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quarta-feira, 19 de maio de 2021

O falso testemunho do falso chanceler - Dora Kramer, Ricardo Rangel (Revista Veja)

 Um falso chanceler só podia mesmo prestar falso testemunho. Não é que seus dizeres na CPI não continham um pingo de verdade: o fato é que eles não contimam sequer um átomo de conexão com os fatos, um miligrama de aderência aos registros dos infelizes dois anos e três meses nos quais ele infelicitou o Itamaraty.

Tão falso quanto o COF do seu guru protetor.

Pailo Roberto de Almeida

Falso testemunho

Dissimulado e manhosamente insolente, o ex-chanceler Ernesto Araújo levou ao ápice o exercício do negacionismo na CPI da Covid ao negar a si mesmo e ao retratar, perante os senadores, uma realidade contrária aos fatos. Numa palavra, mentiu.

Prestou, como testemunha juramentada, um depoimento cuja falsidade esteve expressa nos registros de declarações feitas durante sua gestão exibidos pelos parlamentares. A eles, o diplomata desmentia com desfaçatez: negou a existência dos atritos com a China e alinhamento com os Estados Unidos na era Donald Trump, a despeito das evidências em contrário devidamente documentados na imprensa, nas redes sociais, em aúdios, vídeos e atas de reuniões.

A julgar pelas palavras de Araújo, sob o compromisso de dizer a verdade, a passagem dele pelo ministério das Relações Exteriores foi tão exitosa quanto irrepreensível no tocante à defesa dos interesses do Brasil. Isso depois de ter dito em sua apresentação inicial que a política externa deve se submeter à doutrina do governo de turno e pouco antes de reconhecer que não apenas não pediu como sequer agradeceu ao oxigênio doado pela Venezuela ao Amazonas.

Na versão apresentada pelo ex-chanceler nas respostas aos senadores, o governo Jair Bolsonaro não cometeu ações deletérias nem incorreu em omissões na gestão da pandemia. Eventuais problemas, segundo ele, foram todos decorrência da oposição dos adversários. Ou seja, no relato oferecido por Ernesto Araújo o Brasil chegou à situação presente não por atos do presidente, mas pelo fato de Bolsonaro ser injustamente perseguido em virtudes de suas convicções.

Seriam apenas fantasias não fossem mentiras que configuram falso testemunho prestado à CPI.

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A culpa é do Pazuello

RO ex-chanceler Ernesto Araújo mentiu bastante, esqueceu muito, enrolou uma barbaridade e gaguejou como nunca ninguém jamais gaguejou.

Mas não escapou de deixar claro que o desempenho do governo e o seu próprio foram um desastre no que se refere ao combate à pandemia.

Araújo deveria ter alertado Bolsonaro de que o comportamento hostil do presidente em relação à China e a outros países poderia nos prejudicar, mas não o fez. Deveria ter preservado a relação com a China, mas foi ele mesmo hostil.

Deveria ter insistido com Bolsonaro para responder à carta da Pfizer, mas não o fez. Deveria ter aderido ao acordo celebrado por 130 países (inclusive os EUA) contra fake-news, que tanto atrapalham o combate à Covid, mas não o fez. E muito mais.

Mas Araújo não se espatifou sozinho.

O Brasil foi um dos últimos países do mundo a aderir à Covax Facility, e aderiu na cota mínima de 10%, mas foi por orientação do Ministério da Saúde. Araújo não negociou com a Venezuela, que doou oxigênio para a crise de Manaus, mas foi porque o Ministério da Saúde não pediu. E muito mais.

A chapa de Pazuello vai esquentar ainda mais — se é que isso é possível — na quarta-feira.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Governo Bolsonaro: Show de calouros - Dora Kramer

Show de calouros

O governo patrocina espetáculo de novatos, há dois meses em cartaz

 (Weberson Santiago/VEJA)
O desempenho dos militares nomeados para postos-chave no governo tem surpreendido positivamente e remete à máxima de que de onde menos se espera é que saem as boas surpresas. Já outra banda, a formada pelo governo & seus novatos, obedece à inversão do dito na visão do Barão de Itararé: de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Comedia desumana da politica brasileira - Dora Kramer (artigo de outubro de 2014)

Recebido de correspondente conectado, como eu, nas coisas da política brasileira (que nos envergonham, como cabe a quem é digno e pretende um Brasil melhor.
Paulo Roberto de Almeida

O herói sem caráter
Dora Kramer
O Estado de São Paulo, 22/10/2014
 
Remexendo na gaveta de recortes de jornais - valorosos e não raro mais úteis que o Google - encontro um texto escrito em 7 de setembro de 2010. Apenas coincidência a data da independência. O título, “Macunaíma - O herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade.
Faltava pouco menos de um mês para o primeiro turno da eleição em que o então presidente Luiz Inácio da Silva fazia o "diabo" e conseguiria na etapa final realizada em 31 de outubro eleger uma incógnita como sua sucessora. Deu todas as garantias de que a chefe de sua Casa Civil, Dilma Rousseff, seria uma administradora de escol para o Brasil. Não foi, conforme comprovam os indicadores de um governo que se sustenta no índice positivo do emprego formal, cuja durabilidade depende do rumo da economia.
Como ex-presidente, Lula agora pede que se renove a aposta. Sem uma justa causa, apenas baseado na ficção por ele criada de que a alternância de poder faz mal à democracia brasileira. A propósito de reflexão a respeito da nossa história recente, convido a prezada leitora e o caro leitor ao reexame daquele texto.

"Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?
Um artista não poderia fazer, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda. A menos que tivesse respaldo, que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos por intimidação ou cansaço.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes; oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes diante do adversário atrevido, eivado por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e assim nominados ignorantes.
O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar - sem que ninguém consiga lhe impor paradeiro, não foi criado da noite para o dia. Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu por obra da fragilidade da oposição.
Esse ambiente é fruto de uma criação coletiva. Produto da tolerância dos informados que puseram seus atributos e respectivos instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem vergonha de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com quem não tem pudor algum.
Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto em que estavam já caminhando para o ostracismo. Foram ressuscitados e por isso estão gratos.
Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado
Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.
Do despeito dos ressentidos.
Do complexo de culpa dos mal resolvidos.
Da torpeza dos oportunistas.
Da superioridade dos cínicos.
Da falsa isenção dos preguiçosos.
Da preguiça dos irresponsáveis.
Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte não fosse a permissividade geral. Se não conseguir eleger a sucessora não deixará o próximo governo governar. Importante pontuar que só fará isso se o País deixar que faça; assim como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.

domingo, 20 de julho de 2014

Eleicoes 2014: entre a pesquisa e a realidade - Dora Kramer

Com bola e tudo
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 20/07/2014

A última pesquisa Datafolha, primeira depois da Copa do Mundo, trouxe um alerta ao governo que serve também aos demais candidatos: definitivamente o eleitorado não é um ajuntamento de seres imaturos permeáveis a manipulações de natureza barata.

Situação e oposição tentaram cada qual ao seu modo tirar proveito do Mundial. A presidente Dilma Rousseff tripudiando sobre as previsões dos "pessimistas" quis se beneficiar do sucesso fora do campo.

Seus principais adversários, Aécio Neves e Eduardo Campos, ensaiaram capitalizar o repúdio da plateia à governante nos estádios. Movimentos inúteis, conforme mostrou a pesquisa.

Com toda a euforia da Copa e o êxito da organização, Dilma viu suas intenções de votos oscilarem para baixo (de 38% para 36%), a rejeição subir de 32% para 35% e a avaliação negativa do governo aumentar de 26% para 29%.

A conclusão é óbvia e simplesinha: a eleição não depende de truques e o eleitorado não está disposto a transitar pelo terreno das realidades paralelas.

Há um dado objetivo que é o cenário do segundo turno, este sim muito preocupante para o governo. Em 15 dias a diferença entre a presidente Dilma e o candidato do PSDB se reduziu em sete pontos porcentuais. Período em tese bom para a presidente, pois estava todo mundo vivendo o encantamento dos turistas com o Brasil meio de fantasia.

No início de julho Dilma tinha 46% contra 39% de Aécio. Duas semanas depois, o quadro era de 44% contra 40%, praticamente um empate indicando possibilidade de ultrapassagem pelo candidato da oposição.

Uma questão de lógica, porque a candidata à reeleição não para de cair e seu oponente mais próximo sustenta a posição. Note-se ainda o seguinte: do primeiro para o segundo turno ela vai de 36% para 44%; acrescenta oito pontos ao seu capital enquanto ele dobra o patrimônio, subindo de 20% para 40%.

O terceiro colocado, com 8%, vai para 38% no segundo turno. De onde Eduardo Campos arrumou 30 pontos porcentuais? Da rejeição à presidente, claro. Um sentimento que aumenta e se consolida a cada pesquisa. A campanha do PT tem dois desafios, de imediato: estancar e inverter a tendência.

Não há uma fórmula mágica à vista e por enquanto a aposta é tradicional, a exposição no horário da propaganda de rádio e televisão, cujo tempo reservado à presidente é quase o triplo do segundo colocado. Não deixa de ser uma vantagem, mas a eficácia pode ser relativa.

Dilma já conta com exposição total nos veículos de comunicação e fica difícil perceber como a aplicação de novas e altas doses do mesmo remédio poderia resolver o problema. Ou seja, liquidar a eleição no primeiro turno.

Já para os oponentes, muito menos conhecidos, qualquer acréscimo de ocupação de espaço é vantajoso, porque têm margem para crescer, o que não ocorre com a presidente conhecida por 99% e rejeitada por 35% do eleitorado.

A disputa no segundo turno ocorre na base do mano a mano: há obrigação de comparecer aos debates, os tempos de televisão são divididos de forma igualitária entre um e outro e é na etapa final que a rejeição tem um peso fatal. Daí a urgência de vencer no primeiro turno, o que não parece uma hipótese à disposição de Dilma Rousseff.

domingo, 22 de junho de 2014

Eleicoes 2014: a guerra eleitoral dos declinantes - Dora Kramer

Verdade, a eterna vítima do petismo
Para a articulista Dora Kramer, o petismo encara as eleições como uma guerra - e, na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade:

A frase é conhecida: “Na guerra, a primeira vítima é a verdade”. A autoria é controversa, mas a aplicação cabe de maneira inquestionável à reação do PT ante à constatação do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, de que a avaliação negativa sobre o governo não é coisa só da “elite branca”.

Baixou o desconforto no partido após a divulgação da conversa dele com blogueiros amigos, justamente às vésperas da convenção que oficializaria neste sábado a candidatura de Dilma Rousseff com ato de desagravo à presidente devido à agressão verbal sofrida na abertura da Copa.

Se de um lado Carvalho enfraqueceu o estratagema com seu testemunho imune à acusações de “golpismo”, de outro o PT demonstrou que encara essa eleição como uma guerra e não se intimida em fazer da verdade sua primeira vítima. Qualquer coisa serve para construir uma narrativa que sirva para desviar a conversa dos problemas concretos. Da economia que patina, do atendimento de saúde sofrível, da educação vergonhosa, da segurança pública abaixo da crítica, da inflação ameaçadora, do crescimento pífio, do envio da ética às favas, da transformação do Estado em aparelho partidário etc.

Os companheiros de Gilberto Carvalho acharam que ele deu munição ao adversário ao dizer aos blogueiros, em conversa transmitida pela internet, coisas que os entusiastas do “Volta, Lula” dentro do partido dizem de Dilma Rousseff com palavras muito menos gentis. Algumas não ficando nada a dever às pronunciadas naquela tarde no Itaquerão.

Ora, o primeiro a fornecer munição contra si foi o próprio governo produtor de todos os escândalos, trapalhadas políticas, desacertos administrativos e zigue-zagues na política econômica; e também o partido na aflição de ver Dilma fora da disputa pelo medo de perder a eleição. A oposição, como se sabe, em todo o período teve desempenho pífio.

O “erro” do secretário-geral foi ter dito isso no momento em que os petistas acreditaram ter achado uma mina para explorar, fazendo de Dilma a vítima de falta de educação alheia. Já haviam tentado a tática dos fantasmas; ninguém deu bola, as pesquisas continuaram no mesmo diapasão negativo. Veio em seguida a história do ódio que seria vencido pela esperança e, de novo, nada. Por último, deu-se o inusitado: vaia transformada em elogio, em trunfo eleitoral a ser explorado até o osso.

Saiu a primeira pesquisa realizada depois de iniciada a Copa e onde estava registrada aquela solidariedade toda à presidente? Pelos números, ateve-se às manifestações ao terreno da civilidade, nada tendo a ver com política ou eleições. Na realidade, a pesquisa do Ibope mostra que, em termos de decisão de voto do eleitor, as intenções estão temporariamente suspensas, porque os interesses estão voltados para os jogos. Os candidatos, todos eles, variaram pouca coisa, para mais ou para menos. Quadro, portanto, estável.

Essa estabilidade também se repete nos índices negativos de avaliação do governo, cuja desaprovação se mantém superior (33%) à aprovação (31%). Todas as políticas públicas tiveram altas taxas de rejeição, sendo que a saúde atingiu 78%, mesmo com toda a propaganda em torno do programa Mais Médicos. Com Bolsa Família e tudo, a desaprovação para a área de combate à pobreza é de 53%.

Os que não confiam na presidente são 52% dos pesquisados. Ela continua na frente com 39% das intenções de votos, o mesmo patamar de 2010 a essa altura do ano. Com uma diferença: estava em ascensão e representava um governo com avaliação negativa de 4%. Dilma é conhecida por 99% dos que responderam à pesquisa, sendo que 43% dizem que não votam nela de jeito nenhum.

Convenhamos, haja elite branca para dar conta disso tudo. Essa é uma verdade expressa em números que o PT insiste em abater a golpes de invencionices que seriam apenas infantis, não fossem motivadas por boa dose de má-fé. (Estadão).

terça-feira, 28 de maio de 2013

A mentira e a fraude como formas de governo - Dora Kramer


DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo, 28/05/2013

Tipo da brincadeira de mau gosto ─ ou manobra malsucedida ─ essa história do boato sobre o fim do programa Bolsa Família, que levou à aflição milhares de brasileiros, provocando corre-corre às agências da Caixa Econômica Federal, gritaria e muita confusão na semana passada.
Sabe-se que na guerra ─ e aqui em jogo esteve a batalha pela sobrevivência ─ a primeira vítima é a verdade. A origem do falatório ainda não está esclarecida, mas a capacidade de uma falsidade repetida tornar-se verdade, se manipuladas as emoções “certas”, é amplamente conhecida embora seja lição ainda não devidamente aprendida por ouvidos sensíveis à armadilha.
A balela correu e por algum tempo convenceu os que se viram no risco do prejuízo. Normalizados os pagamentos que haviam sido adiantados sem maiores explicações pela Caixa, sobram suspeições.
Fala-se de um possível interesse do governo em reafirmar a importância do programa para as famílias que contam com esse dinheiro e da demonstração do potencial de reação à insinuação de que só o PT no poder garantiria a continuidade.
Desconfiança merecedora de pouco crédito, dada sua pouquíssima lógica. Com os instrumentos de propaganda à disposição, o governo teria meios menos traumáticos (e mais seguros) de renovar o “contrato” da identificação do Bolsa Família com Lula e companhia.
É verdade que a arte de fazer uso da versão como substituição do fato não é estranha a esse grupo. Assim como é verdade que a Caixa tem tropeçado na divergência de justificativas sobre as mudanças feitas no sistema de pagamentos aos beneficiários do programa. De onde é bom confiar nos bons propósitos desconfiando sempre das reais intenções.
A ministra Maria do Rosário precipitou-se ao atribuir à oposição a orquestração da boataria. Foi repreendida, mas na realidade seguira a regra que espalha a brasa antes de confirmada a veracidade do incêndio.
Talvez tenha errado na forma: primária, explícita. Haveria outras maneiras mais sutis de criar a desconfiança sobre os adversários do governo. De mentiras bem pregadas há exemplos variados.
Recentemente o ex-presidente Lula admitiu que a Carta aos Brasileiros era, na visão dele, uma peça de ficção na qual não acreditava quando foi convencido de que sua vitória em 2002 dependia da assinatura de um compromisso que só depois viria a perceber que, se não cumprisse, não governaria.
A obra-prima no quesito, no entanto, foi a versão da “herança maldita” legada pelos antecessores. Boato de força incomensurável e o efeito deletério de inscrever uma falsidade na História do Brasil.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Trocamos de presidente (assim é, se lhe parece...)

Lula assume o comando
Editorial - O Estado de S.Paulo
26 de maio de 2011

Passados 144 dias de sua descida da rampa do Palácio do Planalto, Lula assumiu - se não o controle da administração de sua afilhada Dilma Rousseff - a condução política do governo. A volta foi ostensiva, deliberadamente ostensiva. Não é que até então ele tivesse deixado de influir em decisões da sucessora, a começar da formação da sua equipe, enquanto dizia ora que ex-presidentes não devem dar palpites sobre o que fazem os novos, ora que não lhe estava sendo fácil "desencarnar" da Presidência. Mas a sua atuação se dava nos bastidores, mediante telefonemas e reuniões discretas. À parte isso, a sua agenda política se concentrava em levar o PT a lançar um nome novo - presumivelmente, o ministro da Educação, Fernando Haddad - para disputar a Prefeitura paulistana no ano que vem.

Anteontem tudo mudou. Diante do desastroso manejo do escândalo que se abateu sobre o titular da Casa Civil, Antonio Palocci, tanto por parte do governo do qual, segundo Lula, ele é "o Pelé", quanto por parte do partido onde o ex-ministro da Fazenda não é propriamente uma unanimidade, o primeiro-companheiro decidiu entrar em campo para comandar o time político. Almoçou e posou para fotos com ar de comandante-chefe com 12 dos 14 membros da bancada do PT no Senado, os quais exortou a sair em defesa de Palocci de uma vez por todas. Revelado o fenomenal enriquecimento do ministro entre 2006 e 2010, quando acumulou o mandato de deputado com a atividade dita de consultoria, apenas 3 senadores petistas foram à tribuna se solidarizar com ele.

Lula não ficou nisso. Calejado no ramo do despiste desde a descoberta, em 2004, de que a Casa Civil do seu governo tinha um assessor parlamentar já flagrado cobrando propina, Lula deu duas ordens. Aos senadores e a tutti quanti, mandou bater na tecla de que o ônus da prova cabe a quem acusa - a imprensa e a oposição -, de que não há prova alguma de que o dublê de consultor e líder informal do governo na Câmara tenha feito fortuna ilicitamente e que, portanto, ele não deve explicações além das que deu à Comissão de Ética da Presidência. Ao mais íntimo homem de confiança no Planalto, o seu ex-chefe de Gabinete e atual secretário de Dilma, Gilberto Carvalho, Lula mandou desviar o foco do problema, culpando o secretário municipal de Finanças de São Paulo, Mauro Martins Costa, principal aliado do ex-governador tucano José Serra na gestão do prefeito Gilberto Kassab, pela revelação dos ganhos auferidos pela Projeto, a firma de Palocci.

A Secretaria teria como estimar o faturamento da empresa a partir dos valores do Imposto sobre Serviços (ISS) que nele incidiam, à razão de 5%. Desde a primeira hora, atribuía-se o vazamento ao "fogo amigo" de petistas furiosos com os vastos poderes de Palocci no governo Dilma e em posição de bisbilhotar os dados fiscais da Projeto, em posse da Receita Federal. A questão, no entanto, é secundária perto das implicações dos presumíveis ilícitos que Palocci teria cometido. De mais a mais, a muitos não escapou a ironia da corda em casa de enforcado: falar em quebra do sigilo fiscal do ministro lembra a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, ao qual ele ficou indelevelmente associado. De todo modo, o fato central na reaparição de Lula é o atestado da omissão política da presidente. O seu mentor precisou preencher a lacuna de sua ausência na crise que atingiu o cerne do governo.

