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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Um Andrada que envergonha o nome da familia: censor tenebroso

O velho Bonifácio de Andrada e Silva certamente se sentiria humilhado por este descendente com intenções suspeitas:


Deputado federal pede ‘mordaça’ durante período eleitoral no País

Proposta de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) impede divulgação de investigações sobre os candidatos

domingo, 1 de janeiro de 2012

Governantes irresponsaveis deveriam ser processados por crime contra o patrimonio publico

O dia em que políticos irresponsáveis forem processados criminalmente por obras mal planejadas, mal conduzidas e, sobretudo, totalmente sem projetos sérios, vai terminar essa mania brasileira de começar obras sem qualquer administração séria.
Esse crime de Lula, contra o patrimônio de toda a nação, deveria ser levados ao tribunais, sob a Lei de Responsabilidade Fiscal. O dia em que um presidente, um governador, um prefeito, forem levados às barras dos tribunais e às barras da cadeia, por obras irresponsáveis como essa, teremos menos desperdício dos recursos públicos, menos gastos criminosos, e maior eficácia no uso do dinheiro do cidadão.
Lula deveria ser processado por isso, e com ele metade do seu governo.
Paulo Roberto de Almeida 

Transposição cada vez mais cara

O Estado de S.Paulo, 01 de janeiro de 2012

Decidida e iniciada às pressas por interesse político-eleitoral, sem que houvesse estudos que dirimissem dúvidas quanto à sua viabilidade econômica nem projetos executivos para assegurar a boa execução dos trabalhos, a transposição do Rio São Francisco está ficando cada vez mais cara para os contribuintes e ainda não se sabe quanto, afinal, custará nem quando estará concluída. Responsável no governo pelo projeto, o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, agora anuncia que, mesmo depois de licitadas todas as obras necessárias e assinados os respectivos contratos, nova licitação terá de ser feita, ao preço de pelo menos R$ 1,2 bilhão, para recuperação do que se deteriorou e execução do que deveria ter sido feito, mas não foi.
O custo de R$ 5 bilhões, anunciado quando as obras foram iniciadas, em 2007, vem sendo revisto desde então. Se as novas obras a serem contratadas ficarem no valor previsto pelo governo, o total alcançará R$ 6,9 bilhões. Mas ainda não se sabe quanto mais será gasto com a nova licitação. "Só vamos ter certeza do valor quando concluirmos o processo licitatório e fecharmos o contrato", disse o ministro ao Estado. Isso ainda levará algum tempo, pois o ministro pretende lançar a licitação em março.
Certamente, quando o contrato for fechado, o ministro e todos os brasileiros saberão quanto mais custará esse projeto eleitoreiro idealizado pelo ex-presidente Lula e que sua sucessora Dilma Rousseff se comprometeu a concluir. Mas nem depois de fechados os novos contratos se terá certeza de que não haverá outros custos adicionais.
A transposição do São Francisco é uma amostra exemplar do padrão de gestão petista. Decisões são tomadas não com base em cálculos econômico-financeiros ou estudos sobre a importância e a urgência do projeto para a região e para o País, mas tendo em conta os interesses do PT e de seus aliados de ocasião.
Em obras essenciais, projetos são mal elaborados - às vezes nem existem projetos executivos -, o que abre espaço para renegociações de preços, que o Tribunal de Contas da União (TCU) vem acompanhando com atenção, tendo vetado várias delas, e para a execução de serviços em condições inadequadas, e que por isso precisam ser refeitos, com custos adicionais para o contribuinte.
No início de dezembro, a reportagem do Estado percorreu trechos das obras da transposição em Pernambuco e constatou a existência de estruturas de concreto estouradas, vergalhões de aço abandonados e enferrujados, paredes de contenção rachadas e canteiros de obras fantasmas. Muito do que havia sido executado estava se perdendo, por falta de continuidade das obras - outra característica do governo petista, que, por deficiência administrativa, não tem conseguido assegurar o ritmo normal de execução de vários projetos. Na ocasião, o ministro disse que a recuperação não implicaria custos adicionais para o governo.
Agora, reconhece que haverá novas licitações. "Não diria que foi erro de projeto, mas o projeto básico não estava detalhado e foi incapaz de identificar as situações de campo", disse, ao tentar justificar a paralisação dos trabalhos em diversos setores, a revisão de contratos e a realização de nova licitação. É uma confissão de que não havia projetos adequados para uma obra das dimensões da transposição.
Para o objetivo político-eleitoral a que se destinava, a obra já cumpriu seu papel, pois o projeto de transposição foi um dos maiores responsáveis pela esmagadora vitória que a então candidata do PT obteve nos municípios que serão diretamente beneficiados - e, por dever de gratidão eleitoral, ela assumiu o compromisso de concluir a obra.
Tendo chegado ao estágio que chegou, é importante que a obra seja concluída, no menor prazo e ao menor custo possíveis. Mesmo usada como peça de propaganda eleitoral, a obra está muito atrasada. O ex-presidente Lula queria inaugurar o Eixo Leste em seu mandato, mas faltam 30% das obras. A nova previsão é a inauguração no fim do mandato da presidente Dilma Rousseff. O Eixo Norte tem menos de metade das obras pronta e não estará concluído antes de dezembro de 2015.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Parafrase da erosao da democracia -- algo bem real

Da coluna do jornalista Carlos Brickmann:

Humberto Domingos Pastore, de São Caetano, SP, assíduo leitor desta coluna, envia sua colaboração sobre sigilos...:

Um dia violaram o sigilo fiscal dos políticos adversários. E se achou normal.
Um dia violaram o sigilo dos filhos dos políticos adversários. E se achou normal.
Um dia violaram o sigilo dos apresentadores de televisão. E se achou normal.
Um dia violaram o sigilo de grandes empresários. E se achou normal.
Quando violaram o sigilo de um caseiro para beneficiar um ministro, já haviam achado normal.
Quando vão reconhecer a gravidade desta situação?


O dia certo
Este colunista (Carlos Brickmann) tem a resposta: só quando os culpados virarem vítimas.

sábado, 18 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (29): Revista Veja detona a Casa Civil...

Em qualquer país decente -- por exemplo, os EUA, vários europeus (mas não todos), os nórdicos certamente, e até alguns latinos, do Norte e do Sul -- o governo já teria caído.
Num país com Justiça atuante, com procuradoria independente, com parlamento digno, não apenas todo o governo teria caído, mas o presidente seria provavelmente objeto de processo por crime de responsabilidade, e até condenado a perder o mandato por impeachment. Não necessariamente por participar de qualquer crime, mas simplesmente por mentir.
Obviamente, nada disso vai ocorrer no Brasil.

Eu estava pensando que esta série sobre a república mafiosa do Brasil -- que possui até Constituição (vou repostá-la, ugh, no próximo post -- teria menos de dez posts. Mas ela já vai para 30 e promete nunca acabar. A culpa não é minha...
Paulo Roberto de Almeida

'Caraca! Que dinheiro é esse?'
Diego Escosteguy e Otávio Cabral
Revista Veja, 18.9.2010| 9h04m

Funcionário da Casa Civil recebeu propina dentro da Presidência da República, perto do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a um andar do presidente Lula

Numa manhã de julho do ano passado, o jovem advogado Vinícius de Oliveira Castro chegou à Presidência da República para mais um dia de trabalho. Entrou em sua sala, onde despachava a poucos metros do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de sua principal assessora, Erenice Guerra Vinícius se sentou, acomodou sua pasta preta em cima da mesa e abriu a gaveta.

O advogado tomou um susto: havia ali um envelope pardo. Dentro, 200 mil reais em dinheiro vivo – um “presentinho” da turma responsável pela usina de corrupção que operava no coração do governo Lula.

Vinícius, que flanava na Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, começara a dar expediente na Casa Civil semanas antes, apadrinhado por Erenice Guerra e o filho-lobista dela, Israel Guerra, de quem logo virou compadre.

Apavorado com o pacotaço de propina, o assessor neófito, coitado, resolveu interpelar um colega: “Caraca! Que dinheiro é esse? Isso aqui é meu mesmo?”. O colega tratou de tranquilizá-lo: “É a ‘PP’ do Tamiflu, é a sua cota. Chegou para todo mundo”.

PP, no caso, era um recado – falado em português, mas dito em cifrão. Trata-se da sigla para os pagamentos oficiais do governo. Consta de qualquer despacho público envolvendo contratos ou ordens bancárias. Adaptada ao linguajar da cleptocracia, significa propina. Tamiflu, por sua vez, é o nome do remédio usado para tratar pacientes com a gripe H1N1, conhecida popularmente como gripe suína.

Dias antes, em 23 de junho, o governo, diante da ameaça de uma pandemia, acabara de fechar uma compra emergencial desse medicamento – um contrato de 34,7 milhões de reais. A “PP” entregue ao assessor referia-se à comissão obtida pela turma da Casa Civil ao azeitar o negócio Segundo o assessor, o governo comprara mais Tamiflu do que o necessário, de modo a obter uma generosa comissão pelo negócio.

Até a semana passada, Vinícius era assessor da Casa Civil e sócio de Israel Guerra, filho de Erenice Guerra, ex-ministra da pasta, numa empresa que intermediava contratos com o governo usando a influência da petista. Naturalmente, cobravam comissão pelos serviços.

Depois que VEJA revelou a existência do esquema em sua última edição, Vinícius e outro funcionário do Planalto, Stevan Knezevic, pediram demissão, a ministra Erenice caiu – e o governo adernou na mais grave crise política desde o escândalo do mensalão, e que ronda perigosamente a campanha presidencial da petista Dilma Rousseff.

Lançado ao centro do turbilhão de denúncias que varre a Casa Civil, Vinícius Castro confidenciou o episódio da propina a pelo menos duas pessoas: seu tio e à época diretor de Operações dos Correios, Marco Antonio de Oliveira, e a um amigo que trabalhava no governo. Ambos, em depoimentos gravados, confirmaram a VEJA o teor da confissão.

Antes de cair em desgraça, o assessor palaciano procurou o tio e admitiu estar intrigado com a incrível despreocupação demonstrada pela família Guerra no trato do balcão de negócios instalado na Casa Civil. Disse o assessor: “Foi um dinheiro para o Palácio. Lá tem muito negócio, é uma coisa. Me ofereceram 200 000 por causa do Tamiflu”.

Vinícius explicou ao tio que não precisou fazer nada para receber a PP. “Era o ‘cala-boca". O assessor disse ainda ao tio que outros três funcionários da Casa Civil receberam os tais pacotes com 200 000 reais; porém não declinou os nomes nem a identidade de quem distribuiu a propina. Diz o ex-diretor dos Correios: “Ele ficou espantado com aquela coisa. Eu avisei que, se continuasse desse jeito, ele iria sair algemado do Palácio”.

O cândido ex-assessor tem razão: dinheiro sujo dentro de um gabinete da Presidência da República é um fato espantoso. Nos últimos anos, sobretudo desde que o presidente Lula relativizou os crimes cometidos durante o mensalão, sempre que se apresenta um caso de corrupção à opinião pública surgem três certezas no imaginário popular.

* Primeiro, nunca se viu um escândalo tão escabroso
* Ninguém será punido
* O escândalo que vier a sucedê-lo reforçará as duas certezas anteriores.


A anestesiada sociedade brasileira já soube de dinheiro na cueca, dinheiro na meia, dinheiro na bolsa, dinheiro em caixa de uísque, dinheiro prometido por padre ligado a guerrilheiros colombianos. Mas nada se compara em ousadia ao que se passava na Casa Civil. Ficará consolidado no inverno moral da era Lula se, mais uma vez, esses eventos forem varridos para debaixo do tapete.

Já se soube de malfeitorias produzidas na Presidência, mas talvez nunca de um modo tão organizado e sistemático como agora – e, ao mesmo tempo, tão bisonhamente rudimentar, com contratos, taxas de sucesso e depósitos de propina em conta bancária.

Por fim, o que pode ser mais escabroso do que um grupo de funcionários públicos, ao que tudo indica com a participação de um ministro da Casa Civil, cobrar pedágio em negócios do governo? O mais assustador, convenha-se, é repartir o butim ali mesmo, nas nobres dependências da cúpula do Poder Executivo, perto do presidente da República e ao lado da então ministra e hoje candidata petista Dilma Rousseff.

Na semana passada, quando o caso veio a público, a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, tentou se afastar o quanto pôde do escândalo. Apesar de o esquema ter começado quando Dilma era ministra e Erenice sua escudeira, a candidata disse que não poderia ser responsabilizada por “algo que o filho de uma ex-assessora fez”. Dilma candidata não tinha mesmo outra alternativa. As eleições estão aí e o assunto em questão é por demais explosivo.

Erenice Guerra ganhou vida em razão do oxigênio que Dilma lhe forneceu durante sete anos de governo. Erenice trabalhou com a candidata quando esta comandava a pasta de Minas e Energia e na Casa Civil transformou-se na assessora-mor da petista, assumindo o cargo de secretária-executiva. É possível que em todos esses anos de intenso trabalho conjunto Dilma não tenha percebido o que se passava ao seu redor. É possível que Dilma seja uma péssima leitora de caráter. Mas, em algum momento, ela vai ter que enfrentar publicamente esse enorme contencioso passado.

Obedecendo à consagrada estratégia política estabelecida pelo PT, Dilma não só tentou se distanciar do caso como buscou desqualificar os fatos apresentados por VEJA. “É um factoide”, afirmou a candidata, dois dias antes de Erenice ser demitida pelo presidente Lula. (O governo divulgou que a ministra pediu demissão, o que é parolagem.)

A chefe da numerosa família Guerra caiu na manhã da última quinta-feira, vítima dos vícios da sua turma. Além dos fatos apontados por VEJA, veio a público o atávico hábito da ex-ministra em empregar parentes no governo, que, desde já, dá um novo significado ao programa Bolsa Família. Também se descobriram contratos feitos sem licitação favorecendo parentes da ministra.

Em um dos episódios, o filhote de Erenice cobrou propina até de um corredor de Motocross, que descolara um patrocínio de 200 000 reais com a Eletrobrás, estatal sob a influência de Erenice. Taxa de sucesso paga: 40 000 reais. “Israel chamava a Dilma de tia”, contou o motoqueiro Luís Corsini, o desportista que pagou a taxa de sucesso.

Antes de capitular aos irretorquíveis fatos apresentados por VEJA, o governo fez de tudo para desqualificar o empresário Fábio Baracat, uma das fontes dos jornalistas na revelação do esquema de arrecadação de propina na Casa Civil. Baracat, um empresário do setor aéreo, narrara, em conversas gravadas, as minúcias de suas tratativas com a família Guerra, que tinham por objetivo facilitar a obtenção de contratos da empresa MTA nos Correios.

No sábado, depois de, como disse, sofrer “fortes pressões”, Baracat divulgou uma nota confusa, na qual “rechaçava oficialmente informações" da reportagem, mas, em seguida, confirmava os fatos relatados. Com medo de retaliações por parte do governo, o empresário refugiou-se no interior de São Paulo. Ele aceitou voltar à capital paulista na última quinta-feira, para mais uma entrevista. Disse ele na semana passada: “Temo pela minha vida. Vou passar um tempo fora do país”. O empresário aceitou ser fotografado e corroborou, diante de um gravador, as informações antes prestadas à revista.

Baracat não quis explicar de onde partiram as pressões que sofreu, mas, em uma hora e meia de entrevista gravada, ratificou integralmente o conteúdo da reportagem. O empresário confirmou que, levado por Israel e Vinícius, encontrou-se várias vezes com Erenice Guerra, quando ela era secretária-executiva e, por fim, quando a petista virou ministra.

As primeiras conversas, narra Baracat, serviram para consolidar a convicção de que Israel não vendia falsamente a influência da mãe. Na última conversa que eles tiveram, em abril deste ano, o tom mudou. Israel cobrava dinheiro do empresário por um problema resolvido para ele na Infraero.

Diz Baracat: “Ele dizia que havia pagado na Infraero para resolver”.
Na reunião, disse Erenice, de acordo com o relato do empresário: “’Olha, você sabe que a gente está aqui na política, e a gente tem que cumprir compromissos’. (...) Ficou subentendido (que se tratava da propina). (Ela) foi sempre genérica (nesse sentido). (...) Ela disse: ‘A gente é político, não pode deixar de ter alguns parceiros’”. Baracat diz que não sabe o que a família Guerra fez com o dinheiro.

O misterioso caso da comissão do Tamiflu também merece atenção das investigações iniciadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. O Ministério da Saúde, que já gastou 400 milhões de reais com a aquisição do remédio desde o ano passado, afirma que não houve qualquer ingerência da Casa Civil – e que a quantidade de Tamiflu comprada foi definida somente por critérios técnicos.

A seguir, mais uma história edificante

Em outros episódios, a participação da Casa Civil aparece de forma mais clara. VEJA apurou mais um caso no qual o poder da Casa Civil dentro do governo misturou-se aos interesses comerciais da ex-ministra, resultando numa negociata de 100 milhões de reais. Desta vez, o lobista central da traficância não é o filho, mas o atual marido de Erenice Guerra, o engenheiro elétrico José Roberto Camargo Campos.

Com a ministra Dilma Rousseff na Casa Civil e a esposa Erenice Guerra como seu braço direito, Camargo convenceu dois amigos donos de uma minúscula empresa de comunicações a disputar o milionário mercado da telefonia móvel. Negócio arriscado, que exige muito capital e experiência num ramo cobiçado e disputado por multinacionais. Isso não era problema para Camargo e seus sócios. Eles não tinham dinheiro nem experiência, mas sim o que efetivamente importa em negócios com o governo: os contatos certos – e poderosos.

Em 2005, a empresa Unicel, tendo Camargo como diretor comercial, conseguiu uma concessão da Anatel para operar telefonia celular em São Paulo. Por decisão pessoal do então presidente da agência, Elifas Gurgel, a empresa do marido ganhou o direto de entrar no mercado. De tão exótica, a decisão foi contestada pelos setores técnicos da Anatel, que alegaram que a empresa sequer havia apresentado garantias sobre sua capacidade técnica e financeira para tocar o negócio.

O recurso levou dois anos para ser julgado pela Anatel. Nesse período, Erenice e seu marido conversaram pessoalmente com o presidente da agência, conselheiros e técnicos, defendendo a legalidade da operação. “A Erenice fazia pressão para que os técnicos revissem seus parecereres e os conselheiros mudassem seu voto”, conta um dos membros do conselho, também alvo da pressão da ex-ministra.

A pressão deu certo. O técnico que questionou a legalidade da concessão, Jarbas Valente, voltou atrás e mudou seu parecer, admitindo os “argumentos” da Casa Civil. Logo depois, Valente foi promovido a conselheiro da Anatel. Um segundo conselheiro, Pedro Jaime Ziller, também referendou a concessão a Unicel. Não se entende bem a relação entre uma coisa e a outra, mas dois assessores de Ziller, logo depois, trocaram a Anatel por cargos bem remunerados na Unicel.

Talvez tenham sido seduzidos pelos altos salários pagos pela empresa, algo em torno de 30 000 reais – muito, mas muito mais do que se paga no serviço público. O presidente Elifas foi pressionado diretamente pelo Ministro das Comunicações, mas nem precisava: ele foi colega de Exéricito de um dos sócios da Unicel. Tudo certo? Não. Havia ainda um problema a ser sanado.

A legislação obriga as concessionárias a pagar 10% do valor do contrato como entrada para sacramentar o negócio. A concessão foi fixada em 93 milhões de reais. A empresa, portanto, deveria pagar 9,3 milhões de reais. A Unicel não tinha dinheiro.

Novamente com Erenice à frente, a Unicel conseguiu uma façanha. O conselho da Anatel acatou o pedido para que o sinal fosse reduzido para 1% do valor do negócio, ou seja, pouco mais de 900 000 reais. A insólita decisão foi contestada pelo Ministério Público e, há duas semanas, considerada ilegal pela Justiça.

Com a ajuda estatal, a empresa anunciou o início da operação em outubro de 2008, com o nome fantasia de AEIOU, prometendo tarifas mais baixas para atrair o público jovem, com o compromisso de chegar a um milhão de clientes em dois anos. Como foi previsto pelos técnicos, nada disso aconteceu.

Hoje, a empresa tem 20 000 assinantes, sua única loja foi fechada por falta de pagamento de aluguel e responde a mais de 30 processos por dívidas, que ultrapassam 20 milhões de reais. Mau negócio? Apesar da aparência, não. A grande tacada ainda está por vir.

O alvo do marido de Erenice é o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – uma invenção que vai consumir 14 bilhões de reais para universalizar o acesso a internet no Brasil. O grupo trabalha para “convencer” o governo a considerar que a concessão da Unicel é de utilidade pública para o projeto. Com isso, espera receber uma indenização. Valor calculado por técnicos do setor: se tudo der certo, a empresa sairá com 100 milhões de reais no bolso, limpinhos.

Dinheiro dos brasileiros honestos que trabalham e pagam impostos.
A participação da Casa Civil no episódio ultrapassa a intolerável fronteira das facilidades e da pressão política. Aqui, aparecem diretamente as promíscuas relações entre os negócios da família Guerra e os funcionários que, dentro da Presidência da República, deveriam zelar pelo bem público.

A Unicel contou, em especial, com os favores de Gabriel Boavista Lainder, assessor da Presidência da República e dirigente do Comitê Gestor dos Programas de Inclusão Digital, que comanda o PNBL. Antes de ocupar o cargo, Gabriel trabalhou por oito anos com os donos da Unicel. Mas isso é, como de costume, apenas uma coincidência – como também é coincidência o fato de ele ter sido indicado ao cargo pelo marido de Erenice.

“O marido da Erenice é um cara que admirava meu trabalho. Ela me disse que precisava de alguém para coordenar o PNBL”, diz Laender. E completa: “O PNBL não contempla o uso da faixa da Unicel, mas ela pode operar a banda larga do governo se fizer adaptações técnicas” É um escárnio.

Camargo indicou o homem que pode resolver os problemas de sua empresa. Procurado, o marido de Erenice não quis se pronunciar. Na Junta Comercial, o nome de Camargo aparece como sócio de uma empresa de mineração, que funciona em modesto escritório em Brasília. Um probleminha que pode chamar a atenção dos investigadores: a Unicel está registrada no mesmo endereço, que também era usado para receber empresários interessados em negócios com o governo. Certamente mais uma coincidência.

Com reportagem de Rodrigo Rangel, Daniel Pereira, Gustavo Ribeiro e Fernando Mello

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Aposta mafiosa: ganha (ou perdida) pela metade

Como sabem os que acompanham este blog, eu fiz uma aposta contra mim mesmo, segundo a qual, um ou os dois dos meliantes que participaram de crimes políticos e de crimes comuns nos últimos tempos seria(m) demitido(s) ou apresentaria(m) demissão.
(Vejam aqui e aqui.)
Não acreditava que pudesse ocorrer, pelo menos não com os elementos de informação até então disponíveis. Mas é que outros fatos, indesmentíveis, se acumularam, levando à primeira queda. Está faltando a segunda...
Eis a carta de "demitida" da ex-ministra enrolada. Sim, sua carta de demissão foi forçada, o que é evidente para qualquer estudante de jornalismo ou direito (ou não, para qualquer pessoa medianamente bem informada).
Paulo Roberto de Almeida

Leia íntegra da carta de demissão da ministra Erenice Guerra
Porta-voz leu carta de demissão da ministra no Palácio do Planalto.
Filho da ministra é acusado de tráfico de influência na Casa Civil.
Do G1, em Brasília, 16/09/2010 13h36 - Atualizado em 16/09/2010 13h40

O porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, anunciou nesta quinta-feira (16) a saída de Erenice Guerra da Casa Civil.
Leia abaixo a íntegra da carta de demissão:
"Senhor Presidente
Nos últimos dias, fui surpreendida por uma série de matérias vinculadas por alguns órgãos da imprensa contendo acusações que envolvem familiares meus e um ex-servidor lotado nesta pasta, tenho respondido uma a uma, buscando esclarecer o que se publica e principalmente a verdade dos fatos, defrontando-me com toda a sorte de afirmações, ilações e mentiras que visam a desacreditar o meu trabalho e atingir o governo ao qual sirvo.
Não posso, não devo e nem quero furtar-me a tarefa de esclarecer todas essas acusações nem posso deixar qualquer dúvida pairando acerca da minha honradez e da seriedade com a qual me porto no serviço público. Nada fiz e permiti que se fizesse ao longo de 30 anos de minha trajetória pública que não tenha sido um estrito cumprimento dos meus deveres. Prova irrefutável dessa minha postura, é que já solicitei à Comissão de Ética a abertura de procedimento para esclarecimento dos fatos aleivosamente contra mim levantados. À Controladoria-Geral da União (CGU), a auditagem dos atos relativos à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dos Correios e da contratação de parecer jurídico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), além de solicitar ao Ministério da Justiça a abertura dos procedimentos que se fizerem necessários no âmbito daquela pasta para também esclarecer os citados fatos.
No entanto, mesmo com todas essas medidas por mim adotadas, inclusive com a abertura dos meus sigilos telefônico, bancário e fiscal, a sórdida campanha para desconstituição da minha imagem, do meu trabalho e da minha família continuou implacável. Não apresentam uma única prova sobre minha participação em qualquer dos pretensos atos levianamente questionados, mas mesmo assim estampam, diariamente, manchetes cujo único objetivo é criar e alimentar artificialmente um clima de escândalo. Não conhecem limites.
Senhor presidente, por ter formação cristã, não desejo nem para o pior dos meus inimigos que ele venha a passar por uma campanha de desqualificação como a que se desencadeou contra mim e minha família. As paixões eleitorais não podem justificar esse vale-tudo. Preciso agora de paz e tempo para defender a mim e a minha família, fazendo com que a verdade prevaleça, o que se torna incompatível com a carga de trabalho que tenho a honra de desempenhar na Casa Civil.
Por isso, agradecendo a confiança de vossa excelência ao designar-me para a honrosa função de ministra-chefe da Casa Civil da República, solicito em caráter irrevogável que aceite meu pedido de demissão. Cabe-me daqui por diante a missão de lutar para que a verdade dos fatos seja restabelecida.
Brasília, 16 de setembro de 2010"

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (25): ate quando?

Não, não estou perguntando até quando irá a república mafiosa do brasil. Pelo andar da carruagem, não tem prazo de validade, e promete estender os seus malfeitos até onde a vista alcança e mais além.
Eu estava me perguntando até onde iria esta série de posts sob a rubrica geral da república mafiosa do brasil (tudo em minúsculas, comme il faut).
Sinceramente não sei. Eu a comecei esperando terminar em poucos números, menos de dez, digamos, apenas para refletir meu estado de espírito ao ver tantas patifarias sendo cometidas nos mais altos escalões da república, do estado, da máquina na qual se incrustram moluscos sanguessugas da nação.
Até coloquei um post de comentários pessoais, fazendo uma aposta segundo a qual alguns dos personagens da última leva de corrupção da grossa seriam demitidos no ato, ou se demitiriam de vergonha. Qual o que! Para que esperar algum gesto de decência dessa gente.
O editorial abaixo do Estadão coloca, como sempre, os ponts nos iis.
Paulo Roberto de Almeida

Republiquetização do País
Editorial - O Estado de S.Paulo
14 de setembro de 2010

Não é por acaso que o Gabinete Civil da Presidência da República tem estado envolvido em quase todos os grandes escândalos do governo Lula. A começar pelo mensalão, operado por José Dirceu, até a recentíssima denúncia de descarado tráfico de influência por parte da ministra Erenice Guerra e seus familiares, boa parte de todo o malfeito, do ilegal, da pura e simples corrupção que eclode no governo federal tem o dedo do Palácio do Planalto. O dedo de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande responsável pelo desenvolvimento econômico dos últimos oito anos; pela incorporação de milhões de cidadãos antes marginalizados ao mercado de consumo; pela ascensão do País à condição de, vá lá, player importante na diplomacia mundial. Se tudo de bom que se faz no governo é de responsabilidade do "cara", por que apenas o que de errado se faz no governo não tem dono?

Por muito menos do que se tem revelado ultimamente de lambanças com as instituições do Estado e com o dinheiro público um presidente da República foi forçado a renunciar há menos de 20 anos.

Mas com Lula é diferente. Embriagado por índices de popularidade sem precedentes na história republicana, inebriado pela vassalagem despudorada que lhe prestam áulicos, aderentes e aduladores das mais insuspeitadas origens e dos mais suspeitosos interesses, Sua Excelência se imagina pairando acima do bem e do mal, sem a menor preocupação de manter um mínimo de coerência com sua própria história política e um mínimo de respeito pelo decoro exigido pelo cargo para o qual foi eleito.

Sempre que os desmandos flagrados pela Imprensa ameaçam colocar em risco seus interesses políticos e eleitorais, Lula recorre sem a menor cerimônia à mesma "explicação" esfarrapada: culpa da oposição - na qual inclui a própria Imprensa. A propósito das violações de sigilo comprovadamente cometidas recentemente pela Receita Federal - não importa contra quem - não passou pela cabeça de Sua Excelência, nem que fosse apenas para tranquilizar os contribuintes, a ideia de admitir a gravidade do ocorrido e se comprometer com a correção desses desvios. Preferiu a habitual encenação palanqueira: "Nosso adversário, candidato da turma do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques pessoais e para a baixaria." Não há maior baixaria do que um chefe de Estado usar o horário eleitoral de seu partido político para atacar, em termos pouco republicanos, aqueles que lhe fazem oposição. E faltou alguém lembrar ao indignado defensor dos indefesos que entre "tudo que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos" estão a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras iniciativas fundamentais para a promoção social e o desenvolvimento econômico do País, contra as quais os então oposicionistas Lula e PT fizeram campanha e também votaram no Congresso.

Enquanto os aliados de Lula e de Sarney - a quadrilha que dilapidou o patrimônio público do Amapá - vão para a cadeia por conta das evidências contra eles levantadas pela Polícia Federal; enquanto os aliados de Lula - toda a cúpula executiva e legislativa, prefeito e vereadores, do município sul-mato-grossense de Dourados - pelo mesmo motivo vão para o mesmo lugar; enquanto na Receita Federal - não importa se por motivos políticos ou apenas (!) por corrupção - se viola o sigilo fiscal de cidadãos e as autoridades responsáveis tentam jogar a sujeira para debaixo do tapete; enquanto mais uma maracutaia petista é flagrada no Gabinete Civil da Presidência; enquanto, enfim, a mamata se generaliza e o presidente da República continua fingindo não ter nada a ver com a banda podre de seu governo, a população brasileira, pelo menos quase 80% dela, aplaude e reverencia a imagem que comprou do primeiro mandatário, o "cara" responsável, em última instância, pela republiquetização do País.

Está errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum momento, no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que, talvez, o povo de Lula seja constituído de consumidores, não de cidadãos.

sábado, 11 de setembro de 2010

Como perder uma aposta, mesmo contra a logica e o interesse publico (e ate o privado...)

Querem ver como é fácil perder uma aposta?
Eu mesmo, vou fazer, e aposto que vou perder.
Mas, confio na honestidade das pessoas, no interesse público, privado e partidário, até eleitoral, acreditando que seria melhor, para o governo, para sua credibilidade pública, para sua legitimidade política, para sua segurança institucional, para uma vitória tranquila para sua candidata, enfim, por tudo aquilo que a república mafiosa mais preza em seu itinerário político, que é a sua continuidade indisputada e indiscutível.
Qual é a aposta, afinal?
Simples, esta:

Aposto que o governo vai -- se ainda não o fez, no momento em que escrevo estas linhas, quase meio dia de um sábado, em Brasília, dia de descanso de trabalho, mas quem é do ramo não descansa -- retomando: aposto que o governo vai demitir, pela ordem:

1) A "doutora" Erenice Guerra, atual ministra-chefe da Casa Civil;

2) O "doutor" Cartaxo, atual Secretário da Receita Federal (essa já deveria ter sido demitido há muito tempo; aliás, desde quando as primeiras notícias sobre vazamentos, consultas indevidas, lambanças generalizadas na sua butique vieram à tona).

Estão feitas as apostas, portanto duas, e não apenas uma (como sou otimista!).
Minha aposta é que o governo vai demitir esses dois personagens, não tanto pelo que efetivamente fizeram -- o que resta ser esclarecido devidamente, pois como dizem, suspeita não é crime -- mas pelo que já saiu publicado na imprensa e de comentários subsequentes, que deixam os personagens, e por extensão o governo, em muito má situação (se isso ainda fosse possível).

Quer agora apostar, caro leitor, que vou perder a aposta? Aliás, ambas as duas, se me permitem a redundância (no caso deste governo, qualquer licença poética é cabível).
Conhecendo também o que vai por aí, não é muito difícil perder.
Vale um livro, em qualquer sentido...

Paulo Roberto de Almeida
(11.09.2010)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (19): rebaixando a cidadania (Merval Pereira)

Lula rebaixa a cidadania
Merval Pereira
O Globo, 7.9.2010

O mais espantoso na atuação do presidente Lula no episódio das quebras múltiplas de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, até mesmo a filha do candidato tucano à Presidência da República, é como ele manipula seus seguidores, explorando-lhes a boa-fé e, sobretudo, a ignorância.

José Serra lamentou que Lula tenha “debochado de coisa séria” quando fez análises nada republicanas sobre o episódio. Segundo o presidente, em cima de um palanque, o episódio não passa de “futrica”, e o candidato do PSDB “está nervoso” com a previsão de derrota e está usando sua família “para se fazer de vítima”.

Seriam comentários ofensivos à cidadania, partidos de um presidente que deveria ser imparcial quando o assunto são as garantias dos direitos individuais dos cidadãos, sejam eles petistas ou não, lulistas ou não.

Mas o mais grave, do ponto de vista da manipulação do eleitorado, está na frase que jogou no ar como se fosse um desafio: “Cadê esse tal de sigilo que ninguém viu?”

O presidente Lula se utiliza assim da dificuldade que o brasileiro comum tem de compreender os meandros da disputa política, muito mais quando se trata de questões técnicas ligadas a computadores e senhas eletrônicas, para tentar desmoralizar a questão, reduzindo-a a uma “futrica” de perdedor.

Se o tal do “sigilo” não apareceu, é porque não existe, quer levar a crer o nosso nada republicano presidente.

É conhecida a piada que circula entre os petistas segundo a qual Lula teria dito que essa questão de dossiê não abala seu eleitorado, pois eles não sabem o que quer dizer a palavra, e muitos a confundem com “doce”.

Há também o raciocínio segundo o qual como apenas 40 milhões de brasileiros de- claram o Imposto de Renda, a imensa maioria dos eleitores não estaria preocupada com o assunto.

Para se ter uma noção do que esse raciocínio perverso embute, dos 130 milhões de eleitores, cerca de 60% são formados por analfabetos, analfabetos funcionais ou pessoas que não completaram o ensino fundamental.

Ora, a esta altura dos acontecimentos, todo cidadão de boa-fé e minimamente informado sabe que os dados colhidos em diversas instâncias da Receita Federal, em várias partes do país, estão espalhados em diversos documentos que circularam no comitê da candidata oficial Dilma Rousseff.

Não foram usados formalmente, nem nunca seriam, pois trata-se de material ilegal. Mas estão sendo espalhados há muito tempo em diversos blogs e continuam sendo usados com insinuações contra as vítimas dos atentados.

A própria candidata Dilma Rousseff, abusando da inteligência de seus interlocutores e seguindo por um caminho perigoso, insinuou em entrevista coletiva que os dados levantados sobre Verônica Serra seriam usados por membros do próprio PSDB contra Serra, que àquela altura ainda disputava com o ex-governador de Minas Aécio Neves a escolha do partido para concorrer à Presidência da República.

Os petistas engendraram uma pseudoexplicação que culpa a vítima, e Dilma se en-carregou de tornar essa intriga em fato de campanha na sua entrevista.

A disputa entre Serra e Aécio seria a verdadeira origem do tal dossiê, que eles negavam existir e agora, diante das evidências, querem jogar no colo de Aécio Neves, numa mesquinha tentativa de confundir os eleitores.

Mais uma vez coube à chamada grande imprensa, para ódio dos governistas e seus blogueiros chapas-brancas, demonstrar que essa versão não se sustenta.

Tanto os acessos em Santo André quanto os de Formiga, em Minas Gerais, foram feitos por pessoas filiadas ao PT, o que deixa evidente o caráter político das quebras de sigilo.

Essa é uma prática comum ao Partido dos Trabalhadores e tem uma longa história, desde quando o partido era de oposição, mas já mantinha nos principais órgãos públicos uma grande influência graças aos sindicalistas enfronhados na máquina pública.

Na oposição os petistas usavam seu poder de quebrar sigilos e de conseguir documentos para fazer denúncias contra o governo de Fernando Henrique Cardoso.

No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores.

O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba.

domingo, 5 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (17): a banalizacao do crime

Nada a comentar, nada a acrescentar, ou talvez sim, compatível com o título: os brasileiros, de todas as condições já nos conformamos com o crime, todos os tipos de crime, e já nos conformamos em sermos representados e governados por pessoas que coonestam os crimes políticos, quando não outros tipos de crimes, todos os tipos...

Às favas com os direitos
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 5 de setembro de 2010

Só pesquisas podem medir com alguma chance de precisão se um episódio como o da quebra reiterada de sigilo fiscal nas dependências da Receita Federal mexe com a sensibilidade do eleitorado ao ponto de fazer da preservação do Estado de Direito um dos fatores para definição de voto.
A primeira impressão é a de que não influi. Isso com base no peso que a população tem dado a questões como valores e princípios.

A ética foi enterrada como indigente. Em silêncio, sem choro nem vela e à grande maioria pouco se lhe dá se o Estado aumenta seu poder discricionário, invade privacidade, agride a Constituição, barbariza com o patrimônio público, usa, abusa e ainda sai dizendo que o que vem debaixo não o atinge.

Distorce a verdade para fazer o papel de vítima sabendo-se na condição de algoz.

Permite que o ministro da Fazenda assuma como normal a insegurança dos dados do contribuinte e, se alguém diz que isso é crime de responsabilidade, acusa "golpe eleitoral".

Enquanto isso os mais pobres se alegram em poder comprar, atribuindo a bonança à ação de um homem sem compreender que é resultado de um processo; os mais ricos não querem outra vida; os mais retrógrados nunca tiveram tanto cartaz; os mais à esquerda não perdem a esperança de vir a ter; os mais conscientes percebem algo fora do lugar, mas preferem se irritar porque não têm ao seu lado também um líder carismático e sem pudor.

Em um cenário assim desenhado, convenhamos, os valores que estão em jogo soam difusos para o grosso do eleitorado: os deveres do Estado e os direitos do cidadão.

Neste Brasil de tantas necessidades é provável que, se for posto na balança de um lado o crédito farto e de outro a liberdade parca, o prato penda a favor do consumo largo.

É um debate difícil de ser feito. Quase impossível em períodos eleitorais porque sempre haverá por parte dos acusados a alegação de que são injustamente atacados por adversários "desesperados", enquanto a essência da questão se perde: a invasão do espaço institucional por tropas de ocupação com interesses específicos. Ideológicos, fisiológicos ou simplesmente corruptos.

Sob a indiferença das vanguardas (onde?) e deixadas à mercê do poder da propaganda, as pessoas não conseguem ter a dimensão da gravidade.

Não atentam para o seguinte: o Estado que deixa sigilo ser quebrado, não se incomoda com propriedades privadas invadidas e insiste no controle dos meios de comunicação amanhã ou depois pode querer reduzir a liberdade alegando agir em prol do povo e do patriotismo como fator indispensável ao triunfo do Brasil.

Por isso é improvável que haja repercussão eleitoral. Se houver, terá sido por causa dos tropeções e das contradições do governo.

A naturalidade do ministro da Fazenda ao dizer que as informações do contribuinte não são invioláveis é tão escandalosa quanto a quebra de sigilo.

Nesse caso a urgência fez a imprudência. No afã de afastar de Dilma Rousseff as suspeitas de uso político da máquina pública, Guido Mantega informa ao público pagante que a Receita Federal e a casa da mãe joana são ambientes similares.

Uma confissão de incapacidade de prestar o serviço contratado pelo cidadão e a impossibilidade de cumprir a lei que se impõe a todos.

É a rendição do Estado à ação do crime.

A propósito, se era para dizer uma estultice dessa envergadura o ministro da Fazenda estava mais bem posicionado em sua omissão diante dos fatos.

sábado, 4 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (14): o quilombo da resistencia democratica

O sentimento de indignidade não deve nos abandonar nunca...
Ainda que fiquemos poucos, no quilombo da resistência democrática...
Paulo Roberto de Almeida

CHEGOU A HORA DE A CAMPANHA DA OPOSIÇÃO ENTRAR NO “MODO DA RESISTÊNCIA INSTITUCIONAL”. É PRECISO CHAMAR LULA ÀS FALAS!
Reinaldo Azevedo, 5.09.2010

A gravidade das violações de sigilo na Receita Federal subiu estupidamente de patamar depois da fala de ontem de Lula, no Rio Grande do Sul. Ela pede uma reação enérgica da oposição — e não cabe nem mesmo o cálculo se uma resposta à altura dá ou tira votos. Estou convencido, sem prejuízo de o tucano José Serra continuar a apresentar suas propostas, de que a campanha da oposição entra no que eu chamaria “Modo de Resistência Institucional”. Ontem, Lula usou a sua popularidade para pedir carta branca à sociedade para fazer o que bem entende. É preciso dizer com todas as letras: ONTEM, LULA REIVINDICOU O DIREITO DE DAR UM GOLPE DE ESTADO, tendo, circunstancialmente, as urnas como arma.

Se alguma dúvida havia sobre o compromisso de Lula com a democracia, ela se desfez ontem. Não tem compromisso nenhum! Está evidenciado que ele a usa como arma tática e que a escalada petista supõe a desconstrução do estado de direito conforme nós o conhecemos. É a Constituição da República Federativa do Brasil que está sendo fraudada com as invasões de sigilo. Um órgão do Estado, a Receita Federal, converteu-se, como tem deixado claro o notável trabalho de reportagem do Estadão, em instrumento de luta de um partido político. E tudo caminha para que mais esse crime reste impune.

Sim, agora é preciso entrar no MODO DE RESISTÊNCIA INSTITUCIONAL. E o próprio presidente Lula — pouco importa se sua popularidade atingiu 8795%, segundo a última medição Vox Diaboli — tem de ser chamado às falas. Ele passou de todos os limites. Ontem, comentando a questão da invasão de sigilos — e ele estava numa solenidade em que falava como presidente! — afirmou que “Serra precisa saber que eleição a gente ganha convencendo os eleitores a votar na gente, não tentando convencer a Justiça Eleitoral a impugnar a adversária”. Para Lula, “isso já aconteceu em outros tempos, na ditadura militar.” E recomendou: “Na democracia, o senhor Serra que vá para rua, que melhore a qualidade de seu programa [de TV]“. Lula classificou ainda o episódio — a violação da Constituição — de “futrica menor”.

