Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sábado, 20 de abril de 2013
Quadrilheiros e corruptos no limiar da cadeia...
Paulo Roberto de Almeida
ITEM II DA DENÚNCIA. QUADRILHA (ART. 288 DO CÓDIGO PENAL). ASSOCIAÇÃO ESTÁVEL E ORGANIZADA, CUJOS MEMBROS AGIAM COM DIVISÃO DE TAREFAS, VISANDO À PRÁTICA DE VÁRIOS CRIMES.
O extenso material probatório, sobretudo quando apreciado de forma contextualizada, demonstrou a existência de uma associação estável e organizada, cujos membros agiam com divisão de tarefas, visando à prática de delitos, como crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional, além de lavagem de dinheiro.
Essa associação estável – que atuou do final de 2002 e início de 2003 a junho de 2005, quando os fatos vieram à tona – era dividida em núcleos específicos, cada um colaborando com o todo criminoso, os quais foram denominados pela acusação de (1) núcleo político; (2) núcleo operacional, publicitário ou Marcos Valério; e (3) núcleo financeiro ou banco Rural.
Tendo em vista a divisão de tarefas existente no grupo, cada agente era especialmente incumbido não de todas, mas de determinadas ações e omissões, as quais, no conjunto, eram essenciais para a satisfação dos objetivos ilícitos da associação criminosa.
Condenação de JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, DELÚBIO SOARES DE CASTRO, JOSÉ GENOÍNO NETO, MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, RAMON HOLLERBACH CARDOSO, CRISTIANO DE MELLO PAZ, ROGÉRIO LANZA TOLENTINO, SIMONE REIS LOBO DE VASCONCELOS, KÁTIA RABELLO e JOSÉ ROBERTO SALGADO, pelo crime descrito no art. 288 do Código Penal.
CAPÍTULO III DA DENÚNCIA. SUBITEM III.1. CORRUPÇÃO PASSIVA. CORRUPÇÃO ATIVA. PECULATO. LAVAGEM DE DINHEIRO. AÇÃO PENAL JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Restou comprovado o pagamento de vantagem indevida ao então Presidente da Câmara dos Deputados, por parte dos sócios da agência de publicidade que, poucos dias depois, viria a ser contratada pelo órgão público presidido pelo agente público corrompido. Vinculação entre o pagamento da vantagem e os atos de ofício de competência do ex-Presidente da Câmara, cuja prática os réus sócios da agência de publicidade pretenderam influenciar.
Condenação do réu JOÃO PAULO CUNHA, pela prática do delito descrito no artigo 317 do Código Penal (corrupção passiva), e dos réus MARCOS VALÉRIO, CRISTIANO PAZ e RAMON HOLLERBACH, pela prática do crime tipificado no artigo 333 do Código Penal (corrupção ativa).
PERDA DO MANDATO ELETIVO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E FUNÇÕES. EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL. CONDENAÇÃO DOS RÉUS DETENTORES DE MANDATO ELETIVO PELA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PENA APLICADA NOS TERMOS ESTABELECIDOS NA LEGISLAÇÃO PENAL PERTINENTE.
1. O Supremo Tribunal Federal recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao Supremo Tribunal Federal que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto.
(...)
5. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a Administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional.
6. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal. Unânime.
7. Decretada, por maioria, a perda dos mandatos dos réus titulares de mandato eletivo.
Tem muito mais crimes, patifarias, roubalheiras, fraudes, mentiras e outras maldades descritas no Acordão publicado, num verdadeiro festival de bandalheiras por parte da tropa que assaltou o poder no Brasil.
Ver aqui: http://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20130419_074.pdf
Falta ainda o chefe de todos, ele mesmo que vocês já sabem quem é...
Paulo Roberto de Almeida
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Grandes crimes, grandes ladroes - Everardo Maciel
Segundo o ex-Secretário da Receita, Lula é um criminoso doentio (dixit). Também acho. E com doses de megalomania, achando que tudo o que faz é grandioso. Pode ser, até o crime e a torpeza de não se envergonhar dele.
O caixa 2
Fiquei estarrecido quando tomei conhecimento, pela mídia, de que a mais alta autoridade da República, à época que eclodiu o denominado escândalo do mensalão, alegara tratar-se de um mero caixa 2.
Uma autoridade fiscal chegaria ao limite da perplexidade ao ouvir de um contribuinte que praticara crime de sonegação por omissão de receita, por exemplo, a justificação de que fora tão somente um cândido exercício de caixa 2. Pois bem, esse mau contribuinte poderia acrescentar que se inspirara em discurso de autoridade.
O advogado, no exercício de uma função essencial ao Estado Democrático de Direito, tem a obrigação de buscar a absolvição ou, ao menos, a redução das penas que, em tese, seriam aplicáveis a seus clientes. O que espanta, todavia, é ver políticos e advogados festejarem o crime do caixa 2, diante da possibilidade de prescrição. Bradam solenemente: Foi apenas caixa 2! É a banalização da indecência.
Crime deve ser confessado de forma compungida e envergonhada, de cabeça baixa, com um mínimo sinal de arrependimento. Somente criminosos doentios se vangloriam de suas iniquidades.
Essas condutas funcionam como uma espécie de cupins da frágil estrutura de valores da sociedade brasileira. Somadas a outras, que de tão pequenas às vezes não são percebidas, vão minando as convicções das pessoas e arruinando o processo civilizatório.
A alegação do caixa 2 é um episódio neste processo de aviltamento dos valores. Não é, todavia, fato isolado. O ovo da serpente há muito se encontra instalado no Estado brasileiro.
A redemocratização no Brasil, infelizmente, revigorou a condenável prática do fisiologismo. Não tendo sido decorrente de uma ruptura institucional, mas de um processo conciliatório, a redemocratização trouxe à mesa do governo personagens antes abrigados na oposição.
Os novos protagonistas da cena política exigiram, legitimamente, que fossem representados na administração, já sobrecarregada pelos oriundos da velha ordem. A Nova República iniciou a temporada das "indicações". Foi a festa do velho fisiologismo.
A arena política passou a ser povoada por uma miríade de partidos e tendências, em que prevaleceram interesses localizados, pretextando o que foi chamado de presidencialismo de coalizão. O clássico fisiologismo, então, se sofisticou.
Se antes as postulações dos partidos políticos se limitavam às "indicações", num novo estágio elas se direcionaram para despudoradas demandas por "diretoria que fura poço" e tesouraria de estatais.
Mais recentemente, surgiu o que se chamou de aparelhamento, em que se vislumbrava um comprometimento ideológico dos indicados. Não é nada disso, entretanto, ainda que, em alguns momentos, se escutassem murmúrios de teses obscuras, cada vez mais subjugadas pelo pragmatismo. Aparelhamento é apenas outra denominação do fisiologismo, aplicável à ambição de grupelhos políticos não tradicionais. Qualquer que seja o nome, o que fica evidente é o propósito de manter-se no poder e dele se servir.
Chegou-se à ousadia de cobrar fidelidade da toga ao poder. Muitos se espantam quando magistrados decidem de forma diferente da expectativa dos que os nomearam. Marianne, símbolo da República desde a Revolução Francesa, deve estar ruborizada.
Essas práticas pouco edificantes se combinam com barganhas e negócios que têm por base as emendas parlamentares ao Orçamento. Serão elas, mantido o modelo existente, uma fonte inesgotável de escândalos. Não raro, os acusadores de hoje se convertem nos acusados de amanhã. A maldição está num sistema completamente vulnerável à corrupção.
O afrouxamento moral do Estado tem outras faces. Qual o respaldo moral para cobrar as dívidas dos contribuintes, se o Estado não paga precatórios, atrasa tanto quanto possível restituições e compensações de tributos e faz uso de todos os recursos procrastinatórios para evitar a liquidação de sentenças em que foi condenado? Essa assimetria de conduta, tão recorrente, é um desserviço à República.
Não me surpreendo, embora deplore, quando vejo cidadãos, publicamente, dizendo que não pagam impostos porque os políticos são corruptos. É o império da torpeza bilateral.
O que impressiona, de mais a mais, é constatar que essa crise axiológica, que não é recente, vem crescendo continuadamente, sem que nada interrompa sua execrável trajetória.
Há uma novidade, todavia. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos réus do mensalão, independentemente das decisões que venham a ser tomadas, trouxe a lume alguns conceitos alentadores, superando o ranço positivista que pretende a supremacia do formalismo sobre os fatos. O que se colhe fora do juízo, ainda que não sejam provas cabais, robustece as evidências extraídas no rito judicial. Nenhuma destinação, por mais meritória que seja, sacraliza dinheiro oriundo de peculato. Deve-se alegar caixa 2 em tom contrito e penitente. Como contraponto, pessoas inocentes têm o direito de ser declaradas inocentes. É uma réstia de esperança, até mesmo para os céticos, como eu.
* CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA, FEDERAL (1995-2002)
domingo, 24 de junho de 2012
Ironias da historia: mensalao punido na Fazenda, ainda nao no Supremo...
Vai ser no mínimo estranho se o STF concluir, como querem os companheiros, que não houve mensalão.
Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 17 de abril de 2012
Stalinistas e fraudadores querem reescrever a historia
Certas coisas não passam pelos filtros da história e como tais devem ser registradas para maior conhecimento de todos.
Paulo Roberto de Almeida
Querem apagar os crimes mensalão
Com o julgamento do mensalão pelo Supremo a caminho, os petistas lançam uma desesperada ofensiva para tentar desviar a atenção dos crimes cometidos por eles no que foi o maior escândalo de corrupção da história brasileira
sábado, 18 de setembro de 2010
Republica Mafiosa do Brasil (29): Revista Veja detona a Casa Civil...
Num país com Justiça atuante, com procuradoria independente, com parlamento digno, não apenas todo o governo teria caído, mas o presidente seria provavelmente objeto de processo por crime de responsabilidade, e até condenado a perder o mandato por impeachment. Não necessariamente por participar de qualquer crime, mas simplesmente por mentir.
Obviamente, nada disso vai ocorrer no Brasil.
Eu estava pensando que esta série sobre a república mafiosa do Brasil -- que possui até Constituição (vou repostá-la, ugh, no próximo post -- teria menos de dez posts. Mas ela já vai para 30 e promete nunca acabar. A culpa não é minha...
Paulo Roberto de Almeida
'Caraca! Que dinheiro é esse?'
Diego Escosteguy e Otávio Cabral
Revista Veja, 18.9.2010| 9h04m
Funcionário da Casa Civil recebeu propina dentro da Presidência da República, perto do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a um andar do presidente Lula
Numa manhã de julho do ano passado, o jovem advogado Vinícius de Oliveira Castro chegou à Presidência da República para mais um dia de trabalho. Entrou em sua sala, onde despachava a poucos metros do gabinete da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de sua principal assessora, Erenice Guerra Vinícius se sentou, acomodou sua pasta preta em cima da mesa e abriu a gaveta.
O advogado tomou um susto: havia ali um envelope pardo. Dentro, 200 mil reais em dinheiro vivo – um “presentinho” da turma responsável pela usina de corrupção que operava no coração do governo Lula.
Vinícius, que flanava na Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, começara a dar expediente na Casa Civil semanas antes, apadrinhado por Erenice Guerra e o filho-lobista dela, Israel Guerra, de quem logo virou compadre.
Apavorado com o pacotaço de propina, o assessor neófito, coitado, resolveu interpelar um colega: “Caraca! Que dinheiro é esse? Isso aqui é meu mesmo?”. O colega tratou de tranquilizá-lo: “É a ‘PP’ do Tamiflu, é a sua cota. Chegou para todo mundo”.
PP, no caso, era um recado – falado em português, mas dito em cifrão. Trata-se da sigla para os pagamentos oficiais do governo. Consta de qualquer despacho público envolvendo contratos ou ordens bancárias. Adaptada ao linguajar da cleptocracia, significa propina. Tamiflu, por sua vez, é o nome do remédio usado para tratar pacientes com a gripe H1N1, conhecida popularmente como gripe suína.
Dias antes, em 23 de junho, o governo, diante da ameaça de uma pandemia, acabara de fechar uma compra emergencial desse medicamento – um contrato de 34,7 milhões de reais. A “PP” entregue ao assessor referia-se à comissão obtida pela turma da Casa Civil ao azeitar o negócio Segundo o assessor, o governo comprara mais Tamiflu do que o necessário, de modo a obter uma generosa comissão pelo negócio.
Até a semana passada, Vinícius era assessor da Casa Civil e sócio de Israel Guerra, filho de Erenice Guerra, ex-ministra da pasta, numa empresa que intermediava contratos com o governo usando a influência da petista. Naturalmente, cobravam comissão pelos serviços.
Depois que VEJA revelou a existência do esquema em sua última edição, Vinícius e outro funcionário do Planalto, Stevan Knezevic, pediram demissão, a ministra Erenice caiu – e o governo adernou na mais grave crise política desde o escândalo do mensalão, e que ronda perigosamente a campanha presidencial da petista Dilma Rousseff.
Lançado ao centro do turbilhão de denúncias que varre a Casa Civil, Vinícius Castro confidenciou o episódio da propina a pelo menos duas pessoas: seu tio e à época diretor de Operações dos Correios, Marco Antonio de Oliveira, e a um amigo que trabalhava no governo. Ambos, em depoimentos gravados, confirmaram a VEJA o teor da confissão.
Antes de cair em desgraça, o assessor palaciano procurou o tio e admitiu estar intrigado com a incrível despreocupação demonstrada pela família Guerra no trato do balcão de negócios instalado na Casa Civil. Disse o assessor: “Foi um dinheiro para o Palácio. Lá tem muito negócio, é uma coisa. Me ofereceram 200 000 por causa do Tamiflu”.
Vinícius explicou ao tio que não precisou fazer nada para receber a PP. “Era o ‘cala-boca". O assessor disse ainda ao tio que outros três funcionários da Casa Civil receberam os tais pacotes com 200 000 reais; porém não declinou os nomes nem a identidade de quem distribuiu a propina. Diz o ex-diretor dos Correios: “Ele ficou espantado com aquela coisa. Eu avisei que, se continuasse desse jeito, ele iria sair algemado do Palácio”.
O cândido ex-assessor tem razão: dinheiro sujo dentro de um gabinete da Presidência da República é um fato espantoso. Nos últimos anos, sobretudo desde que o presidente Lula relativizou os crimes cometidos durante o mensalão, sempre que se apresenta um caso de corrupção à opinião pública surgem três certezas no imaginário popular.
* Primeiro, nunca se viu um escândalo tão escabroso
* Ninguém será punido
* O escândalo que vier a sucedê-lo reforçará as duas certezas anteriores.
A anestesiada sociedade brasileira já soube de dinheiro na cueca, dinheiro na meia, dinheiro na bolsa, dinheiro em caixa de uísque, dinheiro prometido por padre ligado a guerrilheiros colombianos. Mas nada se compara em ousadia ao que se passava na Casa Civil. Ficará consolidado no inverno moral da era Lula se, mais uma vez, esses eventos forem varridos para debaixo do tapete.
Já se soube de malfeitorias produzidas na Presidência, mas talvez nunca de um modo tão organizado e sistemático como agora – e, ao mesmo tempo, tão bisonhamente rudimentar, com contratos, taxas de sucesso e depósitos de propina em conta bancária.
Por fim, o que pode ser mais escabroso do que um grupo de funcionários públicos, ao que tudo indica com a participação de um ministro da Casa Civil, cobrar pedágio em negócios do governo? O mais assustador, convenha-se, é repartir o butim ali mesmo, nas nobres dependências da cúpula do Poder Executivo, perto do presidente da República e ao lado da então ministra e hoje candidata petista Dilma Rousseff.
Na semana passada, quando o caso veio a público, a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, tentou se afastar o quanto pôde do escândalo. Apesar de o esquema ter começado quando Dilma era ministra e Erenice sua escudeira, a candidata disse que não poderia ser responsabilizada por “algo que o filho de uma ex-assessora fez”. Dilma candidata não tinha mesmo outra alternativa. As eleições estão aí e o assunto em questão é por demais explosivo.
Erenice Guerra ganhou vida em razão do oxigênio que Dilma lhe forneceu durante sete anos de governo. Erenice trabalhou com a candidata quando esta comandava a pasta de Minas e Energia e na Casa Civil transformou-se na assessora-mor da petista, assumindo o cargo de secretária-executiva. É possível que em todos esses anos de intenso trabalho conjunto Dilma não tenha percebido o que se passava ao seu redor. É possível que Dilma seja uma péssima leitora de caráter. Mas, em algum momento, ela vai ter que enfrentar publicamente esse enorme contencioso passado.
Obedecendo à consagrada estratégia política estabelecida pelo PT, Dilma não só tentou se distanciar do caso como buscou desqualificar os fatos apresentados por VEJA. “É um factoide”, afirmou a candidata, dois dias antes de Erenice ser demitida pelo presidente Lula. (O governo divulgou que a ministra pediu demissão, o que é parolagem.)
A chefe da numerosa família Guerra caiu na manhã da última quinta-feira, vítima dos vícios da sua turma. Além dos fatos apontados por VEJA, veio a público o atávico hábito da ex-ministra em empregar parentes no governo, que, desde já, dá um novo significado ao programa Bolsa Família. Também se descobriram contratos feitos sem licitação favorecendo parentes da ministra.
Em um dos episódios, o filhote de Erenice cobrou propina até de um corredor de Motocross, que descolara um patrocínio de 200 000 reais com a Eletrobrás, estatal sob a influência de Erenice. Taxa de sucesso paga: 40 000 reais. “Israel chamava a Dilma de tia”, contou o motoqueiro Luís Corsini, o desportista que pagou a taxa de sucesso.
Antes de capitular aos irretorquíveis fatos apresentados por VEJA, o governo fez de tudo para desqualificar o empresário Fábio Baracat, uma das fontes dos jornalistas na revelação do esquema de arrecadação de propina na Casa Civil. Baracat, um empresário do setor aéreo, narrara, em conversas gravadas, as minúcias de suas tratativas com a família Guerra, que tinham por objetivo facilitar a obtenção de contratos da empresa MTA nos Correios.
No sábado, depois de, como disse, sofrer “fortes pressões”, Baracat divulgou uma nota confusa, na qual “rechaçava oficialmente informações" da reportagem, mas, em seguida, confirmava os fatos relatados. Com medo de retaliações por parte do governo, o empresário refugiou-se no interior de São Paulo. Ele aceitou voltar à capital paulista na última quinta-feira, para mais uma entrevista. Disse ele na semana passada: “Temo pela minha vida. Vou passar um tempo fora do país”. O empresário aceitou ser fotografado e corroborou, diante de um gravador, as informações antes prestadas à revista.
Baracat não quis explicar de onde partiram as pressões que sofreu, mas, em uma hora e meia de entrevista gravada, ratificou integralmente o conteúdo da reportagem. O empresário confirmou que, levado por Israel e Vinícius, encontrou-se várias vezes com Erenice Guerra, quando ela era secretária-executiva e, por fim, quando a petista virou ministra.
As primeiras conversas, narra Baracat, serviram para consolidar a convicção de que Israel não vendia falsamente a influência da mãe. Na última conversa que eles tiveram, em abril deste ano, o tom mudou. Israel cobrava dinheiro do empresário por um problema resolvido para ele na Infraero.
Diz Baracat: “Ele dizia que havia pagado na Infraero para resolver”.
Na reunião, disse Erenice, de acordo com o relato do empresário: “’Olha, você sabe que a gente está aqui na política, e a gente tem que cumprir compromissos’. (...) Ficou subentendido (que se tratava da propina). (Ela) foi sempre genérica (nesse sentido). (...) Ela disse: ‘A gente é político, não pode deixar de ter alguns parceiros’”. Baracat diz que não sabe o que a família Guerra fez com o dinheiro.
O misterioso caso da comissão do Tamiflu também merece atenção das investigações iniciadas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. O Ministério da Saúde, que já gastou 400 milhões de reais com a aquisição do remédio desde o ano passado, afirma que não houve qualquer ingerência da Casa Civil – e que a quantidade de Tamiflu comprada foi definida somente por critérios técnicos.
A seguir, mais uma história edificante
Em outros episódios, a participação da Casa Civil aparece de forma mais clara. VEJA apurou mais um caso no qual o poder da Casa Civil dentro do governo misturou-se aos interesses comerciais da ex-ministra, resultando numa negociata de 100 milhões de reais. Desta vez, o lobista central da traficância não é o filho, mas o atual marido de Erenice Guerra, o engenheiro elétrico José Roberto Camargo Campos.
Com a ministra Dilma Rousseff na Casa Civil e a esposa Erenice Guerra como seu braço direito, Camargo convenceu dois amigos donos de uma minúscula empresa de comunicações a disputar o milionário mercado da telefonia móvel. Negócio arriscado, que exige muito capital e experiência num ramo cobiçado e disputado por multinacionais. Isso não era problema para Camargo e seus sócios. Eles não tinham dinheiro nem experiência, mas sim o que efetivamente importa em negócios com o governo: os contatos certos – e poderosos.
Em 2005, a empresa Unicel, tendo Camargo como diretor comercial, conseguiu uma concessão da Anatel para operar telefonia celular em São Paulo. Por decisão pessoal do então presidente da agência, Elifas Gurgel, a empresa do marido ganhou o direto de entrar no mercado. De tão exótica, a decisão foi contestada pelos setores técnicos da Anatel, que alegaram que a empresa sequer havia apresentado garantias sobre sua capacidade técnica e financeira para tocar o negócio.
O recurso levou dois anos para ser julgado pela Anatel. Nesse período, Erenice e seu marido conversaram pessoalmente com o presidente da agência, conselheiros e técnicos, defendendo a legalidade da operação. “A Erenice fazia pressão para que os técnicos revissem seus parecereres e os conselheiros mudassem seu voto”, conta um dos membros do conselho, também alvo da pressão da ex-ministra.
A pressão deu certo. O técnico que questionou a legalidade da concessão, Jarbas Valente, voltou atrás e mudou seu parecer, admitindo os “argumentos” da Casa Civil. Logo depois, Valente foi promovido a conselheiro da Anatel. Um segundo conselheiro, Pedro Jaime Ziller, também referendou a concessão a Unicel. Não se entende bem a relação entre uma coisa e a outra, mas dois assessores de Ziller, logo depois, trocaram a Anatel por cargos bem remunerados na Unicel.
Talvez tenham sido seduzidos pelos altos salários pagos pela empresa, algo em torno de 30 000 reais – muito, mas muito mais do que se paga no serviço público. O presidente Elifas foi pressionado diretamente pelo Ministro das Comunicações, mas nem precisava: ele foi colega de Exéricito de um dos sócios da Unicel. Tudo certo? Não. Havia ainda um problema a ser sanado.
A legislação obriga as concessionárias a pagar 10% do valor do contrato como entrada para sacramentar o negócio. A concessão foi fixada em 93 milhões de reais. A empresa, portanto, deveria pagar 9,3 milhões de reais. A Unicel não tinha dinheiro.
Novamente com Erenice à frente, a Unicel conseguiu uma façanha. O conselho da Anatel acatou o pedido para que o sinal fosse reduzido para 1% do valor do negócio, ou seja, pouco mais de 900 000 reais. A insólita decisão foi contestada pelo Ministério Público e, há duas semanas, considerada ilegal pela Justiça.
Com a ajuda estatal, a empresa anunciou o início da operação em outubro de 2008, com o nome fantasia de AEIOU, prometendo tarifas mais baixas para atrair o público jovem, com o compromisso de chegar a um milhão de clientes em dois anos. Como foi previsto pelos técnicos, nada disso aconteceu.
Hoje, a empresa tem 20 000 assinantes, sua única loja foi fechada por falta de pagamento de aluguel e responde a mais de 30 processos por dívidas, que ultrapassam 20 milhões de reais. Mau negócio? Apesar da aparência, não. A grande tacada ainda está por vir.
O alvo do marido de Erenice é o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – uma invenção que vai consumir 14 bilhões de reais para universalizar o acesso a internet no Brasil. O grupo trabalha para “convencer” o governo a considerar que a concessão da Unicel é de utilidade pública para o projeto. Com isso, espera receber uma indenização. Valor calculado por técnicos do setor: se tudo der certo, a empresa sairá com 100 milhões de reais no bolso, limpinhos.
Dinheiro dos brasileiros honestos que trabalham e pagam impostos.
A participação da Casa Civil no episódio ultrapassa a intolerável fronteira das facilidades e da pressão política. Aqui, aparecem diretamente as promíscuas relações entre os negócios da família Guerra e os funcionários que, dentro da Presidência da República, deveriam zelar pelo bem público.
A Unicel contou, em especial, com os favores de Gabriel Boavista Lainder, assessor da Presidência da República e dirigente do Comitê Gestor dos Programas de Inclusão Digital, que comanda o PNBL. Antes de ocupar o cargo, Gabriel trabalhou por oito anos com os donos da Unicel. Mas isso é, como de costume, apenas uma coincidência – como também é coincidência o fato de ele ter sido indicado ao cargo pelo marido de Erenice.
“O marido da Erenice é um cara que admirava meu trabalho. Ela me disse que precisava de alguém para coordenar o PNBL”, diz Laender. E completa: “O PNBL não contempla o uso da faixa da Unicel, mas ela pode operar a banda larga do governo se fizer adaptações técnicas” É um escárnio.
Camargo indicou o homem que pode resolver os problemas de sua empresa. Procurado, o marido de Erenice não quis se pronunciar. Na Junta Comercial, o nome de Camargo aparece como sócio de uma empresa de mineração, que funciona em modesto escritório em Brasília. Um probleminha que pode chamar a atenção dos investigadores: a Unicel está registrada no mesmo endereço, que também era usado para receber empresários interessados em negócios com o governo. Certamente mais uma coincidência.
Com reportagem de Rodrigo Rangel, Daniel Pereira, Gustavo Ribeiro e Fernando Mello
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Aposta mafiosa: ganha (ou perdida) pela metade
(Vejam aqui e aqui.)
Não acreditava que pudesse ocorrer, pelo menos não com os elementos de informação até então disponíveis. Mas é que outros fatos, indesmentíveis, se acumularam, levando à primeira queda. Está faltando a segunda...
Eis a carta de "demitida" da ex-ministra enrolada. Sim, sua carta de demissão foi forçada, o que é evidente para qualquer estudante de jornalismo ou direito (ou não, para qualquer pessoa medianamente bem informada).
Paulo Roberto de Almeida
Leia íntegra da carta de demissão da ministra Erenice Guerra
Porta-voz leu carta de demissão da ministra no Palácio do Planalto.
Filho da ministra é acusado de tráfico de influência na Casa Civil.
Do G1, em Brasília, 16/09/2010 13h36 - Atualizado em 16/09/2010 13h40
O porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, anunciou nesta quinta-feira (16) a saída de Erenice Guerra da Casa Civil.
Leia abaixo a íntegra da carta de demissão:
"Senhor Presidente
Nos últimos dias, fui surpreendida por uma série de matérias vinculadas por alguns órgãos da imprensa contendo acusações que envolvem familiares meus e um ex-servidor lotado nesta pasta, tenho respondido uma a uma, buscando esclarecer o que se publica e principalmente a verdade dos fatos, defrontando-me com toda a sorte de afirmações, ilações e mentiras que visam a desacreditar o meu trabalho e atingir o governo ao qual sirvo.
Não posso, não devo e nem quero furtar-me a tarefa de esclarecer todas essas acusações nem posso deixar qualquer dúvida pairando acerca da minha honradez e da seriedade com a qual me porto no serviço público. Nada fiz e permiti que se fizesse ao longo de 30 anos de minha trajetória pública que não tenha sido um estrito cumprimento dos meus deveres. Prova irrefutável dessa minha postura, é que já solicitei à Comissão de Ética a abertura de procedimento para esclarecimento dos fatos aleivosamente contra mim levantados. À Controladoria-Geral da União (CGU), a auditagem dos atos relativos à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dos Correios e da contratação de parecer jurídico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), além de solicitar ao Ministério da Justiça a abertura dos procedimentos que se fizerem necessários no âmbito daquela pasta para também esclarecer os citados fatos.
No entanto, mesmo com todas essas medidas por mim adotadas, inclusive com a abertura dos meus sigilos telefônico, bancário e fiscal, a sórdida campanha para desconstituição da minha imagem, do meu trabalho e da minha família continuou implacável. Não apresentam uma única prova sobre minha participação em qualquer dos pretensos atos levianamente questionados, mas mesmo assim estampam, diariamente, manchetes cujo único objetivo é criar e alimentar artificialmente um clima de escândalo. Não conhecem limites.
Senhor presidente, por ter formação cristã, não desejo nem para o pior dos meus inimigos que ele venha a passar por uma campanha de desqualificação como a que se desencadeou contra mim e minha família. As paixões eleitorais não podem justificar esse vale-tudo. Preciso agora de paz e tempo para defender a mim e a minha família, fazendo com que a verdade prevaleça, o que se torna incompatível com a carga de trabalho que tenho a honra de desempenhar na Casa Civil.
Por isso, agradecendo a confiança de vossa excelência ao designar-me para a honrosa função de ministra-chefe da Casa Civil da República, solicito em caráter irrevogável que aceite meu pedido de demissão. Cabe-me daqui por diante a missão de lutar para que a verdade dos fatos seja restabelecida.
Brasília, 16 de setembro de 2010"
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Republica Mafiosa do Brasil (25): ate quando?
Eu estava me perguntando até onde iria esta série de posts sob a rubrica geral da república mafiosa do brasil (tudo em minúsculas, comme il faut).
Sinceramente não sei. Eu a comecei esperando terminar em poucos números, menos de dez, digamos, apenas para refletir meu estado de espírito ao ver tantas patifarias sendo cometidas nos mais altos escalões da república, do estado, da máquina na qual se incrustram moluscos sanguessugas da nação.
Até coloquei um post de comentários pessoais, fazendo uma aposta segundo a qual alguns dos personagens da última leva de corrupção da grossa seriam demitidos no ato, ou se demitiriam de vergonha. Qual o que! Para que esperar algum gesto de decência dessa gente.
O editorial abaixo do Estadão coloca, como sempre, os ponts nos iis.
Paulo Roberto de Almeida
Republiquetização do País
Editorial - O Estado de S.Paulo
14 de setembro de 2010
Não é por acaso que o Gabinete Civil da Presidência da República tem estado envolvido em quase todos os grandes escândalos do governo Lula. A começar pelo mensalão, operado por José Dirceu, até a recentíssima denúncia de descarado tráfico de influência por parte da ministra Erenice Guerra e seus familiares, boa parte de todo o malfeito, do ilegal, da pura e simples corrupção que eclode no governo federal tem o dedo do Palácio do Planalto. O dedo de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande responsável pelo desenvolvimento econômico dos últimos oito anos; pela incorporação de milhões de cidadãos antes marginalizados ao mercado de consumo; pela ascensão do País à condição de, vá lá, player importante na diplomacia mundial. Se tudo de bom que se faz no governo é de responsabilidade do "cara", por que apenas o que de errado se faz no governo não tem dono?
Por muito menos do que se tem revelado ultimamente de lambanças com as instituições do Estado e com o dinheiro público um presidente da República foi forçado a renunciar há menos de 20 anos.
Mas com Lula é diferente. Embriagado por índices de popularidade sem precedentes na história republicana, inebriado pela vassalagem despudorada que lhe prestam áulicos, aderentes e aduladores das mais insuspeitadas origens e dos mais suspeitosos interesses, Sua Excelência se imagina pairando acima do bem e do mal, sem a menor preocupação de manter um mínimo de coerência com sua própria história política e um mínimo de respeito pelo decoro exigido pelo cargo para o qual foi eleito.
Sempre que os desmandos flagrados pela Imprensa ameaçam colocar em risco seus interesses políticos e eleitorais, Lula recorre sem a menor cerimônia à mesma "explicação" esfarrapada: culpa da oposição - na qual inclui a própria Imprensa. A propósito das violações de sigilo comprovadamente cometidas recentemente pela Receita Federal - não importa contra quem - não passou pela cabeça de Sua Excelência, nem que fosse apenas para tranquilizar os contribuintes, a ideia de admitir a gravidade do ocorrido e se comprometer com a correção desses desvios. Preferiu a habitual encenação palanqueira: "Nosso adversário, candidato da turma do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques pessoais e para a baixaria." Não há maior baixaria do que um chefe de Estado usar o horário eleitoral de seu partido político para atacar, em termos pouco republicanos, aqueles que lhe fazem oposição. E faltou alguém lembrar ao indignado defensor dos indefesos que entre "tudo que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos" estão a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras iniciativas fundamentais para a promoção social e o desenvolvimento econômico do País, contra as quais os então oposicionistas Lula e PT fizeram campanha e também votaram no Congresso.
Enquanto os aliados de Lula e de Sarney - a quadrilha que dilapidou o patrimônio público do Amapá - vão para a cadeia por conta das evidências contra eles levantadas pela Polícia Federal; enquanto os aliados de Lula - toda a cúpula executiva e legislativa, prefeito e vereadores, do município sul-mato-grossense de Dourados - pelo mesmo motivo vão para o mesmo lugar; enquanto na Receita Federal - não importa se por motivos políticos ou apenas (!) por corrupção - se viola o sigilo fiscal de cidadãos e as autoridades responsáveis tentam jogar a sujeira para debaixo do tapete; enquanto mais uma maracutaia petista é flagrada no Gabinete Civil da Presidência; enquanto, enfim, a mamata se generaliza e o presidente da República continua fingindo não ter nada a ver com a banda podre de seu governo, a população brasileira, pelo menos quase 80% dela, aplaude e reverencia a imagem que comprou do primeiro mandatário, o "cara" responsável, em última instância, pela republiquetização do País.
Está errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum momento, no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que, talvez, o povo de Lula seja constituído de consumidores, não de cidadãos.