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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Lula deveria revisar sua postura em relação à guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, diz pacifista colombiano (FSP)

Lula faz Putin sentir que não está sozinho, afirma líder de negociações com as Farc

Sergio Jaramillo, hoje à frente da campanha Aguenta, Ucrânia, afirma que Brasil deveria revisar política em relação à Rússia

BOGOTÁ

Folha de S. Paulo, 21/07/2023 

Sergio Jaramillo, 57, já havia visto a barbárie da guerra antes, em seu próprio país, a Colômbia.
De 2012 a 2016, durante o governo de Juan Manuel Santos, ele liderou o Alto Comissariado para a Paz, órgão que negociou com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) o acordo do Estado com a guerrilha colombiana. A atuação de Jaramillo ajudou o agora ex-presidente a ganhar o Nobel da Paz.

Hoje, ele comanda a iniciativa "Aguenta, Ucrânia", campanha que reúne artistas, políticos e intelectuais de vários países da América Latina para pedir paz no conflito que se desenrola no Leste Europeu.

No último dia 27 de junho, Jaramillo, o escritor Héctor Abad Faciolince e a jornalista Catalina Gómez, todos colombianos, além da escritora ucraniana Victoria Amelina, estavam em um restaurante na cidade de Kramatorsk após visitarem diversas regiões afetadas pela guerra promovida pela Rússia.

Embora a pizzaria Ria fosse um alvo civil —e, assim, atacá-la seria um crime de guerra—, Moscou disparou um míssil contra o local. Amelina e outras dez pessoas foram mortas, e mais de 60 ficaram feridas na ação, incluindo Jaramillo, atingido na perna. "A Rússia se tornou um Estado terrorista, e a América Latina, se tiver valores, precisa protestar", afirma ele, de Bogotá, onde conversou com a Folha.

O sr. encabeça a bandeira da campanha "Aguenta, Ucrânia" e foi ao país levar a mensagem de políticos e artistas latino-americanos. O que viu por lá lhe deu qual sensação?
A de que a invasão russa só vai acabar quando o Kremlin perceber que todas as portas estão fechadas. Mas o que Brasil e África do Sul estão fazendo é abrir uma porta muito grande, dando espaço para [o líder russo Vladimir] Putin. Isso o convence de que não está sozinho, reforça suas teorias delirantes de que o problema é o Ocidente, não sua invasão criminosa, prolonga a guerra e torna a paz impossível.

Qual a diferença entre falar da guerra de longe e vê-la in loco?
Não se pode generalizar, mas de modo geral tenho a ideia de que se dá um passo muito rápido da guerra para as questões geopolíticas, e talvez devêssemos dar mais atenção às pessoas que estão sofrendo.

O governo Lula erra em relação à guerra?
O PT deveria ter mais simpatia pelas vítimas ucranianas. Impossível que não saibam disso, [a ex-presidente] Dilma Rousseff e outros foram torturados. Concordo quando Lula defende um mundo multipolar, mas a política externa que ele promove vem contradizendo essa crença. Afinal, o que Putin está fazendo é o contrário: ele está impondo um mundo em que quem tem mais força domina tudo.

Além de o senhor ter ficado ferido na Ucrânia, perdeu uma amiga, a escritora Victoria Amelina.
Foi terrível, e é em nome dela que peço ao governo do Brasil que revise sua política em relação à Rússia e à invasão, porque a única coisa que está conseguindo é prolongar a guerra e afastar a paz.

O que o senhor foi fazer no Donbass, no leste da Ucrânia, com Amelina, Faciolince e Gómez?
Fomos coletar depoimentos de pessoas para a nossa campanha "Aguenta, Ucrânia". Victoria foi a nossa guia. Começamos em Kharkiv, onde uma amiga dela nos contou como, após a invasão russa, especialmente brutal ali, ela decidiu ficar e se tornar voluntária para ajudar pessoas e animais. A guerra deixou centenas, talvez milhares, de cães vagando pelas ruas e nos campos do país, procurando desesperadamente seus donos, que haviam abandonado a cidade.

Em Izium, ela nos levou ao jardim de uma casa muito modesta, onde encontrou enterrado sob uma cerejeira o diário de Volodimir Vakulenko, poeta que os russos assassinaram. Ele escreveu um diário do primeiro mês da invasão, e Victoria o encontrou e o divulgou na feira do livro de Kiev.

E o que os levou a essa pizzaria em Kramatorsk?
Passamos o dia conversando com pessoas nos arredores da cidade. Depois, fomos ao restaurante favorito de Victoria, a pizzaria Ria, um lugar animado em que jornalistas internacionais costumavam se reunir. Estávamos relaxados, fazendo piada sobre o fato de termos de beber cerveja sem álcool. Victoria estava à minha esquerda quando o míssil explodiu. Eu tinha abaixado a cabeça para pegar um guardanapo. Ela recebeu um golpe muito forte na parte de trás da cabeça de algum objeto que voou.