O sr. Lula precisa saber que, na democracia, “a gente convence o eleitor a votar na gente” segundo regras — todas aquelas que o PT tem desrespeitado sistematicamente. Na democracia, a gente “vai para a rua” não para pisotear as leis, mas para pedir a sua efetiva aplicação. Método típico de uma ditadura é fraudar o sigilo fiscal e bancário de adversários. Método típico de uma ditadura é organizar bunkers de bandidos para produzir dossiês. Método típico de uma ditadura é querer criar constrangimentos morais para que as pessoas exerçam o direito, também ele constitucional, de recorrer à Justiça. Método típico de ditadura é considerar a violação da Constituição mera “futrica”.

Toda essa baixeza merece uma resposta à altura das instituições que ela fere. Não estou entre aqueles, mesmo!, que consideram que a eleição já está decidida e coisa e tal. Já disse os motivos e não vou repisá-los. Mas acho que essa questão, agora, ficou menor. Outro valor mais alto se alevanta. Se o custo de a oposição dizer o que tem de ser dito — QUE O PRESIDENTE LULA, NA PRÁTICA, PROTEGE CRIMINOSOS AO DAR DECLARAÇÕES COMO A DE ONTEM — foi for perder votos, que assim seja. Com quantos a democracia e o estado de direito, VIVIDOS NA PRÁTICA, podem contar? Pois que a causa siga com estes bons. Bento 16 afirmou certa feita, não com estas palavras, mas o sentido era este, que a Igreja se fortalece recuperando a dimensão de sua fé, não concedendo condescendendo com valores que lhe são estranhos; a sua permanência está nos valores de sua doutrina, ainda que isso lhe custe perder os fiéis… infiéis. Exato!

As lideranças do país que deploram a contínua violação da Constituição, das leis e do decoro têm apenas um caminho: voltar ao livro-texto da democracia e do estado de direito e repudiar, sem meias-palavras, o discurso irresponsável de Lula. Sua popularidade não lhe dá o direito de jogar a Carta que nos rege — ou deveria nos reger — no lixo. O regime democrático não se define apenas pela realização das eleições. Elas são um dos instrumentos do exercício da soberania popular. O sufrágio universal não elege ditadores, mas procuradores do estado de direito.

Indignidade
A reação tem de ser dura, severa, clara. E saiba a oposição: enfrentará, à diferença de outros tempos, a maledicência até de setores da própria imprensa, que passaram a chamar a Justiça de “tapetão”, em mais um claro sintoma da degradação de valores que está em curso. Trata-se de uma óbvia indignidade. A maioria que o PT teria hoje nas urnas, segundo esse raciocínio, permitiria, então, a esses majoritários fraudar as próprias leis que legitimam o pleito que disputam. As instituições existem justamente para que os homens se sucedam no poder sem que as balizas que nos orientam sejam derrubadas. Esse já foi um dia um norte da imprensa brasileira, quase sem exceções. Hoje, os áulicos e candidatos a tanto contaminam o ambiente com sua tese da maximização da vontade popular: se o governante tem a maioria, então faz o que bem entende — e isso inclui esmagar a minoria. Ora, tão importante na democracia quanto o governo da maioria é o respeito à minoria que lhe dá legitimidade. Mas será mesmo isso o que quer o PT?

Hora de perceber a gravidade da questão e de ter uma reação correspondente — nem que seja, reitero, para mobilizar os poucos e bons. Assim me expresso apenas para encarecer o momento já que, de fato, são milhões os brasileiros que não estão dispostos a ceder a Lula e ao PT os seus direitos constitucionais. Fossem apenas os 300 de Esparta, então se deveria lutar com eles. Mas há muito mais gente do que isso pronta para resistir.

CHEGOU A HORA DE A CAMPANHA DA OPOSIÇÃO ENTRAR NO “MODO DA RESISTÊNCIA INSTITUCIONAL”. É PRECISO CHAMAR LULA ÀS FALAS. TALVEZ ISSO CUSTE AINDA MAIS VOTOS. PARA O VALOR QUE SE QUER E QUE SE TEM DE PRESERVAR, ELES NÃO FAZEM FALTA.

Perder a eleição é do jogo. Não dá é para perder a vergonha!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A frase da semana, talvez da campanha eleitoral...

Sem fantasia

Chega de intermediários: em vez de perder aquele tempo todo na Internet, entregue sua declaração de imposto de renda ao petista mais próximo.
Carlos Brickmann, 3/09/2010
(Coluna de domingo, 5 de setembro)

Republica Mafiosa do Brasil (11): quando a mentira parece ter pernas muito longas

O Brasil é mesmo um país que gosta de avacalhar qualquer coisa, segundo a expressão clássica, já consagrada por alta personagem dessa república surrealista. Por exemplo, aquele ditado que diz que a mentira tem pernas curtas não se aplica ao Brasil, ou pelo menos não se aplica mais, não desde nunca, o que já seria um absurdo, mas pelo menos desde pouco tempo para cá, não mais que sete ou oito anos, por exemplo.
É o que se pode deduzir da leitura desta crônica de costumes bizarros. Devo dizer que discordo do título de sua autora: a mentira tem pernas muito longas, inclusive porque aqui ninguém está disposto a acreditar na verdade, ainda que sejam indícios de verdade...
Eu acredito, por exemplo, que tem muita gente que pretende fazer a todos nós de idiotas. E não é que eles conseguem, com a cooperação da chamada "mídia"?
Não existe país nenhum como o Brasil, como diz um antigo hino que ninguém mais sabe cantar... Em nenhum país senão o nosso, pessoas importantes conseguem mentir durante tanto tempo impunemente, e ficar tudo por isso mesmo.
Somos mesmo idiotas...
Paulo Roberto de Almeida

Pernas curtas
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2010

Se a Receita Federal é confiável como diz o presidente Luiz Inácio da Silva, por mais razão é urgente que as pessoas responsáveis pela instituição - do mais alto ao mais baixo escalão - comecem a falar a verdade e parem de tratar o cidadão brasileiro feito idiota.

A candidata Dilma Rousseff, que se apresenta como parceira de Lula em todas as ações de governo e gerente de toda a máquina pública, também precisa parar de fazer de conta que não está entendendo o que se passa.

Na impossibilidade de contar a verdade, que pelo menos arrume uma versão verossímil para corroborar a tese de que uma coisa é a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato da oposição, outra coisa são os interesses político-eleitorais do PT.

Sob pena de carregar o passivo pelo restante dos dias até a eleição.

As teorias em circulação são frágeis e obviamente falsas.

A que passou a ser defendida - com pouquíssima sutileza, diga-se - pelo presidente Lula se assemelha àquela do caixa 2 inventada à época do mensalão para tentar reduzir o estrago jurídico e político das denúncias de fraude, corrupção e peculato.

Na época, a ideia era fugir dos crimes mais graves para assumir o crime eleitoral e socializar o prejuízo na base do "todo mundo faz".

Agora o presidente Lula indignou-se com o falsificador do documento apresentado como sendo uma procuração da filha de José Serra, Verônica, para a retirada de suas declarações na Receita. Disse que, "se ficar provado", foi cometido "um crime grave no Brasil": falsidade ideológica.

Ora, ora. O que se desenha é muito mais do que isso. É a quebra de sigilo para coleta de informações de adversários. Só não está claro se os autores se aproveitaram de esquema pré-existente no ABC ou criaram um disfarce especial para atingir seus alvos dando a impressão de que se tratava de um sistema geral de quebra de sigilo e venda dos dados.

