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sábado, 8 de fevereiro de 2020

José Guilherme Merquior: um ensaio sobre sua obra política - Paulo Roberto de Almeida

Estou terminando um longo ensaio sobre o colega diplomata, mas sobretudo um grande intelectual, talvez o maior que tenha integrado a carreira diplomática, que ainda precisa ser revisto e normalizado para fins de publicação.
Eis o esquema e a bibliografia, limitada à parte de ciência política, excluindo portanto toda a parte de crítica literária.


José Guilherme Merquior: o esgrimista liberal

Paulo Roberto de Almeida

A caracterização de Merquior como “esgrimista liberal” foi atribuída pelo grande intelectual mexicano Enrique Krauze ao embaixador brasileiro pouco depois de seu precoce falecimento, em janeiro de 1991. José Mario Pereira, o editor da Topbooks que, à exceção do “último”, sobre o Liberalismo antigo e moderno, publicou os derradeiros livros do intelectual, diplomata e acadêmico (nessa ordem), transcreveu um trecho da homenagem do historiador mexicano no comovente ensaio que Pereira preparou sobre o “fenômeno Merquior” para a coletânea organizada por Alberto da Costa e Silva: O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Instituto Rio Branco, 2001; pp. 360-378).
(...)

[Seções:]
Uma produção intelectual extraordinariamente rica, diversificada, densa
Merquior diplomata: o sistema internacional e a Europa ocidental
A legitimidade intelectual de Merquior, diplomata
Rousseau e Weber na trama da legitimidade
A natureza do processo
O argumento liberal: o liberalismo moderno é um social-liberalismo
Reflexões sobre os liberalismos contemporâneos
O marxismo ocidental: um debate para encerrar o ciclo dos irracionalismos
Entre o marxismo e o liberalismo, a Revolução Francesa repensada
O liberalismo, antigo e moderno: a “Suma” de José Guilherme Merquior
A trajetória intelectual de José Guilherme Merquior: o triunfo da razão
(...)
[Final:] 
Teria Merquior sido um grande chanceler para o Brasil? Provavelmente sim, mas creio que o Itamaraty seria muito pequeno, e muito burocrático, para ele. No cargo, poderia ter reformado rituais e comportamentos do estamento diplomático, num sentido iluminista, liberal e liberista; mas ainda assim, isso seria pouco para o seu espírito libertário. O que ele teria feito, certamente, seria iluminar com a sua notável inteligência os métodos e os objetivos de trabalho, colocando a razão, e o sentido da História, acima de quaisquer outras conveniências conjunturais, o que provavelmente teria provocado resistências burocráticas, corporativas e de grupos de interesse econômico. Seria tolerante com os pecados menores de uma burocracia tradicional como o Itamaraty, mas teria deixado uma marca indelével na instituição. Para repetir sua tese na London School, inauguraria um período de “burocracia carismática” na velha Casa de Rio Branco, o que talvez a tivesse transformado para sempre, inaugurando novos padrões de inteligência. Vários colegas, dotados do mesmo espírito, mas hoje cingidos pelas regras sacrossantas da hierarquia e da disciplina, partilhariam e apoiariam tais intenções. Teria sido divertido...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3577: 7 de fevereiro 2020


Referências bibliográficas: 

Obras de José Guilherme Merquior consultadas para este ensaio: 

“O discurso como orador da turma do Instituto Rio Branco de 1963”, in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 39-45.
“O sistema internacional e a Europa Ocidental” (Bonn, janeiro-fevereiro de 1973). [Brasília:] Ministério das Relações Exteriores, 1973 (separata).
O estruturalismo dos pobres e outras questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
A Estética de Lévi-Strauss. Brasília: Editora da UnB, 1975.
L’Esthétique de Lévi-Strauss. Paris: PUF, 1977.
De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
O problema da legitimidade em Política Internacional: tese apresentada no I Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1978); in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 48-80.
Rousseau and Weber: two studies in the theory of legitimacyLondres: Routledge & Kegan Paul, 1980.
O fantasma romântico e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, 1980.
As Ideias e as Formas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
A natureza do processo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
O argumento liberal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
“Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras” (11/03/1983); disponível no link: http://www.academia.org.br/academicos/jose-guilherme-merquior/discurso-de-posse
Michel Foucault ou o niilismo da cátedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
Crítica, 1964-1989: ensaios sobre arte e literatura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
Western Marxism. Londres: Paladin, 1986; 1991.
O Marxismo Ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986; São Paulo: É Realizações, 2018.
“El otro Occidente: um poco de filosofia de la história desde Latinoamerica”, Cuadernos Americanos Nueva Epoca, n. 13, enero-febrero 1989.
“O repensamento da Revolução”, in: Furet, François; Ozouf, Mona (orgs.). Dicionário Crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, pp. xvii-lvii.
“Brésil: cent ans de bilan historique”, Cahiers du Brésil Contemporainn. 16, pp. 5-22; link: http://www.revues.msh-paris.fr/vernumpub/1-Merquior%20-%20Souza.pdf.
Liberalism old and newBoston: Twayne Publishers, 1991.
O Liberalismo, antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991; tradução do original em inglês de Henrique de Araújo Mesquita.
Algumas reflexões sobre os liberalismos contemporâneos (1986). Rio de Janeiro: Instituto Liberal do Rio de Janeiro, 1991, 27 p.


Outras obras: 

Almeida, Paulo Roberto de. Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: Démocratie et autoritarisme au Brésil. Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015.
_______ . Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea. Brasília: Edição de Autor, 2019.
Azambuja, Marcos Castrioto. “Merquior: dois momentos e duas dimensões”, in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 21-24.
Campos, Roberto. “Merquior, o liberista”, prefácio a O Liberalismo, antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, pp. 1-14.
Costa e Silva, Alberto da (org.): O Itamaraty na Cultura Brasileira. Brasília: Instituto Rio Branco, 2001.
Fonseca Jr., Gelson. “Introdução ao texto O problema da legitimidade em Política Internacional”, in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 31-38.
Franco, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1937.
Furet, François; Ozouf, Mona (orgs.). Dicionário Crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989; Prefácio de José Guilherme Merquior; tradução de Henrique Mesquita.
Gellner, Ernest; Cansino, César (orgs.). Liberalism in modern times: essays in honour of José G. MerquiorLondres: Oxford University Press, 1996.
______ . Liberalismo, fin de siglo. Almeria: Editorial Universidad de Almeria, 1998.
Lafer, Celso. “José Guilherme Merquior: O problema da legitimidade em Política Internacional”, in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 9-14.
Pereira, José Mario. “O fenômeno Merquior” in: Alberto da Costa e Silva (org.): O Itamaraty na Cultura Brasileira. Brasília: Instituto Rio Branco, 2001, pp. 360-378.
Ricupero, Rubens. “A diplomacia da inteligência”, in: Lafer et alii, José Guilherme Merquior, diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 15-20.
Seixas Corrêa, Luiz Felipe de. “José Guilherme Merquior: um depoimento pessoal”, in: Lafer, Celso et alii. José Guilherme Merquior, Diplomata. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, pp. 25-30.
Universidade de Brasília, Encontros Internacionais da UnB, Brasília, Editora da UnB, 1980.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Em defesa do Itamaraty: um novo empreendimento intelectual - Paulo Roberto de Almeida

Desafios da diplomacia no Brasil, do lulopetismo ao bolsonarismo: em defesa do Itamaraty

Paulo Roberto de Almeida
  
Acompanho a política internacional e as relações exteriores do Brasil desde quando fui precocemente apresentado aos grandes problemas mundiais por ocasião de uma palestra do grande professor e jornalista Oliveiros da Silva Ferreira aos jovens ginasianos que éramos, no Colégio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, em São Paulo, algum tempo depois da crise dos mísseis soviéticos em Cuba e o dramático prenúncio de uma possível e devastadora guerra nuclear entre as duas grandes potências. Ainda adolescente, portanto, passei a ler as edições dominicais do jornal O Estado de S. Paulo, onde aquele especialista era um dos mais reputados editorialistas, sobretudo porque aos domingos o jornal trazia um suplemento de artigos e resenhas de livros traduzidos dos mais importantes órgãos da imprensa internacional (dos Estados Unidos e da Europa, predominantemente). Foi assim que travei conhecimento com brilhantes ensaios de Raymond Aron, Stanley Hoffman, Irving Kristol, Karl Deutsch e outros eminentes scholars das grandes universidades de países avançados. 
O processo político brasileiro – início do regime militar e a aguda polarização entre “direitistas”, ou aliados do governo, e “esquerdistas”, logo catalogados de “subversivos” – também contribuiu para uma precoce politização, e uma inclusão quase imediata no campo dos esquerdistas, o que acentuou a busca pelo conhecimento das experiências alternativas ao capitalismo periférico, naquele momento não tanto no modelo soviético, mas mais próximo da experiência cubana, que parecia refletir a situação continental de “países dominados pelo imperialismo americano”, e necessitados de adotar a via nacionalista e, mais precisamente, a construção do socialismo, se possível num modelo autogestionário, como parecia prometer o caminho adotado pela Iugoslávia, aparentemente um socialismo não totalitário e até aliado de outros países em desenvolvimento, como as “iniciativas não-alinhadas” sugeriam. 
Uma longa estada na Europa, a partir dos anos de chumbo da ditadura militar, no início dos anos 1970, sedimentaram um grande conhecimento, mediante o estudo aplicado de todas essas experiências nacionais, com viagens a diversos países do socialismo real (em alguns casos surreal) e do capitalismo ideal, o que arrefeceu a proposta de um planejamento estatal centralizado em favor de um modelo mais identificado com o socialismo democrático ao estilo da II Internacional. Poucos meses após a volta ao Brasil, no primeiro trimestre de 1977, o ingresso na carreira diplomática abriu e consolidou de vez o estudo especializado nas relações internacionais, na política externa e na diplomacia brasileira, com diversos trabalhos que começaram a ser publicados em revistas da área: Política e Estratégia, na qual colaborou Oliveiros da Silva Ferreira (hoje desaparecida), a Revista Brasileira de Política Internacional (que tive o privilégio de salvar de um desaparecimento quase certo, e de transferi-la para a capital federal, onde existe até hoje) e, mais adiante, a Contexto Internacional e a Política Externa (hoje igualmente desaparecida, infelizmente). 
Fui acumulando, ao longo dos anos, uma visão própria, tanto da política internacional, quanto da economia mundial – fruto de um mestrado em economia do desenvolvimento –, assim como das relações internacionais do Brasil e de sua política externa, tanto é que essa minha visão nunca se subordinou, e jamais coincidiu, exatamente, com a política externa oficial do Itamaraty, ou com as principais orientações acadêmicas na área internacionalista. Minhas concepções sobre essas diferentes temáticas, campos de análise e de propostas de políticas sempre guardaram uma saudável distância da política externa governamental ou de certas concepções acadêmicas sobre os mesmos temas e políticas, por força de um ecletismo de leituras e de reflexões próprias sobre as realidades do mundo e do Brasil. 
Daí a minha permanente opção de preservação de uma atitude que eu, desde a juventude, acostumei-me a chamar de ceticismo sadio, ou seja, uma indagação crítica sobre qualquer análise ou proposta de políticas – não só a externa, mas também as econômicas, por exemplo – apresentadas como as melhores do ponto de vista do interesse nacional, ou alegadamente expressando a melhor racionalidade possível. Sempre procurei penetrar na realidade dos números e dos dados disponíveis, indagar sobre as melhores alternativas de políticas, assim como questionar as verdades oficiais, quaisquer que fossem as orientações dos governos de plantão. Numa fase posterior, passe a identificar essa atitude como sendo a de um contrarianista, ou seja, a de um contestador do senso comum, ou da versão consagrada. 
Tanto é assim que um dos meus livros mais recentes, entre uma dúzia e meia daqueles especificamente dedicados aos temas internacionalistas, se chama Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018). Como vários outros publicados nas últimas três décadas e meia, ele consolida aquele diálogo entre a diplomacia e a academia – como já preconizou, ainda nos quadros do regime militar, um diplomata dos mais conhecidos nessa vertente, Gelson Fonseca – que reputo indispensável ao trabalho bem conduzido dos diplomatas profissionais, como também exemplificado na trajetória de dois outros intelectuais – Rubens Ricupero e Celso Lafer – que constituem brilhantes exemplos de vocações duais, que se situam nessa interface simbiótica entre a pesquisa acadêmica e a ação prática. Sem exibir a reputação desses grandes intelectuais e profissionais da diplomacia, acredito ter contribuído para o estudo e a reflexão das interfaces externas do Brasil, no contexto da economia mundial e da política internacional e regional. 
Tendo já exercido uma trajetória profissional na diplomacia por quatro décadas, e acumulado um pouco mais do que isso no estudo e na produção de ensaios e livros nessas vastas áreas de interesse para a projeção externa do Brasil, creio poder oferecer mais uma contribuição ao conhecimento e reflexão sobre nossa trajetória internacional nas duas primeiras décadas deste século, quando passamos de uma diplomacia claramente identificada com e embasada no Itamaraty para uma diplomacia partidária situada naquele mesmo universo mental no qual eu me situava na primeira metade dos anos 1960, chegando na atualidade a uma diplomacia bizarra, que pode até ser chamada de “antidiplomacia”, tal o número de incongruências em relação aos padrões tradicionais da diplomacia profissional do Itamaraty tal como o conhecemos desde longas décadas. 
As análises que pretendo conduzir na presente conjuntura se dedicarão a um exame sintético das características principais da diplomacia brasileira, com destaque para as orientações enviesadas de que foi acometida sob os três mandados e meio de duração do “lulopetismo diplomático”, a volta temporária a uma diplomacia quase “normal” durante um curto período de transição (2016-18), e o ingresso, desde o início de 2019, no desafio mais relevante ao Itamaraty enquanto instituição, com a inauguração de uma mal definida “Bolsodiplomacia”, aliás indefinida por definição, se cabe a redundância no reconhecimento de uma ausência completa de exposição clara sobre as metas, diretrizes e métodos de uma política externa bizarra e destruidora de algumas boas tradições de nossa diplomacia tradicional. Este é o meu próprio desafio intelectual, uma espécie de síntese de muito do que já escrevi ao longo das últimas décadas, e que ainda pode oferecer um testemunho válido dessa ponte que considero benéfica que junta o melhor da pesquisa acadêmica com o trabalho prático na diplomacia profissional. 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de janeiro de 2020

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo - livro em Kindle de Paulo Roberto de Almeida

Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea (Portuguese Edition) eBook Kindle

Coletânea de ensaios sobre o marxismo, o comunismo, o socialismo, no plano da teoria política e da história contemporânea, sobre temas como: 

1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica; 
2. A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro; 
3. Agonia e queda do socialismo real; 
4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil; 
5. O Fim da História, de Fukuyama: o que ficou?; 
6. Os mitos da utopia marxista; 
7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo prático; 
8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos; 
9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais; 
10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?

Os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em outras vertentes do ambiente universitário.
Vários dos ensaios aqui reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de “escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que continuavam aderindo à liturgia comunista.
Esta antologia resume e expõe minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil, nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e simplificadores, preferido exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla carreira extremamente absorvente, no exercício da diplomacia profissional e nas lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.

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Detalhes do produto

  • Tamanho do arquivo: 844 KB
  • Número de páginas: 284 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Editora: Edição de autor; Edição: 1 (20 de dezembro de 2019)
  • Data da publicação: 20 de dezembro de 2019
  • Vendido por: Amazon Digital Services LLC
  • Idioma: Portuguese
  • ASIN: B082YRTKCH
  • Dicas de vocabulário: Não habilitado
  • Empréstimo: Habilitado
  • Leitor de tela: Compatível 
  • Configuração de fonte: Habilitado 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Historiografia das Relações Internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Revista do IHG-DF)

Minha publicação mais recente: 


1325.Historiografia das relações internacionais do Brasil”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (Brasília: IHG-DF, n. 9, 2019, pp. 151-178; ISSN: 2525-6653). Relação de Originais n. 3479.





Versão completa foi disponibilizada na plataforma Academia.edu (link: 
https://www.academia.edu/s/e36c754106/historia-e-historiografia-das-relacoes-internacionais-do-brasil-um-empreendimento-em-construcao-2019). 





A versão reduzida, publicada na revista do IHG-DF, vai aqui transcrita: 



Historiografia das relações internacionais do Brasil
Historiography of Brazil’s international relations

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor. Acadêmico, ocupante da cadeira 4, patroneada por Tobias Barreto.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal
(Brasília: IHG-DF, n. 9, 2019, pp. 151-178; ISSN: 2525-6653).

Resumo: Ensaio de caráter historiográfico sobre as principais obras tratando das relações exteriores do Brasil, passando por Varnhagen, Pandiá Calógeras, Hélio Vianna, Delgado de Carvalho, Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, e Rubens Ricupero. O campo conhece atração frequente entre os historiadores e tem sido contemplado com número crescente de obras históricas, muitas a cargo da Fundação Alexandre de Gusmão, ainda que o Itamaraty ainda não disponho de um historiador oficial.
Palavras-chave: historiografia, relações internacionais, história do Brasil, Itamaraty, obras relevantes.
Abstract: Historiography of Brazil’s international relations through main works produced by great historians, from Varnhagen, to Pandiá Calógeras, Hélio Vianna, Delgado de Carvalho, Amado Cervo and Clodoaldo Bueno, and to Rubens Ricupero. There is a growing attraction towards this field by new historians and an increasing publication of historical works about Brazil’s foreign policy, mainly by Alexandre de Gusmão Foundation, linked to the Ministry of External Relations, even it still lacks an official historian.
Key words: Historiography, international relations, Brazil’s history, Itamaraty, main works.


1. A historiografia das relações internacionais do Brasil: principais historiadores
O primeiro historiador “oficial” do Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen em sua monumental História Geral do Brasil se ocupou das relações exteriores do Brasil apenas como reflexo das relações internacionais de Portugal, que por sua vez se encontravam conectadas aos equilíbrios e conflitos europeus, em especial na península ibérica, chegando até o reconhecimento da independência. O segundo historiador das relações internacionais foi Oliveira Lima, que, como seu patrono na Academia Brasileira de Letras, o mesmo Varnhagen, também era um diplomata. Ambos se serviram da carreira para fazer avançar suas pesquisas e publicações. Oliveira Lima se sentia à vontade com uma abordagem de tipo sociológico – com toques de psicologia – em suas obras. Igualmente como Varnhagen, ele produziu trabalhos escrupulosamente apoiados em documentação primária, nos principais arquivos europeus; são indispensáveis na compreensão do “Brasil português” e do processo de independência.
João Ribeiro lhe sucedeu, assim como João Capistrano e Rocha Pombo, mas suas obras se voltam bem mais para a formação da nação e os processos domésticos do que para as relações exteriores da colônia ou do Estado independente. Rocha Pombo foi contemporâneo de João Ribeiro, tendo produzido, entre 1905 e 1917, dez volumes de uma história do Brasil que João Ribeiro considerava prolixa. Referência deve ser feita ao “mineralogista” João Pandiá Calógeras, autor de muitas obras de interesse histórico inegável – como sua pesquisa de história monetária do Brasil –, às quais se agregam os três volumes da política exterior do Império (publicados entre 1927 e 1933); o segundo volume havia coberto a política exterior do Primeiro Império, até a abdicação de D. Pedro I e o terceiro volume chega apenas ao período regencial e ao início do Segundo Reinado, até a queda de Rosas. Ficaram, portanto, de fora, no que poderia ter sido uma sequência de sua magnifica obra, toda a política exterior do Segundo Império, desde as intervenções no Uruguai, os conflitos com a Inglaterra, a guerra do Paraguai, o fim da escravidão e a “americanização” das relações exteriores a partir do crescimento do sentimento republicano, até o golpe da República.
Essas são as obras clássicas do período inicial de nossa historiografia: a partir daí a historiografia das relações exteriores veio sendo coberta por grande diversidade de autores, mas que se dedicaram a períodos menores ou a aspectos específicos dessas relações. As seções seguintes passarão a tratar dos grandes livros de síntese dentro do campo da história das relações internacionais do Brasil, com as peculiaridades que cada um deles possa exigir; são incontornáveis, na sequência, Hélio Vianna, Delgado de Carvalho, José Honório Rodrigues, Amado Cervo e Clodoaldo Bueno e, mais recentemente, Rubens Ricupero, embora vários outros pesquisadores tenham produzido obras de referência nessa grande área de estudos de historiografia especializada.

2. Varnhagen, o pai da historiografia
Varnhagen, na opinião de um dos maiores historiadores brasileiros, José Honório Rodrigues, foi...
Incomparável pela vastidão das pesquisas que realizou e dos fatos que revelou; incomparável pela publicação de inéditos que promoveu; incomparável pela perseverança com que caminhou pelos caminhos da história brasileira, até então nunca palmilhados; incomparável pela obra preliminar que antecede sua História do Brasil; incomparável por esta mesma História Geral, que desconhecia antecessores nacionais; incomparável, ainda, pela própria obra complementar que supre lacunas e amplia o horizonte do conhecimento; incomparável, finalmente, porque a obra parcial, como a História dos Holandeses no Brasil ou a História da Independência, representa, na sua época, um novo avanço historiográfico e uma nova aquisição da consciência nacional.
Na sua época, ninguém fizera tanto e tão bem, simultaneamente na história geral e parcial. Antes dele, faltava ao Brasil a consciência da sua História, no mais largo período da sua formação. É neste sentido que Varnhagen é incomparável. (...)
Ninguém pode graduar-se em História do Brasil, sem ter lido Varnhagen. (1970: 123-4)

Os capítulos da obra imediatamente antecedentes ao processo da independência abrem-se com a regência do príncipe D. João ainda em Lisboa, mas já com episódios relativos aos desdobramentos continentais, e até internacionais, da revolução francesa que teria enorme impacto na maior colônia do vasto Império português, e que determinariam, de modo decisivo, o seu futuro enquanto nação independente, de modo diferente ao que se observou em demais partes do Império. Mas o capítulo que trata especificamente da “Política Exterior: negociações, tratados, conquistas, etc.”, tem apenas vinte páginas. Mas, mesmo nos capítulos essencialmente “domésticos”, a obra de Varnhagen contém diversos relatos sobre influências externas e desenvolvimentos internos de processos históricos comportando aspectos internacionais.
Varnhagen deixou preparados, mas não chegou a publicar, os capítulos relativos ao processo da independência, alguns retirados da segunda edição, de 1876, para serem incorporados a um último volume, como ele mesmo explicou:
A História desse grande acontecimento [a separação política de 1822], começando de 1820, fará objeto de uma obra especial.
Essa nossa História da Independência já se acha escrita e será publicada, apenas consigamos elucidar algumas poucas dúvidas que ainda temos. A mesma História unicamente se recomendará pela pureza das fontes e abundância de documentos que se tiveram presentes... (1972: 13)

A História da Independência do Brasil encontra-se organizada em dez capítulos, começando com a revolução constitucional do Porto e o regresso de D. João VI a Lisboa e chegando ao tratado de reconhecimento da Independência, de 29 de agosto de 1825. A emergência da nova nação no hemisfério americano, mas possuindo vínculos com as casas reais europeias – num momento em que a Santa Aliança pretendia reverter a onda revolucionária anterior –, não recebe um tratamento exaustivo nessa derradeira obra de Varnhagen, mas o tratamento simpático da política exterior joanina, confirma a postura legitimista e unitarista, que ele sempre manteve em todos os seus trabalhos.

3. Oliveira Lima: o maior dos historiadores diplomatas
Oliveira Lima não foi só um historiador da diplomacia brasileira, e sim um historiador das Américas. Formado em Portugal, tornou-se diplomata na República, que tinha suas simpatias durante o regime monárquico, para ser por ele depreciada mais adiante. Como Varnhagen, aproveitou seus diversos postos para pesquisar em arquivos coloniais ou para estabelecer uma sociologia comparativa dos processos respectivos de formação das sociedades ibero-americanas e da anglo-saxã, que ele julgava mais bem-sucedida em seu desenvolvimento econômico-social.
Suas obras mais relevantes no domínio da história diplomática guardam certa distância entre si, de oito anos entre a obra inaugural – O Reconhecimento do Império (1901) – e a que lhe antecede cronologicamente – Dom João VI no Brasil, por ocasião do centenário da transferência da Corte para o Brasil (1908) –, seguidas pela obra que vem finalmente publicada no centenário seguinte, quando se conformou a ruptura entre as duas nações: O Movimento da Independência, 1821-1822 (1922). Outra obra quase póstuma – O Império Brasileiro (1822-1889) (1928) –, não apresenta o mesmo aparato documental da pesquisa em arquivos e de referências precisas na literatura disponível daquelas três primeiras (embora contenha um bom capítulo, de 20 páginas, sobre a política exterior do Império), sendo mais uma síntese descritiva de todo o regime.
O Reconhecimento do Império inaugura, em 1901, a série de grandes obras de pesquisa histórica por Oliveira Lima, cobrindo as relações exteriores do Brasil português e as da nação independente, cujo tratamento sintético seria justamente dado, para o conjunto do século XIX pela sua síntese sobre o Império, em 1928. Tratou-se de um relato exaustivo, mas, paradoxalmente, esse livro destoa da boa metodologia histórica que lhe tinha sido inculcada por seus mestres portugueses: apresenta-se como uma sucessão de dez longos capítulos, absolutamente lineares, praticamente sem notas ou referências bibliográficas; às 310 páginas de relato, seguem-se mais 54 páginas no Apêndice, relativos a dezessete documentos relativos ao período de 1823 a 1826, entre a designação de encarregados de negócios junto à corte britânica e a abdicação da coroa portuguesa por D. Pedro I em favor de sua filha Maria da Gloria. A obra contém muitas adjetivações – tipo “o pobre D. João VI”, a “doce ilusão de D. Pedro I”, e outras – e sua minúcia de detalhes compromete, em várias passagens, a visão do panorama completo.
O Dom João VI no Brasil constituiu, na comparação com a figura canhestra dos primeiros cronistas, ou mesmo com a descrição linear de Varnhagen, “um dos maiores livros de nossa historiografia e o mais completo e lúcido acerca do assunto de que se ocupa”, no dizer do prefaciador, Octavio Tarquinio de Souza, na edição incluída na coleção Documentos Brasileiros da José Olympio (1945, 1º. vol., p. 4). O mesmo prefaciador sublinha que, nessa obra, “deu Oliveira Lima... um mais largo desenvolvimento às questões diplomáticas, às intrigas das chancelarias, aos subentendidos dos tratados internacionais” (p. 7). E mais adiante: “Nenhum assunto lhe mereceu mais atenção do que a influência inglesa, na quase tutela que sobre Portugal exerceu a Inglaterra, ávida de expansão mercantil, de conquista de mercados em todos os continentes” (p. 8). Ele também confirma os dotes de sociólogo de Oliveira Lima, tratando da vida social, econômica e cultural, “não lhe minguando atenção uma perspicácia para juntar aos aspectos políticos, às glórias militares e às negociações diplomáticas, os fatos menos aparatosos de natureza econômica e social, as mudanças de estilo de vida na antiga colônia portuguesa, e discernir o processo de nossa diferenciação nacional...” (pp. 9-10).
De fato, é quase impossível separar o que é política interna do que são as relações exteriores de Portugal, e do Brasil, neste grande livro sobre o período joanino. Já a introdução começa pela situação internacional de Portugal em 1808; seguem-se inúmeras outras questões atinentes à situação europeia, às relações com os vizinhos na América do Sul, e o Congresso de Viena, praticamente a metade dos trinta capítulos da obra, entre os quais os que tratam dos tratados comerciais, da questão do tráfico escravo e um inteiramente dedicado à revolução portuguesa de 1820. Indiferente a tudo isso, Gilberto Amado, em suas memórias, não se sabe bem por quais motivos, talvez preocupado mais com o estilo do que com a substância, classifica esse livro de Oliveira Lima como a “obra mais mal escrita que já apareceu em livraria em qualquer época, em qualquer país ou latitude” (1955: 252).
O Movimento da Independência, concluído em 1921, quando Oliveira Lima já se encontrava instalado em Washington, associado à Universidade Católica – à qual legou sua imensa biblioteca, muitos manuscritos e várias obras de arte –, é também minucioso em seu relato factual, mas devidamente provido de notas e referências documentais. São 21 capítulos igualmente lineares, começando com o retorno de Dom João VI para Lisboa, em abril de 1821, e reexaminando os efeitos da revolução liberal de 1820, e terminando com um “Petrus Imperator”, mas já anunciando as “primeiras nuvens no céu da Independência”.
O Império Brasileiro, finalmente, obra derradeira de Oliveira Lima, terminada em 1928, constitui, como dito, uma síntese segura sobre os 67 anos do regime, cuja análise encontra-se igualmente distribuída em onze capítulos, sendo o décimo dedicado justamente à política externa do Império. Metade desse capítulo se ocupa, precisamente, das relações do Império do Brasil com a potência inglesa, e a outra metade se ocupa das questões do Prata, sendo que Oliveira Lima reconhece que “[a] política de intervenção nunca aproveitou ao Brasil” (p. 475).

4. Pandiá Calógeras: o início da sistematização da história diplomática
João Hermes Pereira de Araújo, a quem coube introduzir a primeira reedição fac-similar do “trabalho hercúleo empreendido por Calógeras”, considerava os três volumes publicados entre 1927 e 1933, pelo primeiro e único ministro da Guerra da República, como uma obra fundamental de história diplomática, uma vez que depois disso, e até o início dos anos 1990 – a primeira edição fac-similar, pela Câmara dos Deputados, é de 1989, por iniciativa do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, do Itamaraty –, “as duas obras que dão, do assunto, uma visão de conjunto são compêndios eminentemente didáticos” (Araújo, 1998 [1989]: v). Ele se referia aos dois manuais publicados no final dos anos 1950, respectivamente de Hélio Vianna e de Delgado de Carvalho, ambos intitulados História Diplomática do Brasil.
Calógeras tinha sido ministro da Agricultura, da Fazenda e da Guerra e, como assessor imediato de Epitácio Pessoa na delegação brasileira às negociações de paz de Paris, em 1919, aspirava tornar-se ministro das Relações Exteriores, o que nunca conseguiu. Talvez tenha sido por isso que ele se lançou, em meados dos anos 1920, à redação da copiosa história da política exterior do Império, que na verdade começa no Portugal medieval e chega apenas à queda de Rosas. O primeiro volume, publicado num tomo especial da Revista do IHGB, em 1927, trata, em 15 capítulos e 490 páginas, da formação territorial e do povoamento do Brasil, alcançando até a independência e a libertação do território nacional das últimas tropas portuguesas, em 1823, um ano antes da libertação definitiva da última das grandes colônias andinas espanholas, o Peru.
O segundo volume, publicado originalmente ainda na Revista do IHGB, é publicada no ano seguinte, e cobre todo o Primeiro Reinado, em 13 capítulos, com 586 páginas, tratando minuciosamente de vários episódios da diplomacia brasileira (ou feita no Brasil, por um príncipe português), desde o reconhecimento do Império até as consequências da abdicação, quando o Brasil passa, finalmente, a ser governado por brasileiros, nas regências. O terceiro volume, com 619 páginas, já sai pela Companhia Editora Nacional, e abrange, em 15 capítulos, a política externa das regências e do início do Segundo Reinado, até a queda de Rosas.
Os problemas do Prata continuam predominantes na frente externa, ao passo que algumas revoltas regionais, como a da República dos Farrapos, por exemplo, também apresentam contornos externos, aliás na mesma região. Os problemas de fronteira aparecem precocemente, uma vez que depois do Tratado de Madri (1750) várias pendências permaneciam em diversos pontos de um território não totalmente devassado e parcamente identificado cartograficamente. Mas, também é o período da revisão completa da política comercial, com a finalização dos tratados desiguais e o início de uma postura protecionista que irá prolongar-se quase indefinidamente nas décadas seguintes, até os nossos dias praticamente. No prefácio a esse terceiro tomo, Calógeras reconhece que lhe faltava tratar dos episódios mais relevantes do Segundo Império, sobretudo o agravamento dos conflitos no Prata – pela intervenção brasileira na política uruguaia –, o que precipitará a guerra com Solano Lopez, o mais cruento conflito militar da América do Sul, finalizado um século e meio atrás.
A recepção dessa grande obra foi em geral positiva: anos mais tarde, em 1957, José Honório Rodrigues, fará uma apreciação positiva dos três volumes, acrescentando porém que “seria uma temeridade dizer que A Política Exterior do Império é uma obra completa e definitiva”, em vista das “lacunas, falhas ou omissões de Pandiá Calógeras”, embora ele não explique quais seriam essas deficiências (Araújo, 1998: xxii). Pandiá Calógeras fecha provisoriamente, por assim dizer, uma fase, talvez dita “clássica”, da historiografia da política externa brasileira, aquela constituída pelos “desbravadores de terreno”, como Capistrano, o próprio Varnhagen e seu “sucessor”, Oliveira Lima, estes dois os primeiros garimpeiros dos arquivos coloniais, ou já da Independência, nos principais países europeus, em especial os ibéricos.

5. Os manuais didáticos de história diplomática: Vianna, Delgado e Rodrigues
Em 1947, o historiador Hélio Vianna deu um curso de história das fronteiras do Brasil na Escola de Estado Maior do Exército, objeto de publicação no ano seguinte em forma de livro pela Biblioteca do Exército. Em 1950, convidado a ministrar História Diplomática do Brasil para os alunos do Instituto Rio Branco, adaptou aquele antigo curso, do qual resultou, em 1958, uma obra de título homônimo. Pouco depois, reuniu parte de suas aulas de História do Brasil, ministradas desde 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, para compor um livro duplo, publicado em 1961, passando a oferecer, então, uma história da República e uma síntese completa da história diplomática do Brasil, desde os descobrimentos até os debates, apenas mencionados, da questão de Cuba no contexto pan-americano.
A História Diplomática do Brasil de Helio Vianna é, antes de mais nada, uma obra híbrida, pois que retoma trechos inteiros do História das Fronteiras, logrando contudo uma certa unidade temática e de tratamento linear sobre os principais eventos das relações internacionais do Brasil desde os descobrimentos até o problema cubano, em 1961, com ênfase, evidentemente, nos diversos processos de fixação de limites com os vizinhos países sul-americanos. Não há propriamente lacunas no tratamento das relações interestatais com os vizinhos da América do Sul, mas, mas um grande vazio subsiste em relação à dimensão econômica e geopolítica do relacionamento internacional do Brasil. Os tratados de comércio, com exceção do inglês de 1810, não são sequer mencionados e a questão do tráfico é abordada tão simplesmente sob o seu ângulo das relações com a Inglaterra, num quadro estritamente político-diplomático.
A periodização de História Diplomática é a mais tradicional e linear possível, seguindo, numa primeira etapa, as questões mais importantes da política internacional portuguesa na América, passando para a política exterior de D. João VI no Brasil e para os problemas externos dos dois reinados, com ênfase evidentemente nas questões platinas. A fixação dos limites fronteiriços com cada um dos vizinhos sul-americanos é tratada, de forma relativamente completa, em capítulos individuais por país ou dependência colonial, antes e depois de um curto capítulo sobre a política exterior da República. Dois capítulos sobre a participação do Brasil em cada um dos conflitos mundiais e um último sobre a questão do pan-americanismo completam essa obra informativa e quase nada interpretativa. As citações são extremamente limitadas, geralmente de documentos oficiais, e a bibliografia, claramente reduzida ao mínimo, encontra-se reduzida a algumas poucas notas de rodapé dispersas nos diversos capítulos.
O outro manual, o de Delgado de Carvalho, igualmente intitulado História Diplomática do Brasil, constituiu, durante mais de três décadas a partir de 1959, e mais exatamente até a publicação do trabalho dos professores Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno em 1992, leitura obrigatória de todo e qualquer estudioso da política externa e das relações internacionais do Brasil, em especial de turmas seguidas de vestibulandos e alunos do Curso de Preparação à Carreira Diplomática, mantido pelo Instituto Rio Branco. Também teve por origem as aulas ministradas por Delgado de Carvalho no Instituto Rio Branco, a partir de 1955, mas o seu livro teve uma única edição e tornou-se em poucos anos propriamente impossível de encontrar. Finalmente, o livro recebeu, no final dos anos 1990, uma nova edição fac-similar, para, finalmente, ser objeto de uma edição digitalizada pelo Senado Federal (2016).
Em seu preâmbulo, Delgado menciona outros autores que trataram da história diplomática do Brasil, como Hélio Vianna (que tinha acabado de publicar sua História Diplomática), Teixeira Soares (igualmente um estudioso das fronteiras brasileiras), Renato de Mendonça, Macedo Soares e Pedro Calmon, mas não mencionou Pandiá Calógeras, apesar de que um excerto do Política Exterior do Império tenha sido transcrito no livro. As limitações do livro se devem exatamente a seu caráter eminentemente didático, derivado de notas de aulas proferidas na Academia diplomática. Suas qualidades são a de uma primeira sistematização da história diplomática do Brasil em função das grandes questões que ocuparam a atenção dos mandatários portugueses e das lideranças da Nação independente. Em suma, trata-se de uma história “política” da política externa, com todas as qualidades e defeitos que tal gênero possa comportar.
Algo semelhante ocorreu com o outro manual didático oferecido à comunidade acadêmica em meados dos anos 1990, quando já se tinha obtido a consolidação da “substituição de importações” na academia brasileira, embora ainda nascente na área de relações internacionais, e quando já estava no mercado o manual conjunto dos professores Amado Cervo e Clodoaldo Bueno; trata-se das aulas recuperadas de José Honório Rodrigues no Instituto Rio Branco, ministradas desde 1946 e até meados dos anos 1950, e que revistas e completadas pelo historiador Ricardo Seitenfus foram oferecidas a público em 1995: Uma História Diplomática do Brasil, 1531-1945. O historiador gaúcho, especialista na era Vargas, tinha sido convidado em 1991, pela viúva Lêda Boechat Rodrigues, para organizar as notas datilografadas do curso de “História Diplomática do Brasil” ministrado durante toda aquela década pelo grande nome da historiografia nacional, falecido em 1987.
Como indica Ricardo Seitenfus, em sua Nota Introdutória, o texto deixado por José Honório é minucioso até a gestão do Barão do Rio Branco, tornando-se a partir da Primeira Guerra Mundial “genérico e resumido” (p. 20). Ele dedicou-se então a redigir um complemento da história diplomática brasileira desde a Conferência de Versalhes até o rompimento da neutralidade brasileira, na Segunda Guerra, especialista que foi, sob a orientação inicial do próprio José Honório, da política externa durante a era Vargas. Ele já tinha publicado sua tese de doutoramento na Universidade de Genebra, uma pesquisa extremamente bem documentada sobre a diplomacia da “neutralidade” varguista durante os anos mais críticos de seu regime (1985). Trata-se, no que se refere ao panorama global traçado por José Honório, de uma bem-vinda complementação bibliográfica aos trabalhos até então mais conhecidos nesse campo, as História(s) Diplomática(s) do Brasil de Hélio Vianna e de Delgado de Carvalho (1958) e o ulterior, História da Política Exterior do Brasil de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno.
Uma das curiosidades desse terceiro manual de história diplomática – composto mais de meio século antes – é o fato de nele se manifestar um José Honório diferente daquele a que estávamos acostumados, se julgarmos com base em seus textos de princípios dos anos 60, quando ele se comprazia em atacar a versão “incruenta” da história oficial, os compromissos conservadores das elites e a ausência do povo da historiografia dominante. Aqui José Honório segue um estilo bem mais tradicional, praticamente despojado do tom nacionalista, apaixonado e contestador do publicista da Política Externa Independente. Para José Honório, as premissas básicas de nossa política externa, desde a época colonial, sempre foram a acumulação de poder ou a manutenção do status quo, segundo as fases de introversão ou de extroversão que teriam marcado de maneira alternada (e de forma algo mimética ao modelo analítico norte-americano privilegiado por José Honório) a história internacional do Brasil. Não é, assim, só história diplomática o que se pretende, mas a história das relações do Poder Nacional com os demais poderes nacionais” (p. 29). Ou então: “Toda política externa é uma expressão do poder nacional em confronto, antagônico ou amistoso, com os demais poderes nacionais” (p. 53).

6. O ideal desenvolvimentista: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno
A publicação, em 1992 – em primeira edição, até alcançar a 5ª, em 2015 – da obra conjunta dos professores Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno, História da política exterior do Brasil, veio preencher, indiscutivelmente, uma lacuna bibliográfica no terreno dos manuais, depois de mais de três décadas de ausência de equivalentes às obras de Hélio Vianna e de Delgado de Carvalho. Os dois autores se situam na continuidade histórica de José Honório ao recusar a simples linearidade descritiva da historiografia oficial, enfatizando ao contrário as grandes linhas de ação da política externa brasileira enquanto instrumento do desenvolvimento (ou do atraso) nacional, o que equivale a dizer, da autonomia da Nação. Eles deram maior atenção aos processos de natureza estrutural que sustentam a trama das relações internacionais do Brasil, buscando seus fundamentos nas chamadas “forças profundas” da história, retomando o clássico conceito introduzido pelo historiador Pierre Renouvin. Entre seus objetivos estavam o de consolidar o conhecimento elaborado sobre as relações internacionais do Brasil e revestir a síntese resultante desse esforço com uma nova interpretação histórica.
A organização do trabalho entre os dois autores evidenciou uma divisão de tarefas segundo os focos respectivos de pesquisas anteriores: Amado Cervo, um especialista do período imperial, responsabilizou-se pela primeira parte, sobre a “conquista e o exercício da soberania”, que vai de 1822 a 1889. Clodoaldo Bueno, também autor de diversos livros sobre o início da política externa no regime político inaugurado em 1889, tratou do longo período republicano até o golpe de 1964, resumindo-o sob os conceitos de “alinhamento” e de “nacional-desenvolvimentismo”. Amado Cervo, finalmente, retomou a pluma para a descrição do período pós-1964, caracterizado em política externa como o de um “nacionalismo pragmático”; edições ulteriores estenderam a análise até os governos recentes, com um julgamento mais crítico a respeito dos resultados efetivos da diplomacia contemporânea.
Segundo os autores, a política externa, num país como o Brasil, tem um caráter supletivo, dados os condicionamentos objetivos e a vontade política (ou sua ausência) que atuaram no processo de desenvolvimento nacional nos últimos 200 anos. Em outros termos, os avanços ou atrasos desse processo estão mais bem correlacionados com as fases de expansão ou mudança no sistema capitalista do que com um projeto nacional de desenvolvimento dotado de uma política internacional coerentemente aplicada pelas elites ao longo do tempo. Eles se distanciaram, nesse sentido, da visão triunfalista dos historiadores tradicionais, ao desvendar o caráter funcional da política externa enquanto elemento propulsor (ou obstrutor) do processo de desenvolvimento nacional. Na visão de Amado Cervo, a política exterior do Brasil foi sempre, e antes de tudo, a expressão de uma economia política. Clodoaldo Bueno, por sua vez, tratando da política exterior a partir da segunda metade dos anos 1950, viu no nacional-desenvolvimentismo, nítido a partir da gestão de JK, a chave para a compreensão das relações internacionais do país.

7. A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero
A motivação principal do grande diplomata brasileiro, ex-professor de História Diplomática do Brasil durante vários no Instituto Rio Branco, ao decidir escrever, já aposentado, seu magnum opus – A diplomacia na construção do Brasil (2017) –, deveu-se ao fato simplório, desde que começou a dar aulas de relações internacionais do Brasil, de não ter conseguido encontrar nas livrarias um livro que o ajudasse a ensinar como a política externa era um fio inseparável da trama da história nacional, uma parte integral de tudo o que percorria essa história, de como a diplomacia profissional estava ligada, não separada, da sociedade como um todo. Para ele, a bibliografia tradicional padecia de duas insuficiências. Por um lado, as obras gerais sobre a história do Brasil quase não falavam da política externa, no máximo alguns parágrafos ou notas ao pé da página; o mundo exterior não existia, era como se a história de um país constituísse um todo suficiente, fechado em si mesmo. Já as histórias diplomáticas cometiam o erro oposto: só tratavam da diplomacia, sem mencionar a política interna e a economia, como se a política externa funcionasse dentro de um vácuo. Ao produzir, portanto, a sua versão da história da política externa, ele procurou mostrar como a diplomacia ajudou a dar forma à história e à identidade do Brasil.
Ricupero também confirma a grande orientação “vocacional” da diplomacia brasileira para o trabalho de consolidação da independência e o reforço do processo de desenvolvimento econômico. Com seus acertos e erros, segundo ele, a diplomacia marcou profundamente cada uma das etapas definidoras de nossa história: a abertura dos portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo pelo comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, base da população, a consolidação da unidade nacional ameaçada pela instabilidade na região platina, a modernização, a industrialização e o desenvolvimento econômico. O livro, de fato, não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero.
O sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva histórica. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública, cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como plenamente exitoso. A diplomacia brasileira começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser retomado numa fase recente, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa política exterior do Império.
A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Nesse grande panorama de mais de três séculos da história brasileira oferecido por Ricupero,
tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo. (p. 738-9).


8. A historiografia brasileira das relações internacionais: questões pendentes
Nenhuma síntese da historiografia das relações internacionais do Brasil pode prescindir, ademais dos relatos históricos e das análises interpretativas oferecidas pelos historiadores profissionais (ou até dos próprios diplomatas), de depoimentos pessoais ou de trabalhos biográficos dos e com os próprios protagonistas da ação diplomática. O gênero biográfico foi cultivado na historiografia nacional, começando com o próprio patrono da diplomacia, o Barão do Rio Branco, em cujo centenário de nascimento, em 1945, foi criada a academia diplomática brasileira que leva o seu nome, encomendada uma biografia oficial a Álvaro Lins e publicadas suas obras completas, estas objeto de nova edição crítica, ampliada, no centenário de sua morte (Pereira, 2012). Os dois trabalhos mais conhecidos eram, respectivamente, os de Álvaro Lins, Rio Branco (1945), e o Luís Viana Filho, A vida do Barão do Rio Branco (1959). O diplomata historiador Luis Cláudio Villafañe G. Santos ofereceu uma nova biografia do Barão, Juca Paranhos (2018), que renovou amplamente o debate e a análise que se fazia tradicionalmente sobre o grande diplomata monarquista do início da República. Um outro exemplo no gênero, mais antigo, veio da pluma de um grande jurista, tribuno, político e chanceler, Afonso Arinos de Melo Franco, sobre seu pai, delegado brasileiro à Liga das Nações e chanceler do governo provisório de Getúlio Vargas, no início dos anos 1930: Um estadista da República: Afrânio de Melo Franco e seu Tempo (1955).
Essas obras podem ser completadas por memórias, depoimentos pessoais, ou coletâneas de escritos, dos próprios diplomatas (profissionais ou não), alguns dos quais, dentre os mais importantes, merecem ser referidos: Francisco San Tiago Dantas (1962; 1964; 2009; 2011); Vasco Leitão da Cunha (1994); Azeredo da Silveira (Spektor, 2010; Moreira Lima, 2018a); Ramiro Saraiva Guerreiro (1992); Marcílio Marques Moreira (2001); João Clemente Baena Soares (D’Araújo, 2006); Ovídio de Andrade Melo (2009); Luiz Felipe Lampreia (1999; 2010), Vasco Mariz (2008; 2012); Celso Amorim (2011); Rubens Barbosa (2018) e Celso Lafer (2018).
Em outra modalidade se inserem enquadrados pronunciamentos oficiais dos ministros de relações exteriores que oferecem uma série histórica de cronologia mais ampla, permitindo seguir a continuidade (por vezes a ruptura) da política externa ao longo de décadas; podem ser mencionados, como exemplo, os pronunciamentos dos chanceleres na abertura dos debates anuais da Assembleia Geral da ONU, desde 1946 (Corrêa, 2012), Pode-se igualmente seguir as grandes linhas da diplomacia brasileira desde essa época pela coletânea dos discursos dos chanceleres na Escola Superior de Guerra, entre 1952 e 2012 (Moreira Lima, 2018b). Nessa mesma categoria, se enquadra a coletânea de Rogério de Souza Farias (2014) sobre a participação do Brasil no sistema multilateral de comércio.
Muitos outros diplomatas têm oferecido contribuições de valia ao trabalho de natureza historiográfica sobre a diplomacia brasileira, a exemplo de Fernando de Mello Barreto, autor de três obras linearmente cronológicas, cobrindo todas as administrações sucessivas às do Barão do Rio Branco (2001; 2006; 2012); de Marcelo Raffaelli (2006), sobre as relações entre os Brasil e os Estados Unidos no Império; de João Alfredo dos Anjos, sobre José Bonifácio, o primeiro Chanceler do Brasil (2008); de Synesio Sampaio Goes, sobre as fronteiras (2013; 2015); de Carlos Henrique Cardim, autor de um estudo original sobre Ruy Barbosa internacionalista (2004) e da introdução à correspondência que ele trocou com o Barão por ocasião da II conferência da paz da Haia (2014). Eugênio Vargas Garcia, autor de diversos trabalhos de pesquisa sobre a história da diplomacia brasileira (2006; 2011; 2018), organizou compêndios documentais e cronológicos (2008; 2016), que constituem diretórios a serviço dos historiadores.
A Fundação Alexandre de Gusmão, que exerce o papel de editora oficial do Itamaraty, e que se converteu, nos últimos anos, na maior editora brasileira de livros de política externa, diplomacia brasileira e relações internacionais, tem oferecido um fluxo contínuo de diversos trabalhos que se enquadram na vertente da história diplomática. Foram efetuadas reedições de importantes obras antigas, a exemplo do clássico de Sérgio Corrêa da Costa: A diplomacia do marechal (2017), publicado originalmente em 1945, e do importante trabalho de Flavio Castro sobre a organização do Ministério das Relações Exteriores (2009). Na categoria de projetos originais, situa-se o magnífico empreendimento historiográfico liderado pelo embaixador José Vicente Pimentel, então presidente da Fundação, sobre o “pensamento diplomático brasileiro” (2013), com ensaios biográficos sobre os mais importantes personagens da política externa, desde Alexandre de Gusmão até João Augusto de Araújo Castro.
No mesmo contexto são regularmente publicados trabalhos históricos, de diplomatas ou de acadêmicos, sobre a diplomacia do Brasil, sua política externa e sobre as relações internacionais, de modo geral, muitos emanados de trabalhos institucionais elaborados no próprio seio do serviço exterior brasileiro, ou produções independentes. O Centro de História e Documentação Diplomática, órgão dependente da Funag, mas funcionando no Rio de Janeiro, onde está o Arquivo Histórico Diplomático, tem publicado, ao longo dos anos, relatos de missões empreendidas pela diplomacia do Império, as consultas do Conselho de Estado sobre temas de relações exteriores ou coletâneas de textos de eminentes diplomatas daquela época, a exemplo dos discursos do Visconde do Rio Branco (Costa Franco, 2005).
Não se tem, contudo, em grande medida pela ausência já referida de um historiador institucional, um programa sistemático de cobertura e publicação da atividade diplomática oficial, constando de depoimentos dos profissionais da diplomacia – ou de personagens de outras esferas, civis e militares, que atuaram nessa esfera – e de pesquisas e coletâneas organizadas sobre os grandes temas da política externa nacional. A despeito da publicação errática de documentos diplomáticos – muitos em séries já antigas, descontinuadas, com várias felizmente digitalizadas –, ficam pendentes de iniciativa futura a promoção oficial da coleta, organização e divulgação de trabalhos na vertente histórica que caberia adotar, a exemplo de várias chancelarias de países dotados de tradição nessa área.
Quaisquer que sejam os atributos próprios de uma diplomacia nacional, os responsáveis por sua formulação e execução deveriam buscar preservar sua memória histórica pelos mecanismos e canais apropriados. A diplomacia brasileira, ao longo de dois séculos, foi amplamente beneficiada com a produção, embora dispersa e irregular, de inúmeros relatos históricos, em suas mais diversas formas – crônicas factuais, análises interpretativas, biografias, depoimentos e coletâneas –, cabendo doravante tentar sistematizar o exercício memorialístico por meio de um programa abrangente de preservação, organização, coleção, publicação e disseminação da produção de natureza histórica que dê sentido a essa longa trajetória que se aproxima de seu bicentenário.
A historiografia brasileira das relações internacionais, compreendendo, pelo lado do Itamaraty, as vertentes específicas da política externa e da diplomacia, já possui um estoque razoável de material acumulado, ainda que em bases diferenciadas e dotada de metodologia variada, como parcialmente referido neste ensaio; as etapas futuras requerem um programa de trabalho e alguma organização institucional. Nada que um corpo competente de funcionários do setor e acadêmicos especializados não possa prover de maneira sistemática nos anos à frente.


Bibliografia e referências:

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