O que sentiram naquele momento?
Uma inusitada serenidade. Tudo gira ao redor, o tempo parece parar, e a mente tenta assimilar o que está acontecendo. Imediatamente pensamos nos outros... Héctor e Catalina saíram ilesos, mas quando virei a cabeça vi Victoria ao meu lado, imóvel, como uma estátua. Verificamos seu pulso, pedimos que chamassem uma ambulância e, quando os paramédicos chegaram para prestar os primeiros socorros, ficou claro que seu estado era muito, muito delicado. Fomos atrás dela no hospital, que estava cheio de feridos. Quase todas as pessoas na pizzaria ficaram feridas de alguma forma, eu sofri apenas um golpe forte na coxa que deixou um hematoma e um ferimento superficial que sangrava bastante no cotovelo. Aqueles que estavam sentados dentro da pizzaria foram os mais atingidos, o teto de concreto caiu sobre eles quando o míssil explodiu. Muitos funcionários jovens morreram.

O sr. já havia vivido algo assim antes?
Quando ocorreu o atentado a El Nogal, em Bogotá [em 2003, de autoria das Farc], eu estava jantando nas proximidades e cheguei logo depois ao local. Várias insurgências recorreram ao terrorismo na América Latina, como os Montoneros, que colocaram muitas bombas nos anos 1970 na Argentina, e o Manuel Rodríguez, que fez o mesmo no Chile nos anos 1980. E, claro, conhecemos o terrorismo jihadista do 11 de Setembro e os ataques em Paris. Mas o que a Rússia está fazendo hoje é um nível de barbárie diferente.

Trata-se de uma superpotência e um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU que, em vez de proteger o direito internacional, usa seu poder para atacar sistematicamente civis em toda a Ucrânia.

É uma política de terror. No dia seguinte ao enterro de Victoria, mataram dez civis e feriram mais de 40 em um prédio residencial na cidade de Lviv, que foi atingida por mísseis, a centenas de quilômetros da linha de frente. A Rússia se tornou um Estado terrorista, e a América Latina, se tiver valores, precisa protestar.

O sr. liderou as negociações de paz com as Farc. Que balanço faz da experiência?
Agridoce. Há coisas que se saíram muito bem, como a desmobilização de guerrilheiros, o desarmamento, a incorporação das Farc ao nosso sistema democrático. O sistema de Justiça Especial para a Paz e as políticas de reparação também deram resultados extraordinários. Desde o Estatuto de Roma não havia acontecido algo assim. Mas a paz na Colômbia depende de muitos outros aspectos, econômicos, sociais e relacionados à presença de outras forças violentas, como cartéis de narcotráfico. O caminho é longo.

RAIO-X | SERGIO JARAMILLO, 57

Liderou de 2012 a 2016 o Alto Comissariado para a Paz, órgão que negociou com as Farc o acordo do Estado colombiano com a guerrilha. Antes, foi vice-ministro de Defesa para política e assuntos estrangeiros (2006-2009) e diretor-executivo do Ideas for Peace Foundation em Bogotá (2000-2003). Estudou filosofia e grego nas universidades de Toronto, Oxford, Cambridge e Heidelberg.

sexta-feira, 31 de março de 2023

Brasil deixa de assinar declaração contra Rússia em Cúpula da Democracia - Thiago Amâncio (FSP)

Existe ameaça maior à democracia e à soberania de um país do que ser invadido militarmente por uma grande potência? Lula ponderou suas palavras na carta? 

O resguardo num multilateralismo puramente formal e superficial é um engodo para fugir à obrigação ética de condenar um criminoso de guerra e violador deliberado da Carta da ONU e do Direito Internacional.

Paulo Roberto de Almeida

Brasil deixa de assinar declaração contra Rússia em Cúpula da Democracia

Lula não participou de evento de Biden, mas enviou carta com menções ao 8 de Janeiro e a conflito entre EUA e China


WASHINGTON

O Brasil não assinou a declaração final da segunda edição da Cúpula da Democracia, evento promovido pelo governo Joe Biden e organizado em conjunto com Costa RicaHolandaCoreia do Sul e Zâmbia.

O texto traz uma série de críticas à invasão da Ucrânia pela Rússia, que já dura mais de 13 meses. "Lamentamos as terríveis consequências humanitárias e de direitos humanos da agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, incluindo os ataques contínuos contra infraestrutura crítica em toda a Ucrânia com consequências devastadoras para os civis, e expressamos nossa grande preocupação com o alto número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças, o número de deslocados internos e refugiados que precisam de assistência humanitária, e violações e abusos cometidos contra crianças", diz o documento.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante segunda edição da Cúpula da Democracia, na Casa Branca - Jonathan Ernst - 29.mar.23/Reuters

A informação foi publicada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.

A declaração levanta ainda preocupações com o impacto da guerra em áreas como segurança alimentar e energética, proteção nuclear e meio ambiente. "Exigimos que a Rússia retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia e pedimos o fim das hostilidades", continua o texto, pedindo responsabilização por crimes que violam o direito internacional.

Ao todo, 76 países assinaram o comunicado, 16 deles apontando discordâncias. Três países signatários, por exemplo, não concordam integralmente com o parágrafo que cita a Rússia: Índia (membro do Brics, ao lado de Moscou, Brasil, China e África do Sul), Armênia e México. A avaliação do governo brasileiro, segundo diplomatas ouvidos pela reportagemfoi de que o fórum adequado para discutir o tema seria a ONU, não a Cúpula da Democracia.

O evento, que começou na terça-feira (28) e se encerra nesta quinta-feira (30), serviu como uma espécie de fórum online com discursos feitos por líderes via videoconferência. O governo americano convidou 120 países para participar, mas apenas 85 lideranças enviaram discursos, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava entre eles. O presidente estaria na China —país não convidado para a cúpula— e iria enviar um vídeo gravado, o que não foi possível por questões de saúde depois que ele recebeu diagnóstico de pneumonia, segundo fontes do governo brasileiro.

Lula, porém, enviou uma carta aos organizadores em que lembrou do ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro e ressaltou a importância de fortalecer a democracia. "As instituições democráticas precisam ser capazes de resistir a atentados violentos, a campanhas de desinformação e a discursos de ódio, que frequentemente se valem das redes sociais. Estamos diante de um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta", escreveu.

O presidente brasileiro também defendeu a importância de "instituições sólidas, lideranças determinadas e cooperação internacional" para combater "inimigos da democracia" para além das fronteiras nacionais. "Na América Latina e no Caribe, apostamos na integração regional e no diálogo como plataformas para o enfrentamento coletivo desses desafios e fortalecimento da democracia."

Lula ainda se referiu, sem citar os nomes dos países, ao conflito entre EUA e China. "Atravessamos momento de ameaça de uma nova guerra fria e da inevitabilidade de um conflito armado. Todos sabem os custos que a primeira guerra teve em gastos com armas em detrimento de investimentos sociais. A bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões. Defender a democracia é lutar pela paz. O diálogo político é o melhor caminho para a construção de consensos."

Questionado sobre as ausências de assinaturas na declaração final da cúpula, uma autoridade sênior do governo americano afirmou que "em qualquer declaração conjunta as negociações podem ser intensas" e que as assinaturas são preliminares, uma vez que mais países podem aderir ao documento.

A declaração conjunta da cúpula não é centrada na Guerra da Ucrânia, mas é uma espécie de compromisso dos signatários com a promoção da democracia e com o fortalecimento de instituições. O texto, porém, foi assinado por líderes criticados por ações consideradas antidemocráticas, como Narendra Modi, da Índia, Binyamin Netanyahu, de Israel, e Andrzej Duda, da Polônia.

Sob Lula, a diplomacia brasileira manteve postura semelhante à que já tinha com Jair Bolsonaro (PL) na Guerra da Ucrânia e tem evitado aderir às manifestações mais duras dos Estados Unidos e de aliados do Ocidente, ainda que tenha condenado a guerra em fóruns internacionais.

Lula já propôs criar um "clube da paz" de países não alinhados para negociar o fim da guerra e se opõe ao envio de armas e de munições aos ucranianos e à adoção de sanções contra os russos. Na carta enviada aos membros da cúpula, voltou a colocar o Brasil como negociador da paz no conflito do Leste Europeu. "O Brasil fará a sua parte. Contribuiremos, nos diferentes foros multilaterais e no diálogo entre países, para o fortalecimento da democracia, sempre norteados pelo direito internacional e pelos direitos humanos."

Nesta semana, o Brasil votou junto com Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU pela abertura de uma investigação do ataque aos gasodutos russos Nord Stream, que ligam a Rússia à Alemanha, mas a posição foi derrotada pelos outros membros do órgão.

Em fevereiro, porém, o governo brasileiro cedeu à pressão da Casa Branca e aceitou uma declaração conjunta com o governo Biden após a visita de Lula a Washington que condenava nominalmente Moscou pela violação territorial na Ucrânia, pelo desrespeito ao direito internacional, pelas mortes e pelos ataques à infraestrutura essencial do país.

A Cúpula da Democracia neste ano estava esvaziada em relação ao primeiro encontro, e ausências importantes foram notadas. Além do Brasil, líderes de países como ChileArgentinaEspanha e Portugal não participaram.

Biden anunciou um financiamento de US$ 690 milhões (R$ 3,5 bilhões) para um fundo para fortalecer democracias em todo o mundo. O valor ultrapassa os cerca de US$ 400 milhões (cerca de R$ 2 bilhões) anunciados com um propósito semelhante em 2021, durante a primeira edição do evento. Segundo o líder americano, o montante servirá para ajudar a combater a corrupção, apoiar eleições livres e justas e desenvolver tecnologias avançadas a fim de apoiar governos democráticos.

Há, no entanto, dúvidas em relação à efetividade desse tipo de iniciativa, e ressalvas ao protagonismo que os EUA tentam assumir nesse sentido, alinhado, por óbvio, às pretensões americanas.