Quando o presidente fazia o discurso da falsidade ideológica, o governo já sabia havia pelo menos dez dias que Verônica Serra tivera a declaração de renda violada e que havia suspeita de fraude e, ainda assim, sustentava a versão de que ela havia assinado uma procuração.

É uma mentira atrás da outra.

Indicativas de que as acusações da oposição têm fundamento. Se não, por que assessores do presidente reclamariam da inabilidade da Receita por ter enviado os documentos relativos a Verônica para o Ministério Público?

Achavam que a Receita poderia ter sido mais companheira e omitido essa parte já que havia a "procuração" como "prova" de licitude.

Ademais, se não sabe o que aconteceu, se é verdade que as investigações ainda estão em curso e por isso não se chegou ao culpado (ou culpados), de onde sai a certeza que não houve uso político, conforme declarou Lula?

A outra mentira da qual poderíamos todos ser poupados é a que aponta falta de interesse do PT em quebrar sigilo "agora" pois está muito à frente nas pesquisas e que a campanha de Dilma não pode ser responsabilizada, pois em 2009, quando ocorreram as violações, a candidatura dela não existia.

Existia tanto quanto a certeza do PT de que em algum momento poderia ser necessário implodir o adversário, então na dianteira nas pesquisas.

domingo, 25 de julho de 2010

Crimes politicos no Brasil: tolerancia ou conivencia do governo

O Brasil é um país no qual autoridades supremas se permitem violar a lei em toda a impunidade. Crimes políticos, crimes eleitorais, crimes comuns são cometidos todos os dias por aqueles mesmos que são responsáveis pela prevenção, apuração ou punição desses crimes.
Existe tolerância, conivência, eu até diria cumplicidade com esses crimes, por parte dessas autoridades.
O crime cometido no âmbito da Receita Federal é o mais recente, certamente não o último, que essa tropa de meliantes que se apoderaram do poder perpetrou na certeza da impunidade. Eu até chegaria a dizer que eles estão certos: todos os criminosos acobertados pelo poder vão escapar ilesos desse e de outros crimes. Tenho quase certeza disse e seria até capaz de apostar.
Como não está em meu poder fazer algo em relação a isso, utilizo-me da única arma à minha disposição: a divulgação ampla desses crimes, e a expressão de meu horror, ojeriza, asco por esse tipo de gente.
Fica o registro.
Paulo Roberto de Almeida

Sobre violação de sigilo e democracia
Everardo Maciel
O Globo, 25 de julho de 2010

O Estado pode, quando indispensável ao exercício de suas responsabilidades, ter acesso a informações que revelem a intimidade do cidadão ou da empresa. Essa excepcionalidade se exerce nos estritos limites da lei, sempre tendo em conta que a intimidade é um bem jurídico tutelado pela Constituição e que a esse poder corresponde a obrigação de guardar sigilo das informações obtidas.

Nesse contexto, causam perplexidade os seguidos vazamentos, no âmbito da Receita Federal, de informações protegidas por sigilo fiscal, em desfavor da reputação do órgão, conquistada arduamente com competência e trabalho.

De fato, nos últimos doze meses, foram veiculadas informações sigilosas relativas à Ford, ao Banco Santander, à Petrobras, à BMF&BOVESPA (com repercussões no movimento diário dessa instituição) e às empresas de Guilherme Leal, candidato à Vice-Presidência da República na chapa da Senadora Marina Silva. Por último, constatou-se que vazaram informações fiscais de Eduardo Jorge, dirigente do PSDB, com o objetivo de alimentar um suposto dossiê a ser utilizado, de forma criminosa, como arma na próxima campanha presidencial.

A apuração desses vazamentos, lamentavelmente, está encoberta por mistificações e mal-entendidos conceituais, além de aparentes manobras diversionistas e exercícios de contra-informação.

A competência do servidor fiscal para acessar informações sigilosas é definida pela natureza do cargo por ele exercido e dela resultam senhas e perfis de acesso individuais.

Os acessos são registrados em uma fita específica, em que se identificam o CPF do servidor, bem como o local e a data em que foram realizados. Por essa razão, constitui operação simples, ainda que relativamente morosa, proceder ao levantamento de acessos a um determinado CPF ou CNPJ.

Para ter acesso, entretanto, não basta ter competência funcional, é indispensável também que haja motivação. Em outras palavras, o funcionário fiscal deve ter uma justificativa plausível, associada à sua atividade profissional, para buscar informações protegidas por sigilo. Se o faz de forma imotivada, está sujeito a penalidades administrativas, que vão da advertência à suspensão.

O repasse dessas informações para terceiros, obtidas com ou sem motivação, configura crime de violação de sigilo, capitulado no art. 325 do Código Penal, cuja pena, a depender das circunstâncias, é de seis meses de detenção a seis anos de reclusão. Há, portanto, uma distinção conceitual entre motivação para acessar e violação de sigilo.

Como o levantamento dos acessos ao CPF de Eduardo Jorge já foi concluído, a Receita instituiu comissão para apurar as respectivas motivações. Estranhamente, contudo, na lista de pessoas que tiveram acesso, divulgou-se o nome de uma servidora, ferindo claramente a exigência legal de sigilo no procedimento administrativo disciplinar. Presumiu-se que seu ato foi imotivado tão somente porque, até o momento, ela não ofereceu justificação para o acesso. Mais grave, insinuou-se que a presumida falta de motivação a tornava suspeita do vazamento. É ilação falsa entender que um ato imotivado resulta inevitavelmente em violação de sigilo. Esse crime pode estar associado a um ato motivado ou não.

A investigação deve ser firme, imparcial e competente, sem descurar, entretanto, a observância dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, sob pena de o processo converter-se em pena, como bem lembrou o Professor Joaquim Arruda Falcão. De mais a mais, a simples possibilidade de que venha a ser cometida uma injustiça, na suposição aventada quanto à quebra de sigilo, é uma temeridade que pode tornar-se leviandade.

Da mesma forma que a Corregedoria da Receita está apta para apurar a motivação dos acessos, parece claro que a investigação do vazamento, por sua natureza criminal, guarda mais afinidade com a missão da Polícia Federal. Essa divisão de trabalhos, não dispensa, contudo, cooperação interinstitucional, pautada pelo interesse público.

A reputação da Receita não deve ser confundida com a ação deletéria de pessoas movidas por ânimo político ou pessoal. É indispensável, portanto, que os fatos sejam apurados com rigor e os infratores sejam punidos. Os mecanismos de controle no acesso a informações sigilosas devem permitir apurações mais ágeis e precisas, com registro da motivação. A propósito, como noticiado, um funcionário da Receita, em um curto período, acessou dados de aproximadamente 13 mil pessoas físicas e jurídicas. Feita a sindicância, chegou-se à impressionante conclusão de que todos os atos foram motivados, o que constitui um escárnio merecedor de catalogação no Guiness Book of Records, como a maior bisbilhotice fiscal da história.

De tudo, resta uma grave reflexão: o uso indevido do sigilo tutelado pelo Estado é um caminho por onde passam todas as formas autoritárias de governo. Isso não pode passar despercebido pelos que têm compromisso com o Estado Democrático de Direito, independentemente de suas opções políticas ou partidárias.

Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal