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domingo, 15 de agosto de 2021

O Grande Capital já não aguenta mais Bolsonaro - Marcos Strecker (ISTOÉ)

 PIB dá a resposta

Marcos Strecker

ISTOÉ, 13/08/21

 

Nomes de peso da economia manifestam a maior insatisfação com Bolsonaro desde sua chegada ao poder. O agravamento da crise deve aumentar o afastamento

 


INDIGNADO Guilherme Leal, da Natura, diz que questionar as eleições é “totalmente inaceitável” (Crédito: Adriano Vizoni)


O governo Bolsonaro perde popularidade em praticamente todos os segmentos e vê sua sustentação política evaporar. Mas, até o início do ano, ainda contava com a boa vontade dos empresários, que confiavam na agenda liberal de Paulo Guedes e na promessa de retomada econômica. Esse apoio sofreu fissuras desde o início do ano, quando ficou evidente que o descalabro na compra de vacinas iria frear a recuperação dos negócios. E o afastamento chegou a um ponto de quase ruptura com a escalada do governo contra as urnas eletrônicas.

 

“Os investidores daqui e de fora que querem apostar na retomada do País estão cada vez mais desconfiados”



“Essa escalada precisa acabar para que a gente volte a gerar renda” Fernando Pimentel, presidente da Abit (Crédito:Divulgação)

 


Eduardo Sirotsky Melzer, sócio-fundador da EB Capital (Crédito:Carol Carquejeiro)

 

 

Esse foi o duro recado transmitido pelo manifesto “Eleições Serão Respeitadas”, lançado no dia 5 por empresários, banqueiros e economistas, que começou com centenas de nomes e em pouco tempo ultrapassou seis mil assinaturas. Não é comum a presença de grandes representantes do PIB no debate político, mas essa discrição foi superada pela urgência do momento. Guilherme Leal, fundador da Natura e copresidente do Conselho de Administração da empresa, mostrou ser uma das vozes mais indignadas. Ele considerou “totalmente inaceitável” que lideranças questionem a realização das eleições. “Essa escalada precisa acabar para que a gente volte a gerar renda”, defendeu o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), notou que o manifesto “tem impacto por ser uma manifestação de empresários que normalmente não se manifestam”. Ele foi um dos coordenadores do movimento, que começou com poucas dezenas de pessoas ligadas ao Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) antes de ganhar a adesão massiva.

 

“Tenho arrepios, como boa parte do mercado, de ver esse arremedo de nacional-populismo crescendo no País” 

 

 

Daniel Goldberg, sócio da Farallon (Crédito:CLAUDIO BELLI)

 

O manifesto reuniu nomes de peso como Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Pedro Moreira Salles e Roberto Setúbal (Itaú Unibanco), Luiza e Frederico Trajano (Magalu), Walter Schalka (Suzano), Ricardo Lacerda (BR Partners) e José Olympio Pereira (Credit Suisse Brasil). Em março, empresários já haviam divulgado um manifesto cobrando o governo por medidas efetivas de combate à Covid, que ficou conhecido como a “carta dos 500”. Mas, ao contrário dessa iniciativa, que serviu para forçar o governo a acelerar a compra de vacinas, o manifesto pró-democracia, lançado no mesmo momento em que o TSE e o STF passaram a tomar medidas concretas para conter as investidas antidemocráticas, não conseguiu conter a radicalização do governo. Depois que a PEC do voto impresso foi derrubada na comissão especial da Câmara, no dia 6, a matéria voltou ao plenário por pressão do presidente, que organizou um desfile de tanques para aumentar a pressão sobre os parlamentares na última terça-feira. Mesmo com uma nova derrota nesse dia, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre as urnas eletrônicas.

 

“O ano de 2022 é uma zona de incerteza. O que está em jogo não é mais a economia, mas a democracia” 

 

Ana Carla Abrão, economista (Crédito: Ruy Baron/Valor )

 

Além da indignação com a ameaça antidemocrática, o combustível para a insatisfação é a percepção de que o governo Bolsonaro leva a economia a um impasse. Guedes já não consegue mais convencer que vai manter uma pauta coerente de respeito aos bons fundamentos econômicos, pois os programas eleitoreiros de Bolsonaro viraram a prioridade. A paralisia com as privatizações, o calote nos precatórios, a reforma açodada do Imposto de Renda, a pauta antiambiental e a crise energética que colocou o País na iminência de novos apagões são fatores que afastam os empresários dos braços do governo. Isso é sentido especialmente no setor de fundos de investimentos, que lida com as expectativas futuras e com a visão que players do exterior.

 

“Tenho arrepios, como boa parte do mercado, de ver esse arremedo de nacional-populismo crescendo no País. Essa combinação de blindados na rua, insinuações nas redes sociais e intimidação por meio de milícias digitais me lembra episódios tenebrosos do passado”, diz o empresário Daniel Goldberg, que é sócio da Farallon, uma das maiores gestoras de fundos do mundo, com US$ 20 bilhões em ativos. “Este governo ataca permanentemente as instituições democráticas, ao invés de endereçar os problemas verdadeiros e urgentes que o País enfrenta”, acrescenta Marcos Lederman, ex-diretor do banco Credit Agricole e sócio-fundador da JointVest. “Mais do que inadequada, a situação traz instabilidade ao Brasil, porque os investidores daqui e de fora que querem apostar na retomada do País estão cada vez mais desconfiados”, concorda Eduardo Sirotsky Melzer, da EB Capital, gestora com R$ 3,5 bilhões em ativos no País. A falta de paciência cresce. A perpetuação da crise em três frentes – institucional, sanitária e econômica – pode deteriorar ainda mais o ambiente de negócios e selar o divórcio do PIB com o presidente. Essa ruptura ainda não aconteceu, mas o tom do manifesto foi de ultimato. “O ano de 2022 já é uma zona de incerteza, com a alta da inflação, o desemprego, as preocupações fiscais e o Auxílio Brasil, que é mais um jeito de turbinar votos do que uma ajuda para quem precisa. A questão é que o que está em jogo não é mais a economia, mas a defesa da democracia”, resume Ana Carla Abrão, head do escritório da Oliver Wyman no Brasil.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Marcos Lisboa: "Existe algo de grave na nossa economia" -

"Existe algo de grave na nossa economia" 
Entrevista com Marcos Lisboa
Marcos Strecker
Revista IstoÉ, edição 16/08/2019 - nº 2590

O economista Marcos Lisboa tem se firmado como uma das vozes mais influentes no debate econômico nos últimos anos. Após participar do primeiro governo Lula como secretário de Política Econômica, despertou reações ao criticar os rumos da gestão Dilma, e anteviu a crise que se seguiria. Agora, ele alerta sobre o fato de que o País estará condenado à estagnação e ao crescimento baixo se as reformas como a da Previdência não forem logo implementadas. “É preciso reconhecer que existe algo de grave na nossa economia”, afirma. Lisboa considera que o governo está lento na agenda de privatizações. Pior: acha que não tem sido eficiente para melhorar o ambiente de negócios e atrair mais investimentos: “A medida da liberdade econômica me decepcionou profundamente. A impressão que fica, com raras exceções no governo, é que existe boa intenção, mas pouco conhecimento técnico.” Sobre a Reforma Tributária, o próximo grande projeto que vai mobilizar o Congresso e pode ajudar a destravar a economia, ele é enfático: “Voltar à CPMF é inacreditável”.
Como o senhor vê as propostas de Reforma Tributária que incluem uma nova CPMF?
O Brasil perdeu o bonde da história. Mais de 150 países usam o imposto sobre valor agregado (IVA), que é bastante simples. Você paga sobre o que vendeu, descontado o que seus fornecedores já recolheram. É simples, padrão. Temos um sistema tributário completamente deformado, e isso aparece em diversos indicadores.

O País tem uma dívida com Rogério Marinho pela Reforma da Previdência. Mas parece que boa parte do governo se perde em problemas menores

Por exemplo…
O contencioso entre a Receita Federal e as empresas representa 12% do PIB. Esse número não existe em outro país. É resultado de regras ruins. No ICMS o problema é maior ainda. Voltar à CPMF é inacreditável. Os poucos países arrumados que adotaram um imposto sobre movimentação financeira o abandonaram. Há um que o mantém, com uma alíquota elevada, de 2%: a Venezuela. É surpreendente que lideranças empresariais e o próprio governo pensem em fazer um imposto que, nessa proporção, só existe na Venezuela. É descabida essa tributação. Entendo o medo dos empresários, que receiam pagar mais impostos. Precisamos então tratar da informalidade, dos problemas. Mas não vamos criar um espantalho completamente descabido, que ninguém razoável no mundo usa, porque se tem medo de pagar um pouco mais.
A Reforma da Previdência no seu formato atual é suficiente para resolver o problema fiscal?
Precisamos derrubar alguns mitos. Primeiro, a Reforma da Previdência não resolve o problema fiscal. Ela faz com que a situação pare de piorar. Na melhor das hipóteses, vai estabilizar o gasto em relação ao PIB. Vamos precisar de outras reformas para economizar dinheiro. Segundo, o problema dos estados é grave. A reforma precoce de professores e PMs é um problema para eles. Por que professores precisam ter aposentadoria precoce em relação a outras profissões? Em que medida seus trabalhos são mais desgastantes ou estressantes do que os de um médico de UTI? Em diversos estados 70% dos gastos com aposentadoria são com PMs e professores. Esse é o drama brasileiro. O oportunismo, o autointeresse exacerbado e a falta de solidariedade são típicos. O agronegócio não quer pagar contribuição para a Previdência. A indústria diz que precisa de crédito subsidiado e proteção contra os estrangeiros. Esse egoísmo dos diversos grupos de interesse explica o motivo pelo qual o Brasil ficou para trás.
O Banco Central baixou a Selic. Os juros menores vão impulsionar a economia? Em outras palavras, a política monetária sozinha pode levar à retomada econômica?
Imaginar que a política monetária ajuda o crescimento é um equívoco que a gente comete há anos. Ela controla a inflação e ajuda a atividade. Os juros estão caindo por uma razão ruim, pois a economia está muito fraca. Pela queda que ocorreu, já devia ter se recuperado. Isso é um sinal preocupante de como a economia está frágil. Há sinais um pouco positivos. Esse ano vamos terminar com crescimento ao redor de 1%, talvez um pouco menos. É possível que, 12 meses à frente, possamos crescer 2%. Mas o nosso crescimento potencial, sustentado, é de 1% ou menos. Isso é uma má notícia.
E no curto prazo?
Podemos ter uma retomada maior no curto prazo pela capacidade ociosa, mas não será sustentável. A economia brasileira está muito machucada. Vamos crescer pouco, a menos que façamos diversas reformas difíceis e importantes.
As polêmicas criadas pelo presidente Jair Bolsonaro e sua pauta de costumes põem em risco a agenda de reformas?
Certamente esse ruído tem atrapalhado. Passa a Previdência e começamos a discutir nomeação de embaixador, como se fosse algo relevante. Isso cria uma insegurança nas pessoas sobre se o governo sabe para onde está indo e o que é prioridade. Aparentemente não, em muitos casos. Porém, precisamos ressaltar as exceções. O País tem uma dívida com o Rogério Marinho pela Reforma da Previdência e com o Mansueto Almeida pela clareza com os problemas fiscais. Mas parece que boa parte do governo se perde em problemas menores, em um País que está estagnado há uma década.
A polarização política e a falta de consensos ameaçam o enfrentamento das questões estruturais, como educação, saúde e segurança?
Nada mais parecido no Brasil do que a extrema esquerda e a extrema direita. Basta ver a Reforma da Previdência. A esquerda dizia que não havia déficit, não havia problema. Afirmava que serviria para ajudar alguns setores, haveria interesses escusos. E o pior é que uma parte da direita tem a mesma combinação de superficialidade e leviandade no discurso. É preocupante. Há muitos problemas relevantes, e no entanto fica uma briga de comadre entre a esquerda e a direita, um difamando o outro de maneira disfuncional.
A guerra comercial EUA-China ameaça o Brasil?
Esse é outro ponto preocupante. É preciso um mínimo de responsabilidade, porque o mundo hoje é mais instável, difícil. O País precisa cuidar dos seus fundamentos para que possa crescer de forma minimamente sustentável. Uma parte da América Latina foi bem-sucedida. O Chile conseguiu crescer, o Peru, a Colômbia, o Panamá. E outra parte insiste nesses discursos disparatados. Há um país, há anos, que empobrece lentamente: a Argentina. Outro escolheu o lado do penhasco: a Venezuela. Infelizmente, o Brasil parece estar entre os dois.
Os acordos de livre comércio com a União Europeia e talvez com os EUA podem acelerar o crescimento?
O acordo com a União Europeia é ótimo. É um processo de dez anos, que requer muitas medidas e ações. Mas boa parte do que um acordo como esse com a UE requer é cuidar do meio ambiente. Parece que de um lado se quer fazer o acordo, de outro, não. O Brasil é um país estranho. É um dos mais fechados ao comércio industrial. Há restrições de tarifas, técnicas. Esse é um clube que integramos com alguns países africanos muito pobres. Há a burocracia, as regras de conteúdo nacional. É um pesadelo trazer uma máquina mais eficiente do exterior. Esses anúncios ufanistas são bacanas, mas temo a frustração, pois não estamos fazendo o dever de casa. São temas que estão na mão do governo federal.
As privatizações estão caminhando no ritmo adequado?
O Brasil está mais do que atrasado. Há resistências de quem quer ser oposição — pois tem de falar mal do governo — e dos sindicatos, dos servidores. Por outro lado, na campanha, o governo prometeu mais do que tem. Já podia ter privatizado a Eletrobras. Por que está tão lento? Privatizar diversas empresas é bom, mas não vai resolver o problema do País. Fico frustrado de esse processo demorar tanto. Em termos de saneamento, ainda somos reféns das empresas estaduais. Por que isso não andou?
O combate à corrupção ainda é um dos principais desafios do País?
É fundamental. O Brasil deu um salto imenso, mas é importante entender também o que o permitiu. Esse é um problema histórico. A causa foi o Estado grande com poder discricionário. Numa hora você quer fortalecer uma grande empresa estatal, e o diretor pode decidir construir isso ou aquilo. Quando se cria esse poder público gigantesco com tamanho poder decisório, nas mãos de diretores de estatais, abre-se espaço para a corrupção. Se o País acha razoável regras tributárias tão diferenciadas, essa meia entrada generalizada, você abre espaço para a corrupção. Às vezes se dá o benefício por boas intenções. Outras vezes, pelas razões erradas. É preciso resgatar o princípio republicano de tratar os iguais como iguais. E dar transparência à concessão de benefícios. Toda vez que ela é obscura, abre-se margem para o malfeito. Não se deve concedê-los por meio de isenções tributárias. Isso deve ser feito via orçamento, gasto, jamais via tributação. Ela não é o mecanismo adequado para fazer política pública. a não ser em casos excepcionais.
O estrago do governo Dilma é equivalente ao do governo Geisel. O sistema tributário virou um pesadelo

O liberalismo econômico nunca foi popular no País. A agenda do ministro Paulo Guedes vai prosperar?
Acho que isso vem mudando no Brasil há uns 20 anos. Começou no final do governo Sarney, com a abertura comercial, além das privatizações que vieram no governo Collor e Itamar. A introdução das agências reguladoras no governo FHC… Mesmo o governo Lula, no começo, preservou essa agenda. Tivemos um retrocesso imenso a partir de meados do segundo governo Lula e no governo Dilma. Vamos pagar por isso por muito tempo. O estrago do governo Dilma é equivalente ao estrago do governo Geisel. Houve destruição e má alocação de recursos, o sistema tributário virou um pesadelo. Essa disfuncionalidade é uma das responsáveis pela pobreza no Brasil. O que está me preocupando é que está havendo muito discurso e pouco resultado. A medida da liberdade econômica me decepcionou profundamente, não foi bem feita. Precisamos enfrentar os problemas, e não criar regras gerais, princípios. A impressão que fica — com raras exceções no governo — é que existe boa intenção, mas pouco conhecimento técnico de como implementar as medidas. Acabam vendendo pílula do câncer.
Haverá retomada econômica?
Olha a demora para a recuperação. O estado ao qual o Brasil chegou. Se alcançarmos 2% de crescimento vamos ficar aliviados — uma economia com 12 milhões de desempregados e que andou para trás na última década. Isso depois da imensa queda de juros desde o governo Temer. É preciso reconhecer que existe algo de grave na nossa economia, ou estaremos condenados à estagnação e ao crescimento baixo por mais uma geração. Meu receio é que, depois de crescermos 2%, volte a crise. Tem sido assim recorrentemente.
  

sábado, 6 de julho de 2019

Acordo Mercosul-União Europeia - Marcos Strecker (Revista IstoÉ)

Enfim, uma agenda para o crescimento

Maior conquista do governo Bolsonaro até aqui, o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia representa uma mudança de paradigma na economia brasileira

Enfim, uma agenda para o crescimento
Marcos Troyjo, um dos principais articuladores do acordo (Crédito:Marco Ankosqui)
O Brasil sempre foi considerado a terra das grandes potencialidades. O país do futuro. Palco das mais valiosas riquezas. Celeiro e pulmão do mundo. Dono das maiores reservas florestais e agrícolas do planeta. Um dos desafios para o País, desde o Império, era como se inserir no mercado global com competitividade de modo a, ao mesmo tempo, impulsionar sua economia e legar benefícios concretos para a população. O maior entrave, até então, era uma espécie de cacoete colonialista. Conforme sublinhou o economista Celso Furtado no livro Formação Econômica do Brasil, nossa nação durante muitos séculos foi descrita como uma economia baseada em ciclos econômicos que se alternavam. Inicialmente com o pau-brasil, depois a cana de açúcar, os metais preciosos e o ciclo cafeeiro. Todos esses períodos foram muito pródigos, mas não necessariamente para nós. Não raro, a metrópole extraía uma ampla gama de recursos da colônia, satisfazia os luxos e os confortos de uma elite degradada, mas muito pouco era convertido para a nossa economia, o aumento da renda e da qualidade de vida da população brasileira. Agora, o País tem a grande chance de reverter essa lógica perversa e ingressar definitivamente num novo e sustentável ciclo econômico virtuoso. Na maior conquista do governo Jair Bolsonaro até aqui, celebrou-se, na última sexta-feira 28, o acordo de livre comércio do Mercosul-União Européia — que abarcará um quarto do PIB mundial e quase 780 milhões de consumidores.
DEPOIS DE 20 ANOSRepresentantes do Mercosul e da União Europeia comemoram o fim das negociações, em Bruxelas (Crédito:Heitor Granafei/MRE)
Trata-se de um marco histórico. O tratado tem importância excepcional e significa uma mudança de paradigma. Um dos países mais fechados do mundo, o Brasil responde somente por 1,2% do comércio mundial. Está atrás de países como Vietnã, Malásia, Polônia e Tailândia, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para se ter uma idéia, as montadoras nacionais exportam apenas 15% da sua produção — enquanto que as do México, 60%. Com o acordo, a indústria — que sempre foi protegida pela política de substituição de importações — precisará crescer por aumento de produtividade e integração às cadeias globais de produção. “O País vai trocar o antigo modelo nacional-desenvolvimentista pelo capitalismo competitivo”, comemora Marcos Troyjo, secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, dono de papel-chave na negociação final, em Bruxelas.
Mais investimentos
NO G20 Bolsonaro comemorou o tratado, Angela Merkel (dir.) aceitou após criticar a política ambiental brasileira e Emmanuel Macron (esq.) exigiu compromisso com o Acordo de Paris (Crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)
A estimativa oficial é que o País alcançará ganhos de R$ 500 bilhões no PIB em 10 anos e poderá atrair R$ 453 bilhões de investimentos. Apesar de a eliminação de tarifas comerciais ser gradual, para permitir a adaptação de todos os setores, o acordo irá trazer benefícios diretos para o consumidor final brasileiro, que terá à sua disposição uma gama maior de produtos europeus mais baratos e acessíveis com a tarifa zerada ao longo da implementação do tratado. Isso inclui medicamentos — o maior item das exportações europeias ao Brasil. Em 15 anos, carros europeus terão tarifas de importação zeradas. Hoje, automóveis oriundos da Europa possuem uma tributação 35% para entrar no mercado brasileiro. Na prática, os carros vindos da Europa devem ver seus preços caírem significativamente. O acordo também vai impactar os valores das bebidas importadas. Os preços dos vinhos, por exemplo, podem ficar quase 30% mais baratos. Atualmente, o Mercosul cobra 27% sobre vinhos europeus. Destilados hoje exibem tarifas entre 20% e 35%. Já chocolates e itens de confeitaria possuem taxação de 20%. A tributação para produtos lácteos, de 28%, também será zerada.
Entre todas as áreas, o agronegócio brasileiro — bem mais competitivo que o europeu — deverá ser o setor mais fortemente impactado. Não à toa, os europeus impuseram cotas para vários itens, como suco de laranja, café solúvel, carnes e açúcar. “Um acordo como esse força uma agenda de competitividade que o Brasil precisa resolver. A situação econômica é momentânea, e esses acordos são de longo prazo. Dão credibilidade ao País”, vibrou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
EXPORTAÇÕES Embraer é uma das empresas que terão novas oportunidades com a aliança (Crédito:Divulgação)
Finalizada depois de 20 anos de idas e vindas, a contragosto dos arroubos nacionalistas da atual chancelaria, a aliança Mercosul-União Europeia é o triunfo do pragmatismo sobre a ideologia — e uma conquista pessoal do ministro da Economia Paulo Guedes, que levou a política comercial para o coração da política econômica e finalizou em seis meses um acordo que já se considerava improvável. Todos os capítulos — incluindo desenvolvimento sustentável, tecnologia e compras governamentais — estavam totalmente em aberto no início do ano. Os negociadores europeus se espantaram com a coesão e agilidade dos brasileiros. “Foi uma surpresa positiva. É sem dúvida o acordo comercial mais importante e ambicioso que o Brasil jamais assinou, depois o Mercosul”, afirma Rubens Ricupero, um dos nomes mais respeitados da diplomacia brasileira. Outro fator essencial foi o apoio do presidente argentino Mauricio Macri, que defende a liberalização econômica — contra a tradição protecionista do país — e está empenhado na sua reeleição, no segundo semestre.
Do lado europeu, às voltas com a crise do Brexit, também havia uma nova disposição para a aproximação. Do ponto de vista político, trata-se de uma forte sinalização na ênfase multilateral, antiprotecionista e antinacionalista — na contramão do que é praticado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Isso explica a reação de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia: “Em meio às tensões do comércio internacional, estamos enviando um forte sinal de que defendemos o comércio baseado em regras. É o maior acordo comercial já fechado pela União Europeia”. Do ponto de vista da economia, os europeus também precisavam abrir mercados para fazer frente à ascensão da China e assegurar fontes de crescimento econômico. Essa conjunção de fatores acabou sendo crucial para a assinatura final.
PROTESTOS Agricultores franceses foram às ruas e autoridades colocaram em dúvida a assinatura do acordo (Crédito: REUTERS / Emmanuel Foudrot)
A expectativa agora é que, além da modernização do Mercosul, que sofrerá uma inflexão e deixará a agenda ideológica dos anos petistas para privilegiar a política comercial, com pragmatismo, também haja repercussão na política interna brasileira. Um exemplo é a seara ambiental. A Alemanha, por meio da chanceler Angela Merkel, teve papel importante no desenlace por defender que o acordo poderia conter o regresso do atual governo na área ambiental. As reações na França foram as mais fortes, devido a questões internas. As críticas uniram a área protecionista agrícola, que é poderosa no país, com os verdes, que estão em ascensão após as últimas eleições europeias. O presidente francês Emmanuel Macron exigiu que Bolsonaro se comprometesse em não retirar o Brasil do acordo climático de Paris — foi atendido. Espera-se que o gesto de Bolsonaro sinalize que não haverá retrocessos nessa área. Na verdade, os novos compromissos comerciais poderão servir como contenção a propostas de afrouxar a vigilância sobre o desmatamento na Amazônia e à expansão do uso de agrotóxicos.
Se olharmos para a história econômica brasileira, perceberemos que o país já se inseriu na lógica global em alguns momentos de sua trajetória, principalmente quando nos caracterizávamos como uma economia agroexportadora, baseada em produtos primários de baixo valor agregado, voltada ao mercado externo e marcada por ciclos de monoculturas que se alteravam com constância, sem uma maior profissionalização e marcada por um grande amadorismo na gestão. O acordo é um feito extraordinário que nos permite a oportunidade de nos reencontrarmos com a nossa história para, dessa vez, fazermos diferente. É preciso ter em mente, no entanto, que o tratado não resolve por si só todos os problemas da economia e não é capaz de, sozinho, ser o motor do desenvolvimento. É um mapa para o futuro, que exige no curto prazo a continuidade de reformas modernizantes que levem ao equilíbrio fiscal e à maior competitividade da economia. Como bem disse Troyjo, o próximo acordo do Brasil deverá ser com ele mesmo.

