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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Quais são as nossas verdadeiras ameaças? - Paulo Roberto de Almeida

Quais são as nossas verdadeiras ameaças?

Paulo Roberto de Almeida

Uma das tragédias da nossa época, da nossa conjuntura histórica, não é exatamente o fato de estarmos enfrentando uma pandemia que vai provavelmente causar mais perdas econômicas, mais miséria e pobreza, do que propriamente perda de vidas humanas, certamente não na proporção da Peste Negra do século XIV, ou na da “gripe espanhola” (americana), com seus milhões de mortos, logo ao final da Grande Guerra.
A Grande Depressão que ela pode ainda causar, a retração da globalização e o desemprego já evidente talvez sejam maiores do que a “mãe de todas as crises”, a Grande Depressão dos anos 1930.
Mas estas perdas, em vidas humanas, e os retrocessos econômicos, talvez não sejam os piores desafios dos nossos tempos, que algumas mentes tresloucadas querem ver como sendo a “decadência do Ocidente”, elegendo então uma cavalgadura como o Trump como o suposto “salvador do Ocidente”, o que é uma impostura monumental, e não apenas teórica, ou histórica, mas também simplesmente factual.
Uma das nossas maiores tragédias é o fato que essa hipotética decadência — se ela existe, de fato — não é causada por nenhuma preeminência agressiva” da China ou de outros alegados competidores desse Ocidente supostamente em declínio, por causa de uma imaginária “concorrência desleal” ou de outras práticas maliciosas dessas potências ascendentes.
As verdadeiras causas residem na estagnação dos impulsos produtivos, dos esforços inovadores, de um estadismo esclarecido, na opção por um retorno sobre si mesmos, em uma reversão mercantilista, instintos protecionistas, mas sobretudo na volta de velhas tendências nacionalistas, nos extremismos medíocres consolidados sob a forma de demagogia política e de populismo econômico, tanto de esquerda, quanto de direita, em especial de extrema-direita.
Acresce que os novos líderes surgidos dessa nova “revolta das massas” são, via de regra, extremamente ignorantes e, com poucas exceções, singularmente estúpidos, como é o caso dos dois presidentes dos maiores países do hemisfério ocidental (além de estúpidos, mesquinhos e perversos, nestes casos).
À diferença das animosidades entre os impérios centrais e o confronto com as democracias ocidentais, que causaram a Grande Guerra, e em contraste com o expansionismo militarista dos Estados fascistas, que precipitou o mundo na voragem da Segunda Guerra Mundial, o atual processo de declínio — muito relativo — das potências ocidentais, em face do gigante asiático, por elas considerado como um “desafiante estratégico”, não tem nada a ver com qualquer “ocupação de espaços” antes exclusivamente ocidentais, no comércio, nas finanças, na tecnologia, nos investimentos, na influência política ou ideológica, soft power ou qualquer outro desafio desse tipo.
Nem haverá uma alegada repetição da última fantasmagoria de acadêmicos liberais das melhores universidades americanas convertidos à paranoia dos generais do Pentágono, a tão temida (talvez até desejada) “armadilha de Tucídides”, como não se cansa de repetir Graham Allison, o autor do mais celebrado “The Essence of Decision”, sobre a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, que quase levou as duas superpotências “to the brink”.
A decadência “ocidental” — se ela existe, o que eu não acredito — é auto-infligida, made at home, e deriva justamente da burrice nacionalista dos seus dirigentes.
Os Estados Unidos de Trump mergulharam nessa espiral do declínio, provavelmente o Brasil de Bolsonaro também, assim como uma meia dúzia de outros países que fizeram a bobagem de votar por demagogos ignorantes e populistas totalmente despreparados para enfrentar os desafios da (e contrários à) globalização. Esses países vão recuar, absoluta ou relativamente, até que surjam estadistas capazes de libertá-los da “armadilha da burrice” à qual foram conduzidos por eleitores ignorantes e suscetíveis de se deixarem enganar por demagogos e gurus tresloucados.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5/06/2020

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Manifesto Globalista - Paulo Roberto de Almeida

Nova divulgação deste "manifesto", redigido em março, mas corrigindo uma distração relevante que estava inscrita na versão anterior: a troca de bolchevique por menchevique, o que faz toda a diferença. Outra razão desta nova divulgação é o fato de que a pandemia GLOBAL, que se acelerou nas duas últimas semanas, está sendo encarada por meio de medidas nacionalistas, exclusivas e excludentes, afastando a necessária coordenação e cooperação GLOBAIS, como deveria ser.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de março de 2020

Manifesto Globalista


Paulo Roberto de Almeida


Introdução: um manifesto em defesa do globalismo?
Um “manifesto globalista”? Na linha do Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels? Sim, exatamente, mas com algumas diferenças de espírito e de conteúdo. 
Como o globalismo vem sendo atacado de maneira superficial e simplista por alguns espíritos neogóticos, com argumentos totalmente equivocados, vou divulgar o meu manifesto globalista, especialmente voltado para o mundo diplomático brasileiro, onde o besteirol antiglobalista que está sendo disseminado desde algum tempo é bem maior. A estrutura do presente ensaio provocador pode parecer semelhante, ou similar, à do texto gótico de 1848, mas os argumentos são bastante diferentes.
Mas antes uma precisão: o título original do pequeno panfleto de 1848 – feito muito rapidamente, inclusive com alguns “empréstimos” deliberados – preparado por dois jovens hegelianos radicais, era Manifesto do Partido Comunista. Só que não ainda não existia nenhum “partido comunista”: o texto havia sido encomendado pela Liga dos Justos, uma associação de trabalhadores alemães sediada na Inglaterra. Os partidos comunistas surgiram bem mais tarde, no seguimento da primeira grande divisão dos socialistas, seja na Primeira Internacional, em face do embate entre anarquistas-bakuninistas e marxistas-marxianos, seja depois, com o surgimento dos socialistas-reformistas – Lassale, Liebknecht, Kautsky, Bernstein –, agrupados na Segunda Internacional, que logo foram combatidos pelos bolcheviques-leninistas da Terceira Internacional. A partir de 1919, quem quisesse apoiar o primeiro “Estado trabalhador” da História tinha de mudar o nome do seu partido para comunista, e acrescentar o subtítulo: “seção [nacional] da Internacional Comunista”, como foi o primeiro nome do Partido Comunista do Brasil: seção brasileira da Internacional Comunista (1922, nome recuperado depois, sem o subtítulo, pelo PCdoB). 
Marx e Engels aprovariam, quase certamente, a distinção entre comunistas e socialistas, para logo em seguida criticar os discípulos pouco instruídos nas coisas econômicas (pois que conduziram o comunismo a uma situação insustentável). Para os propósitos do presente ensaio, como nem o globalismo, nem o bizarro antiglobalismo constituem partidos, no sentido etimológico e funcional da palavra, este novo manifesto não é do “Partido Globalista” e sim apenas um “Manifesto Globalista”; se quiserem acrescentar algo, eu não me oporia a este subtítulo: “contra o antiglobalismo”. Feitos os esclarecimentos históricos, vamos a um novo “clássico revisitado” de minha série, que já comporta uma paródia do velho Manifesto, adaptado aos vibrantes novos tempos da globalização capitalista (o novo Manifesto, e o livro completo, estão disponíveis aqui: https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_).

1. O grande temor dos reacionários: o espectro do globalismo
Um espectro percorre a comunidade adepta das teorias conspiratórias: o espectro do globalismo. Todos os poderes de velhas correntes ultraconservadoras, da extrema direita e dos reacionários sem qualquer doutrina, mas também da esquerda antiglobalizadora, se aliaram em uma campanha contra o fantasma do globalismo. Este seria, no precário entendimento dos que estão coligados ou convergentes no combate a esse novo monstro metafísico, um alegado complô de ricaços de esquerda e de burocratas da ONU — sem esquecer alguns ideólogos, como este que aqui escreve — devotado a retirar soberania aos Estados nacionais e a construir um governo mundial dirigido por burocratas não eleitos de organismos internacionais. 
Qual entidade de burocratas dedicados à interdependência global não foi vilipendiada pelos seus adversários no poder como globalista? Quantos diplomatas sinceramente devotados ao seu trabalho internacionalista já não foram acusados de globalistas pelos novos cruzados reacionários da causa antiglobalista?
Desse fato concluem-se duas coisas.
O globalismo passou a ser identificado por esses adeptos de teorias conspiratórias como um novo poder.
Já é tempo dos globalistas engajados – como este que aqui escreve – exporem perante o mundo inteiro – ou pelo menos aos true believers e outros ingênuos seduzidos pela causa antiglobalista – a sua visão do mundo, seus objetivos e tendências, e de contraporem à lenda do espectro do globalismo um manifesto do próprio punho. Um manifesto que examine cada uma das alegações dos antiglobalistas e confirme que eles estão indo na direção contrária ao sentido tomado pela grande trajetória da interdependência global, ao pretenderem fazer girar para trás a roda da História.

2. Globalistas e antiglobalistas (ou internacionalistas conscientes e nacionalistas tacanhos)
Adeptos de teorias conspiratórias sempre existiram ao longo dos séculos: são geralmente mentes simples, almas cândidas, pessoas ingênuas que, induzidas por profetas de algum desastre iminente – gurus alucinados pelas dificuldades naturais, estruturais ou conjunturais, sistêmicas ou acidentais, contingentes, das economias sociedades – tentam ver, nesses soluços de uma longa e lenta evolução para estágios diferentes de organização econômica, política e social, a ação de sociedades secretas, entidades poderosas que manobrariam em surdina justamente contra o Estado ao qual pertencem. 
Para eles, se algo estranho – ou seja, coisas que eles não conseguem explicar – está acontecendo no mundo, ou no cantinho em que eles vivem, é porque um pequeno grupo de espertalhões, geralmente ricos e poderosos, mas sempre mal intencionados, está tentando (e conseguindo) tomar o controle do mundo e de suas vidas, para impor não se sabe bem que tipo de novo regime ou sistema de vida. Dizer que os “conspiradores” são paranoicos já é uma redundância em si, pois parece haver uma correspondência íntima entre esses dois tipos de alucinados, embora nem todos os paranoicos sejam adeptos de teorias conspiratórias: vários se refugiam em seu mundinho conhecidos, temendo que o céu lhes caia sobre a cabeça, apenas dizendo que “estão vindo atrás de mim”. Paranoicos podem ser recatados e, portanto, não prejudiciais, mas conspiratórios tendem geralmente a perturbar a paz geral e a felicidade da nação anunciando as piores catástrofes que estão para se abater sobre o país e cada um de nós. Os antiglobalistas pertencem a esse gênero perfeitamente alucinado: “Os globalistas vão tirar nossas liberdades, vão retirar a soberania da nação, vão nos converter todos em escravos da poderosa máquina perversa” (que pode ser a do capital ou a do marxismo, à sua escolha), “eles vão destruir as bases das nossas sociedades, já estão fazendo isso, alerta minha gente!”.
Pois é, esses são os antiglobalistas, que seriam apenas ridículos, se não fossem também inutilmente ridículos, pois engajam a sociedade, quando estão no poder, em uma retirada em regra de fluxos, circuitos, correntes, movimentos e outras interações que seriam naturais e benéficas, se deixadas ao sabor das mudanças progressivas e regulares em quaisquer sociedades “normais”, ou seja, aquelas que respondem à dinâmica constante das atividades econômicas ou que reagem positivamente às novas ideias que cérebros educados estão sempre propondo para melhorar a vida de cada um dos cidadãos (ou súditos).
E quem são os globalistas, supostamente pecadores, indivíduos perigosos, propensos, pelo menos potencialmente, a roubar nossas liberdades e a soberania dos países, supostamente em benefício de algum grupúsculo organizado de conspiradores profissionais (que podem ser grandes capitalistas, judeus, marxistas, o que vier à cabeça)? Os globalistas somos todos nós, pessoas normais, que tendem a receber positivamente quaisquer novos influxos que representem agregação de valor, seja material, seja espiritual: produtos (ou seja, bens e serviços, de todas as partes do mundo), ideias novas, hipóteses, pesquisas, desafios, enfim, quaisquer propostas de mais conforto, harmonia, bem-estar, novidades em geral. Globalistas são pessoas abertas ao que o mundo produz de melhor – e, presumivelmente, a soma de novidades do mundo sempre será maior do que as novidades do seu próprio país –, ideias interessantes, até propostas desafiadoras, do ponto de vista das velhas tradições e costumes arraigados nas dobras do tempo. 
Globalistas são receptivos a tudo isso, e não temem perder a liberdade se aceitam provar um novo pudim (salvo se for inglês, pois aí é perigoso), um novo aparelho (mesmo se for chinês, com aquelas coisas embutidas que vão passar a controlar a sua vida), uma nova forma de responsabilização de políticos (esse estamento autocentrado em todos os países), e propensos a se abrirem às migrações de todos os tipos, inclusive as suas próprias. Numa palavra, globalistas são internacionalistas, e antiglobalistas tendem a ser nacionalistas tacanhos (muitos deles obtusos, ou seja, infensos a quaisquer novidades).
Estou sendo maniqueísta? Provavelmente sim, mas cabe recordar que antes de aparecerem os nacionalistas tacanhos, que proclamam abertamente serem não só antiglobalistas, como também nacionalistas de um novo tipo (não carnívoros, se supõe), todos vivíamos felizes, sem sequer ter a consciência de sermos globalistas, ou seja, de estarmos abertos às novidades do mundo. O Brasil é um exemplo disso: acolheu imigrantes de todo o mundo, como uma coisa benéfica à construção do seu próprio Estado-nação – permitindo, por exemplo, no Império, que esses estrangeiros se estabelecessem nas faixas de fronteiras –, como algo natural e positivo; mas, a partir de certo momento, virou um país nacionalista tacanho, agora tudo mais reforçado, depois que essa horda de soberanistas ingênuos e de antiglobalistas que se abateu sobre nós. 

3. Globalistas naturais e globalistas profissionais
A distinção pode parecer desprovida de maior significado, ou simplesmente inútil, na medida em que poucas diferenças existem, em princípio, entre aqueles que se adaptam naturalmente ao ritmo das mudanças no mundo contemporâneo – francamente globalista, na letra dos tratados e no espírito dos tempos – e os que se exercem profissionalmente no campo ativo do globalismo assumido e promovido. Vamos explicar.
Globalistas naturais são todos os cidadãos, indivíduos normais, consumidores abertos ao que possa existir de novidade no mundo da oferta dos mercados, sem preconceitos contra itens úteis na sua labuta diária ou no seu lazer cotidiano: são aqueles que não acham que a Coca-Cola é a “água negra do imperialismo” – como alguns anti-imperialistas ainda proclamavam algum tempo atrás –, que o rock não é uma “dança satânica”, que o iPhone é uma das grandes invenções da humanidade, que a China não quer exportar o seu modelo político – apenas inundar nossos mercados de produtos baratos, eventualmente também de uma qualidade aceitável –, que a ONU não vai instalar um governo mundial e que o George Soros não vai destruir o valor da nossa moeda e sugar nossas reservas internacionais. Enfim, são cidadãos como quaisquer outros, sem prevenções contra o que nos vem de fora, e com uma imensa curiosidade de saber o que existe lá fora, sem dividir o mundo entre “nós e o resto do mundo”. 
Globalistas profissionais são justamente aqueles que trabalham nessa interface, entre o nacional e o internacional, entre o doméstico e o externo, entre as nossas vantagens competitivas nacionais e as vantagens comparativas internacionais (sempre relativas, como poderia lembrar Ricardo contra aquele pioneiro, Adam Smith, que acreditava nas vantagens absolutas e na errônea teoria do valor trabalho, e que daí passou para o Marx). Em princípio, todo empresário deveria ser globalista, pois é do grande mundo externo que ele retira ideias, insumos e meios de produção para fazer sua oferta interna, eventualmente externa também. Todo economista sensato também deveria ser globalista, ou seja, a favor do livre comércio, o que não significa sair por aí negociando acordos de livre comércio com países like-minded; não precisa: basta orientar o seu ministro do comércio exterior a adotar a liberalização erga omnes, ou seja, unilateral, sem qualquer necessidade de estabelecer acordos mercantilistas com quaisquer outros países.
Isso seria o normal, e esses seriam os primeiros globalistas profissionais, ou seja, empresários competitivos e economistas simplesmente sensatos empenhados em colocar o país na interdependência global, a melhor situação que qualquer estadista digno desse nome poderia aspirar para o seu país. Mas, hélas, isso não vale para os empresários brasileiros e para os “economistas” do governo Trump, empenhados ferozmente em defender sua reserva de mercado e em “equilibrar”, por quaisquer meios, a balança comercial, tanto a global quanto a bilateral, uma situação impossível, teórica e praticamente (inclusive porque balança comercial não é uma preocupação microeconômica de empresários, nem deveria ser a maior questão macroeconômica a preocupar os economistas governamentais, pois existem outros componentes no balanço de pagamentos).
E quanto aos diplomatas? Ora, não seria preciso nem argumentar como, ou porque, os diplomatas são, necessariamente globalistas profissionais, até compulsórios. Não se trata apenas de conformação “genética”, se cabe alusão a qualquer “fatalidade natural”, ou de alguma “deformação de ofício”, se também cabe a expressão depreciativa; antes de qualquer outro critério, trata-se de um ambiente natural para o exercício de suas funções executivas, sobretudo no caso desses burocratas obrigatoriamente imersos no mundo da globalização. E isso não existe apenas depois da construção da ordem multilateral no pós-Segunda Guerra, ou antes, na criação da Liga das Nações, depois da Grande Guerra e com os acordos de Paris, em 1919: diplomatas integram uma das mais antigas profissões do mundo, mobilizados cada vez que soberanos mais sensatos procuravam evitar guerras ofensivas ou defensivas, em caso de tensões com soberanias vizinhas ou impérios conquistadores. Junto com os soldados, que são seus irmãos naturais e que também precisam ser naturalmente, profissionalmente globalistas, os diplomatas só existem na globalidade, na globalização, no globalismo, sendo inconcebível um diplomata “antiglobalista”.
Aliás, um diplomata antiglobalista não é apenas uma contradição nos termos, é antes de mais nada um ser ridículo, pois não se entende um profissional das relações exteriores que queira se refugiar no nacionalismo tacanho, no provincianismo rastaquera, na recusa da abertura do país a todos os tipos de interações benéficas ao povo, à economia, à cultura nacional. O que é especificamente moderno, ou contemporâneo, no globalismo diplomático, é o multilateralismo, disputando espaços preliminares com o bilateralismo triunfante até o século XIX e explodindo com vigor depois da Segunda Guerra Mundial, com a fundação da ONU e de todas as suas agências especializadas (aliás, até antes, desde Bretton Woods, que iniciou a conformação da ordem econômica multilateral do pós-guerra, que ainda é a base das relações internacionais). Um diplomata que se proclame antiglobalista é mais do que um estranho no ninho, ou um cisne negro, é sobretudo uma aberração teórica e prática, uma vez que mesmo esse ser bizarro terá de se haver com as estruturas multilaterais, portanto globais, que foram sendo estabelecidas progressivamente ao longo das últimas sete ou oito décadas.

4. Literatura globalista e antiglobalista
Literatura antiglobalista não existia até certo tempo atrás, ou então se restringia aos poucos panfletos conspiratórios, daquele mesmo nacionalismo tacanho, que provocaram tantas guerras ao longo da era moderna, até os conflitos globais da primeira metade do século XX. O nacionalismo, segundo estudiosos do tema – Hans Kohn foi o maior de todos – é um fenômeno relativamente moderno, que se desenvolve paralelamente ao crescimento da doutrina liberal, mas que assume feições exclusivistas e excludentes no curso do gradual desenvolvimento paralelo do coletivismo, em suas diversas formas econômicas e políticas, entre elas o pangermanismo, um nacionalismo proto-globalista (se assim cabe a expressão), que provocou, junto com o expansionismo imperialista, a maior guerra de todos os tempos. 
O nacionalismo, assim como o racismo – especificamente antissemita – e o culto do líder e da pátria emergiram no século XIX, tendo sido anteriormente especialmente francês, da era napoleônica – como defesa da pátria atacada pelas monarquias europeias que estavam sendo desmanteladas pelas novas ideias de soberania popular da revolução de 1789 –, tornou-se, na imediata sequência, um produto do romantismo alemão, que teve suas derivações nos círculos wagnerianos até chegar a Rosenberg e Hitler. No decorrer do século XIX, ele se confunde com um dos tipos de darwinismo social, a partir do qual a ideia de raça se torna a base fundamental da nacionalidade e do patriotismo. Em sua obra magna, A Ideia do Nacionalismo (publicada originalmente em 1944), Hans Kohn assim define o nacionalismo: 
Nationalism is a state of mind permeating the large majority of the people and claiming to permeate all its members; it recognizes the nation-State as the ideal form of political organization and the nationality as the source of all creative cultural energy and economic well-being. The supreme loyalty of man is therefore due to his nationality, as his own life is supposedly rooted in and made possible by its welfare. (Hans Kohn, The Idea of Nationalism: A Study in Its Origins and BackgroundNew York: Macmillan, 1961, p.16).

Mas antes mesmo de publicar essa sua obra magna, Hans Kohn, um promotor precoce do sionismo – depois abandonado em favor do estabelecimento de um Estado binacional na Palestina –, havia publicado, antes da guerra, uma obra, Force or Reason: issues of the Twentieth Century (Harvard University Press, 1937), na qual dizia o seguinte: 
On a shrinking earth man should concentrate all his rational forces upon the adjustment of his social and political life to the new conditions. Instead, we hear reason and reasonableness decried and the old battle cries of fierce imperialism and conflict of races raised again. (p. 96)

A despeito de discutir, em seu livro, “The Cult of Force”, “The Dethronement of Reason”, ou “The Crisis of Imperialism”, Kohn proclamava, ao lado do reconhecimento das dificuldades de se alcançar a equalização concreta das oportunidades entre os homens, sua crença nos valores civilizatórios alcançados pela sociedade contemporânea e sua esperança no prevalecimento da justiça democrática. O que se teve, infelizmente, a partir dali, foi a brutal reafirmação da força, não da razão, trazidos tanto pelo fascismo quanto pelo comunismo, dois movimentos aparentemente guiados por motivações globalistas, mas o primeiro nacionalista ao extremo, o segundo supostamente internacionalista (à sua maneira). Daí se pode perceber certa confusão teórica e conceitual entre os defensores do velho nacionalismo e os do novo antiglobalismo, tendentes a fazer crer que o nacionalismo não foi, como se acredita, o verdadeiro responsável pelas terríveis guerras que ensanguentaram o século XX, e sim forças ainda positivas, que nos poupariam de um suposto flagelo a ser provocado, não pela globalização – o que seria de toda forma inútil –, mas pelo globalismo, que pretenderia, segundo os novos arautos do antiglobalismo, da “ditadura das organizações internacionais”. 
Incapazes de sustentar suas ideias bizarras por meio de trabalhos consistentes, os defensores brasileiros do nacionalismo antiglobalista recorrem a obras de autores estrangeiros (geralmente americanos, europeus e israelenses), como se os novos manifestos nacionalistas trouxessem qualquer contribuição intelectual aos problemas de um país como o Brasil, uma nação que não enfrenta, como muitos desses países, problemas decorrentes de uma grande inserção mundial, de uma imensa atratividade imigratória, terrorismo, um multiculturalismo supostamente nocivo e outras questões próprias vinculadas às suas peculiaridades políticas e ideológicas propriamente nacionais. Assim como o afro-brasileiro é uma importação espúria de tendências peculiares ao ambiente racial dos Estados Unidos, o antiglobalismo atual constitui uma outra importação bizarra de “ideias fora do lugar”, sem qualquer sustentação ou correspondência numa elaboração intelectual própria. 
Num plano puramente “literário”, portanto, antiglobalistas tupiniquins representam bonecos de ventríloquo repetindo ideias alheias que não possuem qualquer embasamento na realidade nacional, muito menos no contexto da atividade diplomática de um país que está praticamente excluído das grandes cadeias de valor da grande interdependência econômica global, e que precisa ainda lugar para superar fortes tendências à introversão e ao espírito mercantilista que ainda permeia sua política comercial e sustenta sua política industrial. O antiglobalismo jabuticabal é, desse ponto de vista “literário”, uma aberração total no quadro de um universo conceitual que deveria apoiar sua ação diplomática e a atividade dos seus profissionais da diplomacia, que são, como já dito, “geneticamente” globalistas.
Em face de tamanha aberração, um “Manifesto Globalista” como o presente texto nem precisaria se apresentar como uma “crítica da razão pura” do globalismo, nem como uma “crítica da razão prática” do antiglobalismo, pois este é inconsistente, irrealista, ou simplesmente absurdo, em seus próprios termos. Como um país insuficientemente inserido nas grandes correntes da modernidade e da economia mundial, como é o Brasil, poderia ser antiglobalista? Como poderia suas elites dirigentes – quaisquer que sejam elas, as políticas, os donos do capital, os intelectuais formadores da opinião pública – poderiam pretender unir os destinos do país à pequena tribo de nacionalistas de extrema-direita que atuam no sentido de desmantelar a ordem mundial criada no pós-guerra e refluir as políticas nacionais para o ambiente estreito das fronteiras domésticas? A recusa do multilateralismo, como princípio fundador da diplomacia contemporânea, não é apenas ridícula, ela é sobretudo inoperante e, mais que tudo, inútil, em vista de todos os compromissos já existentes no plano prático.

5. Posição dos globalistas universalistas em face dos antiglobalistas nacionalistas 
À diferença dos antiglobalistas, os globalistas – como este que aqui escreve – não lutam para alcançar os fins egoístas e os interesses exclusivos de uma concepção territorialista de nação, ou para realizar os objetivos estreitos de uma ideia excludente de pátria. Eles se atêm a um conceito mais amplo de interesse coletivo, que não elude noções básicas do pensamento liberal em economia e em política, ou seja, individualismo e ampla defesa das liberdades democráticas, e focam não apenas em metas do momento presente, para um determinado país ou Estado-nacional, mas proclamam um visão vinculada a aspirações mais amplas, que representam, simultaneamente, o futuro da humanidade. À diferença, porém, do nascente liberalismo político do século XIX, os liberais globalistas da atualidade se pautam em muito do que proclamou o grande intelectual da diplomacia brasileira, José Guilherme Merquior, notadamente em sua última grande obra: Liberalism, Old and New (1991). Merquior sabia reconhecer a tensão já detectada desde o século XIX entre os impulsos libertários e os ímpetos igualitaristas, expressas nas correntes políticas contemporâneas. Como ele resumiu ao final desse livro: 
Como foi observado por alguns distintos sociólogos como [Raymond] Aron ou [Ralph] Dahrendorf, a nossa sociedade permanece caracterizada por uma dialética contínua, embora cambiante, entre o crescimento da liberdade e o ímpeto em direção a uma maior igualdade – e disso a liberdade parece emergir mais forte do que enfraquecida. (O Liberalismo, antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991; tradução do original em inglês por Henrique de Araújo Mesquita; p. 223)

Tal postura não tem praticamente nada de nacionalista, e muito menos de antiglobalista, mas representa o espírito do pensamento liberal, como expressão do mais puro universalismo filosófico, ou seja, tudo o que se contrapõe ao nacionalismo estreito defendido pelos antiglobalistas contemporâneos, que nada mais são do que os atuais herdeiros dos antigos nacionalistas, que produziram as grandes catástrofes do século XX. Mas não só do século XX, antes mesmo isso ocorria, como refletido nas obras de pensadores, romancistas, ativistas políticos de todos os matizes e de várias épocas.
Não é preciso remontar à famosa frase de Samuel Johnson, que ainda no século XVIII, rejeitava o patriotismo – a forma mais extrema de nacionalismo – como sendo “o último refúgio dos canalhas”, para rejeitar as formas mais extremas de exclusivismo nacional. O grande romancista russo Leon Tolstoi, assim como sua compatriota Emma Goldman, ativista da causa feminista e anarquista como ele, eram, nos albores do século XX, declaradamente antinacionalistas. Ao final da Grande Guerra, já distinguido como o grande cientista da relatividade, Albert Einstein, ao ser interrogado sobre sua nacionalidade respondeu: “Pela herança eu sou um judeu, pela cidadania um suíço, e por formação um ser humano e apenas um ser humano, sem qualquer vínculo especial a qualquer estado ou entidade nacional de qualquer tipo.” Dez anos depois, novamente questionado sobre se sentia mais como alemão ou judeu, proclamou ser contrário a qualquer tipo de nacionalismo, mesmo sob o disfarce de patriotismo: “Eu me considero um homem. O nacionalismo é uma doença infantil, o sarampo da humanidade”. 
George Orwell, um socialista antiautoritário, se expressava ao final da Segunda Guerra Mundial em termos contundentes contra o nacionalismo em suas “Notas sobre o nacionalismo” (1945). Mais perto da nossa época, o velho semanário liberal The Economist se perguntava, em seu editorial de 19 de novembro de 2016, quando da eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a propósito do seu grito de guerra de America First, se ele não era o “último recruta de um perigoso nacionalismo”. Estabelecendo uma comparação entre Trump e Ronald Reagan, que também tinha prometido recuperar os EUA, depois da patética presidência de Jimmy Carter, o editorial da Economist dizia: 
But there is a difference. On the eve of the vote, Reagan described America as a shining “city on a hill”. Listing all that America could contribute to keep the world safe, he dreamed of a country that “is not turned inward, but outward—toward others”. Mr Trump, by contrast, has sworn to put America First. Demanding respect from a freeloading world that takes leaders in Washington for fools, he says he will “no longer surrender this country or its people to the false song of globalism”. Reagan’s America was optimistic: Mr Trump’s is angry. (…) Civic nationalism appeals to universal values, such as freedom and equality. It contrasts with “ethnic nationalism”, which is zero-sum, aggressive and nostalgic and which draws on race or history to set the nation apart. In its darkest hour in the first half of the 20th century ethnic nationalism led to war. (“The new nationalism”, The Economist, November 19th 2016, ênfase agregada; link: https://www.economist.com/leaders/2016/11/19/the-new-nationalism)

Sintomaticamente, os antiglobalistas brasileiros, em sua adesão doentia, não aos Estados Unidos apenas, mas ao governo e à personalidade de Trump em particular, também subscrevem às mesmas ideias retrogradas e agressivas desse nacionalismo rastaquera e a um antiglobalismo tão bizarro quanto surrealista, pois que construindo um monstro metafísico a partir do multilateralismo contemporâneo, que eles se propõem combater com a sanha doentia de novos cruzados, na verdade com as armas enferrujadas e os slogans ridículos de um novo “exército de Brancaleone”. Como diria Marx, em seu famoso Manifesto, eles se prendem a velhos grilhões reacionários, não têm nenhum mundo a ganhar e pretendem fazer girar para trás a roda da História.
De minha parte, termino meu pequeno manifesto dando entusiasticamente três vivas ao globalismo! 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 15 de fevereiro de 2020

sábado, 1 de fevereiro de 2020

O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial - Paulo Roberto de Almeida

O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial

Paulo Roberto de Almeida
Professor de Econômica Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

Um espectro ronda o Brasil, assim como vários outros países: o espectro é esse mesmo do título, o globalismo, cujas alegadas manifestações concretas, contra a soberania dos Estados nacionais poderiam passar apenas e tão somente por um mero exercício de alienação acadêmica. Mas, ao se tornar uma bandeira de oposição a um suposto processo globalista que estaria trazendo prejuízos ao Estado e à sociedade, esse tipo de postura paranoica arrisca causar danos irremediáveis ao país, ao se converter em programa de governo e, no plano de sua diplomacia, em uma nova palavra de ordem para o corpo diplomático profissional: o combate às “estruturas do pensamento globalista”. Este curto ensaio pode ser identificado como um manifesto anti-antiglobalista, à falta de melhor expressão. Antes, uma pequena recordação.
Um de meus trabalhos mais acessados, em toda a história da livre divulgação de meus textos, em diversas plataformas, foi um produzido e liberado em 2004, mas que só veio a tomar impulso exponencial uma década atrás, aproximadamente, quando um curso online de relações internacionais o adotou como texto-base: “Contra a antiglobalização: contradições, insuficiências e impasses do movimento antiglobalizador” (disponível, entre outras fontes, na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/5873102/1297_Contra_a_antiglobalização_Contradições_insuficiências_e_impasses_do_movimento_antiglobalizador_2004_).
Naquela época, mais de quinze anos atrás, a partir dos primeiros grupos de ativistas europeus e americanos de tendência antiglobalizadora (os franceses preferiam se dizer alter-mundialistas), movimentos e correntes na mesma linha disseminaram-se pelo mundo – sobretudo na América Latina, na onda dos governos de esquerda –, passando a empreender grandes e ruidosas manifestações de protesto contra as entidades mais representativas da globalização: FMI, Banco Mundial, OMC, OCDE, Fórum Econômico Mundial de Davos, cúpulas do G-7 ou quaisquer outras reuniões identificadas com o capitalismo global. Para se contrapor de forma mais ou menos organizada a essas entidades perversas, esses movimentos passaram a se reunir no âmbito do Fórum Social Mundial, com muitos encontros realizados no próprio Brasil, durante os governos do PT. Em seu primeiro ano de governo, o presidente Lula compareceu quase simultaneamente ao encontro de Davos e à reunião do FSM em Porto Alegre, com habilidade suficiente para ser aplaudido em ambas as ocasiões.
Como é meu hábito de estudioso, sempre segui os debates das entidades da interdependência global, assim como os argumentos daqueles que lhes são opostos, daí resultando uma série de ensaios, desde meados anos 1990, cuja síntese se encontra nesse trabalho de 2004. Nele eu examinava cada uma das alegações e acusações dos antiglobalizadores contra o capitalismo global, demonstrando cabalmente, como aliás indicado no subtítulo do ensaio, as contradições conceituais e insuficiências empíricas desses ataques ingênuos, mas sobretudo os impasses políticos e econômicos a que conduziriam as “teses” sustentadas por eles, se por acaso fossem aplicadas na prática por governos ou entidades internacionais (algumas o foram, por regimes de esquerda, os “bolivarianos”, por exemplo, ou expressas em textos enviesados e politicamente desonestos, como os relatórios da Oxfam). Como era evidentemente, desde o início, esses antiglobalizadores foram derrotados por suas próprias contradições: dispondo das mais cômodas e modernas facilidades em comunicações e informação, oferecidas pelas empresas do capitalismo global, eles fizeram, nas palavras de Shakespeare, muito barulho por nada. Pouco a pouco, aquele entusiasmo juvenil, alimentado por alguns profissionais do anticapitalismo visceral, tornados órfãos pela implosão de todos – ou quase todos – os “socialismos reais”, foi perdendo ímpeto e interesse, até que suas teses bizarras já não mobilizavam praticamente ninguém.
Dei por encerrada minha atividade didática e pedagógica nessa vertente, inclusive porque essas reuniões do FSM foram rareando, com um alcance diáfano entre os universitários, todos eles ultra-ligados nas últimas novidades da globalização. Em seu lugar, começou a pipocar, em alguns sites e blogs de movimentos de direita, um novo espectro, um tal de “globalismo”, contra o qual palavras de ordem passaram a apimentar alguns debates nessas esferas. Não dei importância a mais essa bizarrice de novos grupos políticos, tanto porque a globalização alimenta, justamente, todas as crendices mais estapafúrdias que possam a surgir de mentes doentias, por profetas do apocalipse, em alertas estridentes de arautos de algum desastre iminente.
Algo de novo, todavia, surgiu no Brasil, durante a campanha presidencial de 2018, quando um colega diplomata passou a sustentar ativamente o candidato da direita, escondendo sua personalidade – depois revelada na imprensa – nas postagens surpreendentes de um blog coincidentemente chamado de “Metapolítica 17”, por acaso o número desse candidato, cujo subtítulo (todo um programa e manifesto político) era este: “contra o globalismo”. Só vim a tomar conhecimento dos estranhos, estranhíssimos, textos nele contidos, na própria noite de sua escolha, pelo presidente eleito, como futuro chanceler do Brasil: confesso que fiquei “imprecionado”, como diria o segundo ministro da Educação desse governo. Estarrecido seria a palavra mais exata, já que dificilmente se poderia acreditar que um diplomata normal, que nunca tinha revelado tais tendências bizarras, pudesse defender causas tão estranhas quanto as do antimultilateralismo, anticomercialismo, anticlimatismo e a do novo espectro preferido pelos paranoicos da globalização, o antiglobalismo, justamente.
Foi aí que comecei a prestar alguma atenção a essas “teses” antiglobalistas, tão estapafúrdias e equivocadas quanto as dos antigos antiglobalizadores: busquei então alguma literatura de qualidade sobre o tal de globalismo. Confesso que não achei praticamente nada, a não ser subliteratura de baixíssima qualidade conceitual, sem qualquer fundamentação empírica, apenas alertas desprovidos de qualquer apoio em dados concretos sobre os supostos perigos de um assalto à soberania dos Estados nacionais, vindos de organizações internacionais, ricaços de esquerda e representantes do chamado “marxismo cultural”. Na verdade, o globalismo, sob a pena de estudiosos sérios, nada mais é do que a vertente política da globalização econômica, ou seja, a interconexão de diferentes estruturas institucionais existentes no sistema multilateral, e conectadas aos fluxos e transferências de ativos transnacionais: comércio de bens e serviços, investimentos diretos, movimentos de capitais autônomos, enfim, tudo aquilo que subjaz à crescente regulação política mundial das relações econômicas internacionais. Joseph Nye trata extensivamente do tema em alguns de seus livros.
Em uma palavra, o globalismo é o universo conceitual e prático no qual trabalham os diplomatas e todos os agentes econômicos ou políticos que gravitam em torno dessas interações que se estabelecem entre diferentes economias nacionais e Estados soberanos ao redor de um planeta cada vez mais interligado. Atenção: mas não para os paranoicos do antiglobalismo, que transformaram esse conceito aparentemente inocente num horrível e malfadado espectro perverso, um monstro metafísico devotado a retirar soberania política desses Estados e a deixá-los sob as ordens de organismos internacionais intrusivos, submetidos aos projetos maléficos de burocratas não eleitos. Das antigas acusações dos antiglobalizadores – o mundo sendo dominado por gigantescas multinacionais empenhadas em abolir direitos trabalhistas, devastar o meio ambiente, sugar os trabalhadores e países pobres em busca de lucros usurários –, passamos agora às ridículas alegações dos antiglobalistas, a de um mundo também dominado por estruturas gigantescas, empenhadas na construção forçada de um governo mundial, substituindo-se à soberania dos Estados nacionais.
Tentei achar elementos probatórios desses cenários conspiratórios, mas confesso que tenho sido infeliz em minhas buscas, pois a única coisa que encontrei foram slogans, alegações, alertas e premonições, mas nenhuma evidência concreta de que essa dominação globalista esteja sendo implementada pela ONU, suas agências especializadas, ou quaisquer outras entidades multilaterais ou transnacionais. O mais preocupante, porém, não é que as antecipações paranoicas estejam sendo veiculadas pelos conhecidos profetas do apocalipse e outros alarmistas doentios, mas que elas tenham sido incorporadas em programas de governo e estejam servindo de bandeira e justificativa para uma luta inglória, insana e estúpida, contra o multilateralismo e outras instâncias do globalismo normal, isto é, a do sistema internacional construído progressivamente desde Bretton Woods e em constante aperfeiçoamento desde então.
Custa a crer que o governo brasileiro, pela voz e ação de vários de seus mais altos dirigentes, de representantes diplomáticos e outros funcionários qualificados, estimulados por algumas mentes doentias que circulam à sua volta, tenha embarcado nessas fantasias ridículas do antiglobalismo como programa de governo, como bandeira de luta, supostamente contra uma ameaça real aos interesses do país. O grau de irracionalismo embutido nesse tipo de discurso é propriamente estarrecedor, sobretudo no âmbito das relações exteriores do país e no de sua diplomacia prática.
Como diplomata de carreira, e estudioso das relações internacionais do Brasil, inquieta-me a capacidade que têm os discípulos de uma paranoia, sem qualquer fundamento na realidade, de projetar uma imagem distorcida do país no plano internacional, diminuindo sua credibilidade diplomática e projetando uma sombra de escárnio sobre nossas posturas em relação a diversos itens da agenda mundial. Meus espaços públicos estão abertos a um debate qualificado, bem informado, intelectualmente honesto e empiricamente fundamentado sobre todos os fatos concretos e os elementos conceituais que poderiam sustentar a “tese” de que o tal de globalismo – que não vejo senão como um espectro pueril – possa, de alguma forma, trazer prejuízos ao Brasil e à sua sociedade. Estou sempre aberto ao diálogo, como sempre estive à época das bizarrices antiglobalizadoras, sem ter tido, de fato, oponentes credíveis. A luta continua, desde meu quilombo de resistência intelectual.


Brasília, 1 de fevereiro de 2020

sábado, 21 de setembro de 2019

A quadratura do círculo, segundo Rubens Ricupero

Que o governo sofra de transtorno bipolar a gente já sabia, mas acredito que esses "representantes" atuais de uma diplomacia olavo-bolsonarista não tenham qualquer importância para a agenda liberal da equipe econômica. Eles só atrapalham no ruído que fazem contra o globalismo, mas na maior parte das vezes se trata de pura cacofonia e histeria inconsequente.
Paulo Roberto de Almeida

Hostilidade ao 'globalismo' contradiz projeto econômico do governo

Rubens Ricupero

Neste artigo, me esforçarei, sobretudo, em examinar as interrelações entre a política externa e o projeto econômico do governo Bolsonaro, dando ênfase às iniciativas em matéria de comércio internacional, investimentos e economia.
O pano de fundo é a contradição entre uma política externa hostil ao "globalismo", e um difuso projeto econômico ultraliberal voltado à plena integração da economia brasileira ao espaço globalizado de livre circulação de bens, serviços, fluxos financeiros e investimentos.
A condição prévia da qual depende o êxito dessa integração é evidentemente a continuação da globalização, isto é, que não haja retrocesso importante na tendência à unificação e liberalização dos mercados em escala planetária. Uma característica essencial da globalização consiste na imposição aos países de padrões globais que limitam o espaço das soberanias nacionais, justamente aquilo que o atual chanceler denuncia como "globalismo".
Uma política externa soberanista, de perspectiva estritamente nacional, de hostilidade ao "globalismo", convive mal ou não convive com o cosmopolitismo da abordagem econômica ultraliberal. Como diz a expressão francesa, são coisas que hurlent de se trouver ensemble, coisas que "uivam por se encontrarem juntas", em tradução literal.
Modelo confessado do governo Bolsonaro, o governo Trump não padece da mesma inconsistência. Sua essência resume-se na frase "America First", os Estados Unidos em primeiro lugar. Pondo de lado as pretensões idealistas de governos anteriores, configura o retorno sem rebuços aos tempos de predomínio absoluto dos interesses nacionais das potências dominantes no sistema mundial.
Trump não se preocupa o mínimo com a globalização, pois julga, com razão ou sem ela, que o fenômeno favoreceu a China e outros países em detrimento dos Estados Unidos. Nem liga, ao contrário de seu antigo conselheiro, o sinistro Steve Bannon, às supostas ameaças aos valores da civilização judaico-cristã. Importa-se exclusivamente com o interesse nacional dos Estados Unidos, o qual, para megalomaníaco como ele, confunde-se provavelmente com o próprio interesse pessoal.
A fim de promover esses interesses, conta com o gigantesco poderio econômico e militar americano. Confia apenas nos meios unilaterais do poder duro: tarifas impostas ilegalmente, sem consulta à Organização Mundial de Comércio (OMC), sanções econômicas sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, ameaças de uso da força para aniquilar países, felizmente até agora mais retóricas que reais.
Realista no sentido mais imediato do termo, está pronto a desestabilizar a economia mundial, a fazer retroceder a globalização, a fim de trazer empregos de volta aos Estados que o elegeram ou de beneficiar seus interesses político-eleitorais.
A política de Trump, além de apresentar perfeita lógica interna no seu nacionalismo, soberanismo, antiglobalismo, dispõe dos meios de que necessita. Se vai ou não produzir os efeitos esperados, é outra história.
Em contraste, o governo Bolsonaro não apresenta coerência interna entre os elementos conflitantes da diplomacia antiglobalista e do projeto ultraliberal, nem desfruta dos meios de poder para sustentar sua política.
A inconsequência começa pela adesão externa a um governo que deixa claro perseguir apenas o próprio interesse, aconselhando os demais a agirem da mesma forma. Em vez de seguir o conselho, o governo Bolsonaro prefere servir não aos interesses brasileiros, mas aos interesses de um país estrangeiro.
Uma das incoerências do ultraliberalismo da política econômica do ministro Guedes está no apoio ao governo Trump, que representa a maior ameaça à continuidade da globalização, condição do sucesso da estratégia de abertura brasileira.
É o que se vê com clareza na atitude de adotar de forma acrítica a agenda internacional do governo Trump, cujos elementos não só não coincidem, na maioria dos casos também contrariam frontalmente os interesses brasileiros. O primeiro dos componentes dessa agenda, a contenção da China, pode até ser compreendida do ponto de vista de uma potência temerosa de perder sua hegemonia para o rival.
Que vantagem, porém, poderia advir para o Brasil de hostilizar o país que nos últimos dez anos tem sustentado nosso balanço de pagamentos graças aos sucessivos saldos gerados na balança comercial pela exportação de commodities?
A mesma pergunta pode ser repetida em relação aos demais pontos da agenda de segurança dos EUA. Que interesse estratégico teríamos em antagonizar a Rússia, parceira nos BRICS, relevante mercado para nossos produtos, ao Irã, um dos maiores compradores do milho e das proteínas brasileiras?
O que ganhamos em nos alinhar com Israel e EUA nas votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU contra os palestinos ou na questão de Jerusalém, contrariando os árabes, grandes importadores de carne de frango e de proteínas do Brasil?
Em que a ameaça de abandonar o Acordo do Clima de Paris serve aos objetivos da política ambiental nacional, que tem tudo a ganhar com os mecanismos financeiros previstos para apoiar a preservação das florestas tropicais, as boas práticas em cultivos como o cacau, o café, o manejo florestal?
Nos momentos do chamado alinhamento automático com a política exterior norte-americana, nos governos dos marechais Dutra ou Castelo Branco, vivia-se o auge da Guerra Fria. Para os setores dirigentes brasileiros, a obsessão na luta contra o que se considerava a ameaça mortal da subversão do comunismo interno coincidia perfeitamente com o combate liderado por Washington no plano internacional contra Moscou, visto como origem da subversão interior.
Por mais equivocada que tenha sido essa percepção, ela dominava os espíritos daquele tempo. Hoje, não existe nem sombra de coincidência entre a agenda internacional dos EUA e os interesses brasileiros, internos ou externos.
Não obstante, as expressões de adesão a interesses estritamente trumpianos chega a gerar escândalos chocantes, como a declaração de apoio à construção do muro na fronteira com o México, a expressão de vergonha em relação aos imigrantes brasileiros ilegais, à retirada do Pacto Global sobre Migrações, todos casos nos quais o interesse do Brasil, com milhões de cidadãos vivendo no exterior, aconselhava exatamente o contrário.
Em muitos desses episódios, tem havido mudanças moderadoras nas posições apressadamente anunciadas. Um dos sinais da improvisação, superficialidade e falta de rumo da política externa reside mesmo na frequência com que o governo ziguezagueia entre orientações diferentes.
Não se sabe até que ponto as mudanças são para valer ou estão sujeitas a retrocessos. De qualquer forma, nas modificações talvez mais duráveis, como a do relacionamento com a China, a volta atrás expressa menos uma evolução autêntica de convicções como a fraqueza de meios para sustentar uma diplomacia agressiva e extremista de alto custo em termos de perdas potenciais de mercados e investimentos.
Na medida em que se mobilizam os setores exportadores ameaçados pelas perdas nos mercados da China, do Irã, dos árabes, o governo é obrigado a recuar pois não tem como compensar tais perdas. Nem consegue convencer a opinião pública de que suas escolhas são ditadas por argumentos racionais e não, como de fato ocorre, pela ideologia irracional da "lunatic fringe", a franja lunática de ideólogos pós-fascistas misturados com iluminados, astrólogos, apocalípticos e malucos de todo o gênero.
A consequência disso tudo é que a política externa está criando para o projeto econômico um risco real de deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos, um dos raríssimos setores que ainda se salvavam numa economia em crise. A ameaça acontece no pior momento, quando a conjuntura internacional acumula sinais de desaceleração, até de possível recessão, o comércio mundial se contrai, os preços das commodities caem, a Argentina, nosso principal mercado de manufaturados, mergulha em profunda crise e o saldo comercial diminui em relação a 2018.
A agressão aos mercados externos, que vinha se produzindo de maneira regular e constante desde o início do governo, saltou para patamar alarmante nas últimas semanas com a previsível explosão da crise das queimadas na Amazônia. Tendo subestimado a intensidade da reação internacional, o governo esboçou mudanças pouco convincentes no discurso uma vez desencadeada a crise.
Adotou, como se faz habitualmente em instantes de emergência, ações espetaculares como o envio de forças militares não treinadas para combater incêndios, esperando que o fim da estação seca e a passagem do tempo amainem a situação. Contudo, o dano, provavelmente irreparável, já foi feito. A primeira vítima é o acordo dito de livre comércio que custou 20 anos de negociação entre o Mercosul e a União Europeia.
Ninguém vai assumir o ônus de anunciar a morte oficial do acordo. O mais plausível é que ele permaneça num estágio de profunda hibernação, congelado por período indefinido. Até que alguma incerta evolução positiva na postura do governo brasileiro crie condições para permitir sua eventual submissão ao Parlamento Europeu e aos parlamentos dos países membros da União Europeia para aprovação.
Adicionalmente à indignação coletiva causada pela destruição da Amazônia no continente onde a consciência ambiental se encontra mais avançada e organizada em partidos fortes, deve-se levar em conta o efeito perdurável do estúpido conflito criado com a Françaatingida na própria figura do presidente Macron. As agressões ignóbeisao presidente francês e à sua esposa, personalidade unanimemente admirada na Europa, continuaram até as últimas semanas em atos de membros do governo que só se podem qualificar de cafajestismo.
É pouco provável que o acordo entre o Mercosul e a EFTA (European Free Trade Association) escape ao mesmo destino, após as declarações da primeira-ministra da Noruega e ao anúncio de que vários movimentos na Suíça darão início à coleta de assinaturas para a convocação de uma consulta popular contra a ratificação do convênio.
Iniciativas de boicote de produtos brasileiros vêm sendo tomadas por supermercados, grupos financeiros declaram ter renunciado à aquisição de títulos do país, fundos de pensão reexaminam seus investimentos no Brasil, inúmeras empresas importadoras do exterior comunicam à Associação Brasileira de Curtumes e Couros a suspensão de compras de couro nacional.
Ainda que essas ações não se disseminem e redundem em boicote generalizado, a antidiplomacia do governo Bolsonaro está perto de realizar a proeza de converter o Brasil num pária da comunidade internacional, ao lado da Venezuela de Maduro e das Filipinas de Rodrigo Duterte, ultimamente ausente do noticiário internacional.
Os integrantes liberais da equipe governamental, que sonhavam com uma abertura comercial que expandisse os mercados brasileiros, terão agora de correr atrás do prejuízo, gastando recursos e energia somente para limitar danos. Seria uma ilusão pensar que as perdas no mercado europeu possam ser compensadas nos Estados Unidos graças à benevolência do governo Trump.
Em primeiro lugar, porque os produtos do agronegócio exportados à UE – complexo soja, milho, carne de frango, carne bovina – constituem justamente os itens nos quais os norte-americanos são os principais concorrentes brasileiros no mercado internacional.
Em segundo lugar, porque os Democratas, que já dominam a Casa de Representantes, seguem a orientação de impor cláusulas de ordem ambiental e trabalhista cada vez mais estritas a todos acordos comerciais. Foi em decorrência dessa política que o governo Trump viu-se forçado, na recente renegociação do acordo de livre comércio com o México, a reforçar tais capítulos. Mesmo assim, a Câmara ameaça não aprovar o acordo, até hoje não submetido à aprovação legislativa.
O desastre da Amazônia e a guerra de insultos declarada à França não deixarão também de produzir impacto negativo em retardar ainda mais ou inviabilizar de vez o projeto que simboliza mais que qualquer outro o programa ultraliberal: a adesão à OCDE. Já manifestei em outros escritos a opinião de que o ingresso na OCDE vem sendo oversold à opinião pública, isto é, vendido com exagero, sem qualquer correspondência à realidade.
Certamente não creio que valha o preço descabido que nos cobraram (diversamente dos outros países na mesma situação) e que aceitamos sem avaliar suficientemente todas as consequências.
Não pretendo me deter nesses aspectos, mas o fato é que a equipe econômica atribui a essa adesão uma importância em descompasso com as posições de política externa hostis à França, país-sede da Organização, com enorme influência em suas decisões. É difícil, depois de tudo o que aconteceu, imaginar que o Comitê de Meio Ambiente da OCDE aprove, por exemplo, as práticas ambientais brasileiras na Amazônia.
Aliás, uma das incontáveis contradições da política externa bolsonarista é denunciar a ONU por supostamente impor políticas de gênero, ao mesmo tempo que abraça gustosamente, como diriam nossos vizinhos, a mais invasiva das organizações, a OCDE. Basta mencionar que a entidade das economias avançadas notificou ao Brasil que teria de modificar ou revogar nada menos de 207 leis brasileiras, ajustando-as aos padrões da instituição caso deseje tornar-se membro pleno.
Não preciso lembrar as inúmeras ocasiões nestes nove meses de governo em que os anunciados propósitos liberalizantes cederam a pressões em sentido contrário: as barreiras sobre o leite em pó importado, a interdição de importação de bananas do Equador para proteger produtores do Vale da Ribeira, região da família presidencial e, em dias recentes, a prorrogação por dez anos do acordo sobre o regime automotivo comum com a Argentina, um dos exemplos mais conspícuos de managed trade, de comércio administrado, para horror dos puristas do livre comércio.
O futuro, talvez não tão distante, dirá quanto tempo há de durar a experiência de política econômica liberal. Acumulam-se os sinais de impaciência com a demora dessa política em produzir resultados de crescimento econômico e geração de empregos.
O presidente e seus seguidores se confessam agoniados com a falta de espaço para estimular o consumo. Não é brilhante a tradição histórica do liberalismo econômico no Brasil. Será diferente esta vez com um presidente sem convicções e obcecado com a ideia fixa da reeleição?

*Rubens Ricupero é diplomata, ex-ministro do Meio Ambiente (1993-1994) e da Fazenda (1994), ex-embaixador em Genebra, Washington e Roma e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

*Artigo originalmente apresentado em forma de palestra no 16º Fórum de Economia da FGV, realizado nos dias 9 e 10 de setembro de 2019, com o título "É possível conciliar projeto econômico ultraliberal com política externa antiglobalista?".


O chanceler Ernesto Araújo (esquerda) e o ministro da Economia Paulo Guedes (direita) são adversários ideológicos no governo (Crédito: Reprodução)