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domingo, 2 de maio de 2021

As quatro grandes tragédias do Brasil na presente conjuntura - Paulo Roberto de Almeida

As quatro grandes tragédias do Brasil atual 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivorefletir sobre o declíniofinalidadealertar para os impasses atuais]

  

Mini reflexão depois das manifestações de sábado 1/05/2021, em apoio ao Bolsovirus e à disseminação ainda maior da pandemia da Covid-19, que é a isso a que estão convidando os manifestantes das ruidosas marchas em apoio ao degenerado. Uma indesejada subida aos extremos, a infeliz descida à polarização, a despedida do conhecimento, a renúncia à racionalidade.

De fato, o grau de apoio a Bolsonaro assusta demais, algo parecido ao fenômeno trumpista. Como é que dois mentecaptos perversos conseguem capturar tanta gente, nos EUA e no Brasil? Será uma doença mental, imbecilidade congênita, idiotice consumado. É assustador, sim!

Isso significa que, mesmo que o degenerado seja derrotado em 2022, no primeiro (o que seria o ideal) ou no segundo turno, a sociedade brasileira já está irremediavelmente dividida entre, aproximadamente, um terço de bolsonaristas (que é um fenômeno, não um movimento), um terço de lulopetistas (que formam um movimento) e um terço de indecisos, que podem decidir o nosso destino no primeiro ou no segundo turno (pois que não sabem o que fazer no primeiro turno).

Isso também significa que a classe média, que é quem determina o resultado das eleições no Brasil - 70% dos eleitores são das classes C e D, ou seja, classe média, excluindo a classe média alta, B, e os pobres, classe E, não determinantes – pode levar ao mesmo impasse que ocorreu em 2018, quando a polarização nos deixou com duas opções igualmente desastrosas (mas a que levou Bolsonaro ao trono foi infinitamente pior).

Isso significa, também, que um candidato centrista terá imensas dificuldades para se qualificar no primeiro turno, o que levará o Brasil mais uma vez à divisão do país e à fragmentação política.

Merecemos isto? 

Aparentemente sim, uma vez que fomos incapazes de gerar um ESTADISTA capaz de apresentar um programa credível para gregos e goianos, ou seja, para as classes A até E, contemplando as diversas reformas e propostas de políticas públicas para tentar salvar o Brasil de uma decadência estilo argentina. 

É muita frustração para todos aqueles que recusam tanto o bolsonarismo, quanto o petismo, mas sabendo que o primeiro é INFINITAMENTE PIOR para o país, para a cultura, para a inteligência. Eu até acredito que Lula vai conseguir o apoio do Grande Capital (uma minoria reduzidíssima na classe A) e ganhar as eleições de 2022, o que também significa uma grande derrota para a luta contra a corrupção.

Mas não acredito que o PT roubará tanto quanto o fez entre 2003 (já vinha de antes) e 2016; as instituições estão mais preparadas, a despeito da imensa ajuda que a (in)Justiça vem dando aos corruptos. 

O Brasil tinha duas grandes tragédias: a má educação e a corrupção política. Passou a ter três, agregando a insegurança jurídica com a ajuda dos aristocratas da magistratura. Agora tem quatro: a divisão do país que nos pode levar a uma decadência a perder de vista.

 

Difícil imaginar o que se passa na cabeça de certas pessoas — até de classe média bem informada — que são objetivamente a favor da infecção e contra a democracia, e que se manifestam voluntariamente na direção exatamente oposta ao que seria o desejável para si próprias. O que pode impulsionar tais efeitos macabros e tal postura pró-ditadura? Não tenho explicações racionais para tal. 

Do lado do petismo, também vejo pouca racionalidade, e sobretudo nenhuma disposição para lutar contra a corrupção e contra os reais fatores das desigualdades sociais, não contra seus efeitos superficiais apenas: populismo e demagogia acabam preservando não só as desigualdades como as iniquidades, sobretudo no plano da justiça (já dominada pelos novos aristocratas de um Ancien Régime demodé e anacrônico).

O sectarismo e a intolerância, o fundamentalismo de tipo político ou religioso, a incapacidade de pensar com sua própria cabeça, a “necessidade” de se ter alguém que aponte o caminho e lhe diga o que fazer, o que pensar, levam a isso.

Quando vejo universitários pós-graduados se rebaixarem a discutir seriamente um execrável programa de TV feito para voyaeuristas compulsivos, constato que poucos estão ao abrigo da irracionalidade. 

O abandono do conhecimento me dá calafrios quanto ao futuro da nação.

Somos tão poucos assim, dispersos e sozinhos, na nau dos insensatos?

A chegada a bons portos deve demorar bem mais do que deveria, e isso não depende apenas do capitão do navio: o do Titanic era, ao que parece, experiente. 

Os que pretendem nos conduzir estão há décadas na pantomima política...

Compreendo, agora, "a atroz angústia de ser [um] argentino" culto, talvez acadêmico, quando não se é nem peronista, nem conservador e se contempla a decadência constante, impulsionada por governos civis e militares, liberais ou estatizantes, de esquerda ou direita, e o país afunda continuamente, inexoravelmente. Nem a psicanálise ajuda a entender a complexa trama de fatores que arrastam o país para a mediocridade e a pobreza. 

No caso deles, ainda mais exasperante do que no nosso caso, pois que já foram mais ricos, pelo menos para certa franja da população, excluindo os gauchos guaudérios. A nossa pobreza sempre foi propriamente estrutural, vinda das oligarquias tradicionais, do escravismo das elites (todas elas), do nacionalismo canhestro, do patriotismo rastaquera, que sempre arrastaram as massas para a não educação, a economia do país para a introversão, a cultura dos letrados para a cópia superficial, a política para o patrimonialismo renitente, com a corrupção sempre pujante e renovada.

Rui Barbosa já tinha visto isso, mas também achava que a Argentina estava "condenada" a um futuro brilhante, que nada podia dar errado. Mas isso foi em 1916; depois que ele morreu, o país só andou para trás, antes mesmo do desastre peronista, um cadáver que sequestrou até hoje um país inteiro e não está perto de desaparecer. Eu nunca entendi como se pode ser universitário e peronista ao mesmo tempo: certas coisas superam nossa capacidade de entendimento.

O Brasil tem outras, talvez ainda mais terríveis...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3904, 2 de maio de 2021


segunda-feira, 1 de julho de 2019

O custo dos negocios no Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

COMO MELHORAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/06/2019

Sabemos todos que no Brasil são prioridades imediatas e urgentes a volta do crescimento e a queda do desemprego. Os dados do primeiro trimestre, porém, não são encorajadores do ponto de vista do setor privado.
O retorno da confiança no governo e o melhor desempenho da economia passam pela aprovação no Congresso de reformas estruturais, em especial a da previdência social, que ajudará a estancar a sangria do déficit público, e pela reforma tributária, que reduzirá o custo Brasil para o setor produtivo. Caso sejam aprovadas, o Ministério da Economia poderá liberar medidas para a abertura da economia, para a desburocratização e para a negociação de acordos comerciais com terceiros países para fazer crescer o comércio exterior e incentivar a retomada dos investimentos públicos e privados.
Nesse contexto, não se pode ignorar também um fator psicológico, muito relevante quando se examina a questão do investimento: o ambiente de negócios. Nesse sentido, a credibilidade dos contratos e a segurança jurídica das regras para a correta implementação das transações comerciais e financeiras são elementos que aqui ainda precisam ser aperfeiçoados para a volta sustentável dos investimentos das empresas nacionais e, sobretudo, internacionais. A corrupção e o descumprimento de compromissos assumidos devem ser enfrentados e a força da lei deve prevalecer sobre os interesses de grupos ou corporações.
Poderiam ser lembrados aqui vários exemplos, alguns dos quais vieram a público, para tornar concretos os comentários sobre a necessidade de melhoria no ambiente de negócios no Brasil.
Pelo seu volume, importância e visibilidade, poderia ser lembrado o conflito em curso sobre a segunda maior operação comercial que ocorreu no Brasil, envolvendo a aquisição, da ordem de R$ 16 bilhões, de uma empresa brasileira por um grupo internacional - a primeira foi a disputa entre o Grupo Pão de Açúcar e a empresa francesa Casino.
Os problemas surgiram nas tratativas de aquisição da empresa de celulose Eldorado, pertencente a J&F, pela Paper Excellence (PE), um dos maiores produtores de celulose do mundo. Segundo se noticiou, depois do acordo de leniência firmado com o Ministério Público por conta de problemas com a Lava Jato, a J&F decidiu vender a Eldorado, que cresceu favorecida por empréstimos do BNDES. A transação correu normalmente na primeira etapa, em 2017. A companhia PE, com sede na Holanda, pagou cerca de R$3,8 bi por 49% da Eldorado. O contrato previa opção de compra da totalidade da empresa brasileira, mais o passivo de dívidas. Para concluir a operação, a J&F deveria cooperar para a liberação de garantias do Grupo J&F em contratos financeiros da Eldorado até setembro passado, após o que a PE perderia a opção de compra. A PE, percebendo a obstrução da J&F, buscou a justiça brasileira e acionou o processo de arbitragem.
O que ocorreu a partir daí tem implicação com o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contratos, como acima referido. Desde a assinatura do contrato, o cenário micro e macroeconômico teve uma forte influência sobre o valor da empresa brasileira: a desvalorização do dólar, o salto da EBTIDA (74%) e o aumento significativo do preço da celulose no mercado internacional (41%). Diante disso, a J&F e a Eldorado alteraram seu posicionamento, atuando – segundo a PE - para impedir a conclusão da transação, apesar de todos os recursos para finalizar a transação (cerca de R$ 11 bi) estarem disponíveis no Brasil. As divergências continuam a ampliar-se com a tentativa de emissão de US$500 milhões em bônus da Eldorado, com a oposição da PE e bloqueada pela Justiça. O assunto está hoje submetido à arbitragem na ICC, na Áustria e em Cingapura para dirimir o conflito pelo descumprimento, segundo a visão da PE, de compromissos assumidos pela J&F e levará ainda algum tempo para ser resolvido. Os recursos alocados para a compra da Eldorado em parte estão imobilizados e novos investimentos foram suspensos.
O custo envolvido com advogados, consultores e assessoria de imprensa para oferecer informações ao público em geral passa a representar um ônus adicional para empresas que queiram participar do mercado brasileiro.
O Brasil é um grande produtor e exportador de celulose e foi uma estratégia normal da empresa estrangeira decidir investir no país e ampliar seus negócios globais na América do Sul. Casos como esse repercutem negativamente na mídia e prejudicam a credibilidade e o ambiente de negócios no Brasil. Hoje grande parte dos conflitos empresariais, tanto como o que ocorre entre a J&F e a PE, quanto em decorrência de problemas societários, são resolvidos por arbitragem em função da maior rapidez para se obter uma solução. De qualquer forma, nada se resolve antes de dois a três anos. A demora para obter uma decisão na justiça ou em cortes nacionais e internacionais de arbitragem contribuem para aumentar a insegurança e a desconfiança de potenciais investidores. 
Assuntos dessa natureza são de interesse do setor privado, mas o governo poder facilitar a rápida resolução dos conflitos por meio de negociações de acordos bilaterais de investimentos. Esses acordos regem disputas entre empresas privadas estrangeiras e os governos e companhias privadas, e representaram uma experiência exitosa nos últimos anos no âmbito da Comunidade Europeia, por exemplo. 
No final de 2018, o Banco Mundial divulgou um ranking de ambiente de negócios, que avalia 190 países. Embora melhorando em relação a 2017, o levantamento coloca o Brasil na 109ª posição e em último lugar entre os países membros do BRICS. Para alterar esse quadro, será necessária uma mudança cultural e de atitude de parte do setor privado, que passa inclusive pela lisura no cumprimento do livremente acordado e na relação com o governo. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)