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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Monteiro Lobato e a politica do Petroleo no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Este ano, em 4 de julho, completam-se 70 anos da morte de Monteiro Lobato, o grande escritor brasileiro, das crianças e dos grandes.
Abaixo, um artigo que me solicitaram em 2010 para um número especial da revista de História da BN sobre ciência e tecnologia.

Monteiro Lobato: pioneiro do petróleo no Brasil
Escritor antecipou, meio século atrás, a condição do Brasil como grande produtor

Paulo Roberto de Almeida 
Revista de História da Biblioteca Nacional (Edição Especial n. 1, História da Ciência, outubro 2010, p. 40-43; ISSN: 1808-4001; disponível online em História da Ciência online, 23/12/2010; link: http://www.revistadehistoria.com.br/historiadaciencia/2010/12/um-agitador-petrolifero/).

O nome de José Bento Monteiro Lobato domina a primeira história do petróleo no Brasil. Despertado para a importância crucial do petróleo para o desenvolvimento nacional pelo exemplo dos Estados Unidos, ele começou cedo: já em 1918, fundou a Empresa Paulista de Petróleo, sem que, no entanto, dela adviessem resultados concretos, à falta de capitais, equipamentos e competências. Durante sua estada como adido comercial no Consulado do Brasil em Nova York, entre 1928 e 1931, Lobato aprofundou seus conhecimentos no setor. De volta ao Brasil, empreendeu campanhas de mobilização pública e de incitamento à ação do Estado em direção da libertação do Brasil do petróleo importado.
Suas iniciativas eram dotadas de otimismo exagerado e o que mais ele acumulou, ao longo dos anos, foram frustrações e decepções com prospecções mal sucedidas. Os insucessos não o esmoreceram; Lobato conduziu, através da imprensa e de sua editora, um esforço intenso para conscientizar o país e as autoridades da necessidade de encontrar petróleo, contra a “má-vontade da geologia”.
Em 1934, Lobato escrevia a um amigo: “Se o governo não me atrapalhar, dou ferro e petróleo ao Brasil em quantidades rockefellerianas”. Investindo contra as autoridades do setor, ele se convenceu, nessa época, que o principal culpado pela não descoberta de petróleo era o Serviço Geológico Nacional, cuja política, para ele, encampava a dos “trusts” internacionais: “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”.
As Forças Armadas, conscientes da fragilidade estratégica do País, impulsionavam os esforços nessa área. A elas foi dedicado seu livro-denúncia, O Escândalo do Petróleo, que teve três edições no mês do seu lançamento (agosto de 1936) e várias outras ao longo dos anos. O papel fundamental de Lobato, nessa fase, foi o de um agitador petrolífero, quase um panfletário. Ele chegou a exibir uma atitude conspiratória, acusando os “trusts” internacionais e as próprias autoridades nacionais de agir contra a extração de petróleo no País:
O petróleo está hoje praticamente monopolizado por dois imensos trusts, a Standard Oil e a Royal Dutch & Shell. Como dominaram o petróleo, dominaram também as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro; e como dominaram o dinheiro, dominaram também os governos e as máquinas administrativas. Esta rede de dominação constitui o que chamamos os Interesses Ocultos. (...) Os trusts sabem de tudo [e] lá entre si combinaram: – Nada mais fácil do que botar um tapa-olho nessa gente. Com um bom tapa-olho, eles, que vegetam de cócoras sobre um oceano de petróleo, ficarão a vida inteira a comprar o petróleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras potencialmente petrolíferas, para as termos como reservas futuras. Quando nossos atuais campos se esgotarem, então exploraremos os “nossos” campos do Brasil.[1]


A origem do livro foi uma carta aberta dirigida por Lobato ao Ministro da Agricultura, denunciando dois técnicos estrangeiros do Departamento Nacional de Produção Mineral pela “venda de segredos do subsolo a empresas estrangeiras”. Diante da grave denúncia, o presidente Getúlio Vargas determinou a instalação de uma Comissão de Inquérito, à qual Lobato ofereceu um depoimento escrito, que veio a ser o núcleo de seu livro.
Para o escritor paulista, a Lei de Minas, elaborada pelo DNPM, criara embaraços “para impedir que os trusts estrangeiros se apossassem das riquezas do nosso subsolo. Mas como para embaraçar os estrangeiros fosse necessário também embaraçar os nacionais, resultou o que temos hoje: o trancamento da exploração do subsolo, tanto para nacionais como para estrangeiros – exatamente o que os trusts queriam...”[2] Lobato desconfiava “de todas as entidades estrangeiras que se metem em petróleo no Brasil, já que a intenção confessada não é tirá-lo, e sim, impedir que o tiremos”.[3] Curiosamente, mesmo denunciando a ação dos “trusts” internacionais, Lobato não era contra a participação do capital estrangeiro na exploração do petróleo, e lamentava a postura nacionalista do Código de Minas:
Não sou chauvinista, nem inimigo da técnica e das empresas estrangeiras. Reconheço a nossa absoluta incapacidade de fazer qualquer coisa sem recurso ao estrangeiro, à ciência estrangeira, à técnica estrangeira, à experiência estrangeira, ao capital estrangeiro, ao material estrangeiro. Tenho olhos bastante claros para ver que tudo quanto apresentamos de progresso vem da colaboração estrangeira. E nesse caso do petróleo nada faremos de positivo, se insistirmos em afastar o estrangeiro e ficarmos a mexer na terra com as nossas colheres de pau.[4]

Frustrado com o insucesso de sua campanha junto aos adultos, Monteiro Lobato leva o tema ao público infantil: em outubro de 1937 é lançado O Poço do Visconde, apresentado como um livro de “geologia para crianças”, mas que constituía um manifesto em favor da descoberta e da exploração do petróleo no Brasil.
Não obstante o empenho das autoridades na viabilização da exploração do petróleo, Monteiro Lobato estava convencido de que o governo agia contra as companhias privadas, sabotando suas atividades de empreendedor. Escrevendo, em 1938, a Getúlio Vargas, ele investia contra o diretor do Departamento Nacional da Produção Mineral, autor do Código de Minas, acusando-o de ser “agente secreto dos Poderes Ocultos hostis ao petróleo brasileiro”. Em janeiro de 1940, o presidente sancionou o novo Código de Minas, confirmando todas as disposições nacionalistas existentes e exigindo, dos candidatos ao direito de pesquisar ou lavrar jazidas, “prova de capacidade financeira”, o que foi recebido por Monteiro Lobato como um óbice às suas iniciativas.
Em carta ao general Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, no início de 1940, ele volta às acusações: “sou obrigado a continuar na campanha, não mais pelo livro ou pelos jornais, porque já não temos a palavra livre, e sim por meio de cartas aos homens do Poder”. Ele então acusa o CNP de agir em favor dos “interesses do imperialismo da Standard Oil e da Royal Dutch”, perpetuando “a nossa situação de colônia econômica dos trustes internacionais”. Sua carta mais desafiadora, em maio de 1940, foi dirigida ao próprio chefe de Estado, quando acusou o CNP de perseguir as empresas nacionais, de criar embaraços à exploração do subsolo e de manter a “idéia secreta” do monopólio estatal.
Getúlio Vargas consultou o presidente do CNP, general Júlio Horta Barbosa, que, em agosto de 1940, desmentia as acusações de Lobato: “àqueles que se dispõem a cumprir a lei o Conselho tem tudo facilitado, mas ao que pretendem burlá-la, como é o caso do Sr. Monteiro Lobato, este organismo, como é de seu dever, vem, não só se opondo, como também dando publicamente as razões [de] porque o faz”. Entre as irregularidades das empresas de Lobato eram apontadas a insuficiente provisão de fundos e a nacionalidade estrangeira de alguns dos seus sócios. Ato contínuo, Horta Barbosa enviou ofício ao Tribunal de Segurança Nacional no qual pedia abertura de inquérito contra o escritor. Esta é a origem das duas prisões de Lobato, em janeiro e em março de 1941, por “injúrias aos poderes públicos”.
Monteiro Lobato se batia pelo petróleo nacional com todas as suas forças, movido bem mais pelo instinto do que pelo conhecimento técnico e pela boa informação geológica. Sua atividade empresarial foi quase amadora – daí a razão do não-credenciamento de suas “empresas de petróleo” pelo CNP – e sua agitação panfletária estava no limite das ofensas às autoridades governamentais. Ele tocava, porém, nos pontos que a seu ver dificultavam e atrasavam a exploração do petróleo no país. Numa carta a Getúlio Vargas de maio de 1940, ele assim se pronunciava em relação ao pretendido monopólio estatal que se cogitava criar nessa área: “Outro aspecto do monopólio é a impossibilidade de o Governo criar com ele a grande indústria do petróleo de que o Brasil precisa. O senhor não ignora a incapacidade do Estado, no mundo inteiro, para dirigir empresas industriais, incapacidade por demais evidente no Brasil. O Lóide Brasileiro e a Central do Brasil são casos típicos.”
Monteiro Lobato se insurgia contra geólogos e funcionários do governo que não estivessem de acordo com suas iniciativas empresariais, confundindo muitas vezes a cautela necessária com que eles viam seus rompantes de entusiasmo pela causa do petróleo com o que ele considerava ser uma sabotagem deliberada em torno desses empreendimentos. Grande escritor, mas dotado de conhecimentos escassos na geologia do petróleo, Lobato agitou mais do que qualquer outro homem público o problema do petróleo no Brasil. Foi um nacionalista sem ser contrário ao capital estrangeiro, e antecipou uma realidade que se materializaria meio século depois de sua morte, em 1948.

Saiba Mais:
Azevedo, Carmen Lucia de; Camargos, Marcia Mascarenhas de Rezende; Sacchetta, Vladimir. Monteiro Lobado: Furacão na Botocúndia (3a. ed.; São Paulo: Senac, 2001)
Lobato, Monteiro. O Escândalo do Petróleo (4a. ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936)
Vargas, Getúlio. A Política Nacionalista do Petróleo no Brasil (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964)
Victor, Mario. A Batalha do Petróleo Brasileiro (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970)


Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais (Universidade de Bruxelas, 1984) e diplomata de carreira desde 1977. Trabalhou no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2003-2007). É professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). E-mail: pralmeida@me.com; website: www.pralmeida.org.


 [Beijing, 28 de junho de 2010]


[1] Cf. Monteiro Lobato, O Escândalo do Petróleo (4a. ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936), p. 15.
[2] Cf. Monteiro Lobato, O Escândalo do Petróleo, op. cit., p. 119-120.
[3] Idem, p. 128.
[4] Idem, p. 127-128.

2158. “Monteiro Lobato: pioneiro do petróleo no Brasil”, Beijing-Shanghai, 28 junho 2010, 4 p (+ 1p. de boxes). Contribuição a número especial de revista de história das ciências no Brasil, coordenada pela Biblioteca Nacional. Publicado sob o título “Um Agitador Petrolífero”, Revista de História da Biblioteca Nacional (Edição Especial n. 1, História da Ciência, outubro 2010, p. 40-43; ISSN: 1808-4001; disponível online em História da Ciência online, 23/12/2010; link: http://www.revistadehistoria.com.br/historiadaciencia/2010/12/um-agitador-petrolifero/). Relação de Publicados n. 1002. 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Heranca maldita dos companheiros: queda na producao de petroleo-Editorial Estadao

Menos petróleo
Editorial O Estado de S.Paulo, 2/02/2014

Em seus 60 anos de história, a Petrobrás só registrou queda de produção quatro vezes. Em apenas três anos, o governo Dilma tornou-se responsável por dois desses resultados negativos. O mais recente é o de 2013, quando a produção média ficou em 1,931 milhão de barris por dia, 2,5% menos do que a média de 2012 (1,980 milhão de barris/dia), que já tinha sido 2,1% menor do que a de 2011 (2,022 milhões de barris/dia).
Trata-se de uma proeza político-administrativa, que elimina qualquer dúvida, se ainda restava alguma, quanto ao caráter falacioso do estrondoso anúncio da autossuficiência do País feito em abril de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com as mãos cobertas do óleo do primeiro jato do petróleo do poço de Albacora Leste, na Bacia de Campos. Lula imitava o gesto do então presidente Getúlio Vargas, na comemoração do primeiro poço da Petrobrás, empresa que acabara de ser criada. Com ele, Lula pretendia demonstrar que o sonho da autossuficiência por muitos acalentado desde o fim da década de 1940, com a campanha "O petróleo é nosso", se tornava realidade.
O fato de, naquele momento, o País ter alcançado um volume de produção suficiente para atender à demanda interna não era, porém, garantia de que a produção nacional continuaria sendo sempre superior ao consumo. Era preciso investir em manutenção das unidades em operação e em novas, para assegurar o crescimento da produção em ritmo igual ou superior ao do aumento da demanda.
Nos seis primeiros anos que se seguiram ao anúncio ufanista de Lula, de fato, a produção cresceu. A partir de 2011, no entanto, a tendência se reverteu. Poços mais antigos, alguns considerados maduros, passaram a produzir menos, enquanto os novos ainda não produziam o suficiente para compensar a queda observada nos demais.
É natural que, tendo alcançado seu auge, a produção comece a declinar. Mas, no caso dos poços da Petrobrás não se pode culpar a natureza por isso. Em muitos campos, entre os quais os de maior produção, o declínio vinha sendo mais intenso do que o observado em outras regiões, o que causou preocupação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Investimentos em manutenção não foram feitos no ritmo e no volume necessários e as paradas das operações para reparos e manutenção em geral tornaram-se mais longas do que seria normal.
Para tentar reverter a tendência de queda acelerada da produção dos campos antigos, a Petrobrás criou o Programa de Aumento da Eficiência Operacional, o que, segundo nota por ela divulgada, contribuiu para melhorar a eficiência das unidades do Rio de Janeiro e da Bacia de Campos e permitiu que o declínio da produção nos campos em operação ficasse "dentro dos padrões esperados pela empresa e compatível com o padrão da indústria de petróleo".
Mas nem tendo alcançado esses resultados nos campos em operação a empresa conseguiu evitar a queda de sua produção em 2013. Os problemas de manutenção das plataformas em operação são apenas parte das dificuldades que, por influência político-partidária do governo do PT em sua gestão, a Petrobrás enfrenta há anos.
Ela foi submetida a uma rígida política de controle de preços dos combustíveis, que a forçou a acumular prejuízos crescentes. O preço de venda não cobria os custos de produção nem, muito menos, o custo dos derivados que, por não ter investido a tempo na ampliação de seu parque de refino, a estatal passou a importar, em volumes cada vez maiores para atender a uma demanda cada vez mais aquecida.
Seu plano quinquenal de investimentos foi fortemente influenciado pelos interesses político-eleitorais do governo, que a obrigou a destinar volumes cada vez maiores de recursos para a área do pré-sal, prejudicando outras atividades, como a de refino e a de manutenção das unidades em operação.
O resultado de 2013 ficou abaixo do previsto em seu plano de investimentos. Mas a diretoria da empresa prevê que o de 2014 será melhor, pois três novas unidades de produção devem iniciar suas operações ainda no primeiro semestre.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Trunfos petroliferos - Caderno especial do Valor sobre o pre-sal (18/10/2013)

Transcrevo a matéria do jornal Valor sobre o petróleo do pré-sal.
"Trunfos petrolíferos", por Cyro Andrade e Marcia Pinheiro, Valor Econômico, Caderno EU & Fim de Semana, Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de outubro de 2013, ano 14, n. 675, p. 9-11. 
A íntegra de minha entrevista foi postada neste blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/10/energia-no-brasil-e-no-mundo-caderno-do.html). 

Trunfos petrolíferos

Cyro Andrade e Márcia Pinheiro | Para o Valor, de São Paulo, 18/10/2013, Caderno Fim de Semana

Se confirmadas as melhores expectativas quanto às potencialidades das jazidas do pré-sal, de que o campo de Libra, na bacia de Santos, tornou-se símbolo de futura independência energética do país, o Brasil terá alcançado um patamar de segurança incomum nessa área - e atributos adicionais para fortalecer suas posições no jogo geopolítico global, em que o petróleo constitui carta relevante, tanto para quem a tem como para quem, sem ela, deve amoldar-se a inelutáveis insuficiências. 
O mapa global do petróleo passa por um momento particular. Com os preços em níveis historicamente altos, projetos de exploração antes engavetados tornaram-se viáveis nos últimos anos. O resultado é o início de um novo ciclo de crescimento de oferta no mundo, com consequências diversas, que vão contribuir para a reconfiguração do setor. Países com grande possibilidade de explorar petróleo de diferentes maneiras, como o Brasil na camada pré-sal, ganham força na cena global. 

Enquanto isso, produtores tradicionais, como os países do Oriente Médio, tendem a ter uma redução de relevância, principalmente para a América do Norte e a Europa. Os Estados Unidos, por exemplo, são um dos principais clientes da região, mas começam a reduzir sua dependência externa com a elevação da produção interna, principalmente de gás. 
Na mesa em que países vão assim jogando o jogo da segurança energética, a soma zero não é resultado infrequente em questões econômicas, de defesa, de sobrevivência de regimes e, não raro, tudo isso ao mesmo tempo. As equações com as quais se administram interesses, sejam quais forem, e respectivas variáveis, são inúmeras. Já agora, porém, e há bastante tempo, mesmo antes de realizadas as entusiasmantes previsões de produção do pré-sal no campo de Libra - entre 8 e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo - pode-se ver o Brasil exercitando a musculação derivada do petróleo em movimentos de uma política externa que analistas consideram privilegiada: é um trunfo o grau de flexibilidade de ação do país, que não estaria ao alcance de outros atores na mesa da geopolítica. China e Índia seriam casos de "players" de alguma forma constrangidos por insuficiências, em matéria de disponibilidade energética, que o Brasil vem superando com desenvoltura e correspondentes ganhos de autonomia em política externa - por exemplo, nas posições que assume em relação ao Irã e quando mantém em suspense, a um só tempo, fornecedores de aviões militares europeus e americanos. Não é difícil perceber triangulações de interesses em que o Brasil joga, ou pode vir a jogar, partidas geopolíticas em que deve interagir com interlocutores não exatamente dispostos ao diálogo entre eles mesmos. 

Para Ciro Marques Reis, doutorando em geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Grupo de Pesquisa GeoBrasil, "em um primeiro momento, a descoberta das enormes jazidas de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro foi vista como uma espécie de bilhete premiado, que permitiria ao país entrar em um grupo seleto de países com capacidade de barganha política e comercial baseada na condição de detentor de grandes reservas de petróleo". No entanto, mesmo nos melhores cenários futuros, que Reis desenha como eventualidades para 2030 ou 2040, possivelmente o Brasil ainda não estará produzindo petróleo suficiente para se tornar um exportador líquido de peso, e para subir novos degraus na escala de relevância global. Mas não há dúvida, também diz Reis, de que, em termos de segurança energética e de uma certa blindagem contra movimentos inesperados do mercado mundial do petróleo, o pré-sal agrega valor a uma já importante posição geopolítica do Brasil, principalmente na América do Sul. 

Demora para a realização do primeiro leilão no regime de partilha abriu um parêntesis na fortificação das posições brasileiras 


A demora de vários anos para a realização do primeiro leilão do pré-sal sob a regra de partilha iria abrir um parêntesis na regularidade do percurso de fortificação do perfil geopolítico do país. Razões de política interna pesaram bastante, na decisão de mudar o sistema e, depois, durante o debate que antecedeu a nova normatização. É fato, porém, que também se escrevia um capítulo novo na história da gestão dos interesses brasileiros em questões essenciais de economia política e orientação do desenvolvimento. A geopolítica prática condensa movimentos domésticos e externos, em constante reacomodação de mútuas influências. Nesse mesmo processo, exibiam-se para públicos externos novas referências escolhidas para o exercício do jogo geopolítico -, que começam a ser testadas, em seu acerto e relevância, já a partir do próprio leilão das jazidas do campo de Libra. 

Questionou-se, e questiona-se ainda, a necessidade, do ponto de vista econômico, de um novo marco regulatório - o regime de partilha, em substituição ao de concessão. Neste, a empresa operadora paga de antemão um montante fixo ao Estado, que se apropria de toda a receita gerada depois. Na partilha, a receita é dividida entre a empresa vencedora (num leilão no qual o lance é uma porcentagem da receita gerada) e o Estado, que detém direitos parciais de acionista. 

O economista Samuel Pessôa, professor de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV), está entre os críticos. Lembra que, na argumentação do governo, a mudança de marco regulatório serviria ao aumento das receitas públicas, porque o risco geológico havia caído. Significa dizer que o campo de Libra tem um imenso reservatório de petróleo de boa qualidade. Na verdade, o primeiro objetivo, diz Pessôa, teria sido facilitar a coordenação, pela Petrobras, de uma política de substituição de importações no setor petrolífero, particularmente no segmento de bens de capital. Seu contra-argumento: a base de arrecadação será a mesma e a indústria do petróleo brasileira já era pujante com o regime de concessão. "Esse não era um problema grave, a ponto de parar um setor que andava muito bem." Para Pessôa, o custo político e financeiro da alteração não justifica a adoção do modelo de partilha. 

Com a demora na definição do novo sistema - sete anos, desde a descoberta do pré-sal - e enquanto, agora, apenas se inicia o traçado da exploração concreta do campo de Libra, surgiram outras fontes de produção. Rubens Barbosa, embaixador do Brasil em Washington no governo de Fernando Henrique Cardoso, observa que os Estados Unidos fizeram um monumental investimento a partir de 2003, a despeito das dificuldades iniciais envolvendo protestos de ambientalistas, no chamado gás de xisto (folhelho), em ação concatenada à perspectiva de reindustrialização do país - o que demandaria mais energia disponível. Em 2015, os Estados Unidos deverão superar a Rússia e se tornarão o maior produtor de gás natural do mundo. Até 2017, deverão desbancar a Arábia Saudita e passarão a ser exportadores líquidos de combustíveis em 2025. 

Não é pouco cacife, então, que os Estados Unidos acrescentam a um naipe de cartas exclusivas - seu PIB de US$ 15 trilhões e poderio político correspondente, ainda que um tanto relativizado em face da ascensão da China no cenário internacional. Mas a China está na mesa do jogo geopolítico como grande consumidora-importadora de petróleo. Não é pequeno, de todo modo, seu próprio cacife: suas reservas em moeda estrangeira andam por volta de US$ 3,5 trilhões, que alimentam um fundo soberano de investimentos, mundo afora, que no fim do ano passado chegava perto dos US$ 600 bilhões - em parte considerável aplicados em parcerias na área do petróleo, como as que os chineses pretendem estabelecer com o Brasil, a exemplo do que fazem com especial empenho na África, se empresas suas representadas saírem vencedoras no leilão de Libra. Está aí um bom exemplo da triangulação de interesses que o cacife petrolífero e a flexibilidade de movimentos no cenário internacional garantem ao Brasil. 

Outras fontes de produção surgiram no vácuo da indecisão brasileira, diz Rubens Barbosa; Samuel Pessôa questiona a utilidade real do regime de partilha, no lugar de concessões 


É evidente o declínio, ainda que lento, da importância do Oriente Médio no mercado de petróleo e a ascensão das Américas, que têm como eixo produtor Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela e Brasil. Do lado consumidor, a China passou a ser um "player" fundamental e o Japão poderá em breve entrar nessa lista. Naturalmente, o andamento da economia mundial, ainda às voltas com desdobramentos da crise exposta em 2007/2008, encerra fatores determinantes tanto da demanda de petróleo como das suas oscilações de preço. Nesse contexto de perspectivas não propriamente claras, que importância efetiva, de um ponto de vista geopolítico, o Brasil terá ganho com as potencialidades do pré-sal? 

Para o diplomata Paulo Roberto Almeida, estudioso de relações internacionais, as incertezas relacionadas ao custo de produção e à tecnologia necessária para a exploração não permitem dizer que o país ganhará grau de proeminência global como participante do G-20 e de outros fóruns internacionais. 
Samuel Feldberg, coordenador dos estudos do Oriente Médio do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo, pensa de maneira semelhante. Em sua opinião, a importância do pré-sal, em termos geopolíticos, é "zero", porque o campo nem sequer começou a ser explorado e há ainda incertezas sobre como será a matriz energética no futuro, quando a produção começará a fluir. 
Jean-Paul Prates, diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, é otimista. "O Brasil já é tratado com deferência, por ser uma 'powerhouse' [potência]. Estamos muito bem consolidados no setor energético." Ciro Marques Reis afirma que o Brasil tem marcado presença entre as principais economias do mundo mesmo antes do pré-sal, e um reservatório dessa magnitude sempre será credencial relevante em fóruns mundiais. 
A identidade petrolífera que o Brasil projeta hoje no mundo veio sendo construída por caminhos nem sempre retos, nem em compasso constante. Até o início da década de 1970, o modelo de exploração foi genuinamente nacional. A flexibilização do monopólio da Petrobras começou com o então presidente Ernesto Geisel. "Ele viu que era impossível manter o nível de investimento necessário para o crescimento do setor", diz Barbosa. 

Geisel fortaleceu a Petrobras, da qual havia sido presidente, criando os contratos de risco de exploração de petróleo em 1976, que permitiam a associação da estatal com empresas estrangeiras. Levou a Petrobras à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. 

Ainda não é possível dizer que o pré-sal poderá garantir proeminência global ao Brasil no G-20 e outros fóruns internacionais, avalia Paulo Roberto Almeida 

Outro passo em direção à flexibilização se deu no governo Fernando Henrique Cardoso. Com ele, foi criado o modelo de concessão, diz Rubens Barbosa. "Essa mudança não foi isolada. Veio no bojo de um esforço para modernizar o país." 
Na opinião de Almeida, Fernando Henrique "se aproveitou de um momento único na história do Brasil: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária, que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e a política do país: a crise permitiu aprovar diversas medidas, constitucionais e infraconstitucionais". Os pilares das mudanças foram, então, a abertura da economia ao capital externo - de certo modo, iniciada no governo de Fernando Collor - a privatização das empresas controladas pelo Estado, a quebra dos monopólios estatais, o afastamento do Estado da regulamentação econômica e a modificação do conceito de empresa nacional. 

Com o compromisso de que a Petrobras não seria privatizada, Fernando Henrique conseguiu promulgar a lei 9.478, em 6 de agosto de 1997, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros carbonetos, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. Foram também criados os dois novos agentes que atuariam no setor: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), incumbido de propor políticas nacionais e medidas específicas para o setor, e a Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão regulador da indústria. 

O modelo de concessão vigorou até a descoberta do pré-sal, em 2006, cuja maior área de acumulação é a de Libra, com reservas calculadas entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo, incluindo gás natural. Quatro anos depois, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Lula a lei 12.351, do novo regime regulatório para o pré-sal, o contrato de partilha de produção. 
A descoberta do campo de Libra deve, em tese, suprir o descompasso entre produção e consumo no país. O Brasil, que produz 1,98 milhão de barris de petróleo por dia, nunca foi autossuficiente na produção de derivados, embora tecnicamente a Petrobras tenha anunciado esse fato em 2006. Isso, porque, nesse ano, a produção de petróleo igualou-se ao consumo de derivados (igualar ou superar significa "autossuficiência volumétrica" na metodologia da empresa). Entre 2007 e 2012, entretanto, o consumo de derivados cresceu mais fortemente. Segundo dados da ANP, a dependência externa média da gasolina é de 13%, enquanto a do diesel é de 15% e a de gás natural e querosene de aviação é de 20%. A conta petróleo da balança comercial é deficitária (US$ 9,9 bilhões em 2012, sendo US$ 9,1 bilhões apenas em derivados). 
O pré-sal é muito, mas não é tudo. No jogo geopolítico global, o Brasil poderá sempre ostentar a outra face de sua identidade energética, aquela constituída por amplas, e ainda modestamente exploradas, potencialidades dos biocombustíveis, em que o país é dominante nos mais ambiciosos espaços da fronteira tecnológica. Nesse quesito, dificilmente um outro país poderá ter carta melhor que esta - nem mesmo os Estados Unidos, e muito menos a China. Vislumbram-se aí novas possibilidades de triangulações. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Petroleo e gas brasileiros: o novo "xeique" (nunca antes) deve estar frustrado...

...pois são muitas más notícias ao mesmo tempo.
PRA


O desinteresse das grandes companhias privadas de petróleo do mundo pelo Campo de Libra, um dos maiores do pré-sal, mudou as expectativas em relação ao leilão e foi a primeira reação - negativa - das multinacionais que dominam o setor sobre o novo regime de partilha que estreará no dia 21 de outubro.
É intrigante que a maioria das grandes petrolíferas tenham ficado fora de uma das maiores reservas inexploradas no mundo. O Campo de Libra tem atrativos de sobra. Estima-se que possua de 8 a 12 milhões de barris de óleo, isto é, isoladamente, de 62% a 93% de todas as reservas provadas existentes no Brasil. Dificuldades políticas e regulatórias não costumam ser obstáculos intransponíveis para investimentos das gigantes do petróleo nos quatro cantos do mundo. Elas já realizaram negócios sob os mais variados regimes de remuneração e até sob governos que tinham um franco desdém pelo lucro privado, como, por exemplo, o de Hugo Chávez, na Venezuela.
Várias hipóteses levantadas para essa atitude das multinacionais não são muito convincentes, embora possam ser verdadeiras. O bônus de assinatura, de R$ 15 bilhões - algo como US$ 6,5 bilhões - é inegavelmente alto. Descontada a participação obrigatória mínima de 30% da Petrobras, o valor, de cerca de US$ 4,5 bilhões, não chega a ser nenhum empecilho para as gigantes do setor, que podem captar esses recursos ainda em um período de farta liquidez global e de juros baixos. A alegação da existência de outros "compromissos" em vários países, que tornariam inviáveis a participação na empreitada no Brasil é curiosa, porque elas sabem que o país tem um mar de petróleo a explorar desde 2007, pelo menos.
Um dos fatos novos é que há outras fontes de energia competindo com o petróleo, como o óleo e gás de xisto (shale). Mas eles são recursos igualmente finitos, cuja exploração não é excludente à busca dos suprimentos convencionais. O que a revolução do gás e óleo de xisto podem causar no curto prazo - e isso ainda não ocorreu em magnitude importante - é uma pressão baixista sobre o custo do petróleo. Esse impacto pode ou não ser vigoroso no futuro. Não foi forte até agora, considerando-se que mesmo com recessão severa na Europa e desaceleração nos EUA e na China as cotações do petróleo raramente se moveram abaixo dos US$ 90 o barril.
Os possíveis riscos para as empresas petrolíferas começam no retorno do investimento, difícil de mensurar especialmente pelas incertezas sobre o que será ou não custo operacional reconhecido no sistema de partilha - uma definição a cargo da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA). De qualquer forma, isso não impediria a participação no leilão de Libra, embora pudesse levar a lances bastante conservadores para a entrega de óleo ao governo, além da mínima, fixada em 41,5%.
Maiores motivos para insatisfação e discordância parecem surgir em relação ao modelo do negócio. Com 30% ou mais de participação em consórcio, a Petrobras será a operadora dos campos e há a percepção de que a estatal tem uma estrutura de custo maior, menor agilidade e sofre interferências políticas. A seu favor há o pleno domínio da tecnologia de exploração em águas profundas.
Definida a operadora e o percentual de sua fatia no negócio, a empresa interessada terá de se submeter à PPSA, que não colocará um centavo na exploração, mas dominará metade do comitê operacional, responsável entre outras coisas pela definição dos custos em óleo que serão aceitos e pela gestão do negócio. Em todas as decisões, a PPSA terá poder de veto ou o voto de minerva. As empresas que se associarem à Petrobras terão, então, pequena margem de manobra ou decisão no empreendimento, no qual terão de entregar pelo menos 41,5% da produção e, em um leilão francamente competitivo, bem mais que isso.
Ao escolher esse modelo, o governo brasileiro definiu sua opção. Atraiu para o leilão uma maioria de empresas estatais, especialmente chinesas, cuja motivação essencial é a garantia de suprimento e não necessariamente lucros. Com exceção de Shell e Total, todas as interessadas têm menor porte que a Petrobras, embora possuam capacidade financeira em geral superior. Uma das consequências dessa opção é menor concorrência - tendo o mesmo patrão, por exemplo, dificilmente as três grandes empresas chinesas concorrerão entre si no leilão. Por outro lado, essas estatais se sentem bastante confortáveis com o rígido esquema em que a PPSA amarrará os sócios da Petrobras na empreitada.

Produção de gás natural no país cresce, mas a de petróleo continua em queda

Por Rodrigo Polito e Claudia Facchini | Do Rio e São Paulo

Valor Econômico, 24/09/2013


A curva de crescimento da produção brasileira de gás natural está se descolando da de petróleo. Desde janeiro de 2012, quando o país atingiu o último recorde mensal de produção de petróleo (2,231 milhões de barris diários), o indicador segue uma trajetória de queda e atualmente está em 1,974 milhão de barris/dia (11% a menos que o recorde). No mesmo período, a produção de gás do país bateu sete recordes mensais e atingiu em julho 78,5 milhões de metros cúbicos/dia, 10,4% a mais que o volume registrado no início do ano passado.
De acordo com especialistas, o distanciamento entre as curvas de produção de gás e petróleo se deve a dois fatores. O primeiro é uma maior produção de gás em campos onshore (terrestres), principalmente pelo crescimento da produção no complexo desenvolvido pela OGX, petroleira do empresário Eike Batista, na Bacia do Parnaíba, no Maranhão.
O campo de Gavião Real, situado naquela bacia, está produzindo aproximadamente 4,5 milhões de metros cúbicos/dia. Esse volume é utilizado para geração de energia a partir da usina Parnaíba I, da MPX, empresa controlada por Eike e a alemã E.ON.
O outro motivo é o cronograma de manutenção e as paradas programadas das plataformas de produção marítimas da Petrobras, dentro do programa de aumento da eficiência operacional da Bacia de Campos, o que causa impacto direto na produção de petróleo do país.
Segundo Marcelo Colomer, pesquisador do grupo de economia de energia da UFRJ, cerca de 85% da produção brasileira de gás natural é diretamente dependente da produção de petróleo, por meio do gás natural associado. "A tendência é que essa produção de gás natural passe a ser um pouco mais independente", explica o especialista.
O descolamento da produção de gás da de petróleo também dependerá do sucesso da exploração das áreas que serão ofertadas na 12ª rodada de licitações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Previsto para novembro, o leilão vai incluir blocos com potencial para descoberta de gás não convencional - como o gás de xisto ou de folhelho -, cuja produção está em franco crescimento, com custos competitivos, nos Estados Unidos.
O diretor da consultoria Gas Energy, Marco Tavares, também avalia que o aumento da produção de gás natural do país "será uma tônica daqui para a frente". Segundo ele, a expansão da produção de petróleo e gás está se deslocando da Bacia de Campos para a Bacia de Santos, onde a razão gás-óleo, que indica a quantidade de gás produzida para o mesmo volume de óleo, é maior.
Segundo Tavares, na Bacia de Campos, nos melhores casos, são produzidos 80 metros cúbicos de gás para cada metro cúbico de petróleo. Já no pré-sal da Bacia de Santos, a média é de 220 metros cúbicos de gás por cada metro cúbico de petróleo. "Vamos ter proporcionalmente mais gás daqui para a frente", diz.
De acordo com o especialista, o que é um fator positivo, porém, pode se transformar em um problema. O Brasil deve duplicar sua produção nacional de gás natural até 2020 e não existe um mercado para consumir esse energético, aos preços atuais, considerados elevados pelo consultor.
Atualmente, da produção total de gás, descartando os volumes reinjetados nos poços e utilizados para geração de energia nas plataformas, chegam à costa cerca de 40 milhões de metros cúbicos/dia. A expectativa da Gas Energy é que esse volume alcance a faixa de 85 a 90 milhões de metros cúbicos/dia em 2020. "O Brasil não tem hoje uma visão de gás natural na matriz energética que possibilite a absorção desses volumes", diz Tavares.
Para o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, o problema é o monopólio e a presença da Petrobras em todos os segmentos da cadeia produtiva do gás. Segundo ele, o energético é deixado em segundo plano pela estatal, o que acaba emperrando o desenvolvimento do mercado de gás natural brasileiro.
Segundo Pedrosa, o "tabuleiro de xadrez do gás natural" está mudando no mundo, com os fortes investimentos em gás não convencional nos EUA. "A Arábia Saudita já percebeu isso. Mas o Brasil só está assistindo [às mudanças]", alertou o executivo.

Valor Econômico - Destravando o mercado de gás / Artigo / Elena Landau e Adriano Pires


Foi publicado no Diário Oficial da União de 27/08 o decreto nº 8.082, da presidente Dilma Rousseff, reduzindo para zero a alíquota de PIS/Pasep e Cofins para carvão mineral destinado à geração de energia elétrica. Mais uma vez, o governo optou por desonerar um combustível poluente, prejudicando a competitividade de outro concorrente mais limpo, como é o caso do gás natural. Ainda assim, nenhuma térmica a carvão fechou contratos de venda de energia no leilão A-5 ocorrido em 29/08, apesar de vários projetos terem sido habilitados. Representantes do setor alegam que o preço-teto foi baixo para a remuneração do investimento e a recente alta do câmbio foi um ingrediente a mais na diminuição da atratividade. É mais um exemplo dos improvisos do atual governo: estabelecer um preço-teto incapaz de viabilizar os projetos, conceder incentivo fiscal sem planejamento e, nem assim, viabilizar o investimento.
Não se trata de ser contra desonerações fiscais. Elas são legítimas e devem ser utilizadas como forma de incentivar novas fontes. No entanto, esses incentivos devem ser concedidos de forma planejada, no âmbito de um plano geral para o setor energético brasileiro. É evidente a desorientação do governo na política energética.
O governo já havia cometido este mesmo equívoco ao desonerar a gasolina por meio da zeragem da alíquota da Cide, com o objetivo de minimizar o impacto dos reajustes do preço de tal combustível na inflação. As consequências para o setor todos já conhecem. Segundo dados da Unica, nos últimos cinco anos, 43 usinas foram desativadas e outras 36 entraram em recuperação judicial. Desde 2008, nenhuma decisão de instalação de nova usina foi tomada no país. Só quatro unidades estão previstas para entrar em operação até 2014, mas são projetos que foram decididos antes da crise. O resultado é que em vez de nos tornarmos a "Arábia Saudita Verde", passamos a não ter etanol, nem mesmo para suprir as necessidades domésticas.
Voltando ao mercado de gás natural, as políticas intervencionistas de curto prazo e a falta de planejamento amplo para o setor energético no Brasil também já vêm prejudicando o setor, antes mesmo da desoneração do carvão mineral, fazendo com que o Brasil passe ao largo da "revolução do gás", que acontece em outras partes do mundo.
Nos últimos dez anos, o mercado mundial de gás natural passou por uma série de mudanças, como o desenvolvimento da produção de gás não convencional e o aumento do comércio internacional de Gás Natural Liquefeito (GNL). Essas mudanças transformaram a dinâmica mundial do mercado de gás natural, com aumento da oferta e redução do preço do produto. No Brasil, o caminho tem se mostrado bem diferente. A produção encontra-se quase estagnada e o preço elevado, sendo mais um ingrediente para a perda de competitividade da indústria, que acaba se refletindo no crescimento baixo do PIB, observado nos últimos trimestres. Pode-se observar que determinados segmentos da indústria estão trocando o gás natural por outro energético mais barato, ou que estão deixando o país para se estabelecer em países nos quais o gás natural tem preço mais competitivo.
No setor de gás natural a falta de planejamento e de regulação é total. Sequer existe uma política especifica para o gás Os motivos são bastante conhecidos. O monopólio desregulado da Petrobras; um mercado totalmente verticalizado; uma política de preços onde convivem cinco preços diferentes: gás boliviano, gás nacional, gás para térmicas, gás para fertilizantes e GNL; uma política de livre acesso a gasodutos que não funciona e a presença de um único ofertante.
Por causa desse monopólio de fato, a matriz elétrica brasileira é totalmente dependente da Petrobras e foi exatamente a indisponibilidade de gás para os leilões de energia que trouxe o carvão de volta para nossa matriz, como também já obrigou, em tempos de hidrologia negativa, o uso de térmicas a óleo. Não é por acaso que ao longo dos últimos anos observa-se o crescimento de fontes poluentes, numa matriz até então exemplarmente limpa.
Com menos intervenção, mais planejamento, menos monopólio e mais mercado no setor de gás natural poderíamos aumentar a oferta de forma diversificada, criando um mercado de concorrência, em que o livre acesso aos dutos existiria de fato e as concessões de todas as distribuidoras de gás natural poderiam ser entregues a empresas privadas. Assim, finalmente, promoveríamos a desverticalização da indústria de gás no Brasil, política adotada em todos os países que possuem um mercado maduro e competitivo de gás. Neste sentido, a Petrobras poderia incluir em sua política de desinvestimento seus ativos na área de gás, como suas participações em distribuidoras e mesmos dutos, em vez de vender participações em campos de petróleo, que é o seu core business e compromete o futuro da empresa. Não faz sentido uma petroleira do tamanho da Petrobras possuir ativos no dowstream da indústria de gás, o que faz sentido é, por meio de contratos, assegurar a passagem do seu gás. Calcula-se que os ativos de downstream de gás natural da Petrobras possam valer algo em torno de R$ 30 bilhões.
Os efeitos da política míope curto-prazista estão produzindo estragos e criando grandes esqueletos em todas as áreas do setor energético brasileiro. A falta de políticas de longo prazo e de incentivos corretos está gerando distorções e desequilíbrios nos diferentes mercados. O principal efeito tem sido o desalinhamento entre demanda e oferta internas, que se traduz no aumento das importações, desequilíbrio de preços relativos e redução de investimentos. Além disso, estamos desperdiçando uma enorme vantagem comparativa que é a diversidade e abundância de fontes energéticas. A correta exploração dessas riquezas, certamente, nos tornaria um país mais competitivo e eficiente.

Elena Landau é economista, advogada, sócia de Sérgio Bermudes Advogados, presidente do Instituto Teotonio Vilela do Rio de Janeiro
Adriano Pires, doutor em economia, é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)