A omissão poderia ser debitada ao desnorteamento de Dilma diante de um escândalo que ela não tinha preparo para enfrentar. Mas isso não é tudo. O que Lula ouviu dos companheiros senadores foram queixas sobre o alheamento político da presidente. Por soberba, inapetência, ou uma mistura das duas coisas, ela vem mantendo até os parlamentares de seu partido a uma distância incompatível com as suas necessidades. Dilma delegou o diálogo ao seu superministro. Com ele nas cordas, o vazio ficou escancarado. Agora, será uma surpresa se Lula se limitar a reger o governo no caso Palocci. Se, falando do ministro, disse que "não dá para pôr o Pelé no banco", que pensará ele de sua própria condição de titular a que os fatos o reconduziram?

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Fratura exposta
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 26 de maio de 2011

São vários os fatores que expõem a fragilidade política de Dilma Rousseff como presidente da República, sendo o mais recente e mais evidente a entrada de Luiz Inácio da Silva em cena.

Há outros, como a necessidade de esconder que a pneumonia contraída na volta da viagem à China não era "leve" como inicialmente anunciado, a recusa de tratar em público de suspeitas envolvendo seu principal auxiliar ou a demora em reagir a questões importantes como as sucessivas demonstrações de que há algo de muito errado no Ministério da Educação.

O recuo na distribuição do chamado "kit anti-homofobia" aconteceu não por causa de uma avaliação rigorosa sobre a adequação ou inadequação de uma campanha daquela natureza junto aos alunos do ensino fundamental, mas em função do temor de que católicos e evangélicos do Congresso não sustentem apoio a Antonio Palocci na crise.

Lula desembarcou em Brasília nesta semana não só para comandar a defesa do ministro Palocci, mas também para tentar conter a crescente insatisfação no PT e no PMDB com o estilo distante e animoso da presidente.

Para o público externo, galvaniza as atenções inventando uma versão qualquer para jogar suspeições sobre o PSDB a fim de desviar o foco das desconfianças sobre o enriquecimento anômalo do ministro e da evidência de que, se conspiração contra Palocci há, ela está dentro do PT e não na oposição.

Para o público interno, funciona como dique para conter a contrariedade das bancadas e suprir as carências do Planalto no momento em Palocci está fora de combate e que o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, se confirma na condição de nulidade.

A situação não é nova, vem se desgastando nos últimos dois meses, mas acabou se agravando com a crise que imobilizou Palocci conjugada à necessidade de uma articulação competente diante de uma questão importante como a votação do Código Florestal.

Um exemplo da carência de atributos de Dilma para lidar com o Congresso aconteceu na tarde de terça-feira, quando o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, foi ao palácio comunicar os termos para a votação do Código Florestal naquela noite.

O líder comunicou a Palocci o apoio do PMDB à emenda que permite a manutenção das produções agrícolas existentes em áreas de preservação permanente antes de 2008. Palocci levou a informação à presidente, que, então, mandou comunicar ao vice-presidente Michel Temer que se o partido insistisse no apoio à emenda demitiria todos os ministros do PMDB.

Uma impossibilidade evidente. Temer e Palocci precisaram contornar a situação fazendo ver a Dilma que aquele não seria o melhor momento para deflagrar uma guerra dessa envergadura.

O PMDB manteve a posição e à presidente foi transmitida a avaliação de que a emenda seria derrubada no Senado.

Se não for, ela terá de arcar com o desgaste do veto junto ao setor agrícola e até se expor ao risco de ver o veto derrubado.

Uma complicação à qual um governante não faz frente se não tiver experiência, vocação e tino políticos. Como Dilma Rousseff não tem, acaba de transferir essa tarefa a Lula.

Tal transferência pode até resolver o problema de imediato.

Mas abre enorme flanco com a cessão da autoridade presidencial a outrem. E não a um outrem qualquer: a Lula que sabe como ninguém potencializar poder político.

Decorre daí uma anomalia: o encolhimento da figura da presidente de direito e a expansão do papel de um ex-presidente numa informalidade institucional jamais vista em qualquer País do mundo civilizado.

Passivo. Quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia contra o ministro no caso da quebra do sigilo bancário de Francenildo Costa, o fez por falta de provas. Talvez fosse outra a decisão se os detentores de informações importantes tivessem se manifestado no tempo adequado.

Como a Caixa Econômica Federal, que tardou, e falhou, ao só agora informar à Justiça que a responsabilidade foi do gabinete do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

domingo, 15 de maio de 2011

Governo totalitario se apropria de tudo...

Este é o nosso destino, se deixarmos...

Supremacia
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 15 de maio de 2011

O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.

Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.

Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.

O controle dito "social" dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.

Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.

São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.

O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.

Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.

O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.

A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, "perdedora", indigna de atenção.

O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.

A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.

Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.

O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.

Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - "contrabandista de madeira" -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.

Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.

Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: "O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo"

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Passaportes submissos, mas vermelhos...

Existem pessoas que nascem submissas: suponho que os antigos servos de gleba já tinham entranhada, desde muito pequenos, essa cultura da submissão, que os prendia às terras de um senhor poderoso, ao qual juravam defender e até morrer por ele, entregando grande parte de sua produção ao dito senhor.
Existem outras pessoas, ao contrário, que aprendem a ser submissas -- seja por qual motivo for: interesse pessoal, ambição de poder, espírito tacanho, desejo de agradar, whatever... -- e até passam a gostar dessa situação de total servidão, encontrando até justificativas para sua servidão voluntária. Alguns até se excedem na tarefa, o que é compreensível, em se tratando de servos voluntários. Para esses, nenhum vexame é vexame; tudo se justifica e tudo se explica: basta se enrolar na bandeira da soberania e dizer que se está servindo o interesse nacional.
As simple as that...
Paulo Roberto de Almeida

Punhos de renda
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 7 de abril de 2011 – pág. A6

(...)

Grand finale. Os oito anos de submissão do Itamaraty ao personalismo de Lula não renderam ao Brasil apenas derrotas políticas e comerciais no plano externo.

Internamente o resultado da gestão Celso Amorim produziu a trapalhada final, a dois dias do fim do mandato de Lula, da concessão de passaportes diplomáticos aos herdeiros da Silva agora obrigados a devolvê-los por ordem do Ministério Público.

Tivesse o agora ex-chanceler contido seu afã de adular o chefe, teria sido um vexame a menos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (20): eis uma série que promete...

Comecei a série "república mafiosa do brasil" (tudo em minúsculas, obviamente), assim como quem não quer nada, apenas para registrar os (que eu imaginava poucos) casos mais clamorosos de "atentados" e "violações" -- estupros, seria a palavra correta -- à legalidade jurídica, aos preceitos constitucionais e à legislação eleitoral por parte desses personagens que todos vocês sabem quem são.
Não é que a série está crescendo, se delongando na acumulação -- aparentemente inútil -- de casos cada vez mais clamorosos -- na indiferença completa de um TSE castrado, inútil, sem vergonha -- sem que a sociedade, a cidadania tenha uma reação mais indignada frente ao que se constata serem abusos repetidos da moralidade política?
A sociedade brasileira está "alienada" -- como dizíamos nos anos 1960 -- em relação à situação reinante, o que só pode antecipar mais algumas décadas de decadência ética e deliquescência política.
Triste constatar isso; triste verificar que estamos entregues, literalmente a uma confraria de mafiosos...
Paulo Roberto de Almeida

Macunaíma
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 8 de setembro de 2010

Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios malfeitores, afagar violentos ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?
Depende. Um artista não poderia, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda.
A menos que tivesse respaldo. Que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo, tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos, por intimidação ou desistência.

A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes, consolidada por longo tempo.

Para compor a cena, oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes, covardes diante do adversário atrevido, eivados por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e ignorantes.

O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar _ sem que ninguém se disponha ou consiga lhe pôr um paradeiro - não foi criado da noite para o dia.

Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu apenas por obra da fragilidade da oposição. É produto de uma criação coletiva.

Da tolerância de informados e bem formados que puseram atributos e instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem pudor de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com gente que não tem escrúpulo de nada.

Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto no momento em que já estavam caminhando para o ostracismo. Foram todos ressuscitados e por isso são gratos.

Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado, sejam sindicalistas, artistas, prefeitos ou vereadores.

Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.
Do despeito dos ressentidos.
Do complexo de culpa dos mal resolvidos.
Da torpeza dos oportunistas.
Da pusilanimidade dos neutros.
Da superioridade estudada dos cínicos.
Da falsa isenção dos preguiçosos.
Da preguiça dos irresponsáveis.

Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte, não fosse a permissividade geral.

Nada parece capaz de lhe impor limites. Se conseguir eleger a sucessora, vai distorcer a realidade e atuar como se presidente fosse. Se não conseguir, não deixará o próximo governo governar.

Agora, é sempre bom lembrar que só fará isso se o País deixar que faça, como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.

Recibo. O presidente Lula resolveu reagir e há três dias rebate a oposição no caso das quebra dos sigilos fiscais para negar a existência de propósitos político-eleitorais.

Ocorre que faz isso usando exclusivamente argumentos político-eleitorais. Em nenhum momento até agora o presidente se mostrou preocupado com o fato de sabe-se lá quantas pessoas terem tido seus sigilos violados e seus dados cadastrais abertos por funcionários da Receita sabe-se lá por quê.

O presidente tampouco pareceu sensibilizado com a informação do ministro da Fazenda de que os vazamentos ocorrem a mancheias.

Esses cidadãos não receberam do presidente Lula uma palavra de alento ou garantia de que seus direitos constitucionais serão preservados.

Lula só responde a Serra, só trata do assunto na dimensão eleitoral e assim confirma que o caso é de polícia, mas também é de política.

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A política do deboche
Editorial - O Estado de S.Paulo
07 de setembro de 2010

Quanto mais se acumulam as evidências de que o PT é o mentor do crime continuado da devassa na Receita Federal, de dados sigilosos de aliados e familiares do candidato presidencial do PSDB, José Serra, tanto mais o presidente Lula apela para o escárnio. É assim, desenvolto diante da exposição das novas baixezas de sua gente, que ele procura desqualificar as denúncias de que as violações tinham a única serventia de reunir material que pudesse ser utilizado contra os adversários da candidata governista, Dilma Rousseff.

Do mensalão para cá, essa atitude só se acentuou. No escândalo da compra de votos no Congresso Nacional, em 2005, ele ficou batendo na tecla de que não sabia de nada e que, de mais a mais, o que a companheirada tinha aprontado - diluído na versão de que tudo se resumia a um caso de montagem de caixa 2 - era o que se fazia comumente na política brasileira. Depois, propagou e mandou propagar a confortável teoria de que as acusações eram parte de uma "conspiração das elites" para apeá-lo do poder. Mas não chegou a zombar acintosamente das revelações que iriam ficar gravadas na história de seu partido.

Já no ano seguinte, quando a polícia detonou a tentativa de um grupo de petistas, entre eles o churrasqueiro preferido de Lula, de comprar um falso dossiê contra o mesmo José Serra, então candidato a governador de São Paulo, o presidente incorporou ao léxico político nacional o termo "aloprados" com que, para mascarar a gravidade do episódio, se referiu aos participantes da torpeza. Agora, enquanto escondia a sua escolhida - acusada pelo tucano como responsável, em última instância, pela fabricação de novo dossiê com os documentos subtraídos do Fisco -, o presidente se abandonou ao cinismo.

No fim da semana, em um comício em Guarulhos, na Grande São Paulo, a que Dilma não compareceu, ele acusou Serra de transformar a família em vítima. Ou seja, o que vitimou a filha do candidato não foi a comprovada captura de suas declarações de renda por um personagem do submundo - cuja filiação ao PT só não se consumou por um erro de grafia de seu nome -, mas o "baixo nível" da campanha do pai, que tratou do escândalo no horário de propaganda eleitoral. E ele o teria feito porque "o bicho está em uma raiva só" diante dos resultados desfavoráveis das pesquisas eleitorais. "É próprio de quem não sabe nadar e se debate até morrer afogado", desdenhou.

O auge da avacalhação - para usar uma palavra decerto ao gosto do palanqueiro Lula - foi ele perguntar retoricamente: "Cadê esse tal de sigilo que não apareceu até agora? Cadê os vazamentos?" Se é da filha de Serra que ele falava, o sigilo vazou para os diversos blogs lulistas que publicaram informações a seu respeito que só poderiam ter sido obtidas a partir do acesso ilícito aos seus dados fiscais. E o presidente sabe disso desde janeiro, quando o ainda governador Serra o alertou para a "armação" contra seus familiares na internet. Confrontado com o fato, Lula disse, sem ruborizar-se, ter coisas mais sérias para cuidar do que das "dores de cotovelo do Serra".

Se, no comício, a sua pergunta farsesca tratava das outras pessoas ligadas ao candidato, como, em especial, o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, o sigilo vazou para membros do chamado "grupo de inteligência" da candidatura Dilma. No caso de Eduardo Jorge, aliás, a invasão não se limitou à delegacia da Receita em Mauá, no ABC paulista, a primeira cena identificada do crime. Na última quinta-feira, o Estado revelou que um analista tributário lotado na cidade mineira de Formiga, Gilberto Souza Amarante, acessou dez vezes em um mesmo dia os dados cadastrais do tucano. O funcionário é petista de carteirinha desde 2001.

Ninguém mais do que Lula, com o seu imitigado deboche, há de ter contribuído tanto para a "maria-mole moral" em que o País atolou, na apropriada expressão do jurista Carlos Ari Sundfeld, em entrevista no Estado de domingo. Nem a bonança econômica nem os avanços sociais podem obscurecer o perverso legado do lulismo. Por minar os fundamentos das instituições democráticas, essa é hoje a mais desafiadora questão política nacional.

domingo, 5 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (17): a banalizacao do crime

Nada a comentar, nada a acrescentar, ou talvez sim, compatível com o título: os brasileiros, de todas as condições já nos conformamos com o crime, todos os tipos de crime, e já nos conformamos em sermos representados e governados por pessoas que coonestam os crimes políticos, quando não outros tipos de crimes, todos os tipos...

Às favas com os direitos
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 5 de setembro de 2010

Só pesquisas podem medir com alguma chance de precisão se um episódio como o da quebra reiterada de sigilo fiscal nas dependências da Receita Federal mexe com a sensibilidade do eleitorado ao ponto de fazer da preservação do Estado de Direito um dos fatores para definição de voto.
A primeira impressão é a de que não influi. Isso com base no peso que a população tem dado a questões como valores e princípios.

A ética foi enterrada como indigente. Em silêncio, sem choro nem vela e à grande maioria pouco se lhe dá se o Estado aumenta seu poder discricionário, invade privacidade, agride a Constituição, barbariza com o patrimônio público, usa, abusa e ainda sai dizendo que o que vem debaixo não o atinge.

Distorce a verdade para fazer o papel de vítima sabendo-se na condição de algoz.

Permite que o ministro da Fazenda assuma como normal a insegurança dos dados do contribuinte e, se alguém diz que isso é crime de responsabilidade, acusa "golpe eleitoral".

Enquanto isso os mais pobres se alegram em poder comprar, atribuindo a bonança à ação de um homem sem compreender que é resultado de um processo; os mais ricos não querem outra vida; os mais retrógrados nunca tiveram tanto cartaz; os mais à esquerda não perdem a esperança de vir a ter; os mais conscientes percebem algo fora do lugar, mas preferem se irritar porque não têm ao seu lado também um líder carismático e sem pudor.

Em um cenário assim desenhado, convenhamos, os valores que estão em jogo soam difusos para o grosso do eleitorado: os deveres do Estado e os direitos do cidadão.

Neste Brasil de tantas necessidades é provável que, se for posto na balança de um lado o crédito farto e de outro a liberdade parca, o prato penda a favor do consumo largo.

É um debate difícil de ser feito. Quase impossível em períodos eleitorais porque sempre haverá por parte dos acusados a alegação de que são injustamente atacados por adversários "desesperados", enquanto a essência da questão se perde: a invasão do espaço institucional por tropas de ocupação com interesses específicos. Ideológicos, fisiológicos ou simplesmente corruptos.

Sob a indiferença das vanguardas (onde?) e deixadas à mercê do poder da propaganda, as pessoas não conseguem ter a dimensão da gravidade.

Não atentam para o seguinte: o Estado que deixa sigilo ser quebrado, não se incomoda com propriedades privadas invadidas e insiste no controle dos meios de comunicação amanhã ou depois pode querer reduzir a liberdade alegando agir em prol do povo e do patriotismo como fator indispensável ao triunfo do Brasil.

Por isso é improvável que haja repercussão eleitoral. Se houver, terá sido por causa dos tropeções e das contradições do governo.

A naturalidade do ministro da Fazenda ao dizer que as informações do contribuinte não são invioláveis é tão escandalosa quanto a quebra de sigilo.

Nesse caso a urgência fez a imprudência. No afã de afastar de Dilma Rousseff as suspeitas de uso político da máquina pública, Guido Mantega informa ao público pagante que a Receita Federal e a casa da mãe joana são ambientes similares.

Uma confissão de incapacidade de prestar o serviço contratado pelo cidadão e a impossibilidade de cumprir a lei que se impõe a todos.

É a rendição do Estado à ação do crime.

A propósito, se era para dizer uma estultice dessa envergadura o ministro da Fazenda estava mais bem posicionado em sua omissão diante dos fatos.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Republica Mafiosa do Brasil (11): quando a mentira parece ter pernas muito longas

O Brasil é mesmo um país que gosta de avacalhar qualquer coisa, segundo a expressão clássica, já consagrada por alta personagem dessa república surrealista. Por exemplo, aquele ditado que diz que a mentira tem pernas curtas não se aplica ao Brasil, ou pelo menos não se aplica mais, não desde nunca, o que já seria um absurdo, mas pelo menos desde pouco tempo para cá, não mais que sete ou oito anos, por exemplo.
É o que se pode deduzir da leitura desta crônica de costumes bizarros. Devo dizer que discordo do título de sua autora: a mentira tem pernas muito longas, inclusive porque aqui ninguém está disposto a acreditar na verdade, ainda que sejam indícios de verdade...
Eu acredito, por exemplo, que tem muita gente que pretende fazer a todos nós de idiotas. E não é que eles conseguem, com a cooperação da chamada "mídia"?
Não existe país nenhum como o Brasil, como diz um antigo hino que ninguém mais sabe cantar... Em nenhum país senão o nosso, pessoas importantes conseguem mentir durante tanto tempo impunemente, e ficar tudo por isso mesmo.
Somos mesmo idiotas...
Paulo Roberto de Almeida

Pernas curtas
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2010

Se a Receita Federal é confiável como diz o presidente Luiz Inácio da Silva, por mais razão é urgente que as pessoas responsáveis pela instituição - do mais alto ao mais baixo escalão - comecem a falar a verdade e parem de tratar o cidadão brasileiro feito idiota.

A candidata Dilma Rousseff, que se apresenta como parceira de Lula em todas as ações de governo e gerente de toda a máquina pública, também precisa parar de fazer de conta que não está entendendo o que se passa.

Na impossibilidade de contar a verdade, que pelo menos arrume uma versão verossímil para corroborar a tese de que uma coisa é a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato da oposição, outra coisa são os interesses político-eleitorais do PT.

Sob pena de carregar o passivo pelo restante dos dias até a eleição.

As teorias em circulação são frágeis e obviamente falsas.

A que passou a ser defendida - com pouquíssima sutileza, diga-se - pelo presidente Lula se assemelha àquela do caixa 2 inventada à época do mensalão para tentar reduzir o estrago jurídico e político das denúncias de fraude, corrupção e peculato.

Na época, a ideia era fugir dos crimes mais graves para assumir o crime eleitoral e socializar o prejuízo na base do "todo mundo faz".

Agora o presidente Lula indignou-se com o falsificador do documento apresentado como sendo uma procuração da filha de José Serra, Verônica, para a retirada de suas declarações na Receita. Disse que, "se ficar provado", foi cometido "um crime grave no Brasil": falsidade ideológica.

Ora, ora. O que se desenha é muito mais do que isso. É a quebra de sigilo para coleta de informações de adversários. Só não está claro se os autores se aproveitaram de esquema pré-existente no ABC ou criaram um disfarce especial para atingir seus alvos dando a impressão de que se tratava de um sistema geral de quebra de sigilo e venda dos dados.

Quando o presidente fazia o discurso da falsidade ideológica, o governo já sabia havia pelo menos dez dias que Verônica Serra tivera a declaração de renda violada e que havia suspeita de fraude e, ainda assim, sustentava a versão de que ela havia assinado uma procuração.

É uma mentira atrás da outra.

Indicativas de que as acusações da oposição têm fundamento. Se não, por que assessores do presidente reclamariam da inabilidade da Receita por ter enviado os documentos relativos a Verônica para o Ministério Público?

Achavam que a Receita poderia ter sido mais companheira e omitido essa parte já que havia a "procuração" como "prova" de licitude.

Ademais, se não sabe o que aconteceu, se é verdade que as investigações ainda estão em curso e por isso não se chegou ao culpado (ou culpados), de onde sai a certeza que não houve uso político, conforme declarou Lula?

A outra mentira da qual poderíamos todos ser poupados é a que aponta falta de interesse do PT em quebrar sigilo "agora" pois está muito à frente nas pesquisas e que a campanha de Dilma não pode ser responsabilizada, pois em 2009, quando ocorreram as violações, a candidatura dela não existia.

Existia tanto quanto a certeza do PT de que em algum momento poderia ser necessário implodir o adversário, então na dianteira nas pesquisas.

domingo, 29 de agosto de 2010

A construcao subrepticia do fascismo (é bom que se avise antes...)

Alguns podem achar o conceito muito forte: fascismo.
Esses podiam até estar pensando que certos companhheiros no poder estavam mais interessados é na construção do "socialismo".
Ora, isto não existe e não tem a menor chance de acontecer: desde que o socialismo fez chabu, deu dois suspiros e depois morreu, por absoluta incapacidade estrutural a funcionar devidamente, deixando atrás de si apenas morte, destruição, terra arrasada, pessoas famélicas ou mortos aos milhões, não há mais condições de se pensar em construir, ou reconstruir o monstro disfuncional. Esse Frankstein já morreu, e disso os companheiros estão bem conscientes (inclusive porque eles estão muito melhores no capitalismo, tomando o seu uisque pago pela burguesia, e pela classe média, vivendo à larga com o dinheiro público, e nem querem ouvir essa loucura completa, de "construir o socialismo). Apenas meia dúzia de malucos de partidecos ridículos ainda fala de socialismo e luta de classes. Os companheiros que contam já se aboletaram no capitalismo, em sua versão corporativa.
Isso tem um nome, e se chama fascismo, ponto.
Se eles forem inteligentes, vão evitar as bobagens que um coronelão aloprado, megalomaníaco e narcisista, comete bem ali ao lado, levando seu país ao desastre completo, até a derrocada final. Mas é que o caudilho encarnou demais na figura mussoliniana, e esse circo só pode dar errado.
Os companheiros são mais inteligentes: eles vão construir um fascismo institucional, aos poucos, comendo pelas beiradas, como dizia um outro caudilho dos pampas.
Enfim, já escrevi o que penso. Fiquem com dois textos de conjuntura.
Paulo Roberto de Almeida

Continuísmo
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
27 de agosto de 2010

O presidente Luiz Inácio da Silva não se aguenta: morre pela boca, mas nunca deixa passar uma excelente oportunidade de ficar calado.

Na quarta-feira teve duas chances e aproveitou as duas. Na primeira, contou em público uma versão mentirosa de um episódio ocorrido há oito anos, em que posou de vítima de preconceito por parte do diretor editorial do jornal Folha de S. Paulo. Isso apesar de as testemunhas estarem bem vivas para contestar.

Na segunda vez, discursava aos militares sobre a nova lei que reforça a estrutura do Ministério Defesa quando do coração lhe brotaram as palavras de lamento - sempre "em tom de brincadeira" - por não ter enviado uma "emendinha" propondo ao Congresso "mais alguns anos de mandato".

Note-se que não se referiu a disputa, mas a extensão.

O presidente Lula não se segura. De vez em quando externa o que lhe vai às profundas da alma, coisas que jamais esquece: a derrota da CPMF e a impossibilidade de ter aprovada a chance de alcançar um terceiro mandato sem traumas institucionais.

O problema com o imposto do cheque não é o dinheiro. Isso não faz falta ao governo. Lula não se conforma é com a derrota política que o fez perceber a impossibilidade de aprovar a emenda do terceiro mandato no Senado.

Assuntos sobre os quais nunca cogitamos não vêm à tona assim sem mais nem menos. Muito menos um tema como esse.

Ultimamente o presidente vem fazendo referências cruzadas a respeito. Lamenta o fim do segundo mandato, diz o quanto ficará saudoso do poder, insinua influência permanente no governo da "presidenta" que já considera eleita e ordena à tropa que empenhe todo esforço na eleição de uma bancada gigante de senadores.

De preferência derrotando todos aqueles que lhe fizeram oposição mais aguerrida. Não quer só maioria, quer vingança.

E para quê, se chega ao fim o seu tempo?

Aí é que está. Se realmente conseguir eleger Dilma a Lula parecerá que pode conseguir qualquer coisa. Maioria no Senado, voltar à Presidência em 2014, exercê-la de fato até lá com o beneplácito da "presidenta" de direito.

Por que tanta vontade de ter maioria no Senado, qual o projeto que indica essa necessidade?

No caso de Dilma não se aplica o preceito de que a criatura dá adeus ao criador tão logo assuma o poder. Ocorre quando o criador não tem o controle real das coisas, a começar pelo partido e pela figura que atua no imaginário popular.

Se ousar contra ele, a criatura sabe que a tempestade não lhe será leve.

Muito além. Não é (só) a liberdade dos humoristas que está sendo violada com as proibições impostas pela Lei Eleitoral. São as garantias de toda a sociedade, além da Constituição como fiadora da liberdade de expressão.

De onde é louvável a iniciativa da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão de entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra o veto ao exercício da crítica política nos 90 dias que antecedem as eleições.

Lamentável é terem se passado 13 anos de (quase) total insensibilidade com a violência da lei, a despeito dos isolados reclamos.

Meta comum. Os caminhos são diferentes, mas o objetivo dos governos da Venezuela, da Argentina e do Brasil é o mesmo: tutelar a sociedade e assegurar trânsito livre de críticas aos respectivos projetos de poder, por intermédio do controle da informação.

O governo Lula ensaia, recua e insiste em manietar a imprensa por meio de instâncias colegiadas e sugestões corporativas. Os Kirchner alteram as leis para prejudicar os grandes grupos de comunicação.

Chávez é explícito. Hoje prende e arrebenta, mas nem sempre foi assim, embora caminhe nesse sentido desde o início. Os fascinados por "governos do povo" - os bem-intencionados, não os vendidos - é que não percebem o andar da carruagem do autoritarismo.

Só se dão conta e protestam quando suas vozes já não podem mais ser ouvidas.

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Pela causa
MERVAL PEREIRA
O GLOBO, 28/08/10

O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, tem razões para se sentir “constrangido e traumatizado”, mas não tem sentido dizer que foi pego “de surpresa”. Ou melhor, só tem sentido se junto admitir que a repartição que chefia está completamente descontrolada, e pedir demissão. Colocado no cargo por um movimento corporativo para substituir a secretária Lina Vieira, aquela que disse que a então ministra Dilma Rousseff pediu para que aliviasse uma investigação sobre a família Sarney, Cartaxo tenta retirar qualquer cunho político do acontecido, mesmo que para isso se desmoralize, levando junto o órgão que comanda.

O aparelhamento do Estado faz a segunda vítima nos últimos dias, portanto, sendo a primeira a Empresa de Correios e Telégrafos que, entregue ao comando inepto de indicados pelo PMDB, está em franca decadência.

Na verdade, se pegarmos a relação de pessoas que tiveram o sigilo fiscal quebrado na agência da Receita Federal em Mauá, São Paulo, é um grande escândalo.

São mais de cem contribuintes, da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga aos sócios das Casas Bahia, passando pelo vice-presidente do PSDB Eduardo Jorge Caldas e mais três pessoas ligadas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra.

Isso mostra que havia um mercado de venda de sigilo fiscal. Mas não mostra, como quer apressadamente garantir Cartaxo e o corregedor da Receita, que não há interesse político por trás da quebra do sigilo dos contribuintes ligados ao PSDB.

Os interesses comerciais que predominaram na quebra do sigilo da maior parte das pessoas relacionadas como vítimas da ação de funcionários da agência da Receita Federal não retiram a gravidade da ação claramente política que aconteceu na mesma agência.

Tanto que os dados fiscais de Eduardo Jorge foram parar em documentos a que a “Folha de S. Paulo” teve acesso a partir de vazamento de informações do próprio comitê eleitoral da candidata oficial, Dilma Rousseff.

É muito forçada essa indignação toda da direção do PT, quando se sabe que anteriormente um caso que poderia ter tido consequências ainda mais graves foi desarmado também por denúncias da imprensa, desta vez da revista “Veja”.

O núcleo de comando do comitê da campanha de Dilma Rousseff, através do jornalista Luiz Lanzetta, entrou em contato com notório araponga para contratá-lo para missões de espionagem.

O escopo da missão abrangia não apenas pessoas ligadas ao candidato oposicionista, como o próprio José Serra, que teria seus telefones pessoais grampeados.

Para aproveitar o pacote, o araponga colocaria escutas também no próprio comitê, devido a uma disputa de poder interna entre o grupo que o contratava, ligado ao hoje candidato a senador em Minas Fernando Pimentel, e o grupo de assessores paulistas.

O fato de a agência da Receita Federal em Mauá ter se transformado num balcão de vendas de informações sigilosas não reduz a gravidade do caso nem despolitiza a questão, se essa foi a intenção dos dirigentes da Receita ao anunciarem seu “constrangimento” diante da descoberta.

O que pode haver de comum nos casos é que as informações podem ter sido conseguidas através de pagamento de propina.

Digo “podem” porque existe também a possibilidade de que as informações sobre as pessoas ligadas ao PSDB tenham sido conseguidas na base do “amor à causa”.

É natural que a corrupção se misture às atividades políticas ilegais, pois transpostas as barreiras da legalidade muitos veem nessas ações clandestinas também uma maneira de fazer um dinheirinho extra.

Logo após as denúncias contra o assessor do gabinete civil Waldomiro Diniz, flagrado apanhando propina do bicheiro Carlos Cachoeira para si e supostamente para campanhas políticas, fato revelado no início do primeiro governo Lula, o então presidente do PT, José Genoino, cunhou a seguinte frase: ‘O erro pela causa o presidente aceita. O erro em causa própria, não’.

Este é um exemplo clássico de critério ético elástico, que gera um movimento descontrolado.

Tudo pode ter começado ‘pela causa’, o que não justifica nada, e terminado em ‘causa própria’.

Outro caso exemplar desse descontrole é o do então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, responsável pela indicação de ocupantes dos principais cargos da República no início do governo.

Envolvido no escândalo do mensalão, o Tribunal de Contas da União apontou indícios de superfaturamento nos contratos da GDK com a estatal Petrobrás, onde Silvinho mandava e desmandava.

Descobriu-se no decorrer das investigações que a empresa dera um jipe Land Rover de presente ao ex-secretáriogeral do PT.

O mais grave de tudo é que mais uma vez investigações sobre desvios de condutas na órbita das instituições do Estado que foram aparelhadas pelo PT e partidos aliados parece que não darão em nada.

O caso dos “aloprados” da eleição de 2006, apanhados em flagrante pela Polícia Federal quando negociavam em um hotel em São Paulo a compra de um dossiê contra o então candidato ao governo do estado, José Serra, ainda hoje está insolúvel.

Aquela montanha de dinheiro, cuja fotografia vazou dos bastidores da Polícia Federal para contrariedade de seus comandantes e da cúpula do PT, ainda está até hoje sem uma explicação razoável de sua proveniência.

Não se sabe de ninguém que tenha sido preso pelo crime cometido.

O crime agora descoberto na Receita Federal tem a mesma destinação: produzir dossiês contra adversários políticos, uma baixaria a mais numa campanha eleitoral que vem sendo marcada pela ilegalidade, a começar pelo próprio presidente da República, multado várias vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral.