Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53
Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
Esquizofrenia e alienacao da esquerda - Wanderley Guilherme dos Santos, um alucinado
Mas as loucuras são extensas, disseminadas, amplas e irrestritas.
Paulo Roberto de Almeida
Governo Temer é profundamente antinacional. É pior que 64’.
Entrevista com Wanderley Guilherme dos Santos
Marco Weissheimer
Sul21, 29/08/2016
“O governo de Michel Temer dá as primeiras passadas, acelerando para o grande salto para trás e a grande queima de estoques. A massa assalariada brasileira está sendo vendida a preços de saldo, com as liquidações iniciais dos programas educativos e sociais. O patrimônio de recursos materiais, como antes, será oferecido como xepa. A repressão à divergência não será tímida. Não há nada a esperar”. Esse é o resumo da obra que será exibida no Brasil nos próximos meses, talvez anos, na avaliação do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, professor aposentado de Teoria Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ).
A entrevista é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 29-08-2016.
Em um artigo intitulado “O grande salto para trás de Michel Temer”, publicado em seu blog “Segunda Opinião”, o cientista político prevê dias sombrios para o país e aponta algumas características do bloco que apoia Temer e que pretende implantar uma novaagenda política e econômica no país, sem ser referendada pelo voto popular, com a confirmação da derrubada da presidenta Dilma Rousseff.
Wanderley Guilherme dos Santos fala sobre essa agenda, destacando o seu caráter profundamente antinacional. Para ele, o movimento golpista pretende recolocar o Brasil no fluxo normal das relações do capitalismo que havia sido interrompido com a eleição de Lula em 2002. “O que vai acontecer agora, e já começou a acontecer, como tem ocorrido em várias democracias sociais no mundo inteiro, uma redefinição programática drástico dos contratos de solidariedade social com uma hegemonia desabrida da lógica do interesse do capital”, assinala. Para tanto, acrescenta, a esquerda foi expulsa do jogo político legal por algum tempo. “Eles não deixarão Lula ganhar a eleição em 2018 em hipótese alguma. Não sei como vão fazer, mas não deixarão”, diz, advertindo que a tentativa de prisão do ex-presidente Lula é uma possibilidade real neste cenário.
Eis a entrevista.
Como você definiria a atual situação política do país e, mais especificamente, o que está acontecendo no Senado nos últimos dias, com o julgamento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
Eu não tenho acompanhado o Senado e nem o Supremo Tribunal Federal porque, já há algum tempo, tenho a convicção de que está tudo essencialmente resolvido. É uma peça cuja primeira montagem, para a minha sensibilidade, teve alguma emoção. Agora, virou algo mecânico. Por isso não estou acompanhando o que ocorre no Senado. Não vai daí nenhuma depreciação das pessoas. Elas estão cumprindo o protocolo, mas, no fundo, todos sabem que está resolvido.
Com a confirmação do afastamento de Dilma, quais podem ser as repercussões políticas e sociais no país?
Acho que ocorrerão desdobramentos e aprofundamentos do telos, da finalidade deste movimento que pretende recolocar o Brasil no fluxo normal das relações do capitalismo que havia sido interrompido com a eleição de Lula em 2002. A inserção do Brasil nosistema capitalista evoluiu muito durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, quando foram construídos laços explícitos com o modelo internacional. Previamente a isso, havia uma indefinição sobre o rumo que o país iria tomar. Mesmo durante o período militar, havia uma disputa permanente entre os nacionalistas e os mais, digamos cosmopolitas. Isso foi resolvido, primeiro, com a vitória de Collor e, depois, com a de Fernando Henrique, quando tivemos oito anos de ajustamento da dinâmica brasileira ao modelo capitalista internacional. Isso foi interrompido em 2002.
O que vai acontecer agora, e já começou a acontecer, como tem ocorrido em várias democracias sociais no mundo inteiro, uma redefinição programática drástico dos contratos de solidariedade social com uma hegemonia desabrida da lógica do interesse do capital. Esse processo já está em curso.
Na sua opinião, pode ocorrer uma reação na sociedade a esse processo, especialmente entre os setores que devem ser mais atingidos por essa redefinição programática? Há uma aparente calmaria na sociedade hoje, considerando a gravidade de tudo o que está acontecendo. O que essa calmaria expressa? Apatia? Indiferença?
Acredito que temos aí uma composição de percepções. Em primeiro lugar, há o reconhecimento da falta de recursos. Os assalariados, de modo geral, com a ameaça dedesemprego, estão muito pouco dispostos a participar de manifestações com pautas universais, generalizantes. Só farão isso por questões específicas. Essa postura obedece a razões materiais compreensíveis. Em segundo lugar, por uma avaliação, na minha opinião bastante sensata também, de que esse esquema de redefinição programática e de reajustamento reacionário é muito forte e pouco vulnerável a pressões externas. Ele tem algumas instabilidades, como essa briga agora entre Gilmar Mendes e o Ministério Público Federal, mas elas não transbordarão para uma associação com quem está de fora. Assim, acredito que essa aparente apatia não é, na verdade, uma apatia, mas sim uma avaliação bastante pessimista, porém racional.
Em que medida a Constituição de 1988 está sendo afetada pelo que está acontecendo agora no Brasil?
A Constituição, propriamente, não está sendo atingida. O texto da Constituição consagra uma série de votos de boa vontade. O que aconteceu, de 2002 até aqui, foi uma tradução desses votos constitucionais em políticas específicas sérias e sistemáticas. Como essas intervenções sociais não foram constitucionalizadas, como ocorreu, por exemplo, com a Consolidação das Leis do Trabalho, elas ficaram muito vulneráveis a mudanças ministeriais e de governo. Então, o que está ocorrendo agora é um desmanche das políticas sociais construídas a partir de 2002 e a instalação de uma forma diferente de ler os votos constitucionais que não são específicos, mas sim declarações de intenções. O que está sendo atingido é a gramática que traduzia essas declarações de intenções em políticas sociais específicas.
Qual é, na sua avaliação, a capacidade do PT e da esquerda brasileira de um modo geral, de resistir a esse processo e de enfrentar o período que se abre agora na história do país?
Há um trabalho que vem sendo realizado há alguns anos junto ao subconsciente da sociedade para cultivar a impressão de que tudo o que vinha sendo feito desde 2002 era algo paliativo, populista e maligno para comprar o apoio das classes mais desfavorecidas. Foram anos de condicionamento da subjetividade nacional e grande parte dela ficou bastante hesitante no que pensar diante de uma lava jato. Não obstante a execução efetiva dos procedimentos legais que até agora condenaram empresários, burocratas, marqueteiros e alguns políticos, o único grande nome do PT condenado neste processo é o Vaccari (João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido).
Desde o início da Lava Jato, os vazamentos, delações, declarações são sempre em relação ao PT. Por isso não cessa a Lava Jato. Toda semana tem uma ameaça nova sobre a prisão de fulano ou de sicrano. E não acontece. Não acontece porque não tem base e as coisas não colam. Há alguns meses, o Lula seria preso por causa do sítio em Atibaia ou por um apartamento no Guarujá. Isso era martelado diariamente como se fosse verdadeiro e suficiente para tornar alguém incomunicável. A Lava Jato colheu os frutos desses 13 anos de cultivo de uma subjetividade disposta a aceitar determinadas coisas. E a devastação produzida por isso foi muito grande. A imensa maioria das forças de esquerda não tem nada a ver com o número de pessoas denunciadas e condenadas pelaLava Jato. Há uma discrepância absoluta aí e ninguém está se dando conta disso.
Há dois processos em curso. Há um processo teatral e um processo real. Os personagens reais estão lá na lista de denunciados e sentenciados pela Lava Jato, da qual não constam políticos do PT, com exceção de Vaccari e Delcídio, que era um recém-chegado ao partido. A Lava Jato continua produzindo essa devastação na esquerda.
Então, é natural que o eleitorado de esquerda esteja, não digo intimidado, mas aguardando os acontecimentos, pois foi colocado sobre seus representantes um véu generalizado de suspeição, o que faz com que ninguém se arrisque a por a mão no fogo por ninguém. A situação de meio paralisia que vemos hoje é uma situação de intimidação. Tudo contribui para um curto e médio prazo não muito róseo para aesquerda brasileira.
Você acredita que a Lava Jato, uma vez confirmado o afastamento da presidenta Dilma, tende a terminar?
Não. Pode até ser que eles tenham pensado nisso em algum momento do processo, mas acho que tomaram gosto pela coisa. É um poder que, agora, o Gilmar Mendesidentificou. É um poder excepcional esse de ter informações sigilosas sobre as pessoas, de saber quem faz o quê, em um contexto em que acusação e difamação se confundem. É um poder tirânico, aparentemente dentro da lei. Eu duvido que isso termine tão cedo.
Em que medida esse bloco que está apoiando Temer e a derrubada da Dilma é um bloco coeso e sólido, considerando especialmente as relações entre PMDB e PSDB?
Pode haver algumas rusgas internas, mas acho que o bloco reacionário é sólido. A esquerda foi expulsa do jogo político legal por algum tempo. Lamento, mas eu leio o que está escrito. Posso estar lendo errado, mas tento ler o que está escrito.
Como avalia a possibilidade do movimento sindical e dos movimentos sociais resistirem à agenda de políticas defendidas pelo bloco político e social de Temer, que inclui propostas como a flexibilização da CLT e a precarização de direitos?
Os movimentos sociais podem resistir um pouco, mas dentro do sistema político legal atual, lá entre eles, a situação não é tão fácil assim. Nem todos são reacionários de alfa a ômega. Há representantes dentro do Legislativo e da burocracia que tem interesses a defender e estão envolvidos com uma série de políticas. Então, acho que não será tão fácil para eles e não cumprirão 100 por cento do que gostariam os mais radicais deles, mas isso por conta de resistências dentro do próprio bloco deles. Esse bloco é muito sólido no seu veto à esquerda. O consenso básico deles é: esquerda fora. Esse é o denominador comum que os unifica.
“Em certo sentido, o golpe atual é pior que o de 64, pois tem um compromisso antinacional e reacionário muito mais violento”.
Tudo isso que estou dizendo não significa que nós vamos ficar olhando para tudo isso de braços cruzados, sem fazer nada. O que estou fazendo é procurar ver essa conjuntura com um olhar realista, inclusive para não criar expectativas falsas. As lideranças da esquerda não podem ficar levantando expectativas falsas que sabem que não poderão cumprir. Isso é ruim. O que não quer dizer que vamos ficar parados. Nós ficamos parados durante a ditadura? Não e tampouco ficaremos parados agora. Na ditadura, não acreditávamos que, em 48 horas, iríamos derrubar os generais. Nem por isso ficamos parados.
Em certo sentido, o golpe atual é pior que o de 64, pois tem um compromisso antinacional e reacionário muito mais violento que o dos militares daquela época. Estes tinham uma seção autoritária, mas comprometida com interesses nacionalistas. Não é o caso agora. Cerca de 90% desse bloco que apoia Temer é profundamente antinacional. Isso não está acontecendo só aqui, vem acontecendo pelo mundo inteiro depois da crise de 2008.
Você vê alguma possibilidade de Lula vencer a eleição em 2018 e retornar ao governo?
Eles não deixarão Lula ganhar essa eleição em hipótese alguma. Não sei como vão fazer, mas não deixarão. A esquerda não ganhará a eleição em 2018 de jeito nenhum. O que não quer dizer que a gente não vá mostrar a cara. Dependendo do andar da carruagem e se as eleições fossem livres, hoje eu acho que eles perderiam. O governo Temer é muito ruim e está afetando todo mundo. Se houvesse uma eleição para valer, eles perderiam. Como é que eles vão fazer eu não sei. O compromisso que eles estão assumindo, em nível nacional e internacional, é de tal envergadura que eles não podem perder a eleição em 2018.
Na sua opinião, o tema da prisão de Lula ainda é uma possibilidade?
Acho que sim. Estão preparando o ambiente e o farão quando avaliarem que isso provocará apenas alguns protestos impotentes. Há um ano, eles não fariam, pois não daria certo. Eles não estão para brincadeira e vêm trabalhando sistematicamente para “acostumar” a opinião pública com a ideia da prisão de Lula. Eles vêm realizando sucessivas ameaças, às quais reagimos, para ir criando o clima. A ideia é que, ao longo dessas sucessivas ameaças, a nossa reação vá perdendo força na sociedade.
Como definiria a atuação do STF neste processo? Há setores do Supremo que fazem parte orgânica desse bloco de Temer?
Sim, fazem. A maioria do Supremo é servil. Os que não são, se acomodam e se acovardam. Só esboçam alguma reação em coisas secundárias. Na hora de decidir sobre temas essenciais, isso desaparece.
Outra instituição que vem sendo apontada como uma protagonista do golpe é a chamada “grande mídia”. Como definiria o papel desse setor?
É claro que também faz parte desse mesmo bloco. Não há nenhuma dúvida quanto a isso. Esse encontro entre Legislativo, Judiciário, Supremo, empresariado e mídia é uma circunstância que aconteceu. Não é fácil de acontecer, mas aconteceu. Acho que nem foi o resultado de uma coisa totalmente planejada, pois é muito difícil planejar algo dessa natureza. Mas acontece e, quando acontece, eles têm consciência de que aconteceu. Eles sabem o que aconteceu e, por isso, estão à vontade para cometer as maiores barbaridades como se fossem verdades. Hoje, se alguém ligado à esquerda entra com um habeas corpus ou algo do gênero no Supremo, eles negarão o pedido. Pode parecer exagerado, mas é isso mesmo. O que está acontecendo não é brincadeira. A gente esquece como isso tudo começou. Há alguns anos, o que estamos vendo agora era algo impensável. Hoje acontece como se fosse algo normal.
Considerando o bloco político social que apoia Temer hoje é possível fazer uma comparação com aquele bloco que apoiou o golpe de 64?
Não, é uma realidade bem diferente. Em 64, não havia uma sociedade organizada e diversificada como hoje. Os militares obtiveram uma maioria conjuntural, mas depois as coisas foram ficando mais complicadas. Não tem nada a ver com 64. Como disse, acho que o que acontece agora, em certo sentido, é pior em função do caráter profundamente antinacional desse bloco.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
Uma esquerda formada por debiloides, alienados, alienígenas?
Não encontrei absolutamente nada, e posso, portanto, voltar a afirmar o que está no título: eles são debiloides, alienados, talvez habitantes de algum outro planeta, mas não desta nessa terrinha redonda (ou quadrada, como gostaria o chefe dos mafiosos).
Ao postar essa churumela aqui, estou contrariando, eu sei, o propósito deste blog, que é o de expor ideias inteligentes, de quaisquer correntes políticas, sem discriminação, para suscitar um debate também inteligente, se possível, sobre políticas públicas, em especial a econômica.
Pois bem, depois de percorrer todo o texto, sou obrigado, como já disse, a chegar a esta conclusão, e me perdõem a grosseria de minhas palavras, mas não há outra constatação possível: os participantes desse seminário são todos debeis mentais.
Seria com esse tipo de gente que os lulopetistas pretendem construir um outro tipo de política econômica para o Brasil? Se entregar o país a eles, eles conseguem destruir o Brasil ainda mais rapidamente do que está fazendo a tropa atualmente no poder.
Paulo Roberto de Almeida
A luta contra o ajuste fiscal está associada à luta contra o golpe
No lançamento do documento 'Por um Brasil Justo e Democrático' no RJ, lideranças progressistas criticam política econômica do governo.
Najla Passos
Membro da Coordenação Executivo do Fórum 21 e diretor-presidente da Carta Maior, Joaquim Palhares agradeceu a presença de todos e explicou a dinâmica do documento, construído por quase 200 economistas, urbanistas, advogados e profissionais liberais progressistas de todo o país, com o apoio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Fundação Perseu Abramo, Brasil Debate, Plataforma Política Social – Caminhos para o Desenvolvimento, Le Monde Diplomatique Brasil e o Fórum 21.
Presidente da Fundação Perseu Abramo, economista e professor da Unicamp, Márcio Pochmann afirmou que o trabalho busca se contrapor a essa ditadura do curto prazo que impera na execução das políticas públicas e que faz com que o Brasil seja administrado como se fosse uma empresa qualquer do mercado financeiro. “O Brasil perdeu a perspectiva de médio e longo prazo”, justificou.
Segundo ele, mesmo antes do início da recessão, o Brasil já registrava um crescimento médio pífio, dada as potencialidade de um país em desenvolvimento. “A preocupação fundamental nossa, desse conjunto de quase 200 intelectuais que participaram da construção desse documento, é a de oferecer diretrizes de médio e longo prazo. É impossível um país ter rumos, se não considera a questão do planejamento, se não questiona onde é que queremos chegar daqui a 10, 20 anos”, afirmou.
Conforme o economista, vivemos hoje um período de enaltecimento do mercado, em que dizem que não é possível se fazer nada para mudar o quadro, independentemente de partidos e ideologias. “O documento se levanta contra isso, porque é absolutamente necessário recuperarmos a Política com P maiúsculo, que é elemento fundamental para subordinar a economia”, conclamou.
De acordo com Pochmann, são cinco as principais diretrizes que o documento, em constante construção, apresenta para o debate. A primeira se refere à estabilização da economia, mas não por meio da austeridade e do ajuste fiscal, conforme pautado pelo mercado. A segunda é a urgente necessidade de reindustrializar o país. “Na época da redemocratização, a indústria representava cerca de um terço do PIB. Hoje, o peso da indústria não chega a 10%. E não há experiência histórica de país desenvolvido sem indústria”, argumentou.
A terceira visa uma profunda reforma do estado brasileiro. “O Estado que temos hoje não é contemporâneo das necessidades do povo brasileiro. É um estado pesado, patrimonialista, é um estado que precisa de uma reforma. E essa reforma iniciaria reconhecendo que não podemos mais ter um Estado que é muito poderoso para tributar os pobres, mas é uma mãe para os ricos”, observou.
A quarta diretriz, segundo o economista, aponta para uma mudança substancial na relação do estado com o mercado, cada vez mais submetido à ação das máfias que atuam nos orçamentos públicos de diferentes níveis. E, por fim, a quinta diz respeito à profunda transição demográfica pela qual o país está passando. “O Brasil tem hoje 3 milhões de brasileiros com 80 anos ou mais de idade. Daqui a 15 anos, teremos 20 milhões de brasileiros nesta faixa. Este é um Brasil diferente do que temos hoje e, infelizmente, não estamos preparados para esta mudança”, apontou.
Professora de Economia da USP, Laura Carvalho lembrou que o país passa por uma fase em que os conflitos distributivos estão muito acirrados. “Uma recessão é um momento em que a disputa pelas fatias do bolo fica mais acirrada. E o que a gente percebe é que tudo o que foi conquistado pela distribuição de renda está ameaçado. (...) Está evidente que há uma pressão para a redução de direitos”, avaliou.
Segundo ela, o documento lançado se propõe a encarar estes conflitos distributivos do lado certo, do lado dos trabalhadores, do lado daqueles que acreditam que o ajuste fiscal em curso não é a melhor solução para a retomada do crescimento. Para a economista, a importância da esquerda apresentar um projeto de país de longo prazo é decisiva para mudar a narrativa conservadora criada sobre o atual momento político.
“Nós temos uma narrativa a ser construída para o futuro da esquerda no país. Porque a narrativa dominante que temos hoje é a de que tudo fracassou, de que é insustentável distribuir renda e que temos que voltar ao modelo anterior. Esse discurso - que agora é poderosíssimo e, inclusive, conquistou o próprio governo - não só prejudica a economia hoje, mas também prejudica o projeto de esquerda para o país”, argumentou.
Quem são os brasileiros?
O economista e professor da UFRJ, Carlos Lessa, também participou do evento e apresentou sua contribuição ao debate. Segundo ele, duas perguntas fundamentais que precisam ser respondidas pelas forças progressistas que queiram retomar a construção de um projeto popular de país são “o que é o Brasil?” e “quem são os brasileiros?”.
Na avaliação dele, o Brasil é um país eminentemente urbano e metropolitano, enquanto o brasileiro médio é um personagem imensamente criativo que “se vira” para sobreviver e, por isso, não se aproxima do padrão tradicional da classe operária descrito pela literatura marxista, mas sim daquele do pequeno burguês. “O que é o vendedor de sacolé senão o empresário de si mesmo?”
Por isso, o economista acredita que a bandeira progressista mais capaz de aglutinar as pessoas hoje é a luta pela moradia. “Todos sonham com a casa própria”, resumiu. Lessa defendeu também que a cadeia da construção civil movimenta a economia local e nacional, o que envolve ainda mais interesses em torno da pauta. De acordo com ele, a casa própria, ao mesmo tempo que tem uma dimensão puramente capitalista, também tem uma popular, que é o mutirão. “Dar força à ideia da casa própria e à mobilização em torno da construção dessa casa nos dá um pé para construir esse Brasil nacional”, concluiu.
Apoio político
O presidente da Frente Brasil Popular, Roberto Amaral, afirmou que o documento é uma luz para a tragédia da economia, mas lembrou que, por trás dela, há outras tragédias que assolam o país. Segundo ele, os últimos fatos desvelam a miséria da política, a falência dos nossos partidos, a tragédia do setor ponderado da esquerda brasileira que renunciou à ética socialista, que tendo na base da sua ascensão as forças populares, preferiu as negociações por cima, os acordos com o grande capital. “Não há possibilidade de negociação com o grande capital, com as classes dominantes. Getúlio tentou e não deu certo. Lula tentou e não deu certo. Dilma está tentando e não vai dar certo”, alertou.
Para Amaral, o país está enfrentando uma conjuntura que só encontra similaridade na dos anos 30: o avanço de uma direita fascista, que está no Congresso reescrevendo a Constituição e conta com personagens como Eduardo Cunha e Delcídio Amaral. “O mandato da presidenta Dilma foi construído pelas forças populares, que irão continuar apoiando-a, ainda que ela governe para os derrotados. É fundamental para a democracia brasileira preservar o mandato. Nós temos que enfrentar a ameaça da direita do Brasil, que se manifesta em todos os setores da nossa sociedade”, afirmou.
O deputado Wadhi Damous (PT-RJ) acrescentou que qualquer cidadão que vive hoje no Brasil percebe que a política econômica em curso resulta em um governo fraco, um governo sem apoio popular. “Esta política afasta o povo, porque ela é excludente. E nós não podemos ter comandando nossa economia esses setores neoliberais”, afirmou.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ressaltou que os setores populares precisam se unir e contribuir para que o governo Dilma dê um salto de qualidade. “A política econômica do governo está errada. Nós estamos enxugando gelo (...) Mas nós não podemos abstrair a política. O que nós precisamos é que a Dilma tenha a mesma coragem que nós estamos tendo aqui: ultrapassar esta fase, enfrentar uma agenda nova, que faça uma política de tributação progressiva de fato, que assuma diretrizes de políticas estruturantes”, defendeu.
O senador Lindberg Farias (PT-RJ) lembrou o cenário desolador da economia brasileira. “Nós pagamos, em 12 meses, R$ 510 bilhões em juros da dívida pública para o sistema financeiro. E sabe qual é o orçamento da saúde? R$ 100 bilhões. Nós vivemos uma situação dramática. (...) Não tem outro nome. É uma agenda neoliberal que está sendo aplicada pelo nosso governo. Então, temos que ser muito duros neste debate”, propôs.
Segundo ele, a luta contra o golpe, contra o impeachment, tem que estar associada a luta contra a política econômica. “Se nós mantivermos este rumo, nós não vamos aguentar. São dois tipos de golpe: um é o impeachment. O outro é render a presidenta. E nós não podemos deixar isso acontecer”, observou.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) também avaliou que os setores progressistas estão sendo tolerantes demais com fatos intoleráveis, o que aprofunda a crise de representatividade. “Não tolero mais que se levante o estandarte de companheiros que prevaricaram e desmoralizaram a política brasileira. Não posso acreditar que falemos em pressão popular quando não damos nenhum ponto de apoio para que essa pressão se realize. Eu não posso acreditar que a gente consiga conscientizar massas e avançar com o movimento popular, do jeito que a esquerda vota no congresso nacional. Sob o pretexto de que nós temos o governo que temos - e que o outro seria pior, nós estamos deixando de ser referência. Vamos esperar que a Dilma mude? Então, oremos”, provocou.
Conforme o parlamentar, o embate em curso, em que o capital tenta ocupar todos os espaços da política, não se dá só no Brasil. “Querem que o Estado se transforme na polícia do mundo e que a economia seja gerida por técnicos do capital financeiro”, afirmou. Para ele, o financiamento empresarial de campanha tornou a política promíscua e desmoralizada. “Não é o PT que está envolvido na corrupção. São os parlamentares financiados pelo capital de todos os partidos”, defendeu.
Participação ampla
Também participaram do evento representantes de entidades e movimentos sociais importantes, como o MST, MTST, CUT, Federação Nacional dos Petroleiros, Conselho Regional de Economia, Sindicato dos Jornalistas, dentre outros. O documento “Por um Brasil Justo e Democrático” já foi lançado em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Nos próximos dias, será lançado em Porto Alegre, Salvador e Recife. Também está disponível na internet.
Confira:
Mudar para sair da crise – Alternativas para o Brasil voltar a crescer (Vol. I)
O Brasil que queremos – Subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional (Vol. II)
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Cartografia da Esquerda no Brasil - Leandro Eliel (Revista Espaco Academico)
a) sindicalistas do chamado “novo sindicalismo”, especialmente os metalúrgicos, bancários e petroleiros;
b) militantes de organizações de esquerda atuantes na oposição contra a ditadura (alguns entraram em caráter individual no PT, outros entraram por decisão de suas respectivas organizações);
c) lideranças populares formadas pelas pastorais e comunidades da Igreja Católica, especialmente do setor progressista;
d) parlamentares e lideranças atuantes no Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB (durante muitos anos, o único partido de oposição legalizado no país).