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terça-feira, 24 de setembro de 2024

Reforma do Judiciário no México A insegurança jurídica e influência do crime organizado - Rubens Barbosa (Estadão)

Opinião: 

Reforma do Judiciário no México

A insegurança jurídica, a influência do crime organizado e a politização das decisões poderão vir a ser evidenciadas nos próximos anos


Por Rubens Barbosa

Estadão, 24/09/2024

 

O Congresso mexicano aprovou uma ampla mudança constitucional que prevê profunda reforma do Judiciário, submetida pelo presidente López Obrador na reta final de seu mandato. A lei, já sancionada por Obrador, deverá ser aprovada por cerca de 27 Estados onde o partido Morena, de Obrador, tem ampla maioria. Nas eleições presidenciais de junho passado, o atual presidente conseguiu eleger Claudia Sheinbaum como sua sucessora e alcançou ampla maioria não só nas duas casas do Congresso, mas também em 17 dos 32 Legislativos estaduais.

As mudanças aprovadas no México são semelhantes à reforma que Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, quis aprovar em razão de desavenças com a Suprema Corte, mas não conseguiu por falta de apoio da sociedade israelense e de votos no Knesset. Segundo os críticos da reforma, caso aprovada, acabaria com a independência judicial em Israel.

Populista, a reforma do Judiciário no México, entre suas principais medidas, estabelece que mais de 6.500 juízes, incluindo os ministros da Suprema Corte de Justiça da nação (equivalente ao STF), terão seus mandatos encerrados e serão substituídos a partir de eleições por voto popular, com listas de candidatos elaboradas pelos Poderes Executivos, Legislativos e Judiciário, em 2025 e 2027. A reforma reduz de 11 para 9 os ministros da Suprema Corte, diminui a duração de seus mandatos de 15 para 12 anos e extingue a exigência mínima de 35 anos de idade para a indicação à Corte. São igualmente retirados alguns benefícios de funcionários do Judiciário e cria-se um órgão fiscalizador, composto por cinco integrantes.

A implementação dessa controvertida reforma deverá ser realizada pela nova presidente mexicana, que deverá conduzir, de forma direta, o pleito para a escolha dos juízes no próximo ano. Claudia Sheinbaum declarou que “o regime de corrupção e de privilégios está se tornando uma coisa do passado” e que “uma democracia verdadeira e o Estado de Direito começam a ser construídos”. A mudança deverá permitir ao partido governamental, o Morena, o controle dos Três Poderes, longe de uma verdadeira democracia.

A reforma constitucional do Judiciário gerou fortes manifestações contrárias à aprovação da lei e muitos analistas observam que a insegurança jurídica dela decorrente poderá afetar novos investimentos, inclusive aqueles em infraestrutura, tão necessários para atender o grande número de empresas que se está instalando no México para se beneficiar do mercado norte-americano. Há igualmente o temor de que, com a eleição para o preenchimento dos postos no Judiciário, as disputas serão politizadas e o Judiciário poderia ser também contaminado politicamente, perdendo sua autonomia.

Levando em conta a crescente participação do crime organizado na sociedade mexicana e sua infiltração nos aparelhos de Estado, o novo sistema judiciário poderá ficar mais acessível à infiltração de juízes de alguma forma ligados ao crime organizado. O México agora, na prática, se transformou num país de partido único. Em razão do novo sistema eleitoral para a escolha dos juízes, inclusive aqueles para a Suprema Corte, o país enfrentará um grande desafio para esse Judiciário eleito se manter independente, como é de praxe em qualquer democracia.

A sociedade mexicana está dividida sobre o tema. Muitos acham que a reforma é necessária para benefício de todos, e não de uns poucos, como ocorre com o sistema atual. Outros afirmam que acabou a separação de Poderes e a República, como estabelecida até agora, deixa de existir. Seria consagrada a afirmação de um governo autoritário.

A reforma do Judiciário provocou reação dos Estados Unidos e do Canadá. Washington falou de “um grande risco” e o governo canadense demonstrou preocupação com a insegurança jurídica de parte dos investidores.

Acompanhando de longe essa controvertida modificação constitucional, pode-se dizer que houve forte motivação ideológica para sua aprovação. López Obrador sempre foi um político da ala esquerda do espectro político mexicano e durante seu governo muitas foram as disputas entre o Executivo e o Judiciário. A proposta da reforma estava sendo discutida e era aguardada. O momento escolhido, porém, é simbólico. Obrador quis ser o autor da mudança um mês antes do fim de seu mandato, preferindo deixar que sua sucessora apenas implemente as reformas.

Não se pode ignorar o risco de politização na escolha dos juízes que irão concorrer aos postos vagos, inclusive na Suprema Corte. Difícil imaginar que o partido Morena – na prática o único partido com força no cenário político mexicano – não vai influir na escolha de candidatos para todos esses cargos. A insegurança jurídica, a influência do crime organizado e a politização das decisões poderão vir a ser evidenciadas nos próximos anos.

Qualquer semelhança com as discussões que estão em curso há algum tempo no Brasil sobre a insegurança jurídica derivada da falta de harmonia e de coordenação entre os Três Poderes, as consequências políticas, econômicas e sociais em decorrência da judicialização da política e da política de judicialização e sobre a infiltração do crime organizado em diferentes níveis das esferas municipais, estaduais e federais não será mera coincidência.

 

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

 

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/reforma-do-judiciario-no-mexico/

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Insegurança jurídica vinda de fora - Rubens Barbosa (Correio Brasiliense)

Insegurança jurídica vinda de fora

A informação de que o acordo da Vale S/A com as famílias deve ser assinado em breve foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de setembro

Rubens Barbosa *
Correio Brasiliense, 19/09/2924

A disputa pela indenização às famílias vítimas das tragédias ecológicas de Mariana deve estar resolvida até o começo de outubro, depois de mais de 10 anos de discussões. A disputa judicial sobre Mariana envolve os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, além das empresas Vale, Samarco e BHP, responsáveis pela barragem rompida.

A informação de que o acordo da Vale S/A com as famílias deve ser assinado em breve foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de setembro. "Até o começo de outubro, a gente vai ter acordo da Vale para resolver o problema de Mariana. Nós queremos utilizar o recurso para recuperar o que foi estragado, para cuidar do povo, só não posso dizer os termos do acordo porque só posso falar quando estiver definido e assinado."

Com a conclusão desta disputa, o acordo que deve envolver R$ 167 bilhões será o maior firmado globalmente, acima do acordo da BP nos EUA por desastre ambiental. Isso porém não é o fim de toda essa questão. Além da insegurança jurídica interna, surge agora um novo risco: a insegurança externa. Com a repetição de desastres ambientais, surgiram escritórios de advocacia na Europa e nos EUA que promovem ações coletivas contra empresas, mesmo que tenham sido feitos acordos com as comunidades locais ou com os governos. É importante que todo esse dinheiro vá para as pessoas e comunidades afetadas, não para advogados estrangeiros e fundos abutres que buscam lucrar com os brasileiros que sofreram com essa tragédia.

A judicialização desses casos no Reino Unido está sendo possível pelo entendimento da Corte de Apelação, posteriormente ratificada pela Corte. Suprema da Justiça britânica, de que os Tribunais britânicos são competentes para julgar causas relacionadas com desastres ecológicos em outros países. Com a ampliação da jurisdição de Cortes estrangeiras para o julgamento de ações que envolvam desastres ambientais no país, empresas nacionais com subsidiárias no exterior e seus sócios podem sofrer com uma insegurança jurídica internacional.

É o que está acontecendo com a Vale e a BHP por conta de Mariana, processadas por 620 mil brasileiros e 46 prefeituras. No tocante a Brumadinho e Maceió, a Vale e a Braskem estão sendo processadas na Inglaterra e na Holanda, apesar das empresas terem pagado bilhões às pessoas e comunidades afetadas. As consequências econômicas são muito claras: para o país aumenta a insegurança jurídica para empresas que queiram investir no Brasil; para as empresas, crescem os custos com o pagamento de apoio jurídico por muito tempo no exterior e pela indenização aos demandantes, se perder a ação, o que pode afetar mesmo o modelo de negócio.

Dado o inusitado da situação criada por escritórios de advocacias e Fundos internacionais que financiam essas causas na busca de lucros significativos, resta examinar o que fazer, qual a resposta do governo brasileiro. Do ponto de vista jurídico, as ações no exterior podem ser contestadas, mas as bases jurídicas são difíceis de reverter. Na Corte Inglesa, o julgamento da Vale começa em 21 de outubro sobre se a empresa deve pagar, ou não, indenização. Mais adiante, possivelmente em 2028, haverá o julgamento da pena e valor da causa. Para as pessoas afetadas, continua sendo uma longa espera por qualquer benefício neste processo, e apenas os ricos, advogados estrangeiros e fundos abutres, recebam uma parcela significativa do dinheiro no final.

Resta a alternativa política. O Governo brasileiro deveria questionar junto ao Reino Unido o processo na corte inglesa e defender o princípio do direito de que ninguém deve ser julgado duas vezes pelos mesmos fatos e que o Brasil deve ser soberano na decisão de questões jurídicas em seu território. Em paralelo, deveriam ser examinados recursos a Corte Internacional de Justiça, a cortes de arbitragem e ao Código de Ética da OAB para evitar que ações de indenização de desastres ecológicos no Brasil, já resolvidas internamente, sejam novamente julgadas no exterior.

Até o momento, não há nenhuma ação do governo brasileiro para tentar resolver esses conflitos de competências de cortes internacionais e cortes brasileiras. É urgente uma reação política do governo no exterior na defesa do interesse nacional.


* Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/09/6945366-inseguranca-juridica-vinda-de-fora.html



domingo, 2 de maio de 2021

As quatro grandes tragédias do Brasil na presente conjuntura - Paulo Roberto de Almeida

As quatro grandes tragédias do Brasil atual 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivorefletir sobre o declíniofinalidadealertar para os impasses atuais]

  

Mini reflexão depois das manifestações de sábado 1/05/2021, em apoio ao Bolsovirus e à disseminação ainda maior da pandemia da Covid-19, que é a isso a que estão convidando os manifestantes das ruidosas marchas em apoio ao degenerado. Uma indesejada subida aos extremos, a infeliz descida à polarização, a despedida do conhecimento, a renúncia à racionalidade.

De fato, o grau de apoio a Bolsonaro assusta demais, algo parecido ao fenômeno trumpista. Como é que dois mentecaptos perversos conseguem capturar tanta gente, nos EUA e no Brasil? Será uma doença mental, imbecilidade congênita, idiotice consumado. É assustador, sim!

Isso significa que, mesmo que o degenerado seja derrotado em 2022, no primeiro (o que seria o ideal) ou no segundo turno, a sociedade brasileira já está irremediavelmente dividida entre, aproximadamente, um terço de bolsonaristas (que é um fenômeno, não um movimento), um terço de lulopetistas (que formam um movimento) e um terço de indecisos, que podem decidir o nosso destino no primeiro ou no segundo turno (pois que não sabem o que fazer no primeiro turno).

Isso também significa que a classe média, que é quem determina o resultado das eleições no Brasil - 70% dos eleitores são das classes C e D, ou seja, classe média, excluindo a classe média alta, B, e os pobres, classe E, não determinantes – pode levar ao mesmo impasse que ocorreu em 2018, quando a polarização nos deixou com duas opções igualmente desastrosas (mas a que levou Bolsonaro ao trono foi infinitamente pior).

Isso significa, também, que um candidato centrista terá imensas dificuldades para se qualificar no primeiro turno, o que levará o Brasil mais uma vez à divisão do país e à fragmentação política.

Merecemos isto? 

Aparentemente sim, uma vez que fomos incapazes de gerar um ESTADISTA capaz de apresentar um programa credível para gregos e goianos, ou seja, para as classes A até E, contemplando as diversas reformas e propostas de políticas públicas para tentar salvar o Brasil de uma decadência estilo argentina. 

É muita frustração para todos aqueles que recusam tanto o bolsonarismo, quanto o petismo, mas sabendo que o primeiro é INFINITAMENTE PIOR para o país, para a cultura, para a inteligência. Eu até acredito que Lula vai conseguir o apoio do Grande Capital (uma minoria reduzidíssima na classe A) e ganhar as eleições de 2022, o que também significa uma grande derrota para a luta contra a corrupção.

Mas não acredito que o PT roubará tanto quanto o fez entre 2003 (já vinha de antes) e 2016; as instituições estão mais preparadas, a despeito da imensa ajuda que a (in)Justiça vem dando aos corruptos. 

O Brasil tinha duas grandes tragédias: a má educação e a corrupção política. Passou a ter três, agregando a insegurança jurídica com a ajuda dos aristocratas da magistratura. Agora tem quatro: a divisão do país que nos pode levar a uma decadência a perder de vista.

 

Difícil imaginar o que se passa na cabeça de certas pessoas — até de classe média bem informada — que são objetivamente a favor da infecção e contra a democracia, e que se manifestam voluntariamente na direção exatamente oposta ao que seria o desejável para si próprias. O que pode impulsionar tais efeitos macabros e tal postura pró-ditadura? Não tenho explicações racionais para tal. 

Do lado do petismo, também vejo pouca racionalidade, e sobretudo nenhuma disposição para lutar contra a corrupção e contra os reais fatores das desigualdades sociais, não contra seus efeitos superficiais apenas: populismo e demagogia acabam preservando não só as desigualdades como as iniquidades, sobretudo no plano da justiça (já dominada pelos novos aristocratas de um Ancien Régime demodé e anacrônico).

O sectarismo e a intolerância, o fundamentalismo de tipo político ou religioso, a incapacidade de pensar com sua própria cabeça, a “necessidade” de se ter alguém que aponte o caminho e lhe diga o que fazer, o que pensar, levam a isso.

Quando vejo universitários pós-graduados se rebaixarem a discutir seriamente um execrável programa de TV feito para voyaeuristas compulsivos, constato que poucos estão ao abrigo da irracionalidade. 

O abandono do conhecimento me dá calafrios quanto ao futuro da nação.

Somos tão poucos assim, dispersos e sozinhos, na nau dos insensatos?

A chegada a bons portos deve demorar bem mais do que deveria, e isso não depende apenas do capitão do navio: o do Titanic era, ao que parece, experiente. 

Os que pretendem nos conduzir estão há décadas na pantomima política...

Compreendo, agora, "a atroz angústia de ser [um] argentino" culto, talvez acadêmico, quando não se é nem peronista, nem conservador e se contempla a decadência constante, impulsionada por governos civis e militares, liberais ou estatizantes, de esquerda ou direita, e o país afunda continuamente, inexoravelmente. Nem a psicanálise ajuda a entender a complexa trama de fatores que arrastam o país para a mediocridade e a pobreza. 

No caso deles, ainda mais exasperante do que no nosso caso, pois que já foram mais ricos, pelo menos para certa franja da população, excluindo os gauchos guaudérios. A nossa pobreza sempre foi propriamente estrutural, vinda das oligarquias tradicionais, do escravismo das elites (todas elas), do nacionalismo canhestro, do patriotismo rastaquera, que sempre arrastaram as massas para a não educação, a economia do país para a introversão, a cultura dos letrados para a cópia superficial, a política para o patrimonialismo renitente, com a corrupção sempre pujante e renovada.

Rui Barbosa já tinha visto isso, mas também achava que a Argentina estava "condenada" a um futuro brilhante, que nada podia dar errado. Mas isso foi em 1916; depois que ele morreu, o país só andou para trás, antes mesmo do desastre peronista, um cadáver que sequestrou até hoje um país inteiro e não está perto de desaparecer. Eu nunca entendi como se pode ser universitário e peronista ao mesmo tempo: certas coisas superam nossa capacidade de entendimento.

O Brasil tem outras, talvez ainda mais terríveis...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3904, 2 de maio de 2021


segunda-feira, 1 de julho de 2019

O custo dos negocios no Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

COMO MELHORAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/06/2019

Sabemos todos que no Brasil são prioridades imediatas e urgentes a volta do crescimento e a queda do desemprego. Os dados do primeiro trimestre, porém, não são encorajadores do ponto de vista do setor privado.
O retorno da confiança no governo e o melhor desempenho da economia passam pela aprovação no Congresso de reformas estruturais, em especial a da previdência social, que ajudará a estancar a sangria do déficit público, e pela reforma tributária, que reduzirá o custo Brasil para o setor produtivo. Caso sejam aprovadas, o Ministério da Economia poderá liberar medidas para a abertura da economia, para a desburocratização e para a negociação de acordos comerciais com terceiros países para fazer crescer o comércio exterior e incentivar a retomada dos investimentos públicos e privados.
Nesse contexto, não se pode ignorar também um fator psicológico, muito relevante quando se examina a questão do investimento: o ambiente de negócios. Nesse sentido, a credibilidade dos contratos e a segurança jurídica das regras para a correta implementação das transações comerciais e financeiras são elementos que aqui ainda precisam ser aperfeiçoados para a volta sustentável dos investimentos das empresas nacionais e, sobretudo, internacionais. A corrupção e o descumprimento de compromissos assumidos devem ser enfrentados e a força da lei deve prevalecer sobre os interesses de grupos ou corporações.
Poderiam ser lembrados aqui vários exemplos, alguns dos quais vieram a público, para tornar concretos os comentários sobre a necessidade de melhoria no ambiente de negócios no Brasil.
Pelo seu volume, importância e visibilidade, poderia ser lembrado o conflito em curso sobre a segunda maior operação comercial que ocorreu no Brasil, envolvendo a aquisição, da ordem de R$ 16 bilhões, de uma empresa brasileira por um grupo internacional - a primeira foi a disputa entre o Grupo Pão de Açúcar e a empresa francesa Casino.
Os problemas surgiram nas tratativas de aquisição da empresa de celulose Eldorado, pertencente a J&F, pela Paper Excellence (PE), um dos maiores produtores de celulose do mundo. Segundo se noticiou, depois do acordo de leniência firmado com o Ministério Público por conta de problemas com a Lava Jato, a J&F decidiu vender a Eldorado, que cresceu favorecida por empréstimos do BNDES. A transação correu normalmente na primeira etapa, em 2017. A companhia PE, com sede na Holanda, pagou cerca de R$3,8 bi por 49% da Eldorado. O contrato previa opção de compra da totalidade da empresa brasileira, mais o passivo de dívidas. Para concluir a operação, a J&F deveria cooperar para a liberação de garantias do Grupo J&F em contratos financeiros da Eldorado até setembro passado, após o que a PE perderia a opção de compra. A PE, percebendo a obstrução da J&F, buscou a justiça brasileira e acionou o processo de arbitragem.
O que ocorreu a partir daí tem implicação com o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contratos, como acima referido. Desde a assinatura do contrato, o cenário micro e macroeconômico teve uma forte influência sobre o valor da empresa brasileira: a desvalorização do dólar, o salto da EBTIDA (74%) e o aumento significativo do preço da celulose no mercado internacional (41%). Diante disso, a J&F e a Eldorado alteraram seu posicionamento, atuando – segundo a PE - para impedir a conclusão da transação, apesar de todos os recursos para finalizar a transação (cerca de R$ 11 bi) estarem disponíveis no Brasil. As divergências continuam a ampliar-se com a tentativa de emissão de US$500 milhões em bônus da Eldorado, com a oposição da PE e bloqueada pela Justiça. O assunto está hoje submetido à arbitragem na ICC, na Áustria e em Cingapura para dirimir o conflito pelo descumprimento, segundo a visão da PE, de compromissos assumidos pela J&F e levará ainda algum tempo para ser resolvido. Os recursos alocados para a compra da Eldorado em parte estão imobilizados e novos investimentos foram suspensos.
O custo envolvido com advogados, consultores e assessoria de imprensa para oferecer informações ao público em geral passa a representar um ônus adicional para empresas que queiram participar do mercado brasileiro.
O Brasil é um grande produtor e exportador de celulose e foi uma estratégia normal da empresa estrangeira decidir investir no país e ampliar seus negócios globais na América do Sul. Casos como esse repercutem negativamente na mídia e prejudicam a credibilidade e o ambiente de negócios no Brasil. Hoje grande parte dos conflitos empresariais, tanto como o que ocorre entre a J&F e a PE, quanto em decorrência de problemas societários, são resolvidos por arbitragem em função da maior rapidez para se obter uma solução. De qualquer forma, nada se resolve antes de dois a três anos. A demora para obter uma decisão na justiça ou em cortes nacionais e internacionais de arbitragem contribuem para aumentar a insegurança e a desconfiança de potenciais investidores. 
Assuntos dessa natureza são de interesse do setor privado, mas o governo poder facilitar a rápida resolução dos conflitos por meio de negociações de acordos bilaterais de investimentos. Esses acordos regem disputas entre empresas privadas estrangeiras e os governos e companhias privadas, e representaram uma experiência exitosa nos últimos anos no âmbito da Comunidade Europeia, por exemplo. 
No final de 2018, o Banco Mundial divulgou um ranking de ambiente de negócios, que avalia 190 países. Embora melhorando em relação a 2017, o levantamento coloca o Brasil na 109ª posição e em último lugar entre os países membros do BRICS. Para alterar esse quadro, será necessária uma mudança cultural e de atitude de parte do setor privado, que passa inclusive pela lisura no cumprimento do livremente acordado e na relação com o governo. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)