Insegurança jurídica vinda de fora
A informação de que o acordo da Vale S/A com as famílias deve ser assinado em breve foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de setembro
A disputa pela indenização às famílias vítimas das tragédias ecológicas de Mariana deve estar resolvida até o começo de outubro, depois de mais de 10 anos de discussões. A disputa judicial sobre Mariana envolve os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, além das empresas Vale, Samarco e BHP, responsáveis pela barragem rompida.
A informação de que o acordo da Vale S/A com as famílias deve ser assinado em breve foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de setembro. "Até o começo de outubro, a gente vai ter acordo da Vale para resolver o problema de Mariana. Nós queremos utilizar o recurso para recuperar o que foi estragado, para cuidar do povo, só não posso dizer os termos do acordo porque só posso falar quando estiver definido e assinado."
Com a conclusão desta disputa, o acordo que deve envolver R$ 167 bilhões será o maior firmado globalmente, acima do acordo da BP nos EUA por desastre ambiental. Isso porém não é o fim de toda essa questão. Além da insegurança jurídica interna, surge agora um novo risco: a insegurança externa. Com a repetição de desastres ambientais, surgiram escritórios de advocacia na Europa e nos EUA que promovem ações coletivas contra empresas, mesmo que tenham sido feitos acordos com as comunidades locais ou com os governos. É importante que todo esse dinheiro vá para as pessoas e comunidades afetadas, não para advogados estrangeiros e fundos abutres que buscam lucrar com os brasileiros que sofreram com essa tragédia.
A judicialização desses casos no Reino Unido está sendo possível pelo entendimento da Corte de Apelação, posteriormente ratificada pela Corte. Suprema da Justiça britânica, de que os Tribunais britânicos são competentes para julgar causas relacionadas com desastres ecológicos em outros países. Com a ampliação da jurisdição de Cortes estrangeiras para o julgamento de ações que envolvam desastres ambientais no país, empresas nacionais com subsidiárias no exterior e seus sócios podem sofrer com uma insegurança jurídica internacional.
É o que está acontecendo com a Vale e a BHP por conta de Mariana, processadas por 620 mil brasileiros e 46 prefeituras. No tocante a Brumadinho e Maceió, a Vale e a Braskem estão sendo processadas na Inglaterra e na Holanda, apesar das empresas terem pagado bilhões às pessoas e comunidades afetadas. As consequências econômicas são muito claras: para o país aumenta a insegurança jurídica para empresas que queiram investir no Brasil; para as empresas, crescem os custos com o pagamento de apoio jurídico por muito tempo no exterior e pela indenização aos demandantes, se perder a ação, o que pode afetar mesmo o modelo de negócio.
Dado o inusitado da situação criada por escritórios de advocacias e Fundos internacionais que financiam essas causas na busca de lucros significativos, resta examinar o que fazer, qual a resposta do governo brasileiro. Do ponto de vista jurídico, as ações no exterior podem ser contestadas, mas as bases jurídicas são difíceis de reverter. Na Corte Inglesa, o julgamento da Vale começa em 21 de outubro sobre se a empresa deve pagar, ou não, indenização. Mais adiante, possivelmente em 2028, haverá o julgamento da pena e valor da causa. Para as pessoas afetadas, continua sendo uma longa espera por qualquer benefício neste processo, e apenas os ricos, advogados estrangeiros e fundos abutres, recebam uma parcela significativa do dinheiro no final.
Resta a alternativa política. O Governo brasileiro deveria questionar junto ao Reino Unido o processo na corte inglesa e defender o princípio do direito de que ninguém deve ser julgado duas vezes pelos mesmos fatos e que o Brasil deve ser soberano na decisão de questões jurídicas em seu território. Em paralelo, deveriam ser examinados recursos a Corte Internacional de Justiça, a cortes de arbitragem e ao Código de Ética da OAB para evitar que ações de indenização de desastres ecológicos no Brasil, já resolvidas internamente, sejam novamente julgadas no exterior.
Até o momento, não há nenhuma ação do governo brasileiro para tentar resolver esses conflitos de competências de cortes internacionais e cortes brasileiras. É urgente uma reação política do governo no exterior na defesa do interesse nacional.
* Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior