Este livro já era famoso, e esgotado, "inencontrável", quando eu estava me iniciando no marxismo, no início dos anos 1960. Tinha sido sabotado pelos comunistas, do Partidão, e pelas demais correntes de esquerda, e nunca foi reimpresso ou reeditado.
Tive de aproveitar uma ida ao Rio de Janeiro, em algum momento muito depois, para ler o exemplar original na Biblioteca Nacional.
Sempre tive excelente impressão dessa obra, muito sincera, pois conhecia o caso de outros "renegados" do comunismo soviético, e sabia exatamente o que tinha sido o stalinismo e o comunismo soviético.
Acredito que vale a leitura ainda hoje, sobretudo pela introdução de Antonio Paim, outro dos jovens "comunistas" que deixaram de sê-lo depois de uma viagem a Moscou e ao travar conhecimento direto com a fraude que era o regime socialista soviético, um sistema de mentira, de fraude, de opressão, de mediocridade, exatamente como são os companheiros ainda hoje.
O título da matéria da Folha é execrável: "virar casaca" significa trair uma causa, abandonar a postura que se tinha, em troca de alguma vantagem material. Não parece ao autor do título que o jornalista em questão apenas descobriu que a realidade era muito diversa, o contrário, do que lhe pintavam antes.
Nesse sentido, o título correto da matéria deveria ser:
Jornalista descobre a fraude do comunismo soviético, ao conhecer a realidade do stalinismo
Paulo Roberto de Almeida
FolhS. Paulo, 06/05/2015
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16h22
Jornalista comunista vira a casaca depois de visitar a URSS de Stálin
da Livraria da Folha
Isonomia e liberdade do proletariado que se emancipou dos grilhões do
capital. Era isso que o jornalista Osvaldo Peralva queria ver quando foi
estudar em Moscou em 1953, mas descobriu um governo autoritário
fundamentado na violência e no medo.
Em
"O Retrato",
a narrativa autobiográfica de uma desilusão, Peralva descreve a
experiência na União Soviética e apresenta um panorama do Partido
Comunista no Brasil.
O autor, que conviveu com os famintos que vagavam pelo interior da
Bahia, entrou no PCB em 1942. Apaixonado pela ideologia marxista e pela
militância no partido, ele foi à URSS como representante do Kominform,
organização que controlava os Partidos Comunistas de todo o mundo.
Peralva foi o quarto homem na hierarquia do Partido, atrás do chefe do
PC em Moscou, de Luís Carlos Prestes e do secretário-geral Diógenes
Arruda Câmara. A Escola em Moscou não se limitava ao ensino dos
fundamentos teóricos do marxismo-leninismo e a formar revolucionários de
tipo bolchevista.
Segundo o autor, o curso era uma espécie de lavagem cerebral, que
buscava produzir agentes capazes de executar "as ordem mais absurdas",
sem vacilar, e que "não tentasse pensar, a não ser por meio de chavões,
para evitar desvios da linha do Partido, fixada pela direção suprema".
"Através da pressão ideológica e do próprio regime de internato, onde se
fazia a apologia da obediência cega e do endeusamento de tudo que fosse
soviético", conta, "buscava-se transformar cada aluno em um indivíduo
despersonalizado, sem quaisquer interesses ou vontade que não fosse os
interesses e a vontade da direção do Partido".
A decepção o acompanhou na volta para o Brasil. As contradições do PCB,
que reproduzia o terrorismo ideológico e o culto à personalidade,
destruíram a ilusão do jornalista.
No 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PUCS), em
1956, Nikita Kruschev revelou os crimes do período em que Stálin
governou a URSS (1924-53). O Relatório de Kruschev, também chamado de
"relatório secreto", provocou uma crise no comunismo quando o texto foi
divulgado.
Os militantes se dividiram. Alguns refletiram sobre a própria ideologia,
outros preferiram acreditar que se tratava de uma fraude elaborada pela
CIA. Peralva rompeu com o comunismo no fim da década de 1950.
"A leitura de 'O retrato' pode contribuir para que pessoas de bom senso
revejam esse tipo de opção", escreve Antonio Paim na apresentação à
edição.
Nascido na Bahia, em 1918, Osvaldo Peralva escreveu para os jornais "Última Hora", Correio da Manhã" e
Folha de S.Paulo.
Apesar de o autor ter abandonado o comunismo, ele foi preso e exilado
após o AI-5, em 1968. Viveu na Alemanha Ocidental e regressou ao Brasil
com a Lei da Anistia, em 1979. Morreu em 1992, no Rio de Janeiro.
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O RETRATO
AUTOR Osvaldo Peralva
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 59,90 (preço promocional*)
Políticos são iguais em todo lugar. Eles prometem construir pontes mesmo onde não há rios. Nikita Kruschev
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Comentário de
Tenho
uma edição dos anos 60, em formato de bolso. O Peralva assumiu com
dignidade os erros cometidos no Kominform e conseguiu relatar com
serenidade uns 15 anos de militância no PCB, a maior parte convivendo
com comissários do Comitê Central. Fornece detalhes preciosos sobre a
vida clandestina do PC e sobre as ações internacionais de Moscou,
citando uma grande plêiade de comissários do período. Foi um dos que se
desiludiu com a causa a partir do relatório Kruvchov. Ele conta que ao
ler a denúncia contra Stálin em Bucareste, onde funcionava o Kominform,
ficou 5 dias sem poder dormir, tremendo com o desconforto de ver o pai
dos povos ser denunciado como um tirano assassino. A partir daí começou a
observar melhor os seus pares e concluiu que o movimento comunista era
gerido por uma mística (sic) em que os fatos e narrativas tinham uma
simbologia própria de interpretação da realidade. Seu livro tem a
preciosidade de ser uma fonte de dados sobre o comportamento dos
próceres comunistas em uma época que passou, mas que deixou sequelas em
sociedades atrasadas onde o niilismo se tornou uma doença social tão
renitente quanto o subdesenvolvimento que as sufocam.