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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 22 de abril de 2024

Demolição e reconstrução da política externa (1) - Paulo Roberto de Almeida

 Demolição e reconstrução da política externa (1) 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Apresentação a volume síntese da era bolsolavista na diplomacia brasileira. 

 

Lendo certa vez, na Latin American Research Review – uma publicação da Latin American Studies Association, LASA – uma resenha sobre diversos livros e capítulos de livros sobre a política externa brasileira, por um conhecido brasilianista, deparei-me com esta minha descrição, a propósito de um dos capítulos sobre a política externa lulopetista, num livro coletivo publicado em 2010, ou seja, o último ano do segundo mandato de Lula; para o resenhista, eu seria Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual

A tradução literal seria “o principal intelectual desapegado do Itamaraty”; preferiria, na minha percepção, “o principal intelectual independente” do Itamaraty, o que registraria mais objetivamente o que sempre fui, em minhas análises da política externa e da diplomacia do Brasil. O “desapegado” do brasilianista indicaria, talvez, que eu poderia ser considerado um analista “desvinculado” da versão oficial da política externa e da diplomacia, o que também pode representar, mais adequadamente, minha postura básica nas abordagens que sempre fiz em torno de uma e outra, a política externa e sua ferramenta operacional. 

No entanto, minha formação básica, na vertente acadêmica (toda ela feita no exterior, ao me autoexilar nos anos mais duros da ditadura militar), não se deu no campo da análise da política externa, e sim numa sequência de especializações interdisciplinares, sempre centradas no Brasil, nos terrenos da sociologia política (graduação, 1974), no das relações econômicas internacionais (mestrado, 1976) e na sociologia do desenvolvimento econômico e político (minha tese de doutoramento, iniciada naquele mesmo ano, concluída em 1984), todas elas fortemente impregnadas por uma leitura histórica de todos os processos conectados ao itinerário do Brasil pós-1945. Meus primeiros trabalhos publicados estavam situados no campo dos movimentos políticos e do desenvolvimento econômico do Brasil dos anos 1950 aos 70. Só fui me interessar mais de perto pela política externa e pela diplomacia do Brasil a partir do final dos anos 1970, quando ingressei por concurso direto na carreira diplomática, ao mesmo tempo em que me engajava de volta na resistência à ditadura militar, a partir de 1978.

Posso deixar registrado, não sem certo orgulho e passados muitos anos, que, naquele mesmo ano, fui “fichado” como “diplomata subversivo” ao ter colaborado com um texto sobre uma política externa alternativa à do regime militar, oferecido à candidatura oposicionista, a do general Euler Bentes Monteiro, na eleição indireta do último general da ditadura, João Figueiredo. Descobri esse registro poucos anos atrás no diretório do Serviço Nacional de Informações (SNI), no Arquivo Nacional de Brasília, e cabe-me agora agradecer aos zelosos “arapongas” do regime o fato de terem preservado um texto que de outra forma estaria perdido para mim (ainda não integrado à minha lista geral de trabalhos). Meus escritos sobre política externa e diplomacia do Brasil datam, portanto, a partir dessa época, mas de maneira mais consistente apenas a partir da redemocratização, em 1985; eles guardam um espírito acadêmico razoavelmente conforme às interpretações gerais dos analistas universitários, e dos próprios diplomatas, os quais passei a ler e anotar de forma sistemática, servindo-me dessas análises para escrever meus primeiros trabalhos mais densos.

O primeiro livro que publiquei, em 1993, no imediato seguimento de minha missão como conselheiro na Delegação do Brasil junto à Aladi, em Montevidéu, sob o embaixador Rubens Barbosa, tratou do Mercosul, “no contexto regional e internacional”, isto é, situando-o no âmbito da integração latino-americana e comparativamente ao experimento europeu do mercado comum e da Comunidade Econômica. Quero deixar registrado, também dentro do mesmo espírito independente que sempre marcou minhas análises, que alguns parágrafos do texto original foram devidamente “podados” do texto autorizado para publicação pela Secretaria Geral das Relações Exteriores, pois que, provavelmente, não se conformavam com a visão oficial do processo integracionista, no entendimento dos zelosos funcionários do Itamaraty. Entendi, a partir de algumas hesitações dos colegas encarregados do nihil obstat da Casa em relação a meus textos – certa delonga nas autorizações, ou ausência completa de resposta aos textos submetidos –, que os escritos não correspondiam perfeitamente à versão que o Itamaraty sempre procurou defender no tocante à política externa oficial e à sua diplomacia. A partir de certo momento, ainda como conselheiro e já como ministro de segunda classe, parei de submeter todos os textos – muitos deles dirigidos a veículos de escasso alcance público – à anuência dos guardiões da ortodoxia diplomática, mas continuei seguindo as disposições estatutárias em relação aos livros. 

Uma nova obra, feita a partir de artigos elaborados entre 1993 e 1997, foi publicada em 1998, como primeiro volume de uma coleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dedicada à política externa: Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da UFRGS). Não me lembro de ter recebido o nihil obstat da Secretaria Geral, assim como ocorreu com outro livro, nesse mesmo ano: Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr), ambos rapidamente esgotados, o da UFRGS objeto de uma segunda edição em 2004. Seguiram-se vários outros livros, mais voltados para a história diplomática e as relações econômicas internacionais do que propriamente para a política externa do Brasil e sua diplomacia: O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999); O estudo das relações internacionais do Brasil (São Paulo: Universidade São Marcos, 1999); Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002), inclusive alguns que não tinham nada a ver com a diplomacia brasileira, e sim com o fenômeno do marxismo e do comunismo – Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999) – ou com a história do Brasil: Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (com a historiadora Katia de Queiroz Mattoso; Paris: L’Harmattan, 2002); A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex, 2003), este, escrito ainda antes das eleições de outubro de 2002, mas já antecipando o que viriam a ser os governos progressistas que vigoraram no Brasil entre 2003 e 2016. 

Um trabalho de corte acadêmico e diplomático permaneceu inédito – Brasil e OCDE: uma interação necessária– pois que não recebeu aprovação como tese apresentada no âmbito do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1996. Eu o divulguei, mais adiante, como simples arquivo digital, em minha página na plataforma de interação acadêmica Academia.edu. A tese de CAE foi substituída por uma pesquisa histórica sobre a diplomacia econômica do Brasil no século XIX, que, ela sim, recebeu aprovação para ser publicada: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (1997). Objetei, entretanto, a que ela fosse publicada na versão reduzida apresentada à banca, uma vez que a pesquisa era bem mais ampla e minuciosa; ela acabou sendo publicada conjuntamente pela Senac-SP e pela Funag em 2001, merecedora de uma segunda edição em 2005; uma terceira edição, em dois volumes, ampliada e revista, saiu em 2017, exclusivamente pela Funag. Essa obra consiste na produção mais academicamente elaborada a partir de fontes primárias e de uma leitura de vasta literatura no campo da história econômica do Brasil, mas carente de continuidade do mesmo trabalho para o século XX. 

Não me lembro, por outro lado, de ter solicitado autorização para os livros seguintes, enquadrados razoavelmente no contexto da política externa e da diplomacia do Brasil: O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE, 2006); Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012); Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013). A razão da não solicitação se deve simplesmente ao fato de que, desde o início dos governos progressistas, em 2003, e até o seu término, em 2016, eu jamais fui contemplado com um cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, provavelmente devido ao fato de eu já ter escrito artigos e capítulos de livros justamente independentes em relação à política externa do lulopetismo diplomático.

Essa minha visão crítica em relação às posturas do PT, que passaram a influenciar de modo nítido a política externa oficial e sua diplomacia – a ponto de algumas decisões terem sido tomadas, como se sabe, no Palácio do Planalto, contrariando pareceres técnicos do corpo profissional da diplomacia –, esteve provavelmente na origem de minha exclusão de qualquer trabalho executivo no Itamaraty durante todo o primeiro longo “reinado” lulopetista, o que por si só configurou uma irregularidade administrativa (a qual procurei não contornar por qualquer procedimento ou petição no âmbito burocrático). Adotei a biblioteca do Itamaraty como meu escritório de trabalho e passei a produzir uma gama variada de trabalhos, a maior parte sob a forma de artigos acadêmicos, mas também alguns livros que me deram grande satisfação intelectual em sua elaboração – O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, 2010); Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010) –, assim como muitos outros, coletando artigos dispersos em diferentes veículos acadêmicos, mas publicados unicamente em formato digital, mais comumente em base Kindle. 

O livro que formalmente consolidou minha postura crítica vis-à-vis as escolhas petistas nos terrenos da política externa e da diplomacia prática foi este, por acaso de título diretamente conectado ao slogan adotado pelo chefe de Estado para representar sua pretendida originalidade na história do Brasil: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014). Esse livro, que conforma uma abordagem abrangente das peculiaridades petistas no terreno da política regional e internacional do PT, recebeu uma versão reduzida, traduzida em alemão e publicada na Europa: Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015). Pela mesma editora universitária acabei publicando minha tese de doutoramento na Universidade de Bruxelas, defendida em 1984, que tinha permanecido inédita desde então: Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015). 

Em 2016, finalmente, com o impeachment da presidente do quarto mandato do PT, fui reintegrado ao serviço exterior, passando a desempenhar o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) da Funag, no qual desenvolvi dois anos e meio de um intenso programa de atividades intelectuais e de debate público em torno dos grandes temas da política externa, da diplomacia do Brasil e das relações internacionais, de maneira ampla. Nesse período ocorreu um fenômeno interessante, com respeito à minha produção, e talvez projeção, no terreno da diplomacia e da própria política econômica: supostos liberais, opositores da esquerda e do PT, passaram a me considerar, equivocadamente, como um representante do neoliberalismo, do conservadorismo, talvez até da direita. 

Recebi, então, muitos convites para escrever ou falar em foros dessas vertentes, o que não recusei fazer, mas nunca deixando de lado minha postura crítica em relação a políticas públicas, econômicas ou diplomáticas, segundo minhas próprias concepções quanto aos interesses nacionais. Até mesmo os militares, ignorantes quanto aos meus sete anos de exílio europeu durante a ditadura, em especial de meus escritos sob outros nomes contra o regime, passaram a me convidar para palestras e seminários na ESG e para escrever artigos para algumas de suas revistas corporativas. Nenhum problema tive em expressar minhas ideias, a despeito de algumas fortes declarações contra o protecionismo e o nacionalismo extremados, defendidos tanto pelos militares, quanto pela esquerda anacrônica. Muitas dessas ideias foram expostas, direta ou indiretamente, nos dois livros que publiquei em 2017 e 2018: O homem que pensou o Brasiltrajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris)A Constituição contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM). 

Ao adentrarmos no ano eleitoral de 2018, pressenti que minha postura independente, certamente crítica, no tocante às políticas oficiais, tanto da direita, quanto da esquerda, estaria chegando a seu termo com o escrutínio do mês de outubro; assim, alertei meus colaboradores no IPRI a que buscassem algum outro trabalho no âmbito da política externa. De minha parte, não cogitei solicitar qualquer posto no exterior, enquanto aguardava uma exoneração nos primeiros dias de 2019, tanto de um lado, quanto do outro, dos dois extremos em disputa naquele pleito. O que se seguiu ao segundo turno da eleição presidencial foi um prenúncio surpreendente das mudanças bizarras que se seguiriam na política externa, com as declarações grandiloquentes em torno do antiglobalismo esquizofrênico das seitas lunáticas da extrema direita. Elaborei um relatório completo, listando todas as atividades empreendidas desde agosto de 2016, finalizado pouco antes do Natal de 2018, e viajei durante duas semanas ao sul do país. A exoneração não interveio no começo de 2019, mas ainda fora de Brasília recebi o alerta de que o programa elaborado no final de 2018 para ser desenvolvido já nas primeiras semanas do ano seguinte estava sob revisão atenta dos novos donos do poder. 

Não preciso estender-me sobre as loucuras literais que desabaram sobre o Itamaraty em consequência da ascensão dos neófitos bolsolavistas no âmbito da política externa e da diplomacia, desde a posse do chanceler acidental no dia 2 de janeiro de 2019, algumas delas já antecipadas nas semanas anteriores pelo chefe de Estado ou pelo próprio diplomata designado para a função. Como sempre faço, tomei nota das declarações esquizofrênicas que estavam sendo enunciadas e aguardei o desfecho inevitável, que ocorreu, finalmente, no Carnaval de 2019, imediatamente após eu ter publicado no meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando, uma palestra do embaixador Rubens Ricupero, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma virulenta resposta a ambos por parte do desequilibrado júnior chanceler, sugerindo um debate em torno das principais ideias.

Voltei à biblioteca do Itamaraty, apenas para compor, rapidamente, uma sequela ao meu livro de 2014, Nunca Antes na Diplomacia, publicado pela mesma editora ainda no primeiro semestre do ano: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019). Ele examinava os dois anos terminais do lulopetismo diplomático e o retorno a uma diplomacia mais conforme aos padrões tradicionais do Itamaraty sob a gestão dos dois chanceleres do governo Temer: José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, dois senadores pelo PSDB de São Paulo. Minha pretensão inicial, no novo ostracismo, que eu antecipava em mais alguns anos na biblioteca do Itamaraty, era a de retomar as pesquisas de “arqueologia” diplomática em torno das relações econômicas do Brasil desde o início da República até a conferência de Bretton Woods, para depois escrever um terceiro volume sobre o período contemporâneo, completando assim a missão autoatribuída de historiador da diplomacia econômica do Brasil.

Mal imaginava eu, nas primeiras semanas de 2019, que as loucuras e bizarrices do bolsolavismo diplomático seriam tamanhas, e tão escandalosamente escabrosas, que passei a deixar de lado a história do passado republicano para ocupar-me do presente do amadorismo vergonhoso escancarado pelos assessores destrambelhados do presidente, por ele próprio e pelo chanceler acidental, nesta exata ordem, no campo da política externa e da diplomacia do país. O material comprobatório era farto, pois todos os dias tínhamos declarações, entrevistas, notas oficiais do Itamaraty – redigidas numa linguagem estranha ao linguajar diplomático, ignorante do Direito Internacional – todas apoiadas em emissões alucinantes do polemista que servia de guru presidencial e de guia absoluto do chanceler submisso à franja lunática que passou a dominar o Itamaraty. Liberto que estava de qualquer adesão aos novos donos do poder, como também de simpatia pelas posições igualmente equivocadas do lulopetismo diplomático, passei a redigir minhas notas e observações a respeito do mais tenebroso intervalo esquizofrênico jamais conhecido na história do Itamaraty.

Assim, em lugar do projetado livro de pesquisa sobre A Ordem Econômica Internacional e o Progresso da Nação: as relações econômicas internacionais do Brasil na primeira era republicana, em grande medida já elaborado nos principais capítulos, o que emergiu, numa série de cinco livros polêmicos, elaborados sucessivamente, entre 2019 e 2021, foram: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (2020); Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (2020); O Itamaraty sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 (2021); Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), os quatro primeiros publicados em formato digital, o quinto pela mesma editora que já tinha publicado meus livros anteriores. 

Com exceção deste último, que teve edição comercial, e deve ser encontrado nos canais usuais de distribuição, os demais tiveram escassa circulação e ficaram praticamente desconhecidos do grande público, dado o formato eletrônico e nenhuma publicidade. Esta é a razão de minha decisão de reuni-los num único volume, com alguma redução seletiva dos materiais dotados de “prazos de validade” inadequados à atualidade, e de oferecer, assim, aos interessados, uma visão ampla, quase completa, dos “anos loucos” do bolsolavismo pouco diplomático; os quatro anos constituíram, na verdade, uma anomalia total em relação aos paradigmas amplamente identificados com a história bissecular, conceitual e prática, de nossa diplomacia. O que ocorreu, entre 2019 e 2022, foi, realmente, uma destruição da inteligência no e do Itamaraty, um intervalo obscuro no itinerário de nossa presença internacional e um sequestro da política externa e da diplomacia por amadores ignorantes e partidários das mais alucinantes teorias conspiratórias importadas da extrema direita americana. Esperando que tenhamos dado um fim à demolição de nossa ferramenta diplomática, ofereço esta obra aos novos integrantes da carreira do Serviço Exterior brasileiro, como forma de nos precavermos contra novas e bizarras aventuras num itinerário normalmente respeitado pela cidadania brasileira e admirado pela comunidade internacional. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4580, 11 fevereiro 2024, 7 p.


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O texto acima foi escrito em fevereiro último, mas só divulgado neste meu “quilombo de resistência intelectual”, que é este blog Diplomatizzando, em 22/04/2024, tendo eu postado uma pequena chamada no X, que reproduzo a seguir, tendo recebido um comentário dd um leitor, que agrego abaixo, juntamente com minha resposta a este:


1) Minha “chamada” no X:

“ Demolição e reconstrução da política externa  -  Paulo Roberto de Almeida - diplomatizzando.blogspot.com/2024/04/demoli… - Já fui chamado, por um brasilianista, de "Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual’". Traduziria por "o mais independente dos intelectuais do Itamaraty", o que muito me honra.”



2) Comentário feito no X por Carlos (@carlosdinizsilv):

“E, com o passar do tempo, o brasilianista não foi desmentido. Considero que você tem realmente posições independentes dos modismos atuais e passados. Que continue assim.”


            3) Minha resposta esta data (22/04/2024):

“Grato pelo comentário. Tento apenas ser objetivo na avaliação de políticas públicas, sobretudo a externa, e ser honesto comigo mesmo, ao expressar uma visão própria sobre a diplomacia. Nem sempre isso é bem recebido pela burocracia ou pelos “barões” da Casa. Continuo no quilombo!”


PS1: Faltou, ao inicio da nota “semi-biográfica” de fevereiro, objeto da postagem agora feita, um esclarecimento sobre o autor da resenha de vários livros sobre a política externa brasileira, de autoria de um conhecido brasilianista canadense, publicada poucos anos atrás na Latin American Research Review, o órgão oficial da LASA. Vou procurar o review- article e informar devidamente neste espaço.


PS2: A postagem acima deveria servir de introdução a uma nova coletânea minha, um possível novo livro, com alguns inéditos e vários textos e postagens dispersas sobre o objeto preferencial de minhas análises nas últimas quatro décadas: a política externa e a diplomacia brasileira no periodo recente. Cabe reconhecer que meu livro mais recente sobre o assunto, “Apogeu e Demolição da Política Externa” (Appris, 2021), já se tornou relativamente “perempto”.


Já passamos pela “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsolavismo, e entramos numa nova fase, a de Lula 3, a de um novo esforço de “desconstrução” da política externa do Itamaraty pelo lulopetismo diplomático, desta vez ainda mais personalista e megalomaníaco do que durante os dois primeiros mandatos 2003-2010). Tenho muito a dizer sobre essa nova fase, lamentavelmente mais colada ainda às duas grandes autocracias do Brics, que tentam implantar uma suposta “nova ordem global”, que seria “mais democrática” e redundantemente “multipolar” do que a ordem atual, que é obviamente ocidental é caracteristicamente democrática, capitalista, humanista e iluminista, o que incomoda ditadores (de direita e de esquerda) ao redor do mundo, entre eles um candidato a líder de um diáfano “Sul Global”, como pretende ser Lula (sem conseguir).


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/04/2024, 10:25hs

domingo, 26 de março de 2023

Depoimento do historiador Timothy Snyder no CSNU sobre as atrocidades cometidas contra russos e ucranianos - Dagobah

 Introdução PRA:

As atrocidades que estão sendo cometidas pelo ESTADO russo na Ucrânia, e também contra o seu próprio povo, na Rússia, ao negar-lhe as verdades sobre a guerra de agressão e seus horrores, a matança dos próprios russos na Ucrânia, seja de soldados convocados para a invasão, seja de russo-ucranianos vivendo no território invadido e em outras localidades, tudo isso, como relatado pelo historiador da Rússia Timothy Snyder, deveria ser ponderado pela DIPLOMACIA BRASILEIRA em seu posicionamentos sobre como o presidente do Brasil deveria se manifestar a respeito dessa guerra terrível que compromete o futuro da Europa e também do mundo. 

Além das atrocidades que estão sendo perpetradas pelas forças russas que atacam continuamente a Ucrânia, existe uma dimensão que não está sendo propriamente considerada na avaliação dos interesses do ESTADO brasileiro e do país como um todo em face desse conflito (que não é um simples conflito militar e sim uma guerra de aniquilação de um Estado e de um povo): essa dimensão, inescapável a qualquer indivíduo que recebe as terríveis notícias que nos chegam da Ucrânia, é a DIMENSÃO MORAL de todo esse assunto.

Pergunto: como se pode ser indiferente em face de todas essas ATROCIDADES?

Onde está a capacidade de ser humano, como se perguntava Primo Levi ao voltar de Auschwitz: SE ISSO É UM HOMEM?

Como se pode ser insensível a tudo isso?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 26/03/2023


Timothy Snyder: Briefing do Conselho de Segurança das Nações Unidas


Se fazendo de vítima

Testemunho ao Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o discurso de ódio russo

por Timothy Snyder, Thinking about: Snyder Substack (14/03/2023)

Tradução livre ao português por Zoia Luecht

(Este é o texto do meu briefing do Conselho de Segurança das Nações Unidas esta manhã, 14 de março de 2023, para uma sessão convocada pela Federação Russa para discutir “russofobia”. Se você quiser me citar exatamente como eu falei, talvez queira verificar o vídeo da sessão, que encontra-se disponível no texto original linkado nos comentários.)

Senhoras e senhores, venho diante de vocês como historiador da região, como historiador da Europa Oriental e, especificamente, como historiador de assassinatos em massa e atrocidades políticas. Fico feliz em ser convidado a informá-los sobre o uso do termo “russofobia” por atores estatais russos. Acredito que tal discussão pode esclarecer algo sobre o caráter da guerra de agressão da Rússia na Ucrânia e a ocupação ilegal do território ucraniano pela Rússia. Falarei brevemente e me limitarei a dois pontos.

Meu primeiro ponto é que os danos aos russos e o dano à cultura russa são, principalmente, resultado das políticas empregadas na Federação Russa. Se, realmente, estamos preocupados com os danos aos russos e à cultura russa, então devemos nos preocupar com as políticas empregadas pelo estado russo.

Meu segundo ponto: Será que o termo “russofobia”, que estamos discutindo hoje, foi explorado durante esta guerra como uma forma de propaganda imperial na qual o agressor afirma ser a vítima? Serviu no ano passado como justificativa para os crimes de guerra cometidos pelos russos na Ucrânia.

Deixe-me começar do primeiro ponto. A premissa, quando discutimos “russofobia”, é que estamos preocupados com os danos aos russos. Essa é uma premissa que eu certamente compartilho. Eu compartilho da preocupação com os russos. Eu compartilho da preocupação com a cultura russa. Lembremos, então, as ações do ano passado que causaram os maiores danos aos russos e à cultura russa. Citarei brevemente dez.

1. Forçando os russos mais criativos e produtivos a emigrar. A invasão russa na Ucrânia fez com que cerca de 750.000 russos deixassem a Rússia, incluindo algumas das pessoas mais criativas e produtivas. Este é um dano irreparável à cultura russa, e é o resultado da política russa.

2. A destruição do jornalismo russo independente para que os russos não possam conhecer o mundo ao seu redor. Isso também é política russa e causa danos irreparáveis à cultura russa.

3. Censura geral e repressão à liberdade de expressão na Rússia. Na Ucrânia, você pode dizer o que gosta em russo ou ucraniano. Na Rússia, você não pode.

Se você estiver na Rússia com uma placa dizendo “não à guerra”, você será preso e muito provavelmente preso. Se você estiver na Ucrânia com um sinal que diz “não à guerra”, independentemente do idioma em que esteja expressado, nada acontecerá com você. A Rússia é um país de apenas um idioma importante com o qual você pode dizer pouco. A Ucrânia é um país com dois idiomas onde você pode dizer o que quiser.

Quando visito a Ucrânia, as pessoas me relatam sobre os crimes de guerra dos russos usam um dos dois idiomas, seja o ucraniano ou seja o russo, como preferirem.

4. O ataque à cultura russa por meio da censura de livros escolares, enfraquecendo as instituições culturais russas em casa e a destruição de museus e organizações não governamentais dedicadas à história russa. Todas essas coisas são obras da política russa.

5. A perversão da memória da Guerra da Grande Pátria, travou uma guerra de agressão em 2014 e 2022, privando assim todas as gerações futuras de russos dessa herança. Essa é a política russa. Isso causou grande dano à cultura russa.

6. O rebaixamento da cultura russa em todo o mundo e o fim do que costumava ser chamado de “russkiy mir”, o mundo russo no exterior.

Costumava ser o caso de haver muitas pessoas que se sentiam amigáveis com a Rússia e a cultura russa na Ucrânia. Isso terminou por duas invasões russas. Essas invasões eram políticas do estado russo.

7. O assassinato em massa de falantes de russo na Ucrânia. A guerra de agressão russa na Ucrânia matou mais falantes de russo do que qualquer outra ação de longe.

8. A invasão da Ucrânia pela Rússia levou à morte em massa de cidadãos russos que lutavam como soldados em sua guerra de agressão. Cerca de 200.000 russos estão mortos ou mutilados. Esta é, e é claro, simplesmente a política russa. É política russa enviar jovens russos para que morram na Ucrânia.

9. Crimes de guerra, trauma e culpa. Esta guerra significa que uma geração de jovens russos, aqueles que sobrevirem, estarão envolvidos em crimes de guerra e estarão envolvidos em traumas e culpas pelo resto de suas vidas. Isso é um grande dano à cultura russa.

Todo esse dano aos russos e à cultura russa foi alcançado pelo próprio governo russo, principalmente no decorrer do último ano. Então, se estivéssemos sinceramente preocupados com os danos aos russos, essas são algumas das coisas em que pensaríamos. Mas talvez a pior política russa em relação aos russos seja a última, a décima.

10. O treinamento sustentado ou a educação dos russos para acreditar que o genocídio é normal. Vemos isso nas repetidas alegações do presidente da Rússia de que a Ucrânia não existe. Vemos isso em fantasias genocidas na mídia estatal russa. Vemos isso em um ano de televisão estatal atingindo milhões ou dezenas de milhões de cidadãos russos todos os dias. Vemos isso quando a televisão estatal russa apresenta os ucranianos como porcos. Vemos isso quando a televisão estatal russa apresenta os ucranianos como parasitas. Vemos isso quando a televisão estatal russa apresenta os ucranianos como vermes. Vemos isso quando a televisão estatal russa apresenta os ucranianos como satanistas ou como canibais. Vemos isso quando a televisão estatal russa proclama que as crianças ucranianas devem ser afogadas. Vemos isso quando a televisão estatal russa proclama que as casas ucranianas devem ser queimadas com as pessoas dentro. Vemos isso quando as pessoas aparecem na televisão estatal russa e dizem: “Eles não deveriam existir. Devemos executá-los por pelotão de fuzilamento.” Vemos isso quando alguém aparece na televisão estatal russa e diz “vamos matar 1 milhão, vamos matar 5 milhões, podemos exterminar todos vocês”, ou seja, todos os ucranianos.

Agora, se estivéssemos sinceramente preocupados com os danos aos russos, estaríamos preocupados com o que a política russa está fazendo aos russos. A alegação de que os ucranianos são “russófobos” é mais um elemento do discurso de ódio russo na televisão estatal russa. Na mídia russa, essas outras alegações sobre os ucranianos estão misturadas com a alegação de que os ucranianos são russofóbicos. Então, por exemplo, na declaração na televisão estatal russa em que o orador propôs que todos os ucranianos fossem exterminados, seu raciocínio era que todos eles deveriam ser exterminados porque exibem a “russofobia”.

A alegação de que os ucranianos têm que ser mortos porque têm uma doença mental conhecida como “russofobia” é ruim para os russos, porque os educa no genocídio. Mas é claro que tal afirmação é muito pior aos ucranianos.

Esta é uma foto que tirei no porão da escola em Yahidne, na região de Chernihiv, na Ucrânia. Em Yahidne, os ocupantes russos mantinham toda a população da aldeia no porão da escola. Algumas pessoas foram executadas, outras morreram de exaustão. O texto nela diz “59 crianças”; eram quantas crianças que estavam entre aquelas pessoas presas em um espaço muito pequeno. No térreo da escola haviam grafites russos repetindo slogans da propaganda de televisão, por exemplo, que os ucranianos são o “diabo”.

Isso me leva ao meu segundo ponto. O termo “russofobia” é uma estratégia retórica que conhecemos das histórias dos imperialismos.

Quando um império ataca, o império afirma que é a vítima. A retórica de que os ucranianos são de alguma forma “rusófobos”, está sendo usada pelo estado russo para justificar uma guerra de agressão. A linguagem é muito importante. Mas é o ambiente em que é usado que mais importa. Este é o cenário: a invasão russa da própria Ucrânia, a destruição de cidades ucranianas inteiras, a execução de líderes ucranianos locais, a deportação forçada de crianças ucranianas, o deslocamento de quase metade da população ucraniana, a destruição de centenas de hospitais e milhares de escolas, o ataque deliberado ao abastecimento de água e calor durante o inverno. Esse é o cenário da invasão russa na Ucrânia. Isso é o que realmente está acontecendo.

O termo “russofobia” vem sendo usado neste cenário afim de promover a alegação de que o poder imperial é que é a vítima, mesmo que o poder imperial, a Rússia, esteja realizando uma guerra de atrocidades. Este é um comportamento historicamente típico. O poder imperial desumaniza a vítima real e afirma ser a vítima. Quando a vítima (neste caso a Ucrânia) se opõe a ser atacada, assassinada, a ser colonizada, o império diz que querer ser deixado em paz é irracional, é uma doença. Isso é uma “fobia”.

Essa alegação de que as vítimas são irracionais, de que são “fóbicas”, de que têm uma “fobia”, destina-se a desviar a atenção da experiência real das vítimas no mundo real, que é uma experiência, e é claro, de agressão de guerra e atrocidade. O termo “russofobia” é uma estratégia imperial destinada a mudar o assunto de uma guerra real de agressão para os sentimentos dos agressores, suprimindo assim a existência e a experiência das pessoas mais prejudicadas. O imperialista diz: “Somos as únicas pessoas aqui. Somos as verdadeiras vítimas. E nossos sentimentos feridos contam mais do que a vida de outras pessoas.”

Agora, os crimes de guerra da Rússia na Ucrânia podem ser e serão avaliados pela lei ucraniana, porque ocorrem em território ucraniano, e pelo direito internacional. A olho nu, podemos ver que há uma guerra de agressão, crimes contra a humanidade e de genocídio.

A aplicação da palavra “russofobia” neste cenário, a alegação de que os ucranianos estão mentalmente doentes em vez de que estão passando por uma atrocidade, é retórica colonial. Serve como parte de uma prática mais ampla no discurso de ódio. É por isso que esta sessão é importante: ela nos ajuda a ver o discurso de ódio genocida da Rússia. A ideia de que os ucranianos têm uma doença chamada “russofobia” é usada como um argumento para destruí-los, juntamente com os argumentos de que são eles os vermes, os parasitas, os satanistas e assim por diante.

Afirmar ser a vítima quando você é de fato o agressor não é uma defesa. Na verdade,a alegação faz parte do crime. O discurso de ódio dirigido contra os ucranianos não faz parte da defesa da Federação Russa ou de seus cidadãos. É um elemento dos crimes que os cidadãos russos estão cometendo em território ucraniano. Nesse sentido, ao convocar esta sessão, o estado russo encontrou uma nova maneira de confessar crimes de guerra. Obrigado pela sua atenção.

(Eu então falei uma segunda vez, em resposta a uma pergunta do representante russo. Novamente, se você quiser me citar diretamente, talvez queira consultar o vídeo, que está aqui. Como a consulta era sobre fontes, adicionei alguns links, por conveniência. Eles não eram elementos da minha apresentação.)

Obrigado, Sr. Presidente. Foi um prazer estar com você e entre os diplomatas. O representante russo achou por bem me pedir fontes, e estou muito feliz em ajuda-lo.

Se estamos preocupados com fontes de declarações de altos funcionários da Federação Russa, encaminho o representante russo para o site do Presidente da Federação Russa. Lá ele encontrará discursos do presidente da Federação Russa negando que a Ucrânia existe com base no fundamento de que a Ucrânia foi inventada pelos nazistas, negando que a Ucrânia existe com base no fundamento de que foi inventada pelos comunistas e negando que a Ucrânia existe com o fundamento de que um viking foi batizado há mil anos. Eu não comento aqui sobre a validade histórica ou a lógica desses argumentos. Eu simplesmente aponto que esta é uma questão de registro público, que estas são as declarações do Presidente da Federação Russa. Da mesma forma, Dmitri Medvedev, membro do Conselho de Segurança Russo, em seu canal no telegram, oferece repetidamente o tipo de linguagem genocida que foi discutida aqui hoje.

Com relação às fontes na televisão estatal russa. Isso é muito simples. Eu estava citando a televisão estatal russa. A televisão estatal russa é um órgão do estado russo. Como o próprio presidente da Federação Russa disse, a televisão estatal russa representa os interesses nacionais russos. As declarações feitas na televisão estatal russa e em outros meios de comunicação estatais, portanto, são significativas, não apenas como expressões da política russa, mas também como uma marca de motivação genocida à população russa. Isso é verdade a tal ponto que os próprios apresentadores da televisão russa se preocuparam em voz alta com a possibilidade de serem processados por crimes de guerra. Então eu encaminho o representante da Federação Russa para os arquivos de vídeo dos canais de televisão estaduais da Rússia. Para aqueles de vocês que não sabem russo, eu os refiro ao excelente trabalho de Julia Davis. Julia Davis montou um arquivo de material de vídeo russo relevante.

Se as fontes em questão são sobre as atrocidades russas reais na Ucrânia, elassão bem conhecidas e foram abundantemente documentadas. A coisa mais simples para o estado russo fazer seria permitir que jornalistas russos relatassem livre e diretamente da Ucrânia. Para todos os outros, a coisa mais simples a fazer seria visitar a Ucrânia, uma terra que tem um presidente bilíngue, democraticamente eleito, que representa uma minoria nacional e perguntem ao povo da Ucrânia sobre a guerra em ucraniano ou russo. Os ucranianos falam os dois e podem responder em ambos.

O representante da Federação Russa achou por bem atacar minhas qualificações. Eu tomo essa repreensão do estado russo como um distintivo de orgulho, já que é um elemento muito menor em um ataque maior à história e à cultura russas. Meu trabalho tem sido dedicado, entre outras coisas, a narrar o assassinato em massa de russos, inclusive no Cerco de Leningrado. Tenho orgulho ao longo da minha carreira de aprender com historiadores da Ucrânia, Polônia, Europa em geral e também com historiadores da Rússia. É lamentável que os principais historiadores da Rússia e os principais estudiosos da Rússia não tenham permissão para praticar ´livremente’ suas disciplinas em seu próprio país. É lamentável que organizações como o Memorial, que fizeram um trabalho heroico na história russa, agora sejam criminalizadas na Rússia.

Também é lamentável que as leis de memória na Rússia impeçam a discussão aberta da história russa. É lamentável que a palavra Ucrânia tenha sido banida dos livros escolares russos. Como historiador da Rússia, estou ansioso pelo dia em que possa haver uma discussão livre da fascinante história da Rússia.

Falando em história, o representante russo negou que existisse algo como a história da Ucrânia. Eu indicaria ao representante russo excelentes pesquisasfeitas por historiadores que conhecem tanto o ucraniano quanto o russo, como o trabalho recente do meu colega Serhii Plokhii em Harvard. Eu indicaria as pessoas em geral para minha aula abertasobre história ucraniana em Yale, que espero compartilhar o significado da história ucraniana de forma mais eloquente do que posso faze-lo aqui.

Mas fundamentalmente, gostaria de agradecer ao representante russo por me ajudar a fazer o ponto que eu estava tentando inclui-lo no meu briefing. O que tenho tentado dizer é que não é para o representante de um país maior dizer que o país menor não tem história. O que o representante russo acabou de nos dizer é que sempre que os ucranianos, no passado ou no presente, afirmam que existem como sociedade, isso é “ideologia” ou “russofobia”.

O representante russo nos ajudou exemplificando o comportamento que eu estava tentando descrever. Como venho tentando dizer, descartar a história alheia, ou chamá-la de doença, é uma atitude colonial com implicações genocidas. O império não tem o direito de dizer que um país vizinho não tem história. A alegação de que um país não tem passado é discurso de ódio genocida. Ao nos ajudar a fazer a conexão entre palavras e ações russas, esta sessão foi útil. Obrigado.

Timothy Snyder em 14 de março de 2023

Obrigado por ler.

Este post é público, então sinta-se à vontade para compartilhá-lo.

DAGOBAH, por Augusto de Franco, a quem agradeço por viabilizar o acesso.

(PRA)


terça-feira, 1 de novembro de 2022

Depoimento de Paulo Roberto de Almeida a Luiz G. Maluf (Mundo em Análise)

Diplomacia econômica e política comercial: entrevista de Paulo Roberto de Almeida a Luiz G. Maluf

Uma conversa com Luiz G. Maluf sobre a diplomacia econômica do Brasil, sua política comercial e outros aspectos suscitados pelo entrevistador: Luiz G. Maluf, do Mundo em Análise.


A CONVERSA - DIPLOMATA PAULO ROBERTO DE ALMEIDA - PT 1 [Bio + Intersecção com a História Brasileira]

Desenho de um círculo

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Mundo em Análise

 

Como um apaixonado por biografias e trajetórias, tenho um prazer especial em poder acompanhar as histórias e os "causos" daqueles vultos que com certeza marcarão época. É um grande prazer poder ouvir do próprio sujeito, algo muito raro, e ainda interagir. 

 

PARTE I: Paulo Roberto de Almeida permite que em pouco menos de 50 minutos tenhamos a intersecção do que vivenciou em uma longa trajetória diplomático-acadêmica, perpassando o regime militar, o comunismo, as fronteiras políticas, a democracia brasileira e os meandros políticos do PT até desembocar na lastimável política externa do Gov. Bolsonaro.

LINKhttps://www.youtube.com/watch?v=QM7Iz8B0odQ

 

Na PARTE II, A MENTALIDADE PROTECIONISTA VS MULTILATERALISMO, Paulo Roberto de Almeida traz nesta pílula um pouco dos fatores importantes e concepções que marcam os posicionamentos estratégicos que regem a mentalidade tacanha do protecionismo x os avanços multilaterais da esfera político-econômica. AQUI teremos um aprofundamento da visão dos grandes fatos e atores que ditam nosso cotidiano, ainda que não tenhamos plena ciência disso. Nada melhor do que a prática para desmontar as ficções teóricas que rodeiam os acadêmicos.

LINKhttps://www.youtube.com/watch?v=8IHeYolx39U

 

PARTE III: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DIPLOMACIA BRASILEIRA E SUAS MENTALIDADES

Paulo Roberto de Almeida traz nesta pílula um pouco da evolução contemporânea da diplomacia brasileira e permeia a mentalidade / postura para alguns posicionamentos.

LINKhttps://www.youtube.com/watch?v=M38g3LiqNsE

 

PARTE IV: O QUE SABOTA O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO; digressões sobre nosso protecionismo renitente e nosso eterno mercantilismo.

LINKhttps://www.youtube.com/watch?v=xE7lCPslKY4

 

Seu site éhttp://pralmeida.org/

Sua biografia: Doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). É diplomata de carreira, por concurso direto, desde 1977; serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e, desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, colabora com várias iniciativas no campo das humanidades e ciências sociais, e participa de comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas. De agosto de 2016 a março de 2019 foi Diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores. 

Seus Livros Publicados: Seleção de livros publicados: Apogeu e demolição da política externa brasileira (Curitiba: Appris, 2021) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2020); Um contrarianista na academia: ensaios céticos em torno da cultura universitária (Brasília: Diplomatizzando, 2020; 363 p.); A ordem econômica mundial e a América Latina: ensaios sobre dois séculos de história econômica (Brasília: Diplomatizzando, 2020, 308 p.); O Mercosul e o regionalismo latino-americano: ensaios selecionados, 1989-2020 (Edição Kindle, 453 p.) Marxismo e socialismo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea (Brasília: Edição de Autor, 2019); Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019); Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019); A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018); O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017); Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: démocratie et autoritarismo au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015); Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015); Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014); Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013); O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos (Kindle edition: 2013); Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: GEN, 2012); Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011); O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010); O estudo das relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE, 2006); Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (São Paulo: Senac, 2001; 2005); Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002); Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr, 1998). Editou ou coordenou a publicação de diversos outros livros, e participou de várias dezenas de obras coletivas, com capítulos sobre os temas preferenciais de pesquisa. 

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