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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

ETs, Ufos, governos voadores e outros seres economicos bizarros - Roberto Macedo

Dilma e o ET de Varginha
Roberto Macedo *
O Estado de S.Paulo, 15/08/2013

Na quinta-feira passada surpreendi-me com a notícia de que a presidente Dilma Rousseff, ao passar por Varginha (MG), declarou seu respeito pelo extraterrestre (ET) que teria surgido na cidade em 1996. Textualmente: "(...) tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que aqui quem não viu conhece alguém que viu". Ele teria aparecido e depois sido apreendido por militares. Mas o que aconteceu - se é que aconteceu mesmo - nunca foi esclarecido. O certo é que a cidade ficou conhecida também pelo "seu" ET. E o fato de a própria presidente ter-lhe dedicado atenção mostra que se firmou no imaginário popular.
Não é a primeira vez que isso acontece. Um caso com muito espaço no debate sobre objetos voadores não identificados (óvnis ou, em inglês, UFOs) teria ocorrido perto em Roswell, nos EUA, em 1947. O jornal local chegou a anunciar que militares da Força Aérea americana haviam resgatado o que restara de um disco voador e de seus ocupantes ao cair. A informação veio de um porta-voz militar. Mas ainda no mesmo dia veio outro comunicado militar, dizendo que o que caiu foi um balão usado para previsões climáticas.
Mas perdurou a crença no óvni e nos seus ETs, realimentada em 1978 quando um oficial que participou da operação de resgate em Roswell confirmou ter sido mesmo um óvni e que o governo acobertou o caso. O assunto voltou à tona noutra entrevista do mesmo oficial e foi parar no Congresso do país. Surgiu até uma testemunha de que autópsias nos ETs teriam sido realizadas na base aérea local. O governo manteve sua versão e ainda em 1997 voltou a se pronunciar sobre o tema. Quem quiser saber mais pode começar buscando "Roswell UFO incident" na internet.
Por causa desse caso a cidade atrai visitantes e tem até um museu sobre o assunto (www.roswellufomuseum.com). Note-se que é uma organização "ponto com", ou seja, não é do governo.
De qualquer forma, na minha breve incursão no assunto, não vi ninguém a declarar respeito por ETs, o que seria mais típico de um diálogo entre eles. A presidente Dilma estava falando a uma rádio e presumo que se dirigia apenas à audiência terrestre. Mas, como se diz lá em Minas, nunca se sabe, né? Vou tomar a declaração como de respeito à crença local sobre o tema, o que é cabível. Afinal, o universo é infinito. Se ainda não veio uma prova segura da existência dos ETs, também não se provou que não existem.
Como também não existem limites para o imaginário das pessoas, há muitas interessadas no assunto e, com razão, Varginha procura tirar proveito disso. Vem tentando e, como é típico do Brasil e de seus terrestres, há um projeto estatal, da prefeitura local, de criar um museu centrado na temática extraterrestre. Como também é típico do País, o projeto local tem recursos federais, já gastou uma nota (R$ 1,1 milhão só dessa fonte) e a obra está parada, no caso, há três anos.
Isso já é falta de respeito tanto a ETs como a todos nós, terrestres nacionais que pagamos mais uma conta sem resultados. A matéria sobre o museu foi publicada na Folha de S.Paulo de sexta-feira passada, ilustrada por foto da enferrujada estrutura metálica dele, em formato de disco voador. Enquanto não vem, refiro-me ao museu, habitantes e visitantes da cidade terão de se contentar com uma caixa d'água local no mesmo formato.
Aliás, quanto a atrasos de obras, comemora-se nos círculos da procrastinação nacional o primeiro aniversário do anúncio de um grande programa federal de concessão de rodovias e ferrovias federais. Neste estágio, a licitação e a concessão já deveriam estar concluídas e o projeto, andando. Cheguei a me entusiasmar com ele, mas sobreveio essa frustração. Em compensação, comemoro mais um adiamento do projeto do trem-bala.
Ainda em Varginha a presidente, falando de economia, voltou a se referir a outro mundo. Como ao dizer que "a inflação está sob controle". De novo, sua afirmação requer interpretação, mas não consigo encontrar uma que a deixe bem na foto. Medida pelo IPCA de julho, a inflação foi próxima de zero. Mas não quer dizer que esteja controlada, pois aqui, na Terra, é um processo que requer avaliação pelo menos em base anual. Olhando à frente, as previsões do mercado financeiro são de que voltará a subir daqui para o fim do ano, chegando a taxas mensais superiores às que garantem o alcance do centro da meta de inflação, fixado pelo Banco Central em 4,5% ao ano. E alcançando até taxas que exigiriam a manutenção de medidas em contrário, como o aumento da taxa básica de juros.
Talvez a presidente se tenha referido a outra forma de controle que adota, como a estampada em manchete da Folha de ontem: Dilma segura reajustes de preços sob controle do governo federal. É, porém, um controle que não funciona neste mundo, pois a inflação diz respeito ao conjunto de preços dos bens e serviços de toda a economia e não se resolve segurando este ou aquele preço. Ao contrário, isso cria distorções como a enfrentada atualmente pela Petrobrás, que com esse controle tem seus planos de investimentos prejudicados por carência de recursos próprios.
Noutra afirmação não cabível aqui, na Terra, Dilma declarou que no primeiro semestre deste ano "... criamos 826 mil empregos com carteira assinada". Exceto pelos empregos criados na área estatal pelo governo, quem cria empregos aqui, na Terra, é a economia na sua dinâmica, na qual o governo tem algum papel, mas nem sempre o melhor deles e não de todo determinante, exceto ao gerar crises. No momento, por exemplo, fossem outras a política e a gestão econômica governamental, de tal forma que, entre outros aspectos, não houvesse espaço para atrasos de projetos que vão do museu de Varginha ao citado programa de rodovias e ferrovias, ainda mais empregos seriam criados pela economia, em particular e como sempre pelo setor privado.
*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP, Harvard), professor associado à FAAP, consultor econômico e de ensino superior.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

As vantagens do voto distrital - Roberto Macedo

ROBERTO MACEDO
O Estado de S.Paulo, 18/07/2013

Há tempos defendo o voto distrital para eleger esses parlamentares. É de longe muito melhor que o sistema usado no Brasil para eleger os tais “representantes” do povo. O difícil é aprová-lo, pois a decisão legal cabe a eleitos pelo sistema atual que temem pôr reeleições em risco.

A pressão, portanto, deve vir de fora para dentro do Congresso Nacional. Na sequência das manifestações de rua, o momento é oportuno para pautar o voto distrital nas discussões sobre a reforma política. Li várias análises desses movimentos e ressaltam que o cidadão carece de representatividade política. Ora, essa é a essência do voto distrital. Ele aproxima o eleitor dos candidatos e do eleito, que passa a representar todo o distrito e a ter de prestar conta do que faz, sem o que sua reeleição fica comprometida. E mais: o eleito também atua por aqueles que não o sufragaram.
Hoje o contato entre o eleitor e “seu” vereador ou deputado lembra um cometa que passa a cada quatro anos. Após a eleição muitos se esquecem do distante candidato em que votaram. No mesmo dia os eleitos se despedem para voltar quatro anos depois à cata de votos. E os que votaram em perdedores ficam ainda mais órfãos da representatividade.
Quanto aos eleitos, também como cometas desaparecem na escuridão em que exercem seus mandatos. Pergunto ao leitor: quem é o seu vereador ou deputado? Quando recorreu a ele? O que ele fez ou faz e quando prestou contas do seu trabalho?
Hoje o “representante” fica distante do “representado” e, dessa maneira, sem amarras para o que der e vier. Ou mesmo para quem vier e der. E soltos tanto no que não fazem como no que fazem. Ou aprontam. Há exceções, mas cada vez mais excepcionais.
Há outras vantagens do distrital. Elimina o que chamo de efeito Enéas-Tiririca, em que candidatos muito bem votados arrastam, com o voto na legenda, outros mal sufragados, ou mesmo indesejáveis. Aliás, puxadores de votos como esses nem mesmo seriam eleitos em distritos, pois o foram com votos minoritários em cada localidade, mas somados por todo o estado. No distrital as campanhas individuais não seriam tão caras, pois estados e municípios seriam divididos em distritos. Na eleição de deputados federais, por exemplo, o estado de São Paulo teria 70 distritos, número que lhe cabe na Câmara. E na dimensão de um distrito seria menos difícil apurar irregularidades eleitorais, como o caixa 2 e a distribuição de cestas básicas em troca de votos.
Com o distrital também seria maior o número de eleitos que lutariam por reivindicações de seus eleitores, e não pelas de corporações e de outros interesses que atuam no espaço maior das eleições atuais. E em Brasília seria fortalecido o lobby distrital para obter mais recursos tributários para cidades e regiões, hoje excessivamente concentrados na União. Mais perto dos cidadãos carentes de serviços públicos, falta aos estados e, principalmente, aos municípios uma representação mais efetiva no Congresso. A relutância da presidente Dilma Rousseff em dar às cidades parcela maior dos impostos foi um dos motivos das vaias que levou ao falar recentemente a prefeitos de todo o país reunidos em Brasília.
O distrital também limitaria o número de candidatos a um por partido, e a uma meia dúzia de viáveis, se tanto. Isso ao contrário do sistema atual, em que o eleitor escolhe um entre uma multidão de candidatos sobre os quais não dispõe de maiores informações, não sendo assim possível confrontá-los uns com os outros no embate eleitoral. Na eleição de 2010 havia 1.169 candidatos paulistas à Câmara dos Deputados. Como escolher um entre tantos?
Nesse contexto, ao optar por um candidato, pode-se eleger outro, até um indesejável da mesma legenda. Ademais, sem vínculo com os cidadãos do espaço bem mais limitado de um distrito, vale repetir que é comum um eleito pelo sistema atual privilegiar a representação de quem votou nele em todo o estado ou município, como uma categoria profissional ou um grupo econômico.
Há parlamentares que se elegem com votação concentrada regionalmente em seus estados ou municípios, o que lhes dá um traço de distritais. Mas se aceitarem um cargo no Executivo, que sobre eles exerce atração irresistível, seus lugares de origem perdem seu eleito, pois em geral o suplente tem outra origem geográfica. No distrital o substituto viria do próprio distrito.
Não tenho espaço nem assegurada a paciência do leitor para seguir com as vantagens do voto distrital. Ele não é uma panaceia, mas sofre de menos males que o sistema atual. Por serem tantas as suas vantagens, em particular a de permitir ao eleitor, no jogo da representação, a marcação dos candidatos e do eleito, estou convencido de que, se adequadamente difundidas, ganhariam suporte popular, até mesmo manifestações de rua e apoio nas redes sociais.
Mas sei também o quanto é difícil difundir a ideia a ponto de convencer uma maioria capaz de levar o Congresso a aprová-la. Assim, não se pode sair por aí defendendo o voto distrital apenas com referência a esse nome. É preciso transmitir seu significado de forma clara. E na arte da comunicação é útil a associação de uma novidade a algo já bem conhecido e incorporado à vida das pessoas a quem a mensagem é levada.
É por isto que recorro a mensagens como a do título deste artigo. Insisto: é preciso difundir o voto distrital como eleição direta de vereadores e deputados. O distrito é apenas o espaço ou o campo da disputa. O brasileiro sabe o que é eleição direta e tem pendor por ela.
Aliás, há 30 anos nascia o movimento Diretas-Já. Ele teve papel importante na redemocratização do País. Mas a eleição de vereadores e deputados carece de efetiva democratização.

Diretas neles. E já. É o caminho a seguir.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A incompetencia da politica economica brasileira - Roberto Macedo (OESP)

Nada a acrescentar a esta excelente análise do economista Roberto Macedo.
Ou talvez sim: o governo sofre de transtorno bipolar.
Um dia diz uma coisa, mas no dia seguinte faz exatamente o inverso.
De manhã anuncia que não vai tolerar a inflação, de tarde joga mais bilhões de reais no consumo subsidiado.
O governo pensa?
Funciona?
Calcula? Raciocina?
O governo é coerente?
O governo está cuidando do futuro?
Se alguém me provar que qualquer das perguntas acima merece um SIM, ganha um livro...
Paulo Roberto de Almeida

A queda e a recaída de Dilma
Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo, 20/06/2013 

A queda foi a da aprovação do seu governo, conforme aferida por pesquisa do Datafolha, publicada no dia 9 deste mês. Antes, 65% dos pesquisados consideravam seu governo ótimo ou bom, número que caiu para 57%. Os que o achavam ruim ou péssimo eram apenas 7% do total, e passaram a 9%. O aumento maior ocorreu entre os que o consideravam regular, que passaram de 27% para 33%. Ontem veio pesquisa Ibope/CNI apontando queda similar.
Pertenço ao segundo grupo, mas não me entusiasmei com a queda do primeiro número. A presidente ainda está lá em cima na escada do prestígio popular e teria de rolar vários degraus abaixo para ter uma queda capaz de levá-la à saída do cargo, se candidata em 2014. Mas, como cidadão e economista, minha preocupação voltou-se para a perspectiva de que a essa queda se seguisse uma recaída da disposição que a presidente vinha demonstrando de reduzir a ênfase que a política econômica petista dá ao consumo, relativamente à necessidade de investir. Embora crítico, havia encontrado aí um sinal de melhora, que também vi em outros aspectos, como na nova Lei dos Portos.
Essa ênfase no consumo tem preocupação político-eleitoral e suas raízes foram plantadas por Lula. Conforme dados apresentados por Mansueto Almeida, reconhecido especialista em finanças públicas, em evento recente da Ordem dos Economistas, desde o fim do governo FHC, em 2002, e até 2012, o gasto não financeiro do governo federal teve aumento de 2,5% do PIB. Essa porcentagem pode parecer pequena, mas o PIB é enorme e ela significa um dinheirão. O PIB fechou 2012 em R$ 4,4 trilhões, e esse cálculo levaria, então, a R$ 110 bilhões.
Esse aumento, sustentado com maior carga tributária, foi impulsionado principalmente por mais 1,2% do PIB nos gastos do INSS e 1,1% do PIB noutros gastos sociais, como seguro-desemprego, abono salarial, Bolsa Família e benefícios devidos a idosos e inválidos. Com isso, 92% do aumento dos gastos não financeiros dos governos Lula e Dilma são explicados por esses gastos, impulsionados principalmente por sucessivas elevações do salário mínimo, que guarda relação com eles.
Quanto aos investimentos federais, eles representavam apenas 1% (!) do PIB em 2002 e alcançaram somente 1,1% (!) em 2012. Tratando seus próprios investimentos dessa forma, o governo federal deu enorme contribuição a essas taxinhas que o PIB vem mostrando depois que deixou de contar com o forte impulso da economia internacional, que o levou a melhores taxas na década passada.
Quando a presidente acordou para a necessidade de fazer mais investimentos públicos, já sem dinheiro para tanto, teve de engolir um enorme sapo recorrendo a formas de privatização - um termo abominado pelo ideário petista -, rotuladas com outros nomes, como concessão de serviços públicos e parcerias público-privadas. Entre outros casos, foram concedidos à administração privada os Aeroportos de Guarulhos e Viracopos, e em agosto de 2012 foi anunciado um grande programa de concessão de ferrovias e rodovias. Antes tarde do que nunca, pensei, e até me entusiasmei com esse redirecionamento.
E mais: quando vieram os dados do PIB do 1.º trimestre deste ano, de novo revelando outra taxinha, vieram declarações reafirmando o compromisso de ampliar os investimentos, com destaque para uma do ministro Mantega. Em entrevista publicada pela agência Reuters-Brasil em 29/5, ele disse: "O governo não pretende implementar novas medidas de estímulo. (...) Não pretendemos fazer estímulo ao consumo, que tem de se recuperar a partir do estímulo ao investimento. (...) Consumo não deve ser o carro-chefe do crescimento da economia. Queremos que seja o investimento".
Em cena, a recaída. No dia 12/6, a presidente Dilma anunciou nova medida de estímulo ao consumo, o programa Minha Casa Melhor, na forma de nova linha de crédito de até 48 meses, a juros subsidiados, para aquisição de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos pelos beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida. A linha poderá alcançar R$ 18,7 bilhões (!), perto do que custa anualmente todo o Bolsa Família.
Ou seja, ações desmentem declarações. Fatos como esse estão entre os que levaram ao descrédito a gestão fiscal da presidente e de sua equipe econômica, a ponto de já pairar no ar a ameaça de o País perder as boas notas que recebeu das agências internacionais de classificação de risco. De fato, como explicar, exceto pela preocupação eleitoral, nova e robusta medida de estímulo ao consumo num cenário em que a inflação bate no teto da meta do Banco Central, este aumenta os juros e a esperança de taxas mais baixas está também ameaçada pela subida do dólar?
Declarações oficiais são ainda comprometidas pela falta de ações. O citado programa de investimentos em rodovias não andou conforme anunciado, com licitações previstas para começarem no final do ano passado e que até agora não vieram. Mas surgem estádios, pois a atividade circense é prioritária.
Acabo de ler artigo que atribui os protestos que eclodem pelo País à insensibilidade dos governantes e da classe política diante de problemas crônicos enfrentados pela população, como o do transporte coletivo nas grandes cidades. E não me refiro à tarifa em si, mas à precariedade dos meios desse transporte, tanto em quantidade como em qualidade. Os governos estaduais e municipais não têm recursos capazes de aliviar esse quadro, enquanto o governo federal não os socorre, como deveria fazer, pois esbanja seus recursos só de olho nas urnas, sem dar a devida atenção a investimentos dignos do nome.
Experimente o leitor tocar sua vida financeira ou empresarial com ênfase no consumo pessoal ou familiar. E imagine o resultado. O do Brasil são essas taxinhas do PIB, também um ingrediente do que leva o povo às ruas.

ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP, HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR, E PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP.

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Editorial econômico do Estadão:

Tesouro combate efeitos da política econômica

O Estado de S.Paulo, 20 de junho de 2013

Não apenas as ações registraram grandes quedas e o dólar, forte alta. Os operadores do Tesouro Nacional e do Banco Central (BC) enfrentam agora dificuldades para manter a confiança dos investidores em títulos públicos e na capacidade das autoridades de administrar o câmbio. O impacto crescente da desconfiança sobre os ativos põe em risco não apenas sua rentabilidade, como o patrimônio das famílias e das empresas.
Neste mês, o Tesouro promoveu leilões de recompra de papéis de prazo longo (2017, 2021 e 2023) para evitar um desequilíbrio entre oferta e demanda de títulos públicos, com a desvalorização das carteiras, revelou reportagem do Estado, ontem. Os leilões tiveram um êxito relativo: os preços dos papéis continuaram pressionados. O efeito da desconfiança é provocar oscilações no valor das carteiras, inclusive dos investidores institucionais que aplicam a longo prazo. As carteiras são marcadas a preço de mercado, com reflexos imediatos no patrimônio e no valor das cotas.
A dívida do governo em papéis é da ordem de R$ 2 trilhões. Os compradores são as empresas, os bancos nacionais e estrangeiros, os fundos de pensão, as seguradoras e até as pessoas físicas. Há aplicadores de longo, mas também de curto prazo, ou seja, se o aplicador precisar de recursos, poderá ter prejuízo, algo incomum, até há pouco tempo, para as aplicações em títulos federais.
Como explicou o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, "o Tesouro entra para estancar a volatilidade do mercado de juros, sob pena de perder seu cliente (o investidor)". O que não resolve o "problema fundamental" - a desconfiança na política fiscal. A análise é correta; a questão é como recuperar a confiança.
As causas do sobe e desce nas cotações são internas e externas. O banco central norte-americano (Fed) deu sinais de aperto na política monetária, hoje muito frouxa. Os papéis do Tesouro americano valorizaram, arrastaram o dólar que se tornou mais atraente para investidores de todo o mundo, inclusive do Brasil. Internamente, o aumento do juro básico para combater a inflação estimula a venda de prefixados ou corrigidos pela inflação. Parecem aumentar as posições em dólar.
O Tesouro e o BC tentam evitar grandes oscilações nos papéis públicos e no câmbio. Não há melhor alternativa, no curtíssimo prazo. A questão-chave, agora, é restaurar a credibilidade da política econômica. O melhor momento para preservá-la já se foi. Agora, o custo será maior.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Albert Hirschman (1915-2012) - Homenagem de Roberto Macedo

Albert Hirschman (1915-2012)
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 17 de janeiro de 2013

Escrevo em homenagem a esse grande economista e professor, do qual tive o privilégio de ser aluno. Seu falecimento em 10 de dezembro de 2012 não recebeu da imprensa brasileira a atenção devida a alguém de tanto destaque internacional como ele. E atento ao Brasil, especialista que era em desenvolvimento econômico, e a vários brasileiros que teve como alunos ou a seu lado como pesquisadores.

O que me atraiu às suas aulas de Desenvolvimento Econômico em Harvard foi principalmente esse tema central do seu curso. Mas, informado previamente por colegas que já haviam passado por elas, tornei-me ainda mais atraído ao saber que traziam novas ideias e iam além de questões puramente econômicas. Vários outros cursos ficavam apenas nestas e no seu "estado das artes".

Hirschman correspondeu a essas expectativas. Em economia, uma ideia nova sua era a contestação que fazia da teoria do desenvolvimento equilibrado, o qual propõe investimentos simultâneos num amplo conjunto de atividades complementares entre si. Segundo ele, isso levaria apenas a um aumento do produto interno bruto (PIB), mas depois este se estabilizaria no novo nível, sem seguir avançando. Como alternativa propunha o desenvolvimento desequilibrado, começando por enfatizar uns poucos setores, também de grande complementaridade com outros. De início, o desenvolvimento mais forte daqueles levaria a um desequilíbrio, mas geraria demanda por bens e serviços de outros setores que em sequência também se desenvolveriam. E a economia cresceria continuamente mediante novos desequilíbrios estimulantes.

Mas não me lembro de que ele tenha identificado o que chamo de "desequilíbrio desequilibrado". Aqui, no Brasil, por exemplo, deu-se e continua sendo dado grande incentivo à indústria automobilística, que gera enorme demanda de autopeças e serviços complementares. E, também, de uma adequada infraestrutura viária nas cidades e fora delas. Contudo o governo não cuidou de bem provê-la e dentro de muitas o trânsito é próximo do caos, implicando altos custos. Estes também alcançam rodovias em más condições espalhadas por todo o País. Noutro passo errado, o transporte ferroviário de passageiros tornou-se quase inexistente e o de cargas ficou muito restrito, quando poderiam competir com o dos veículos automotores, aliviando males que estes trazem.

Também aprendi com ele sobre outras teorias, suas ou não, fora do contexto só econômico. Uma delas, a Teoria da Dissonância Cognitiva, atribuída a Leon Festinger. Ela argumenta que as pessoas procuram manter a coerência entre suas várias crenças e opiniões, bem como entre elas e seu comportamento. E quando este destoa daquelas pode acontecer que seja mudado. Mas também pode ocorrer que a permanência nele faça as pessoas mudarem suas convicções. Isso é comum no Brasil, onde, por exemplo, muitos chegam ao poder político defendendo uma postura ética no seu exercício. Neste, porém, suas convicções costumam sucumbir às tentações que vêm com ele. A partir daí esse comportamento dissonante leva à mudança das convicções anteriores, com as novas defendidas com base em absurdos, como o de que tais desvios são inerentes ao poder e que outros também os praticam.

Tenho aplicado essa teoria ao processo de escolha de carreiras profissionais. A teoria usual diz que uma pessoa escolhe uma profissão condizente com sua vocação e busca a formação educacional correspondente. Mas no mercado de trabalho poderá não encontrar uma ocupação típica da profissão escolhida, caindo numa atípica. Com isso poderá insistir em buscar uma típica, mas também poderá rever sua vocação, acomodando-a àquilo que faz.

Voltando às obras próprias de Hirschman, uma famosa é o livro Saída, Voz e Lealdade (São Paulo: Perspectiva, 1973), no qual aborda o declínio de empresas, organizações e Estados nacionais. Diante de conflitos que envolvem uma dessas instituições, a opção de saída guarda similaridade com a observada em decisões econômicas, como a de um consumidor insatisfeito que simplesmente deixa um produto ou serviço. Isso em lugar de protestar, recorrendo à segunda opção do título do livro, a voz. Esta é opção política, que juntamente com a da lealdade, a de ficar, está no plano das convicções. Entendo que a lealdade também ocorre no plano econômico, como a conferida às marcas de bens e serviços.

Na linha desse processo explorado por Hirschman, no momento tenho grande interesse pelo que acontecerá em Cuba diante das notícias de que serão facilitadas as viagens de seus cidadãos ao exterior. E se muita gente se mandasse definitivamente, como ficaria? Creio que a esperança dos líderes cubanos é de que seus cidadãos manterão sua lealdade ao país e a seu regime político, sem sair ou sem deixá-los em definitivo. E, assim, retornando de passeios a cidades como Miami, para onde se foram muitos que logo no início do regime optaram pela saída ou depois fugiram. Minha percepção atual é de que as saídas serão controladas e poderão até se tornar privilégios a recompensar a lealdade.

Depois de Harvard, Hirschman passou ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton. Neste, voltado para pesquisas, em várias oportunidades recebeu acadêmicos que como tais e em outras atividades se destacaram no Brasil. Entre eles, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Antônio Barros de Castro e Pérsio Arida. Deles se esperavam pesquisas e palestras. E não era moleza, não, ante a qualidade acadêmica dos ouvintes e debatedores.

Em retrospecto, a carreira de Albert Hirschman lembra frase de outro economista famoso, Frederick Hayek, Prêmio Nobel de 1974: "Um economista que é só economista não é um bom economista". Por esse bom critério, Hirschman alcançou a excelência.

ECONOMISTA (UFMG,  USP, HARVARD),  PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP,  É CONSULTOR ECONÔMICO, DE EMPRESAS

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A selva salarial do setor publico - Roberto Macedo

Greves e salários no governo federal

Roberto Macedo 
O Estado de S.Paulo, 02/08/2012

Prossegue a greve de várias categorias de servidores federais, mas os problemas do funcionalismo são bem mais amplos do que o revelado por esse quadro. Governos petistas incharam a folha de pagamentos contratando mais gente, até sem concurso para os tais cargos de confiança, a qual nem sempre se confirma do lado dos indicados. Conforme dados levantados pelo economista Ricardo Bergamini, no governo Lula o Executivo civil contratou mais 119.629 funcionários, ou 14.954 em média por ano. Dilma contratou mais 11.965 em 2011. E falta demonstrar o que isso trouxe de melhoria dos serviços públicos federais.
Quanto a isso, destaque-se o crônico problema das universidades federais, onde as greves são frequentes e as reivindicações de seus professores, em geral também pesquisadores, se destacam no movimento atual. Para entendê-las há uma questão que integra, nem sempre explicitamente, o contencioso entre as partes. É que o governo Lula elevou substancialmente os salários de ingresso e final de carreiras de nível superior, mas sem alcançar esses professores.
Tome-se, por exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde o trabalho de seus pesquisadores se assemelha bastante ao de seus pares nas universidades. Nestas um professor adjunto com doutorado e em regime de dedicação exclusiva, que é a porta típica de entrada na carreira, tem o salário mensal de R$ 7.627,02 desde março deste ano. Se passar num concurso para professor titular, o último posto da carreira, seu salário será de R$ 12.225,25. No Ipea, em 2008 os pesquisadores tinham salários inicial e final de R$ 8.484,53 e R$ 11.775,69, respectivamente, números esses próximos dos atuais dos professores universitários. Contudo, em 2010, os do Ipea passaram a R$ 12.960,77 e R$ 18.478,45, respectivamente, fazendo os seus ganhos superarem em quase 50% os atuais dos professores. Creio ser isso que alimenta a reivindicação destes últimos, de terem seus salários dobrados, mas sua greve certamente acabaria se alcançassem esses salários do Ipea.
Mas há nessa história duas distorções. A primeira é que, além dos pesquisadores do Ipea, há outras categorias às quais o governo federal paga salário inicial muito acima dos observados no mercado de trabalho para profissionais de nível superior em início de carreira, configurando assim um privilégio para o qual não vejo justificativa. A segunda é que isso leva a um curto horizonte salarial nessas carreiras, o que desestimula a busca de qualificação adicional para nela progredir.
Ambas as distorções proliferaram no governo federal, ocorrendo também no Judiciário e no Legislativo, mas sempre em benefício de carreiras em que o menor número de servidores contrasta com seu enorme poder em Brasília para conseguir vantagens que os beneficiam isoladamente. Entre outros, estão os auditores da Receita Federal e os delegados da Polícia Federal, com salários iniciais entre R$ 13 mil e R$ 14 mil, e vale acrescentar que os do Ipea se aplicam ao grupo de servidores que integram, o dos chamados gestores.
Sobre a política de recursos humanos seguida pelo governo Lula, volto a mencionar estudo do economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e ex-diretor de Carreira e Remuneração do extinto Ministério de Administração. Foi publicado na revista Digesto Econômico (abril de 2010), da Associação Comercial de São Paulo, e cobre o período 1995-2009.
Entre suas conclusões, observa que houve "(...) ampliação significativa das despesas com pessoal, e também dos salários médios, principalmente no Poder Executivo. A diferença entre o salário inicial e final das carreiras foi estreitada, reduzindo incentivos para o desenvolvimento profissional. A elevação do número de servidores ocorreu (também) em áreas de suporte administrativo, tradicionalmente superdimensionadas. O grau de qualificação dos servidores é bastante elevado, e há um descompasso entre este último e o nível de escolaridade exigido para o exercício de algumas ocupações. (...) o diferencial de salários entre o setor público federal e o privado é crescente ao longo de todo o período (...), para os federais estatutários o aumento foi praticamente de 100% (...), os últimos dados demonstram que um servidor federal estatutário recebe hoje o dobro que receberia se (...) empregado do setor privado".
O que fazer? Será preciso muitíssimo mais que uma faxina para pôr em ordem a administração dos recursos humanos do governo federal. Um bom começo seria reestruturar várias carreiras, com salários iniciais menores para novos ingressantes e exigência de qualificações adicionais para progresso nelas. Temo que isso possa esbarrar em obstáculos jurídicos, o que revela o tamanho da herança maldita deixada por um governo que administrou o assunto de forma irresponsável, e em desrespeito aos contribuintes, que pagam toda a conta desses exageros.
E os problemas não estão apenas no Executivo. Pesquisando na internet, vi referências a um concurso para consultor legislativo do Senado, com salário inicial de R$ 23.826,57, e para juiz do Trabalho substituto, em que esse valor é de R$ 21.766,15. E há também os crônicos problemas das elevadas remunerações e mordomias dos parlamentares, o do desrespeito aos tetos salariais "constitucionais", e por aí afora.
A revista The Economist, na edição de 16/6, em matéria intitulada Envergonhando os 'invergonháveis' (Shaming the unshameable), afirmou que, nessa questão dos salários do governo em geral, os contribuintes brasileiros estão sendo roubados. E que com a nova Lei de Acesso à Informação isso está ficando mais claro.
De fato, está, mas é preciso que as vítimas passem a cobrar medidas corretivas dos políticos e estes tenham a coragem de tomá-las.
 
* ECONOMISTA (UFMG,  USP, HARVARD),  PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP,  É CONSULTOR ECONÔMICO, DE ENSINO SUPERIOR, ROBERTO, MACEDO, ECONOMISTA (UFMG,  USP, HARVARD),  PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP,  É CONSULTOR ECONÔMICO, DE ENSINO SUPERIOR

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Cronicas da realidade cotidiana - Luiz Alberto Machado

O título acima é meu, mas o título original, abaixo, é do autor, Luiz Alberto Machando, um bom amigo da FAAP, cujo inicio de artigo reflete uma conversa que tivemos recentemente em SP, num jantar, em seguida a uma palestra que fiz na FAAP, da qual ele participou como debatedor, junto com Georges Landau, outro bom amigo de SP.
De fato, o título de artigo é essencial para capturar a atenção do leitor e fazê-lo deter-se um instante na leitura de uma peça de texto, um pedaço de realidade (ou não), algo accrocheur, ou appealing, que permita competir com outras atividades mais interessantes.
Isso me lembra que fiquei de encaminhar ao Roberto Macedo as referências exatas de uma frase do Raymond Aron, nos idos de 1950, ou meados dessa década, quanto o pensador francês começou a dar aulas na Sorbonne, e confessava estar impressionado pela vetusté des locaux.
Eu também vou dar aulas na Sorbonne, mas no Institut de Hautes Etudes de l'Amérique Latine, dois cursos apresentados aqui: http://www.pralmeida.org/11CursosPRA/IHEAL-Paris.html
Boa leitura (e eu preciso ver este documentário: Inside job).
Paulo Roberto de Almeida


Artigo: Como castelos de areia
Por Luiz Alberto Machado (*)
17 de November de 2011


“Eu fico feliz ao olhar para a minha mãe,
minha esposa, minha filha e a senhora,
presidente, e dizer: eu sou inocente.”
Orlando Silva
(ex-ministro dos Esportes)

Conversando recentemente com os amigos Roberto Macedo e Paulo Roberto de Almeida, o primeiro economista, o segundo diplomata, ambos articulistas de primeiríssima qualidade, ouvi os dois dizerem algo que não me saiu da cabeça: “Se você tem um título, você tem um artigo”.
Acompanhando o noticiário político e econômico da Europa nas últimas semanas e do Brasil ao longo deste ano, não houve como não me lembrar da referida frase.
Mas, o que há de comum no noticiário europeu nas últimas semanas e no brasileiro ao longo deste ano?
A resposta é que tanto lá como aqui ocupantes de altos postos governamentais caíram, deixando seus cargos até então por muitos considerados inatingíveis e revelando a fragilidade de determinadas estruturas, lembrando verdadeiros castelos de areia, incapazes de resistir às ondas que se desfazem na praia.
E o que há de diferente no noticiário sobre a queda de ocupantes de importantes postos nos governos da Europa e do Brasil?
A diferença é que na Grécia e na Itália, os primeiros-ministros George Papandreou e Silvio Berlusconi foram obrigados a renunciar pela incompetência demonstrada na gestão da economia de seus respectivos países. De forma um pouco diferente, o mesmo já havia acontecido alguns meses antes em Portugal, onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates teve que antecipar as eleições diante da situação insustentável em que se encontrava. O mesmo poderá acontecer na Espanha, onde as eleições também foram antecipadas para o dia 20 de novembro e em que as pesquisas eleitorais apontam ampla vantagem para o Partido Popular, que deverá retornar ao poder depois dos oito desastrados anos em que o país foi governado por José Luis Zapatero.
Já no Brasil a queda de inúmeros ministros que posaram ao lado de Dilma Rousseff na foto oficial com a equipe ministerial que assumiu o governo em 1º de janeiro deste ano está relacionada ao envolvimento com diversos esquemas de corrupção. Um após o outro, foram deixando o governo por envolvimento com desmandos e corrupção o reincidente Antonio Palocci, que ocupava a chefia da Casa Civil, e os ministros Alfredo Nascimento, dos Transportes, Pedro Novais, do Turismo, Wagner Rossi, da Agricultura, e Orlando Silva, dos Esportes. O mais recente acusado de também estar envolvido com corrupção é o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Por enquanto, ele está “prestigiado”, jargão utilizado no futebol para técnicos em vias de serem demitidos por seus clubes. Por mais que a presidente Dilma Rousseff procure minimizar os atos de seus ministros chamando-os de “malfeitos”, o povo não se deixa enganar e tem plena consciência de que a rapinagem que culminou com o afastamento dos ministros chama-se “corrupção”.
Nem o que está ocorrendo na Europa nem o que está ocorrendo no Brasil é digno de louvor ou de comemoração. Ao contrário. Ainda que por razões diferentes, a queda de pessoas que ocupam postos relevantes no governo de tantos países é algo a se lamentar e a se refletir.
Nesse sentido, fica a pergunta: o que é pior, a incompetência verificada nesses países europeus ou a corrupção, existente praticamente em todos os lugares e muitas vezes combinada com a impunidade, como bem mostrou o filme Trabalho interno, mas que, no Brasil, é praticada numa escala quase inacreditável?
Com a palavra o amigo internauta.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
CHADE, Jamil. Pressão da UE derruba governo grego. O Estado de S. Paulo, 7 de novembro de 2011, p. B 1.
ROGOFF, Kenneth e REINHART, Carmen. Oito séculos de delírios financeiros. Rio de Janeiro: Campus, 2010.
ROSENFIELD, Denis Lerrer. Moral e política. O Estado de S. Paulo, 7 de novembro
de 2011, p. A 2.
SAAB, Paulo. Sugestões para melhorar o País. Diário do Comércio, 5, 6 e 7 de novembro de 2011, p. 2.
Referências e indicações webgráficas
CRISE europeia derruba líderes no poder. Disponível em www.pbagora.com.br/conteudo.php?id=20111...dreou-jose-socrates.
DINIZ, Arthur Chagas. O ovo da serpente. Disponível emwww.institutoliberal.org.br/comentario.asp?cdc=3831.
_______________ Corrupção direta ou ONGs? Disponível emwww.institutoliberal.org.br/comentario.asp?cdc=3844.
Referência cinematográfica
TRABALHO interno (Inside job). Documentário, EUA, 2010, dirigido por Charles Ferguson, com duração de 120 minutos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Ilusoes estatisticas: comparacoes economicas internacionais - Roberto Macedo

Um artigo simples, mas que coloca em correta perspectiva a comparação de dados em escala mundial.

''Ingana'' que engana
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 21 de abril de 2011

Quando países são comparados economicamente, um procedimento muito usado toma em cada caso, como porcentagem do PIB, algum montante de interesse. Como, por exemplo, o da carga tributária e o dos gastos públicos em saúde.

A interpretação dos resultados precisa ser cuidadosa, para evitar equívocos como o que apontarei mais adiante. De início vale lembrar que essas porcentagens nada dizem sobre quem e quantos, no mesmo exemplo, pagaram a conta dos impostos ou se beneficiaram dos referidos gastos. Em particular, elas não informam sobre o nível de renda ou de PIB por habitante de países comparados, às vezes levando a interpretações equivocadas e também a conclusões mal sustentadas ou mesmo injustificáveis.

Um caso de conclusões desse tipo ocorre frequentemente no Brasil, na comparação de sua carga tributária com a de outros países, sempre como porcentagem dos respectivos PIBs. Dessa comparação vêm conclusões nada lisonjeiras sobre as características dos serviços públicos no Brasil.

Assim, quem no Google buscar textos que simultaneamente se refiram à carga tributária e aos serviços públicos encontrará várias referências a um enganoso paradoxo assim formulado: como porcentagem do PIB o Brasil tem carga tributária alta e típica de países europeus, mas seus serviços públicos são comparáveis aos de países africanos.

Tal paradoxo costuma ser resumido mediante atribuição ao Brasil de características de um país imaginário de nome "Ingana", com carga tributária em porcentagem do PIB próxima à da Inglaterra e serviços públicos similares aos de Gana.

"Ingana" é um termo atribuído ao economista e professor Delfim Netto. Deve ter vindo de uma de suas espirituosas tiradas, pois acredito que saiba muito bem do que estarei afirmando em seguida, e não tem culpa se tanta gente está por aí como papagaio a repetir "Ingana", sem refletir sobre seu significado.

Para mostrar que é enganoso tomarei como similares as cargas tributárias do Brasil e da Inglaterra como porcentagens dos seus PIBs, porém qualificando-as em cada caso pelo valor do mesmo PIB, mas por habitante, também bem próximo do nível de renda médio de sua população. O resultado conclui que é melhor parar com essa repetição, pois "Ingana" não tem sustentação factual.

Recorrerei a dados de 2009 da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas e, no caso da Inglaterra, tomados os do Reino Unido (RU), do qual faz parte. Nesse ano o Brasil mostrou um PIB de US$ 1,6 trilhão e o RU, um de valor não muito maior, de US$ 2,2 trilhões. Supondo, para simplificar, a mesma carga tributária, de 35% do PIB nos dois países, o valor da arrecadação total de impostos não mostraria também uma grande diferença. Esta, entretanto, torna-se evidente no fato de que no mesmo ano o RU aparece com 61,6 milhões de habitantes e o Brasil, com mais que o triplo disso, 193,7 milhões. Com isso, o PIB por habitante nos dois países ficou em US$ 35,2 mil e US$ 8,1 mil, respectivamente. Ou seja, dada a sua população bem menor e uma economia um tanto maior, no RU o PIB por habitante alcançou cerca de quatro vezes o do Brasil, revelando assim a maior diferença entre os dois países nesses dados.

Ora, calculando também a arrecadação tributária por habitante, no RU ela alcançou US$ 12,3 mil, enquanto no Brasil foi de apenas US$ 2,8 mil. Portanto, a conclusão inescapável é que, dada essa enorme diferença, não haveria como oferecer aos habitantes do Brasil, em quantidade e qualidade, os mesmos serviços públicos que o RU tem condições de oferecer. Aliás, no caso da saúde, pude conhecê-los quando na Inglaterra nasceu uma de minhas filhas. Quase tudo foi gratuito, tanto no parto como no pré e pós-natal, e de melhor qualidade que a de serviços privados pelos quais paguei em ocasião similar no Brasil.

E como Gana entrou nessa história? Entrou, como se diz, "de alegre", mas seus dados são muito tristes. Com um PIB per capita de apenas US$ 627, mesmo que arrecadasse os mesmos 35% do PIB - e deve estar muito longe disso -, teria apenas US$ 219 a gastar por habitante. O Brasil, como mostrado acima, teve mais de dez vezes esse valor em 2009.

Nunca fui a Gana, nem sei de outra forma sobre seus serviços públicos, mas apenas por esses números não vejo nenhum risco em concluir que devem ser muito piores que os do Brasil. Quanto a esses serviços o Brasil está num meio-termo e, felizmente, mais distante de Gana que do Reino Unido.

Fico por aqui nas comparações internacionais. Nessa discussão seria melhor se olhássemos nosso próprio umbigo. Então perceberíamos que uma das dificuldades é que aqui quase metade da carga tributária praticamente não esquenta nas mãos do governo, pois logo sai de seu caixa para os enormes pagamentos que faz de juros da dívida pública (cerca de 5% (!) do PIB) e gastos previdenciários (perto de 11% (!) do PIB). Além disso, na área federal gasta demais com deputados, senadores e funcionários dos três Poderes - e a presidente Dilma acaba de criar o 38.º (!) Ministério -, pagando salários e aposentadorias que mais lembram o que se ganha em países ricos do que o recebido aqui pelos que pagam essa conta.

Com tudo isso, não sobra muito para os serviços públicos em geral, que, vale repetir, não são os de Gana, mas tampouco podem ser os do Reino Unido. Talvez a minha filha que lá nasceu possa num futuro ainda distante recebê-los de forma similar aqui, no Brasil. Mas só se nosso país tomar juízo e perceber que isso só virá de um maior crescimento do PIB e de um melhor uso dos recursos governamentais. E certamente não virá de uma carga tributária ainda maior, pois já chegou a um ponto em que prejudica o próprio avanço da economia.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), SÓCIO DAS CONSULTORIAS MGSP E WEBSETORIAL, É PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Trem bala: nao dou uma bala por ele - Roberto Macedo

Já que estamos falando do "assalto (não ao, mas) do trem pagador", segue mais um artigo contra esse empreendimento criminoso.
Eu só teria uma pergunta aos economistas do BNDES (sim, ainda deve existir economistas, e não apenas funcionários públicos nessa entidade): eles não têm nada a dizer sobre esse tipo de empreendimento maluco, não existe nenhum com honestidade suficiente para se colocar contra esse projeto criminoso (e vários outros mais) ?
Será que o país está totalmente consumido pela ação estatal que as pessoas de bem, cidadãos que pagam impostos, não conseguem mais pensar, ou expressar o que pensam?
Paulo Roberto de Almeida

Trem-bala, trem doido
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 17 de fevereiro de 2011

Pode parecer estranho que este mineiro seja contrário ao projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV) que ligaria Campinas ao Rio de Janeiro via São Paulo, porque sabidamente gostamos de trens. Contudo, esse TAV merece a execração de todos os que se empenham no uso de recursos públicos em projetos que econômica e socialmente se justifiquem. E que também não se conformam em ver um projeto deste alcance - e de nome também apropriado à ligeireza de seu preparo - que se quer empurrar goela abaixo da sociedade sem uma ampla e profunda discussão, provavelmente temida pelo governo pelo que traria de contraditório.

Como economista, sou também alérgico a uma proposta que não passaria pelo exame de um curso de análise econômica e social de projetos, tamanhos os despautérios que apresenta. Em Portugal, 28 economistas de prestígio assinaram em 2009 manifesto contrário a projetos locais desse tipo. Na linguagem típica de seu país, e com fundamentos nessa análise, há um diagnóstico que vejo também aplicável ao Brasil. Assim, afirmam que "...estudos parcelares disponibilizados sobre a sua rentabilidade econômica e social (mesmo se baseados em pressupostos optimistas), mostram que sua contribuição previsível para a essência econômica do País é muito diminuta, e pode ser até amplamente negativa em termos de Rendimento Nacional. E tem elevados custos de oportunidade no que toca aos fundos públicos, aos apoios da União Europeia e aos financiamentos (dívida externa) da Banca Nacional e do Banco Europeu de Investimentos. ...Tais estudos também evidenciam que, pelo menos na primeira década de exploração, não haverá procura suficiente para a rentabilização econômica e social de tão pesados investimentos. Irão originar, por conseguinte, prejuízos de exploração significativos, a serem suportados pelo contribuinte." (www.static.publico.clix.pt/docs/economia/apelo_economistas.pdf).

Transpondo essa avaliação para o projeto do TAV brasileiro, quanto aos fundos públicos eles serão imensos. Estima-se que o valor presente do custo para o erário seria, na hipótese mais otimista, de R$ 14 bilhões e, na mais pessimista, de R$ 36,4 bilhões. Ora, a própria discrepância desses números revela os enormes graus de incerteza e de risco que marcam o projeto, além de a experiência nacional mostrar que hipóteses pessimistas de custo são as mais atingidas, e frequentemente ultrapassadas.

Quanto ao "custo de oportunidade", ou seja, relativamente a projetos alternativos, não é preciso muita ciência para perceber que nessa área de transportes os recursos previstos para o TAV poderiam encontrar retorno econômico e social muito maior. Em particular, se aplicados nas grandes cidades ao transporte de passageiros que nelas gastam várias horas se locomovendo no vaivém de casa para o trabalho, entre outros movimentos.

Não há como resolver esse problema, que exige redes metroviárias entre outros vultosos investimentos, apenas com recursos estaduais e municipais. Supondo que o custo do TAV alcançasse perto de R$ 40 bilhões, isso daria para fazer 100 km de metrôs nessas cidades, a um custo estimado para São Paulo. Contudo, o governo federal, com os muito maiores recursos de que dispõe relativamente a esses outros entes federativos, deixa-os à míngua nessa área, e quer porque quer levar adiante esse TAV baseado em benefícios no plano das miragens.

Quanto à Banca Nacional, no caso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevê-se que este abriria suas torneiras de recursos e subsídios para o financiamento do TAV, a um custo de R$ 4,8 bilhões só no segundo item. E há mais subsídios, pois, para garantir a realização do leilão do TAV, o governo vem estimulando interessados, que não são bobos, por meio de garantia da demanda de passageiros, a um custo que poderá alcançar R$ 5 bilhões.

Em contraponto ao projeto, no Brasil o economista que mais se tem destacado é Marcos Mendes, doutor em Economia pela USP e consultor legislativo do Senado. A última versão de sua importantíssima contribuição, da qual retiramos alguns dos números acima, pode ser consultada em www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS/Texto82-Marcos%20Mendes.pdf.

Na mais recente cartada para atrair interessados na empreitada, o governo federal novamente forçou a barra e na aventura envolveu tanto os Correios como a Eletrobrás como participantes. O grande mistério do projeto é que forças o levam adiante em Brasília. Transparecem governantes megalomaníacos, políticos inescrupulosos, construtoras e investidores em alvoroço e traços de uma futura grande festa regada a doações para campanhas eleitorais.

De estranhar também a atitude do tradicional lobby ecológico, estimulado também de fora para dentro do País, que se manifesta tão agressivamente contra novas hidrelétricas na Amazônia, mas tem praticamente ignorado o TAV, apesar dos enormes danos ambientais que traria à região de seu trânsito. Ele não admite passagens de nível, exige cercas fortificadas, muitas linhas retas e curvas de grande arco, atropelando assim o que viesse pela frente, como nascentes, córregos, rios, várzeas, mata nativa e tudo o mais. Tampouco as comunidades em torno do trajeto projetado acordaram para esses e outros danos, inclusive a possibilidade de sua divisão em partes.

E mais: com o projeto e seu leilão para abril retomando velocidade, o TAV já segue na contramão fiscal mesmo antes de ser construído. A atitude do governo, que hoje se diz seriamente empenhado em ajustar suas contas a uma grave realidade, inclusive no plano da inflação, não condiz com seu renovado empenho no projeto. Sua tarefa hoje é recuperar a confiança da sociedade na sua política econômica, o que é indispensável à eficácia dela e que um trem doido como esse só pode atrapalhar.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP E VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

De zero a dez, nota quatro (estou falando delle, claro)...

Lula, nem ótimo nem bom
Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo, 06/01/2011

Se ouvido na última pesquisa sobre o desempenho do ex-presidente Lula, eu estaria entre os 17% que o viram de regular para baixo. Ao estudar, fui ensinado a não me iludir com aparências, e o que predomina é uma versão de ótimo e bom que não corresponde aos fatos. É evidente que a economia esteve melhor sob Lula. Mas dizer que foi por causa dele é outra história. Surfou em duas ondas muito favoráveis. A externa, um crescimento ímpar da economia mundial, trouxe não só um melhor desempenho do produto interno bruto (PIB), mas também a superação de grave problema com que o Brasil se deparava havia muitas décadas, a tal escassez de divisas, responsável por muitas crises econômicas. Hoje sobram reservas e a última crise, que veio em 2008, não foi por falta delas, mas por contenção do crédito e de nossas exportações. O Brasil então escapou ao tradicional choque externo, com forte desvalorização cambial, aumento da inflação, dos juros, da dívida publica e pedido de socorro ao FMI.

A outra boa onda foi no plano interno, vinda dos governos Collor, Itamar e FHC, com renegociação da dívida externa, ajustes nas finanças públicas, inclusive privatizações, e abertura da economia, dando-lhe maior estabilidade e eficiência. Lula nunca reconheceu bem essas boas ondas. Sofismando, toma o que veio de bom depois dele como resultado de sua ação. Como corolário, o ruim não é com ele.

Vejo-o como um peão em rodeios. Neles, quem monta não recebe pontos se o animal não pula. Ora, Lula quase que só montou bichos mansos. Quando a crise pegou, o corcoveio da economia trouxe-o ao chão, mas aí veio com a conversa fiada da marolinha. Fez que não viu o vagalhão, que custou ao País perto de R$ 200 bilhões em crescimento perdido.

Também pode ser comparado ao comandante de um barco encalhado por uma estiagem, no leito seco de um rio. Vieram as chuvas, o barco desencalhou e o comandante diz que foi obra dele.

O número final do crescimento do PIB em 2010 deve ficar perto de 7%, e certamente se vangloriará disso, mas esquecendo o buraco de 2009, o que levará a uma taxa média próxima de 3,5% nos dois anos, ridícula se comparada à de países realmente empenhados em crescer, como a China e a Índia, a primeira, aliás, com suas importações ajudando muito o Brasil. Ao administrar, foi um desastre na área de pessoal, contratando mais sem maiores critérios, expandindo cargos providos sem concurso - em cuja elite hoje predominam companheiros sindicalistas -, e pagando salários bem maiores que os do mercado de trabalho, agravados pela aposentadoria privilegiada, que não conseguiu resolver. Também tornou obscuras e mais frágeis as contas governamentais, até mudando critérios de avaliação do superávit primário e expandindo fortemente a dívida bruta, além de usar boa parte do primeiro dinheiro do pré-sal para tapar buracos nessas contas.

Demonizou as privatizações, mas pouco fez para ampliar com vigor a capacidade de investimento da administração pública. Por essa e outras razões, são indispensáveis investimentos privados para a provisão de serviços públicos, mas relutou em fazer isso. Um caso emblemático está de novo nas manchetes, o crônico estrangulamento dos principais aeroportos, que não conseguiu resolver em dois mandatos. O nome disso não é competência. Ao sair, disse que foi fácil governar, mas a facilidade veio das duas ondas citadas, e também porque não enfrentou seriamente gravíssimos problemas. Como na infraestrutura, na saúde, na segurança e na previdência, entre outros. Também disse que pode ensinar a governar, mas quem precisa de ajuda é porque está difícil. Colocar gente no Bolsa-Família é fácil, com a economia gerando mais impostos, mas promover bolsistas via educação e trabalho é difícil, e não teve a mesma atenção.

Aliou-se ao que de pior existe na política brasileira. Emblemático disso foi que seu outrora inimigo político José Sarney fez questão de acompanhá-lo na viagem de saída. Na política externa, aliou-se a quem se marca pelo desrespeito à democracia, aos direitos humanos e até pelo cultivo de coca, optando por um terceiro-mundismo com ranço de antiamericanismo da esquerda de 50 anos atrás. Disse ser "gostoso (...) terminar (...) vendo os EUA, (...) a Europa (...) o Japão em crise", ignorando que com isso o Brasil perde exportações. No plano ético, procurou justificar o injustificável, como o mensalão e outros deslizes de companheiros.

Foi competente mesmo na arte da comunicação. Aí rivalizou com Chacrinha, tido como o maior comunicador da TV brasileira, que fez escola ao dizer que "quem não se comunica se trumbica". Lula tornou-se mestre ao praticar o corolário: quem se comunica se edifica. Só faltou jogar bacalhaus para as plateias.

Nessa comunicação foi auxiliado pela complacência de parte da mídia, também por conveniências, pois, conforme matéria recente da Folha de S.Paulo, ampliou de 499 para 8.094 o número de veículos de comunicação que recebem verbas de publicidade do governo federal. Outro aspecto da complacência é que Lula foi mais objeto de notícias do que de análises, nas notícias predominando sua "experteza" como comunicador. Terminou o mandato com mais um descaso pelo comportamento republicano, com a cumplicidade da companheira substituta. Como cidadão incomum, deixou Brasília no avião presidencial, posando antes como Romário na janela do piloto, quando nosso time retornou do tetra de 1994. Só faltou a Bandeira.

Vangloria-se de suas raízes humildes, de seu passado de operário, mas hoje se vê como um iluminado, bem acima dos que o elegeram e o endeusaram. Fiel mesmo às suas origens, Harry Truman, ao deixar o governo nos EUA, em 1953, saiu dirigindo seu carro, acompanhado apenas pela esposa.