos 2%, volte a crise. Tem sido assim recorrentemente.
  

sábado, 3 de agosto de 2019

Prometendo outra coisa, fazendo igual, o Brasil de sempre - Ricardo Bergamini, Wilson Lima (IstoÉ)

O economista Ricardo Bergamini, de Curitiba, sempre atento e sempre castigando os poderosos:

Prezados Senhores
Já sei! A culpa é da imprensa comunista e esquerdista.
Um país para sair de uma tragédia, conforme abaixo colocado, tem que economizar centavos, caso contrário o fracasso será inevitável.
No acumulado em doze meses até dezembro de 2018, registrou-se déficit fiscal primário de R$ 108,3 bilhões (1,57% do PIB), No acumulado em doze meses até junho de 2019 registrou-se déficit fiscal primário da ordem de R$ 99,6 bilhões (1,42% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 9,55%, comparativamente ao acumulado em doze meses até dezembro de 2018. Nesse ritmo o Brasil vai levar, no mínimo, mais 4,7 anos para atingir resultado fiscal primário “zero”. 

Reflexão 

Aos preços de 2018, o déficit da Previdência (união, estados e municípios) previsto nos próximos dez anos será de R$ 3,8 trilhões, e a economia prevista da reforma da Previdência, que está sendo aprovada, será de R$ 1,0 trilhão nos próximos dez anos; ou seja, ainda não temos ideia de como cobrir o déficit previsto de R$ 2,8 trilhões, e já estamos gastando por conta.

A mamata não acabou
Ao tentar emplacar o filho na embaixada em Washington, favorecer esposa, sobrinhos, entre outras pessoas próximas, o presidente Jair Bolsonaro quebra uma de suas principais promessas de campanha: o zelo pelos gastos públicos
NAS NUVENS Jair e Michelle recepcionaram familiares e amigos no casamento do filho Eduardo com Heloísa, no Rio, para onde se deslocaram a bordo de helicópteros da FAB 
Wilson Lima
ISTOÉ, 02/08/19

Em “O Contrato Social”, o teórico político, escritor e compositor genebrino Jean-Jacques Rousseau ensina um princípio clássico e tático, capaz de transformar grandes governos, em governos minúsculos, tacanhos e mesquinhos. Para Rousseau, um governo se contrai a partir do momento em que deixa de observar o espírito público e passa do “grande para o pequeno número”, observando necessidades e ensaios de apenas uma pequena parcela da população. E é justamente essa visão enviesada de realidade que enfraquece as estruturas estatais e, em última análise, descamba o Estado para um total estado de anarquia. Obviamente que o Brasil não está diante de qualquer estado anárquico, mas os sete longos meses do governo Bolsonaro mostram que, sim, existe uma inclinação para favorecer poucos em detrimento de muitos. Entre os beneficiários estão os próprios familiares do presidente, que, não raro, parece norteado pela filosofia atribuída a Nicolau Maquiavel: “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”. Nomeação de parentes, indicação de familiares para cargos estratégicos e a utilização de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para eventos eminentemente pessoais constituem apenas algumas amostras de que a confusão entre o público e o privado persiste no País, mesmo num governo que foi eleito prometendo mudar tudo o que estava aí – sobretudo no que diz respeito ao trato com a chamada coisa pública.
A lista dos abençoados com as benesses públicas é extensa: filho, esposa, sobrinhos, entre outros agregados presidenciais. Em maio, o filho Eduardo Bolsonaro casou-se com a psicóloga gaúcha Heloísa Wolf, no Rio de Janeiro. Obviamente, muitos parentes foram convidados mas alguns conseguiram um jeito, digamos, mais prático para se dirigir à cerimônia: tiveram à disposição uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Familiares de Bolsonaro da região do Vale da Ribeira, em São Paulo, se deslocaram para o Rio em um helicóptero da FAB entre os aeroportos de Jacarepaguá e Santos Dumont. De carro, o trajeto tem aproximadamente 35 km e levaria em torno de 40 minutos, no máximo. De aeronave, durou 14 minutos.
Dois fatos são inacreditáveis nessa história: um é que os próprios parentes do presidente contaram vantagem por meio das redes sociais, aquelas que sempre foram vistas como o território mais fértil para o bolsonarismo. Quem postou e entregou a “mamata” foi o sobrinho de Bolsonaro, Osvaldo Campos. O segundo absurdo é que o próprio presidente defendeu abertamente o privilégio. Alegou “questões de segurança”. “Eu fui ao casamento do meu filho. A minha família ia comigo. Eu vou negar o helicóptero a ir para lá e mandar ir de carro? Não gastei nada do que já ia gastar”, disse o presidente ao ser questionado sobre o assunto. Os órgãos de controle não acharam tudo tão trivial assim. O Ministério Público de Contas deve ingressar com uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para investigar este e outros casos de abusos na utilização de aeronaves da FAB durante o ano de 2019.
Não há sinais de bons auspícios. Enquanto isso, os ares da “nova política” sopram em direção da esposa de Bolsonaro, Michelle Bolsonaro. Como toda primeira dama, ela toca projetos assistenciais do governo. Até aí tudo bem. Mas o governo não precisava criar uma estrutura especial para a mulher do presidente: uma equipada sala de aproximadamente 300 metros quadrados ao custo de R$ 328 mil, localizada na Esplanada dos Ministérios, mesmo bloco onde trabalham os ministros Osmar Terra (Cidadania) e Damares Alves (Direitos Humanos). A notícia foi divulgada no mesmo fim de semana em que Michelle anunciou uma cirurgia de correção do septo nasal. A intervenção ocorreu no HFA (Hospital das Forças Armadas), unidade com a qual Presidência da República tem convênio.
“Vou negar o helicóptero e mandar de carro?” Jair Bolsonaro, presidente da República
Filho na embaixada
Igualmente emblemática, e não menos rumorosa, é a futura indicação do filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Trata-se de uma espécie de nepotismo jabuticaba, aquele que tenta utilizar-se de uma artimanha legal (uma sabatina no Senado, com aprovação de uma súmula do STF) para dar ares republicanos a uma iniciativa pouco republicana. Integrantes da Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Casa prometem dar trabalho, por isso a nomeação não é considerada pule de 10. Mas o mandatário conta com um poderoso aliado na tentativa de emplacar o filho no principal posto avançado do Brasil no exterior: o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Nesta semana, Bolsonaro ganhou mais um reforço, o presidente dos EUA, Donald Trump, que avalizou o nome do rebento: “Eu conheço o filho dele e provavelmente é por isso que o fizeram (a indicação). Estou muito feliz. Ele é extraordinário, um jovem brilhante, maravilhoso”, disse.
Um incauto diria: no governo Bolsonaro “há muito cacique para pouco índio”. Nem tanto. Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, primo dos filhos do presidente e considerado homem de confiança do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), foi contratado pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR) com vencimentos de R$ 22,9 mil mensais. O salário é o segundo mais alto do gabinete. “Contratei ele por feeling”, argumentou Rodrigues. “Feeling” ou não, a questão é que a lista de benesses parece não ter fim. Ainda no início do ano, o Palácio do Planalto encaminhou, logo na sua primeira mensagem para modificações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um pedido de autorização para a compra de novos carros oficiais. Para o próprio Bolsonaro e ex-presidentes. Serão 30 carros novos com o intuito de renovar a já luxuosa frota presidencial.
Oficialmente, o pedido visa atender a normas de segurança recomendadas pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O valor da renovação da frota: R$ 5,6 milhões. Na lista de veículos, estão 12 blindados contra tiros de submetralhadoras e pistolas nove milímetros. O mais curioso é que, o mesmo cuidado que o presidente tem em andar de carros blindados, não se aplica a atividades, digamos, pouco corriqueiras como ir para o Congresso a pé ou visitar estabelecimentos comerciais próximos ao Palácio da Alvorada. O exemplo precisa vir de cima. Quando não vem, vira balbúrdia. Como da qual participou o ministro de Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes. Pontes tirou férias não remuneradas entre os dias 13 e 25 de julho. Destino: Orlando, EUA. Levou a tiracolo sua assessora especial Christiane Gonçalves para acompanhá-lo na empreitada. As despesas foram arcadas pela pasta. Hão de argumentar que tudo foi feito dentro da legalidade, mas nem tudo que é legal é correto. A postura não coaduna com quem foi eleito sob a égide da ética.
Salão nobre
Isso é que é gente solidária! O governo gastou R$ 330 mil na construção de um espaço de 300 metros quadrados para abrigar o Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, projeto tocado pela esposa do presidente, Michelle Bolsonaro, e dez funcionários. Cada servidor recebe salários entre R$ 1,6 mil e R$ 5,2 mil. A primeira-dama não tem direito à salário, mas dá expediente diariamente no local. O programa é ligado ao Ministério da Cidadania, que teve R$ 619 milhões contingenciados

Ponte aérea
O ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, vive nas nuvens literalmente. Entre 13 e 25 de julho, tirou 12 dias de folga e viajou para Orlando, nos EUA, com familiares. Aproveitou o período para acompanhar as comemorações dos 50 anos do lançamento da Apollo 11. De quebra, levou a assessora Christiane Gonçalves Correa, com as despesas pagas com recursos do ministério. O próprio ministro autorizou os gastos

sábado, 6 de julho de 2019

Acordo Mercosul-União Europeia - Marcos Strecker (Revista IstoÉ)

Enfim, uma agenda para o crescimento

Maior conquista do governo Bolsonaro até aqui, o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia representa uma mudança de paradigma na economia brasileira

Enfim, uma agenda para o crescimento
Marcos Troyjo, um dos principais articuladores do acordo (Crédito:Marco Ankosqui)
O Brasil sempre foi considerado a terra das grandes potencialidades. O país do futuro. Palco das mais valiosas riquezas. Celeiro e pulmão do mundo. Dono das maiores reservas florestais e agrícolas do planeta. Um dos desafios para o País, desde o Império, era como se inserir no mercado global com competitividade de modo a, ao mesmo tempo, impulsionar sua economia e legar benefícios concretos para a população. O maior entrave, até então, era uma espécie de cacoete colonialista. Conforme sublinhou o economista Celso Furtado no livro Formação Econômica do Brasil, nossa nação durante muitos séculos foi descrita como uma economia baseada em ciclos econômicos que se alternavam. Inicialmente com o pau-brasil, depois a cana de açúcar, os metais preciosos e o ciclo cafeeiro. Todos esses períodos foram muito pródigos, mas não necessariamente para nós. Não raro, a metrópole extraía uma ampla gama de recursos da colônia, satisfazia os luxos e os confortos de uma elite degradada, mas muito pouco era convertido para a nossa economia, o aumento da renda e da qualidade de vida da população brasileira. Agora, o País tem a grande chance de reverter essa lógica perversa e ingressar definitivamente num novo e sustentável ciclo econômico virtuoso. Na maior conquista do governo Jair Bolsonaro até aqui, celebrou-se, na última sexta-feira 28, o acordo de livre comércio do Mercosul-União Européia — que abarcará um quarto do PIB mundial e quase 780 milhões de consumidores.
DEPOIS DE 20 ANOSRepresentantes do Mercosul e da União Europeia comemoram o fim das negociações, em Bruxelas (Crédito:Heitor Granafei/MRE)
Trata-se de um marco histórico. O tratado tem importância excepcional e significa uma mudança de paradigma. Um dos países mais fechados do mundo, o Brasil responde somente por 1,2% do comércio mundial. Está atrás de países como Vietnã, Malásia, Polônia e Tailândia, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para se ter uma idéia, as montadoras nacionais exportam apenas 15% da sua produção — enquanto que as do México, 60%. Com o acordo, a indústria — que sempre foi protegida pela política de substituição de importações — precisará crescer por aumento de produtividade e integração às cadeias globais de produção. “O País vai trocar o antigo modelo nacional-desenvolvimentista pelo capitalismo competitivo”, comemora Marcos Troyjo, secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, dono de papel-chave na negociação final, em Bruxelas.
Mais investimentos
NO G20 Bolsonaro comemorou o tratado, Angela Merkel (dir.) aceitou após criticar a política ambiental brasileira e Emmanuel Macron (esq.) exigiu compromisso com o Acordo de Paris (Crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)
A estimativa oficial é que o País alcançará ganhos de R$ 500 bilhões no PIB em 10 anos e poderá atrair R$ 453 bilhões de investimentos. Apesar de a eliminação de tarifas comerciais ser gradual, para permitir a adaptação de todos os setores, o acordo irá trazer benefícios diretos para o consumidor final brasileiro, que terá à sua disposição uma gama maior de produtos europeus mais baratos e acessíveis com a tarifa zerada ao longo da implementação do tratado. Isso inclui medicamentos — o maior item das exportações europeias ao Brasil. Em 15 anos, carros europeus terão tarifas de importação zeradas. Hoje, automóveis oriundos da Europa possuem uma tributação 35% para entrar no mercado brasileiro. Na prática, os carros vindos da Europa devem ver seus preços caírem significativamente. O acordo também vai impactar os valores das bebidas importadas. Os preços dos vinhos, por exemplo, podem ficar quase 30% mais baratos. Atualmente, o Mercosul cobra 27% sobre vinhos europeus. Destilados hoje exibem tarifas entre 20% e 35%. Já chocolates e itens de confeitaria possuem taxação de 20%. A tributação para produtos lácteos, de 28%, também será zerada.
Entre todas as áreas, o agronegócio brasileiro — bem mais competitivo que o europeu — deverá ser o setor mais fortemente impactado. Não à toa, os europeus impuseram cotas para vários itens, como suco de laranja, café solúvel, carnes e açúcar. “Um acordo como esse força uma agenda de competitividade que o Brasil precisa resolver. A situação econômica é momentânea, e esses acordos são de longo prazo. Dão credibilidade ao País”, vibrou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
EXPORTAÇÕES Embraer é uma das empresas que terão novas oportunidades com a aliança (Crédito:Divulgação)
Finalizada depois de 20 anos de idas e vindas, a contragosto dos arroubos nacionalistas da atual chancelaria, a aliança Mercosul-União Europeia é o triunfo do pragmatismo sobre a ideologia — e uma conquista pessoal do ministro da Economia Paulo Guedes, que levou a política comercial para o coração da política econômica e finalizou em seis meses um acordo que já se considerava improvável. Todos os capítulos — incluindo desenvolvimento sustentável, tecnologia e compras governamentais — estavam totalmente em aberto no início do ano. Os negociadores europeus se espantaram com a coesão e agilidade dos brasileiros. “Foi uma surpresa positiva. É sem dúvida o acordo comercial mais importante e ambicioso que o Brasil jamais assinou, depois o Mercosul”, afirma Rubens Ricupero, um dos nomes mais respeitados da diplomacia brasileira. Outro fator essencial foi o apoio do presidente argentino Mauricio Macri, que defende a liberalização econômica — contra a tradição protecionista do país — e está empenhado na sua reeleição, no segundo semestre.
Do lado europeu, às voltas com a crise do Brexit, também havia uma nova disposição para a aproximação. Do ponto de vista político, trata-se de uma forte sinalização na ênfase multilateral, antiprotecionista e antinacionalista — na contramão do que é praticado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Isso explica a reação de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia: “Em meio às tensões do comércio internacional, estamos enviando um forte sinal de que defendemos o comércio baseado em regras. É o maior acordo comercial já fechado pela União Europeia”. Do ponto de vista da economia, os europeus também precisavam abrir mercados para fazer frente à ascensão da China e assegurar fontes de crescimento econômico. Essa conjunção de fatores acabou sendo crucial para a assinatura final.
PROTESTOS Agricultores franceses foram às ruas e autoridades colocaram em dúvida a assinatura do acordo (Crédito: REUTERS / Emmanuel Foudrot)
A expectativa agora é que, além da modernização do Mercosul, que sofrerá uma inflexão e deixará a agenda ideológica dos anos petistas para privilegiar a política comercial, com pragmatismo, também haja repercussão na política interna brasileira. Um exemplo é a seara ambiental. A Alemanha, por meio da chanceler Angela Merkel, teve papel importante no desenlace por defender que o acordo poderia conter o regresso do atual governo na área ambiental. As reações na França foram as mais fortes, devido a questões internas. As críticas uniram a área protecionista agrícola, que é poderosa no país, com os verdes, que estão em ascensão após as últimas eleições europeias. O presidente francês Emmanuel Macron exigiu que Bolsonaro se comprometesse em não retirar o Brasil do acordo climático de Paris — foi atendido. Espera-se que o gesto de Bolsonaro sinalize que não haverá retrocessos nessa área. Na verdade, os novos compromissos comerciais poderão servir como contenção a propostas de afrouxar a vigilância sobre o desmatamento na Amazônia e à expansão do uso de agrotóxicos.
Se olharmos para a história econômica brasileira, perceberemos que o país já se inseriu na lógica global em alguns momentos de sua trajetória, principalmente quando nos caracterizávamos como uma economia agroexportadora, baseada em produtos primários de baixo valor agregado, voltada ao mercado externo e marcada por ciclos de monoculturas que se alteravam com constância, sem uma maior profissionalização e marcada por um grande amadorismo na gestão. O acordo é um feito extraordinário que nos permite a oportunidade de nos reencontrarmos com a nossa história para, dessa vez, fazermos diferente. É preciso ter em mente, no entanto, que o tratado não resolve por si só todos os problemas da economia e não é capaz de, sozinho, ser o motor do desenvolvimento. É um mapa para o futuro, que exige no curto prazo a continuidade de reformas modernizantes que levem ao equilíbrio fiscal e à maior competitividade da economia. Como bem disse Troyjo, o próximo acordo do Brasil deverá ser com ele mesmo.

Abertura Gradual 
Tarifas serão baixadas de forma escalonada em até 15 anos
>> A União Europeia (UE) vai zerar as tarifas sobre 92% das importações do Mercosul em até 10 anos. O Mercosul vai acabar com 72% das tarifas que incidem sobre produtos europeus em até 10 anos. Em 15 anos, esse percentual chegará a 91%
>> Na área industrial, a UE vai zerar as tarifas para 100% das importações vindas do Mercosul em 10 anos. No mesmo período, 72% do produtos industriais importados pelo Mercosul ficarão liberalizados. Em 15 anos, o índice sobe para 90,8%
>> A tarifa de 35% para importação de automóveis europeus será mantida até o sétimo ano, caindo pela metade nos três anos seguintes, até ser zerada em 15 anos. Dentro do período de carência de sete anos, o Mercosul poderá importar uma cota de 50 mil veículos (32 mil para o Brasil) com tarifa de 17,5%
>> Entre os produtos agrícolas, 81,8% do que a UE importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos. No mesmo período, 67,4% do que o Mercosul compra ficará sem tarifa
>> Haverá cotas para alguns produtos agrícolas exportados pelo Mercosul. Entre eles, frango, açúcar, etanol e carne bovina
>> Em propriedade intelectual, a Europa vai reconhecer 61 produtos agrícolas brasileiros, como a cachaça de Paraty e o queijo Canastra. O Brasil deverá reconhecer itens europeus como o presunto de Parma e a cerveja de Munique.

domingo, 17 de março de 2019

Coragem e politica - Murillo de Aragao (IstoE)

Coragem e política

Não se faz política sem coragem. Segundo Winston Churchill, “é a primeira das qualidades do ser humano, por assegurar todas as demais”. Sem coragem não vamos à esquina, ninguém ganha eleições, não se governa. A intrepidez deve estar presente em todos os instantes. Alguns, apesar de corajosos ao lançar um projeto político, quando chegam lá se mostram inseguros para enfrentar os problemas da governabilidade ou a presença de amigos e familiares ao redor do poder. O marechal francês Pétain foi herói na I Guerra Mundial. Terminou como um covarde por se render à Alemanha na II Guerra.
Podemos indagar, contudo, se a rendição foi de fato um ato de covardia ou de coragem da parte do velho marechal. Ele sabia que não tinha como resistir à força avassaladora dos alemães e se rendeu salvando um pedaço da França. Às vezes, o que parece covardia é um ato de coragem. A questão é complexa.
John Kennedy, quando senador por Massachusetts, escreveu “Política e Coragem”, onde relatava grandes atos de oito senadores americanos em diferentes momentos da história. Adiante, pagou com a própria vida pelos desafios que enfrentou como presidente. Kennedy teve a coragem de encarar os Falcões do Pentágono na Crise dos Mísseis de Cuba, em outubro de 1962, que poderia ter jogado o mundo em uma guerra nuclear. E ainda proferiu uma das frases mais épicas de sua época: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país.” Na prática, a antítese do populismo que vigorou no Brasil por décadas.
Voltando a Churchill, “atitude é uma pequena coisa que pode fazer a diferença”. Foi demonstrando coragem e tomando atitudes firmes que Churchill enfrentou os nazistas e, contra todas as expectativas, liderou os Aliados à vitória final. Na política do dia a dia, os testes de intrepidez são imensos. E, nos dias de hoje, de intenso patrulhamento por parte da mídia e do mundo politicamente correto, ter atitudes e opiniões fortes pode parecer um contrassenso.
Ingrediente essencial, a coragem também move os movimentos subversivos e anti-establishment, assim como posicionamentos contrários ao senso comum. Algumas vezes, a bravura avança sobre os limites do aceitável e vira insanidade. Porém, nunca se ausenta dos momentos críticos de uma nação e da vida de qualquer político que se preze.
A coragem se revela não apenas nos atos que levam às vitórias. Na derrota, ela é tão ou mais importante, pois quase sempre anda sozinha. Bem diferente de sua contraparte, que costuma se mostrar coletiva.
Encarar os desafios sempre é necessário, por mais insanos que pareçam. A alternativa é a derrota, que também exige bravura