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terça-feira, 8 de outubro de 2019

O Brasil e o Atlântico Sul - Rubens Barbosa (OESP)

O BRASIL E O ATLÂNTICO SUL
 Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 8 de outubro de 2019

Na definição do Conceito Estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como uma área geoestratégica prioritária, mas não se exclui totalmente a possibilidade de sua atuação “onde possível e quando necessário”, caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégico da organização.
Em pronunciamento recente, o atual ministro da defesa Nacional, João Gomes Cravinho, observou que “a segurança do espaço euro-Atlântico tem de ser pensada a partir das pontes que o Atlântico permite criar e para as quais Portugal tem um posicionamento privilegiado para contribuir ativamente”.
Dentro desse entendimento, Portugal está criando o Centro para a Defesa do Atlântico (CeDA) na ilha dos Açores. O CeDA tem como objetivo a reflexão, a capacitação e a promoção da segurança no espaço atlântico. O Centro pretende tornar-se um forum multinacional que contará com a participação de peritos, civis e militares de países localizados na bacia atlântica ou com interesses nesse espaço.  
Localizado na ilha Terceira, em parte das instalações de base norte-americana, e em Lisboa, o CeDA deverá focalizar inicialmente as dinâmicas de insegurança no Golfo da Guiné e na África Ocidental, estando, contudo, vocacionado para trabalhar todas as temáticas relevantes para a segurança do Atlântico de Norte a Sul, de Este a Oeste e onde a capacitação no domínio da defesa possa contribuir positivamente. Irá estabelecer parcerias, desenvolver e implementar projetos de capacitação que permitam aos Estados ribeirinhos do Atlântico reforçar as suas capacidades na prevenção, combate e mitigação das ameaças transnacionais tais como o tráfico de drogas, de seres humanos e de armas, pirataria e assalto à mão armada contra navios, a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada. Também a poluição, as alterações climáticas e a resposta de emergência estão na mira; e, numa fase posterior poderão surgir as ameaças cibernéticas, entre outras possíveis a se prevenir.  O balizamento conceitual do Centro está ainda em desenvolvimento, com contribuições dos países atlânticos envolvidos, entre os quais o Brasil.
No que concerne às principais atividades do CeDA, para além de projetos de capacitação através de parcerias com a ONU, OTAN, União Europeia, União Africana, entre outros, o Centro trabalhará igualmente na busca, tratamento e análise de informação; na elaboração de estratégias de capacitação e doutrina; na monitorização de ameaças transnacionais e na implementação de projetos.
O Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, deverá realizar um Seminário para apresentar, discutir e divulgar o CeDA. Este evento contará com especialistas, nacionais e estrangeiros, civis e militares, que aprofundarão os requisitos e a missão fundamental do Centro e, como estudo de caso, serão analisadas as várias dimensões dos desafios à segurança na região do Golfo da Guiné.
No início de 2020, prevê-se, nos Açores, uma primeira ação de formação de uma rede de peritos internacionalmente reconhecidos, que possam dar continuidade ao trabalho de capacitação junto dos quadros civis e militares, bem como das Forças de Defesa e Segurança, dos países do Golfo da Guiné.
Com a constituição do CeDA, Portugal pretende dar corpo a ideia de contribuir para manter o Atlântico como um espaço de paz e segurança internacional e de trabalhar com parceiros atlânticos na identificação de contribuições para esse objetivo. 
O Brasil manifestou preocupação porque não foi informado previamente da criação do Centro e pela intenção explicitamente indicada pelo Conselho de Ministros da OTAN de empregar o Centro como plataforma para a Organização e para a União Europeia com vistas à segurança de todo o Atlântico (incluindo o Atlântico Sul, em especial o Golfo da Guiné). O Brasil, nessa região, está presente e desenvolve esforços para o enfrentamento da pirataria.
O Brasil sempre deixou claro sua reserva no tocante às iniciativas que incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul, como área de atuação da OTAN. O sul do Atlântico é área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança relacionadas às duas metades desse oceano são distintas e devem merecer respostas diferenciadas – tão mais eficientes e legítimas quanto menos envolverem organizações ou Estados estranhos à região.
A Politica Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritárias para a Defesa Nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul e a África Ocidental e Meridional. Por essa razão, o Brasil não deveria ignorar essa iniciativa. Seria de nosso interesse acompanhar de perto a definição de como o Centro vai atuar.
Por outro lado, o governo dos EUA decidiu designar o Brasil como “aliado prioritário extra-OTAN”, elevando a parceria estratégica com os Estados Unidos a um novo patamar de confiança e cooperação. Esse status é conferido a número restrito de países, considerados de interesse estratégico para os EUA, e os torna elegíveis para maiores oportunidades de intercâmbio e assistência militar, compra de material de defesa, treinamentos conjuntos e participação em projetos. Embora não tenha uma relação direta com a OTAN, o novo status do Brasil recomendaria o acompanhamento do que está ocorrendo na Organização.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve em Portugal recentemente e foi informado da criação do Centro. Para manter a prioridade sobre o Atlântico Sul, como previsto na Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil deveria participar  da criação do Centro e oferecer sua contribuição na definição de suas atribuições e formas de atuação.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Brasil e a seguranca global - uma visao da Europa (e a do Brasil)

Transcrevo, a partir do blog do embaixador de Portugal em Paris, que já foi representante português no Brasil, na fase imediatamente anterior, este comentário, sem ter tido acesso aos elementos factuais, ou documentais, do encontro ali mencionado. Apenas constatei, pela agenda do ministro da Defesa do Brasil, na página de seu ministério que, no dia 10 de setembro, ele participou do encerramento do seminário Internacional “O Futuro da Comunidade Transatlântica”, no Instituto da Defesa Nacional de Portugal, mas não disponho de maiores informações a respeito.

O Brasil e a segurança global
Francisco Seixas da Costa
Blog Duas ou Três Coisas, 14.09.2010

Segundo a imprensa, num colóquio há dias realizado em Lisboa ficou patente a diferença de perspetivas entre o ministro da Defesa do Brasil e alguns dos seus parceiros de debate, oriundos da Europa. Em causa estaria o papel da NATO e a sua proclamada vocação à escala global, neste tempo que antecede a definição do novo "conceito estratégico" da organização, a fixar na cimeira de Lisboa, em Novembro.

Não me surpreende este contraste de posições, conhecendo bem o modo como o Brasil olha estrategicamente o mundo, as desconfianças que sempre alimentou face a um "norte" que, quase sempre, lhe aparece como pretendendo hegemonizar a segurança global. Embora me pareça que o Brasil leva, frequentemente, este seu argumento demasiado longe, quero deixar claro que reconheço que o tal "norte" lhe dá, por vezes, razões para alimentar algumas dúvidas.

No Brasil, prevalece, de há muito, uma espécie de "contra-cultura" estratégica que funciona numa relação bipolar com os Estados Unidos - tidos como fonte de sedução civilizacional e, simultaneamente, como eixo de perigosas ambições. E como o Brasil tende (bem?) a não separar a NATO (e a Europa nela) dos EUA, o nosso continente é tomado, nessas "contas", como um mero "fellow traveller" de Washington.

Com esta sua atitude, o Brasil procura compatibilizar a afirmação de uma posição combativa em nome do "sul" com uma, menos afirmada mas facilmente pressentida, ambição de presença liderante nesse mesmo "sul". A emergência cíclica desta tentativa de autonomia estratégica, que o Brasil frequentemente enfatiza de uma forma que, erradamente, é percebida "a norte" como podendo ter um cariz conflitual, não deixa de criar algumas dúvidas nesta nossa parte do hemisfério. O que se passou recentemente com o Irão não ajudou também a afastar estas núvens. E, vale a pena dizê-lo, isso também não deixará de fazer parte da equação sobre uma possível reforma futura do Conselho de Segurança.

Em todo este contexto, e sem nos "pormos em bicos de pés", é mais do que óbvio que um país como Portugal deverá, desejavelmente, ter um papel positivo nesta clarificação de posições.

Por um lado, no quadro da Aliança Atlântica, tendo o cuidado de contribuir para uma postura conjunta que seja respeitadora de outras culturas estratégicas, as quais partem de pressupostos diferentes. Nesse esforço, deveremos procurar destacar a contribuição que destas podem resultar para quadros geradores de confiança de dimensão reegional, que potenciem valores comuns em prol da paz e segurança. Para isso, é importante que fique bem claro que o papel da NATO não se assume como podendo arrogar-se uma qualquer preeminência face às instituições de natureza multilateral, das quais decorre sempre toda e qualquer legitimidade de intervenção à escala internacional. Para isso, importa discutir, com clareza, a excecionalidade da intervenção no Kosovo e destacar as divisões ocorridas no caso da última invasão do Iraque.

Mas, por outro lado, também nos compete trabalhar intimamente com o Brasil, bem como com os restantes países africanos de língua portuguesa, em especial no âmbito da CPLP, por forma a conseguir fazer destacar, no trabalho conjunto à volta dos grandes desafios de segurança global, alguns princípios comuns que cada um possa projetar, sem conflitualidade, nos diferentes quadros estratégicos em que nos inserimos. Pode ser que eu esteja enganado, mas o agravamento de algumas ameaças acabará por tornar mais evidentes, para países que partilham a mesma matriz democrática, que estamos todos muito mais próximos do que pode parecer. Isso será ainda mais claro se nos conseguirmos afastar das "vuvuzelas" de alguma retórica com que alguns se entretêm.

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Addendum 1:
Consegui obter o programa do seminário português, como abaixo. Agora só falta obter os pronunciamentos dos participantes brasileiros.

Instituto da Defesa Nacional (IDN)
Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

Seminário Internacional sobre o Futuro da Comunidade Transatlântica
Instituto da Defesa Nacional
10 de Setembro de 2010

Programa
9:00-9:30 - ABERTURA
Vitor Rodrigues Viana, director do Instituto da Defesa Nacional (IDN)
Carlos Gaspar, director do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI)
Pedro Lourtie, secretário de Estado dos Assuntos Europeus

9:30-11:00 - A REVISÃO DO CONCEITO ESTRATÉGICO DA OTAN
moderador: Helena Carreiras, subdirectora do Instituto da Defesa Nacional
Carlos Gaspar, director do IPRI
Luis Faro Ramos, director-geral de Política de Defesa Nacional
Bruno Cardoso Reis, investigador, ICS-UL

11:00-11:30 – intervalo para café

11:30-13:00 - PORTUGAL E AS MISSÕES MILITARES INTERNACIONAIS
moderador: Lima Bacelar, ex-representante militar de Portugal junto da OTAN
António Vitorino, ex-ministro da Defesa Nacional
Gabriel Espírito Santo, ex-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas

13:00-15:00 - almoço

15:00-16:30 - A SEGURANÇA ENERGÉTICA
moderador: Gregório de Faria, ex-representante permanente de Portugal junto da OTAN
António Costa Silva, Partex
João Nuno Mendes, Galp
José Félix Ribeiro, IPRI
Vasco Rato, IDN

16:30-17:00 - intervalo para café

17:00-18:30 - O BRASIL E A SEGURANÇA DO ATLÂNTICO SUL
moderador: Carlos Gaspar, director do IPRI
Wilson Barbosa Guerra, chefe do Departamento de Política e Estratégia do MD Brasil
Alfredo Valladão, Institut d’Études Politiques, Paris
Loureiro dos Santos, ex- ministro da Defesa Nacional

18:30-19:00 - ENCERRAMENTO
Augusto Santos Silva, ministro da Defesa Nacional
Nelson Jobim, ministro da Defesa do Brasil

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Addendum 2 (em 15.09.2010):

Jobim vê ‘com reservas’ atuação da Otan no Atlântico Sul
Nejme Joma
O Estado de São Paulo, 14/09/2010.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem, em Lisboa, em palestra no Instituto Nacional de Defesa, que vê “com reservas quaisquer iniciativas que procurem, de alguma forma, associar o Norte do Atlântico ao Atlântico Sul – sendo o sul, área geoestratégica de interesse vital para o Brasil”. Segundo ele, “as questões de segurança das duas metades desse oceano são distintas”.

Para Jobim, depois da Guerra Fria, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “passou a servir de instrumento de seu membro exponencial, os Estados Unidos, e dos aliados europeus”. Por meio do novo conceito da aliança, divulgado em 1999, a força pode intervir em qualquer parte do mundo a pretexto de ações antiterror ou humanitárias, e de contenção às ameaças à democracia ou nas agressões ambientais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.