Abertura Gradual 
Tarifas serão baixadas de forma escalonada em até 15 anos
>> A União Europeia (UE) vai zerar as tarifas sobre 92% das importações do Mercosul em até 10 anos. O Mercosul vai acabar com 72% das tarifas que incidem sobre produtos europeus em até 10 anos. Em 15 anos, esse percentual chegará a 91%
>> Na área industrial, a UE vai zerar as tarifas para 100% das importações vindas do Mercosul em 10 anos. No mesmo período, 72% do produtos industriais importados pelo Mercosul ficarão liberalizados. Em 15 anos, o índice sobe para 90,8%
>> A tarifa de 35% para importação de automóveis europeus será mantida até o sétimo ano, caindo pela metade nos três anos seguintes, até ser zerada em 15 anos. Dentro do período de carência de sete anos, o Mercosul poderá importar uma cota de 50 mil veículos (32 mil para o Brasil) com tarifa de 17,5%
>> Entre os produtos agrícolas, 81,8% do que a UE importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos. No mesmo período, 67,4% do que o Mercosul compra ficará sem tarifa
>> Haverá cotas para alguns produtos agrícolas exportados pelo Mercosul. Entre eles, frango, açúcar, etanol e carne bovina
>> Em propriedade intelectual, a Europa vai reconhecer 61 produtos agrícolas brasileiros, como a cachaça de Paraty e o queijo Canastra. O Brasil deverá reconhecer itens europeus como o presunto de Parma e a cerveja de Munique.