Lula assume o comando
Editorial -
O Estado de S.Paulo
26 de maio de 2011
Passados 144 dias de sua descida da rampa do Palácio do Planalto, Lula assumiu - se não o controle da administração de sua afilhada Dilma Rousseff - a condução política do governo. A volta foi ostensiva, deliberadamente ostensiva. Não é que até então ele tivesse deixado de influir em decisões da sucessora, a começar da formação da sua equipe, enquanto dizia ora que ex-presidentes não devem dar palpites sobre o que fazem os novos, ora que não lhe estava sendo fácil "desencarnar" da Presidência. Mas a sua atuação se dava nos bastidores, mediante telefonemas e reuniões discretas. À parte isso, a sua agenda política se concentrava em levar o PT a lançar um nome novo - presumivelmente, o ministro da Educação, Fernando Haddad - para disputar a Prefeitura paulistana no ano que vem.
Anteontem tudo mudou. Diante do desastroso manejo do escândalo que se abateu sobre o titular da Casa Civil, Antonio Palocci, tanto por parte do governo do qual, segundo Lula, ele é "o Pelé", quanto por parte do partido onde o ex-ministro da Fazenda não é propriamente uma unanimidade, o primeiro-companheiro decidiu entrar em campo para comandar o time político. Almoçou e posou para fotos com ar de comandante-chefe com 12 dos 14 membros da bancada do PT no Senado, os quais exortou a sair em defesa de Palocci de uma vez por todas. Revelado o fenomenal enriquecimento do ministro entre 2006 e 2010, quando acumulou o mandato de deputado com a atividade dita de consultoria, apenas 3 senadores petistas foram à tribuna se solidarizar com ele.
Lula não ficou nisso. Calejado no ramo do despiste desde a descoberta, em 2004, de que a Casa Civil do seu governo tinha um assessor parlamentar já flagrado cobrando propina, Lula deu duas ordens. Aos senadores e a tutti quanti, mandou bater na tecla de que o ônus da prova cabe a quem acusa - a imprensa e a oposição -, de que não há prova alguma de que o dublê de consultor e líder informal do governo na Câmara tenha feito fortuna ilicitamente e que, portanto, ele não deve explicações além das que deu à Comissão de Ética da Presidência. Ao mais íntimo homem de confiança no Planalto, o seu ex-chefe de Gabinete e atual secretário de Dilma, Gilberto Carvalho, Lula mandou desviar o foco do problema, culpando o secretário municipal de Finanças de São Paulo, Mauro Martins Costa, principal aliado do ex-governador tucano José Serra na gestão do prefeito Gilberto Kassab, pela revelação dos ganhos auferidos pela Projeto, a firma de Palocci.
A Secretaria teria como estimar o faturamento da empresa a partir dos valores do Imposto sobre Serviços (ISS) que nele incidiam, à razão de 5%. Desde a primeira hora, atribuía-se o vazamento ao "fogo amigo" de petistas furiosos com os vastos poderes de Palocci no governo Dilma e em posição de bisbilhotar os dados fiscais da Projeto, em posse da Receita Federal. A questão, no entanto, é secundária perto das implicações dos presumíveis ilícitos que Palocci teria cometido. De mais a mais, a muitos não escapou a ironia da corda em casa de enforcado: falar em quebra do sigilo fiscal do ministro lembra a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, ao qual ele ficou indelevelmente associado. De todo modo, o fato central na reaparição de Lula é o atestado da omissão política da presidente. O seu mentor precisou preencher a lacuna de sua ausência na crise que atingiu o cerne do governo.
A omissão poderia ser debitada ao desnorteamento de Dilma diante de um escândalo que ela não tinha preparo para enfrentar. Mas isso não é tudo. O que Lula ouviu dos companheiros senadores foram queixas sobre o alheamento político da presidente. Por soberba, inapetência, ou uma mistura das duas coisas, ela vem mantendo até os parlamentares de seu partido a uma distância incompatível com as suas necessidades. Dilma delegou o diálogo ao seu superministro. Com ele nas cordas, o vazio ficou escancarado. Agora, será uma surpresa se Lula se limitar a reger o governo no caso Palocci. Se, falando do ministro, disse que "não dá para pôr o Pelé no banco", que pensará ele de sua própria condição de titular a que os fatos o reconduziram?
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Fratura exposta
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 26 de maio de 2011
São vários os fatores que expõem a fragilidade política de Dilma Rousseff como presidente da República, sendo o mais recente e mais evidente a entrada de Luiz Inácio da Silva em cena.
Há outros, como a necessidade de esconder que a pneumonia contraída na volta da viagem à China não era "leve" como inicialmente anunciado, a recusa de tratar em público de suspeitas envolvendo seu principal auxiliar ou a demora em reagir a questões importantes como as sucessivas demonstrações de que há algo de muito errado no Ministério da Educação.
O recuo na distribuição do chamado "kit anti-homofobia" aconteceu não por causa de uma avaliação rigorosa sobre a adequação ou inadequação de uma campanha daquela natureza junto aos alunos do ensino fundamental, mas em função do temor de que católicos e evangélicos do Congresso não sustentem apoio a Antonio Palocci na crise.
Lula desembarcou em Brasília nesta semana não só para comandar a defesa do ministro Palocci, mas também para tentar conter a crescente insatisfação no PT e no PMDB com o estilo distante e animoso da presidente.
Para o público externo, galvaniza as atenções inventando uma versão qualquer para jogar suspeições sobre o PSDB a fim de desviar o foco das desconfianças sobre o enriquecimento anômalo do ministro e da evidência de que, se conspiração contra Palocci há, ela está dentro do PT e não na oposição.
Para o público interno, funciona como dique para conter a contrariedade das bancadas e suprir as carências do Planalto no momento em Palocci está fora de combate e que o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, se confirma na condição de nulidade.
A situação não é nova, vem se desgastando nos últimos dois meses, mas acabou se agravando com a crise que imobilizou Palocci conjugada à necessidade de uma articulação competente diante de uma questão importante como a votação do Código Florestal.
Um exemplo da carência de atributos de Dilma para lidar com o Congresso aconteceu na tarde de terça-feira, quando o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, foi ao palácio comunicar os termos para a votação do Código Florestal naquela noite.
O líder comunicou a Palocci o apoio do PMDB à emenda que permite a manutenção das produções agrícolas existentes em áreas de preservação permanente antes de 2008. Palocci levou a informação à presidente, que, então, mandou comunicar ao vice-presidente Michel Temer que se o partido insistisse no apoio à emenda demitiria todos os ministros do PMDB.
Uma impossibilidade evidente. Temer e Palocci precisaram contornar a situação fazendo ver a Dilma que aquele não seria o melhor momento para deflagrar uma guerra dessa envergadura.
O PMDB manteve a posição e à presidente foi transmitida a avaliação de que a emenda seria derrubada no Senado.
Se não for, ela terá de arcar com o desgaste do veto junto ao setor agrícola e até se expor ao risco de ver o veto derrubado.
Uma complicação à qual um governante não faz frente se não tiver experiência, vocação e tino políticos. Como Dilma Rousseff não tem, acaba de transferir essa tarefa a Lula.
Tal transferência pode até resolver o problema de imediato.
Mas abre enorme flanco com a cessão da autoridade presidencial a outrem. E não a um outrem qualquer: a Lula que sabe como ninguém potencializar poder político.
Decorre daí uma anomalia: o encolhimento da figura da presidente de direito e a expansão do papel de um ex-presidente numa informalidade institucional jamais vista em qualquer País do mundo civilizado.
Passivo. Quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia contra o ministro no caso da quebra do sigilo bancário de Francenildo Costa, o fez por falta de provas. Talvez fosse outra a decisão se os detentores de informações importantes tivessem se manifestado no tempo adequado.
Como a Caixa Econômica Federal, que tardou, e falhou, ao só agora informar à Justiça que a responsabilidade foi do gabinete do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci.