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terça-feira, 8 de outubro de 2019

O Brasil e o Atlântico Sul - Rubens Barbosa (OESP)

O BRASIL E O ATLÂNTICO SUL
 Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 8 de outubro de 2019

Na definição do Conceito Estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como uma área geoestratégica prioritária, mas não se exclui totalmente a possibilidade de sua atuação “onde possível e quando necessário”, caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégico da organização.
Em pronunciamento recente, o atual ministro da defesa Nacional, João Gomes Cravinho, observou que “a segurança do espaço euro-Atlântico tem de ser pensada a partir das pontes que o Atlântico permite criar e para as quais Portugal tem um posicionamento privilegiado para contribuir ativamente”.
Dentro desse entendimento, Portugal está criando o Centro para a Defesa do Atlântico (CeDA) na ilha dos Açores. O CeDA tem como objetivo a reflexão, a capacitação e a promoção da segurança no espaço atlântico. O Centro pretende tornar-se um forum multinacional que contará com a participação de peritos, civis e militares de países localizados na bacia atlântica ou com interesses nesse espaço.  
Localizado na ilha Terceira, em parte das instalações de base norte-americana, e em Lisboa, o CeDA deverá focalizar inicialmente as dinâmicas de insegurança no Golfo da Guiné e na África Ocidental, estando, contudo, vocacionado para trabalhar todas as temáticas relevantes para a segurança do Atlântico de Norte a Sul, de Este a Oeste e onde a capacitação no domínio da defesa possa contribuir positivamente. Irá estabelecer parcerias, desenvolver e implementar projetos de capacitação que permitam aos Estados ribeirinhos do Atlântico reforçar as suas capacidades na prevenção, combate e mitigação das ameaças transnacionais tais como o tráfico de drogas, de seres humanos e de armas, pirataria e assalto à mão armada contra navios, a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada. Também a poluição, as alterações climáticas e a resposta de emergência estão na mira; e, numa fase posterior poderão surgir as ameaças cibernéticas, entre outras possíveis a se prevenir.  O balizamento conceitual do Centro está ainda em desenvolvimento, com contribuições dos países atlânticos envolvidos, entre os quais o Brasil.
No que concerne às principais atividades do CeDA, para além de projetos de capacitação através de parcerias com a ONU, OTAN, União Europeia, União Africana, entre outros, o Centro trabalhará igualmente na busca, tratamento e análise de informação; na elaboração de estratégias de capacitação e doutrina; na monitorização de ameaças transnacionais e na implementação de projetos.
O Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, deverá realizar um Seminário para apresentar, discutir e divulgar o CeDA. Este evento contará com especialistas, nacionais e estrangeiros, civis e militares, que aprofundarão os requisitos e a missão fundamental do Centro e, como estudo de caso, serão analisadas as várias dimensões dos desafios à segurança na região do Golfo da Guiné.
No início de 2020, prevê-se, nos Açores, uma primeira ação de formação de uma rede de peritos internacionalmente reconhecidos, que possam dar continuidade ao trabalho de capacitação junto dos quadros civis e militares, bem como das Forças de Defesa e Segurança, dos países do Golfo da Guiné.
Com a constituição do CeDA, Portugal pretende dar corpo a ideia de contribuir para manter o Atlântico como um espaço de paz e segurança internacional e de trabalhar com parceiros atlânticos na identificação de contribuições para esse objetivo. 
O Brasil manifestou preocupação porque não foi informado previamente da criação do Centro e pela intenção explicitamente indicada pelo Conselho de Ministros da OTAN de empregar o Centro como plataforma para a Organização e para a União Europeia com vistas à segurança de todo o Atlântico (incluindo o Atlântico Sul, em especial o Golfo da Guiné). O Brasil, nessa região, está presente e desenvolve esforços para o enfrentamento da pirataria.
O Brasil sempre deixou claro sua reserva no tocante às iniciativas que incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul, como área de atuação da OTAN. O sul do Atlântico é área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança relacionadas às duas metades desse oceano são distintas e devem merecer respostas diferenciadas – tão mais eficientes e legítimas quanto menos envolverem organizações ou Estados estranhos à região.
A Politica Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritárias para a Defesa Nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul e a África Ocidental e Meridional. Por essa razão, o Brasil não deveria ignorar essa iniciativa. Seria de nosso interesse acompanhar de perto a definição de como o Centro vai atuar.
Por outro lado, o governo dos EUA decidiu designar o Brasil como “aliado prioritário extra-OTAN”, elevando a parceria estratégica com os Estados Unidos a um novo patamar de confiança e cooperação. Esse status é conferido a número restrito de países, considerados de interesse estratégico para os EUA, e os torna elegíveis para maiores oportunidades de intercâmbio e assistência militar, compra de material de defesa, treinamentos conjuntos e participação em projetos. Embora não tenha uma relação direta com a OTAN, o novo status do Brasil recomendaria o acompanhamento do que está ocorrendo na Organização.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve em Portugal recentemente e foi informado da criação do Centro. Para manter a prioridade sobre o Atlântico Sul, como previsto na Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil deveria participar  da criação do Centro e oferecer sua contribuição na definição de suas atribuições e formas de atuação.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Acordo de livre-comércio Brasil-EUA - Rubens Barbosa


Os muito céticos, ou protecionistas, dirão que, depois que já cedemos tudo para a UE, para ter aquele acordo que já tinha se tornado maior de idade só em negociações, pode-se facilmente fazer um novo acordo com os EUA, e os "amigos" americanos aproveitarão para extrair o máximo de concessões do Brasil, já que o futuro embaixador é um trumpista convencido. Só para ter um acordo, vão ceder até um pouco mais. 
PRA

Acordo de livre-comércio Brasil-EUA
A volta às negociações internacionais abre uma série de possibilidades para o nosso país
Rubens Barbosa*
O Estado de S.Paulo, 13 de agosto de 2019 | 03h00
Um acordo comercial do Brasil com os Estados Unidos, a única superpotência global, será sempre muito importante para a economia de nosso país. A visita do secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reavivou o assunto e o colocou na agenda da relação com Washington.
Declarações oficiais de alto nível de ambos os lados reforçaram a percepção de que um acordo dessa importância será possível em curto prazo. “Vamos trabalhar para um acordo comercial com o Brasil”, disse o presidente Donald Trump. O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que as negociações entre os dois países para um acordo comercial já começaram. E Marcos Troyjo, secretário de Comércio Exterior, afirmou que o objetivo é trabalhar por um acordo mais amplo, incluindo produtos e tarifas. O secretário de Comércio americano observou que, de início, os entendimentos deveriam basear-se na negociação de um acordo de investimentos e na eliminação dos entraves e da burocracia no intercâmbio bilateral.
Como devem esses pronunciamentos públicos ser interpretados de forma realista e pragmática, à luz do interesse brasileiro?
O relançamento da ideia de um acordo comercial feito pelo governo norte-americano coincidiu, em nada por acaso, com a finalização, depois de 20 anos, dos entendimentos do Mercosul com a União Europeia (UE). E veio com uma advertência clara de que nada no acordo com Bruxelas deveria ser contraditório a um acordo com os EUA, como a questão dos standards (padrões comerciais), indicadores geográficos, produtos farmacêuticos, químicos, automóveis e alimentos. Will Ross foi cauteloso ao assinalar que a negociação é um processo gradual que deveria iniciar-se sem a discussão de tarifas. Mencionou que a preferência era de um entendimento com o Brasil (não com o Mercosul), que começaria com a negociação de um acordo de investimento bilateral e com medidas recíprocas de facilitação de comércio, desburocratização, harmonização de regras, enfim, de um acordo que evitasse a bitributação. Nas conversas foram feitas referências a produtos específicos que poderiam, a seu ver, ganhar com esse tipo de negociação: açúcar, etanol, autopeças, trigo, economia digital.
Não se podem alimentar ilusões precipitadas. Por mais importante e significativo para o Brasil, nesse acordo com os EUA, apesar das declarações otimistas de parte a parte, há limitações que não podem ser ignoradas. É realista pensar, de início, numa forma bilateral gradualista, sem esperar pelo Mercosul. No entanto, um acordo comercial amplo, que inclua produtos e tarifas, terá de ser negociado com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Não esqueçamos que a política de comércio exterior dos Estados Unidos é muito protecionista, como provam a saída desse país do acordo com a Ásia (Parceria Transpacífica), a renegociação do Nafta com o México e o Canadá, as dificuldades no acordo com a UE e a guerra comercial com a China. Além disso, a autorização do Congresso americano (TPA) para negociação de acordos comerciais expira em junho de 2021.
Em outubro de 2020 haverá eleições presidenciais nos EUA e é pouco provável que a atual administração norte-americana embarque em negociações sérias com o Mercosul, até por causa do grande lobby agrícola em Estados que são cruciais para o sucesso eleitoral de Trump. Dependendo do resultado da eleição presidencial na Argentina, se Mauricio Macri não conseguir a reeleição, abrir-se-á a possibilidade aventada pelo governo brasileiro de um acordo bilateral Brasil-EUA, de negociação talvez mais rápida.
Por outro lado, os EUA já negociaram acordos comerciais seguindo o modelo do Nafta com todos os países das Américas, com exceção dos países do Mercosul. É difícil imaginar um acordo do Mercosul com os EUA que não seja de adesão ao modelo Nafta, sobretudo na área agrícola, em que residem a maior força e os interesses do subgrupo regional.
Caso as declarações oficiais se concretizem, as negociações de um acordo comercial com o Mercosul, na melhor das hipóteses, somente começarão no início de 2021 e demorarão algum tempo, o que exigirá a aprovação de uma extensão do TPA com o Congresso, sempre demorada e difícil.
Nas conversas do secretário de Comércio com autoridades brasileiras transpirou, segundo o ministro Paulo Guedes, que o governo de Washington estuda uma proposta de aliança estratégica para todo o continente, além de um acordo de livre-comércio. Sem maiores detalhes sobre o tema, a ideia poderá estar baseada em interesses estratégicos dos EUA, ameaçados pela crescente presença da China na região, pelo recém-concluído acordo Mercosul-UE e pela crise da Venezuela.
É interessante assinalar que a ideia de associação estratégica coincide com a divulgação do acordo de associação da UE com o Mercosul, ao lado do acordo comercial. A inclusão do Brasil, ao lado da Argentina e da Colômbia, como aliado estratégico dos EUA não membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a ideia de transformar a Otan num tratado que inclua o Atlântico Sul podem ser indícios de que o governo americano está pensando em resguardar seus interesses em termos de defesa. A negociação com o Mercosul completará a rede de acordos comerciais no Hemisfério, o que poderia explicar a cogitação de reviver uma nova Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).
Como se vê, a volta do Brasil às negociações internacionais, depois de um isolamento de quase 20 anos, dá margem a uma série de possibilidades envolvendo nosso país que necessitam ser analisadas de forma objetiva e sem apriorismos ideológicos, para uma adequada defesa do interesse nacional.
Sem a melhora da competitividade e a modernização da economia com as reformas e a redução do papel do Estado, o setor produtivo dificilmente terá condições de aproveitar as oportunidades que deverão surgir com o novo ambiente de negócios regional e global.
*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Acordo Mercosul-União Europeia - Rubens Barbosa (OESP, 9/07/2019)

ASSOCIAÇÃO MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 9 de julho de 2019

            Em 28 de junho, o Mercosul e a União Europeia (UE) concluíram a negociação de um ambicioso acordo de Associação, que inclui três vertentes: a política, a de cooperação e a do livre comércio.

          Aguarda-se a divulgação dos termos desse Acordo de Associação que estabelece a maneira como se desenvolverá o diálogo político, inclusive multilateral, e a cooperação para conhecer seu alcance e como os interesses nacionais foram tratados. 

         O acordo de livre comércio - parte integral desse acordo mais amplo -  pretende consolidar, em dez anos, uma parceria econômica e criar oportunidades para o crescimento sustentável nos dois lados, respeitando setores econômicos sensíveis, o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores. O acordo é composto por capítulos e anexos relativos aos seguintes temas: acesso tarifário ao mercado de bens (compromissos de desgravação tarifária); regras de origem; medidas sanitárias e fitossanitárias; barreiras técnicas ao comércio (anexo automotivo); defesa comercial; salvaguardas bilaterais; defesa da concorrência; facilitação de comércio e cooperação aduaneira; serviços e estabelecimento (compromissos em matéria de acesso); compras governamentais (compromissos em matéria de acesso); propriedade intelectual (indicações geográficas); integração regional; diálogos; empresas estatais; subsídios; pequenas e médias empresas; comércio e desenvolvimento sustentável; anexo de vinhos e destilados; transparência; temas institucionais, legais e horizontais; e solução de controvérsias.

Cabe ressaltar a inclusão de regras, como o princípio da precaução, para garantir segurança alimentar e preservação da floresta amazônica e a de proteção do meio ambiente, mudança do clima (observância do Acordo de Paris), que precisam ser melhor explicitadas.

Não resta dúvida sobre a importância do acordo com a UE, nosso segundo parceiro comercial do grupo e o primeiro em investimentos. As informações divulgadas até aqui dão uma ideia geral do arcabouço e das principais diretivas do acordo de livre comércio entre as duas regiões, mas não permitem ainda uma análise objetiva sobre o resultado das negociações porque não foram divulgadas nem as listas de produtos e seu cronograma de redução das tarifas ao longo de dez anos.,  nem o small print, ou seja, os detalhes relevantes da negociação. 

O acordo põe fim a um longo período de mais de 20 anos de isolamento do Mercosul e do Brasil nas negociações de acordos comerciais. Enquanto, nesse período, o Mercosul assinou apenas três acordos (Egito, Israel e Autoridade Palestina), segundo a OMC, foram assinados mais de 250 acordos comerciais no mundo. Isolado, o Brasil perdeu espaço nos fluxos dinâmicos do comércio internacional e participa de forma menor nas cadeias de valor global no intercâmbio entre empresas. Com a assinatura do acordo, na contramão do movimento global que tende ao protecionismo e às restrições ao livre comércio, o Mercosul volta a ter visibilidade e deve acelerar as negociações com a EFTA (área de livre comércio da Europa), o Canadá, Coreia e Cingapura.

Sem a divulgação completa do acordo, surgem dúvidas quanto à forma e rapidez com que o atual governo conduzirá o processo de abertura da economia.

Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com a importação de outras áreas.

Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a da previdência, a tributária, a da estrutura tarifária interna. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias) a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30% e torna o produto nacional pouco competitivo. Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Medidas recentes, inclusive portaria sobre a possibilidade de importação com tarifa zero para produtos sem produção local (também para produtos usados), no momento da divulgação do acordo com a UE, geram insegurança e incerteza pela falta de diálogo com o setor produtivo. 

Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que  traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE, assim como a entrada na OCDE, forçará governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.

Com visão de futuro e cumprida a agenda doméstica de recuperação da competitividade, ademais da conclusão dos acordos em negociação, o próximo passo poderia ser uma aproximação maior não com os EUA, como mencionado por Bolsonaro e Macri, de difícil concretização pelas políticas de Trump, mas com os países da Ásia, o polo dinâmico do comércio internacional. Seria importante sinalizar aos países membros da Parceria Trans-Pacífica (CCTPP), uma intenção nossa e do Mercosul em juntar-se ao grupo de 11 países que atualmente inclui Japão, sete países asiáticos, mais México, Chile e Peru. 

O acordo Mercosul-UE pode ser o elemento catalizador de todo um programa interno e de negociação externa que permitirá a expansão do comércio exterior brasileiro.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 1 de julho de 2019

O custo dos negocios no Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

COMO MELHORAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/06/2019

Sabemos todos que no Brasil são prioridades imediatas e urgentes a volta do crescimento e a queda do desemprego. Os dados do primeiro trimestre, porém, não são encorajadores do ponto de vista do setor privado.
O retorno da confiança no governo e o melhor desempenho da economia passam pela aprovação no Congresso de reformas estruturais, em especial a da previdência social, que ajudará a estancar a sangria do déficit público, e pela reforma tributária, que reduzirá o custo Brasil para o setor produtivo. Caso sejam aprovadas, o Ministério da Economia poderá liberar medidas para a abertura da economia, para a desburocratização e para a negociação de acordos comerciais com terceiros países para fazer crescer o comércio exterior e incentivar a retomada dos investimentos públicos e privados.
Nesse contexto, não se pode ignorar também um fator psicológico, muito relevante quando se examina a questão do investimento: o ambiente de negócios. Nesse sentido, a credibilidade dos contratos e a segurança jurídica das regras para a correta implementação das transações comerciais e financeiras são elementos que aqui ainda precisam ser aperfeiçoados para a volta sustentável dos investimentos das empresas nacionais e, sobretudo, internacionais. A corrupção e o descumprimento de compromissos assumidos devem ser enfrentados e a força da lei deve prevalecer sobre os interesses de grupos ou corporações.
Poderiam ser lembrados aqui vários exemplos, alguns dos quais vieram a público, para tornar concretos os comentários sobre a necessidade de melhoria no ambiente de negócios no Brasil.
Pelo seu volume, importância e visibilidade, poderia ser lembrado o conflito em curso sobre a segunda maior operação comercial que ocorreu no Brasil, envolvendo a aquisição, da ordem de R$ 16 bilhões, de uma empresa brasileira por um grupo internacional - a primeira foi a disputa entre o Grupo Pão de Açúcar e a empresa francesa Casino.
Os problemas surgiram nas tratativas de aquisição da empresa de celulose Eldorado, pertencente a J&F, pela Paper Excellence (PE), um dos maiores produtores de celulose do mundo. Segundo se noticiou, depois do acordo de leniência firmado com o Ministério Público por conta de problemas com a Lava Jato, a J&F decidiu vender a Eldorado, que cresceu favorecida por empréstimos do BNDES. A transação correu normalmente na primeira etapa, em 2017. A companhia PE, com sede na Holanda, pagou cerca de R$3,8 bi por 49% da Eldorado. O contrato previa opção de compra da totalidade da empresa brasileira, mais o passivo de dívidas. Para concluir a operação, a J&F deveria cooperar para a liberação de garantias do Grupo J&F em contratos financeiros da Eldorado até setembro passado, após o que a PE perderia a opção de compra. A PE, percebendo a obstrução da J&F, buscou a justiça brasileira e acionou o processo de arbitragem.
O que ocorreu a partir daí tem implicação com o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contratos, como acima referido. Desde a assinatura do contrato, o cenário micro e macroeconômico teve uma forte influência sobre o valor da empresa brasileira: a desvalorização do dólar, o salto da EBTIDA (74%) e o aumento significativo do preço da celulose no mercado internacional (41%). Diante disso, a J&F e a Eldorado alteraram seu posicionamento, atuando – segundo a PE - para impedir a conclusão da transação, apesar de todos os recursos para finalizar a transação (cerca de R$ 11 bi) estarem disponíveis no Brasil. As divergências continuam a ampliar-se com a tentativa de emissão de US$500 milhões em bônus da Eldorado, com a oposição da PE e bloqueada pela Justiça. O assunto está hoje submetido à arbitragem na ICC, na Áustria e em Cingapura para dirimir o conflito pelo descumprimento, segundo a visão da PE, de compromissos assumidos pela J&F e levará ainda algum tempo para ser resolvido. Os recursos alocados para a compra da Eldorado em parte estão imobilizados e novos investimentos foram suspensos.
O custo envolvido com advogados, consultores e assessoria de imprensa para oferecer informações ao público em geral passa a representar um ônus adicional para empresas que queiram participar do mercado brasileiro.
O Brasil é um grande produtor e exportador de celulose e foi uma estratégia normal da empresa estrangeira decidir investir no país e ampliar seus negócios globais na América do Sul. Casos como esse repercutem negativamente na mídia e prejudicam a credibilidade e o ambiente de negócios no Brasil. Hoje grande parte dos conflitos empresariais, tanto como o que ocorre entre a J&F e a PE, quanto em decorrência de problemas societários, são resolvidos por arbitragem em função da maior rapidez para se obter uma solução. De qualquer forma, nada se resolve antes de dois a três anos. A demora para obter uma decisão na justiça ou em cortes nacionais e internacionais de arbitragem contribuem para aumentar a insegurança e a desconfiança de potenciais investidores. 
Assuntos dessa natureza são de interesse do setor privado, mas o governo poder facilitar a rápida resolução dos conflitos por meio de negociações de acordos bilaterais de investimentos. Esses acordos regem disputas entre empresas privadas estrangeiras e os governos e companhias privadas, e representaram uma experiência exitosa nos últimos anos no âmbito da Comunidade Europeia, por exemplo. 
No final de 2018, o Banco Mundial divulgou um ranking de ambiente de negócios, que avalia 190 países. Embora melhorando em relação a 2017, o levantamento coloca o Brasil na 109ª posição e em último lugar entre os países membros do BRICS. Para alterar esse quadro, será necessária uma mudança cultural e de atitude de parte do setor privado, que passa inclusive pela lisura no cumprimento do livremente acordado e na relação com o governo. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Guerra cibernetica - Rubens Barbosa (OESP, 11/06/2019)


GUERRA CIBERNÉTICA

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 11/06/2019

No século XXI, a tecnologia está definindo novas formas de emprego bélico nas guerras tradicionais. A inteligência artificial está abrindo espaço para armas e sistemas autônomos letaisrobôs autônomos letais, ou ainda, robôs assassinos. Definidas como qualquer sistema de arma com autonomia em suas funções, essas armas podem selecionar (isto é, procurar ou detectar, identificar, rastrear, selecionar) e atacar (isto é, usar força bruta contra, causar dano ou destruir) alvos, sem intervenção humana.
Em paralelo a esses desenvolvimentos tecnológicos - que terão impacto na guerra como entendida até aqui - a cibernética está inovando nas técnicas de enfrentamento sem o uso da força convencional As ameaças globais nos dias de hoje estão se transformando rapidamente: operações on line para influência e interferência em eleições, armas de destruição em massa e sua proliferação, terrorismo, contra-inteligência,  e tecnologias destrutivas, ameaças à competitividade econômica, espaço e armamento no espaço, crime transnacional (armas e drogas), entre outras.
Na definição do teórico Clausewitz, “guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a executar nossa vontade”. A violência tem como objetivo controlar. O chinês Sun Tzu acrescenta que “a maior proeza militar é vencer sem combater”: a astúcia e a manipulação apresentam mais vantagens do que a agressividade para impor sua vontade sobre os outros.
Já chegamos a essa fase de sofisticação bélica. A guerra cibernética, definida com a utilização de meios numéricos para desenvolver a função de controlar outros ou empresas, transforma radicalmente os três componentes históricos da guerra: a espionagem, a sabotagem e a guerra da informação, na linha observada por Sun Tzu.
Multiplicam-se informações sobre o uso da capacidade cibernética – inclusive na espionagem, ataque e influência com o objetivo de conseguir vantagem política, econômica e militar. Segundo se noticia, de um lado a China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, e de outro EUA, Israel, Reino Unido e França, dispõem de meios cada vez mais sofisticados para obter informações de governos e de empresas, para influir na vida das pessoas e destruir a infraestrutura e objetivos estratégicos.
Na última década esses países desenvolveram e experimentaram, com crescente capacitação, técnicas para alterar informações e sistemas em outros países. Por anos, conduziram espionagem cibernética para recolher inteligência e colocar em risco a infraestrutura de outras nações. Mais recentemente, novos tipos de ataque cibernético foram desenvolvidos e a mídia social passou a ser usada para alterar o pensamento, o comportamento e as decisões, como ocorreu nas eleições americanas pela ação da Cambridge Analytica-facebook. A medida em que bilhões de novos instrumentos digitais são conectados e integrados na vida cotidiana e nos negócios, competidores e adversários ganharão maior conhecimento para acesso às informações protegidas pelos governos e empresas.
O mundo entrou em uma fase de guerra permanente: sem frente de batalha e sem regras de engajamento. Em 2016, agentes de inteligência da China conseguiram capturar instrumentos de espionagem da NSA e os reposicionaram para atacar aliados dos EUA e empresas privadas da Europa e Ásia.
A guerra cibernética se assemelha à guerra insurrecional, com a diferença de poder planejar e executar a ação à distância, longe do inimigo. A utilização de algoritmos de inteligência artificial multiplicará o impacto das ações e criará no adversário novas vulnerabilidades. Será mais difícil a identificação de seus autores, pela utilização dos robots para autorizar a difusão de falsas informações nas redes sociais ou para a disponibilização com livre acesso de algoritmos permitindo incluir  pessoas em qualquer vídeo e de colocar em sua boca o que se deseje que ele diga. É possível que já estejam acontecendo  operações de  espionagem cibernética, de sabotagem ou de influência comandadas de maneira completamente autónoma, necessitando apenas do sinal verde de alguém.
Essa nova forma de ver as rivalidades e as estratégias adotadas pelas grandes potências globais está tratada de forma simples e direta no recente livro “Cyber: a guerra permanente”, de Jean Louis Gergorin e Leo-Isac-Dognin. O trabalho procura responder como a emergência do instrumento cibernético  se instalou no centro da Guerra permanente e quais são as consequências dessa nova relação de forças.
             O entendimento de que a tecnologia 5G possa ser explorada para espionagem e sabotagem de instalações de infraestrutura, rede de comunicação e centros financeiros passou a ser uma nova preocupação e está na raiz da proibição da compra de produtos da Huawei para as redes 5G públicas ou privadas nos EUA. A nova guerra fria entre os EUA e a China começou com o comércio, mas deve se deslocar rapidamente para a tecnologia, onde a China dá mostras de estar a frente de Washington nos avanços da aplicação da ultima geração 5G.
No Brasil, nos últimos anos, instituições públicas e empresas tem sido objeto de ataques por hackers e por organizações no exterior. Em 2013 Edward Snowden, ex-contratado da NSA, tornou públicos detalhes do programa de espionagem da NSA, que espionava vários países, inclusive o Brasil.  A vulnerabilidade do governo brasileiro foi admitida pelo então ministro da defesa, como mencionei neste espaço em 2015 (Segurança Cibernética). Recentemente o Itamaraty ficou paralisado por alguns dias, possivelmente depois de um ataque cibernético. Espera-se que o Centro de Defesa Cibernética do Ministério da Defesa tenha recursos adequados para desempenhar plenamente suas funções e tentar proteger governo e empresas dessa nova forma de guerra que está ai para ficar. O assunto é urgente.

Rubens  Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)