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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Cronicas do fascismo ordinario: as agencias que atrapalham a sua vida - Andrei Moreira

Três agências reguladoras que adoram atrapalhar sua vida
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, domingo, 1 de junho de 2014

 

agencias.jpgNo Direito Romano clássico existe uma expressão em latim válida até hoje para o nosso país: Permittitur quod non prohibetur.
Significa que o ato não-proibido por lei presume-se permitido aos particulares.  No entanto, o que se vê na atualidade é a crescente quantidade de atividades do nosso cotidiano que foram proibidas por atos administrativos criados justamente por aqueles que possuem a lei como limite de atuação.
Evitemos a fadiga: não é necessário ler os burocráticos e prolixos livros de Direito Administrativo para entender como as agências reguladoras estatais atrapalham nosso dia a dia.
A maioria dos cidadãos reclama dos preços dos produtos, da falta de concorrência em setores fundamentais do mercado, da má utilização de verbas públicas e da ineficiência dos setores "privatizados" (e aqui não estamos falando de "livre mercado", mas sim de um oligopólio extremamente regulado, em que houve concessões de monopólios estatais para poucas e grandes empresas eficientes em fazer lobby, arranjo esse que não permite nenhuma concorrência).  Finalmente chegou a hora de apontar alguns culpados: aqueles funcionários públicos que não são políticos eleitos, mas que mesmo assim mandam na vida de todos, e que na direção de agências possuem poder direto sobre a sua e a minha vida.
Caso ainda não tenham sido apresentados, com vocês as três agências reguladoras que adoram atrapalhar sua vida.
1. ANVISA
Aquele carro de cachorro-quente que você tanto gostava não existe mais? Quer comprar um simples remédio para tratar a doença da sua filha, mas ele não é legalizado no país? Precisa de alto rendimento no esporte, mas importar o suplemento que você precisa é crime? Agradeça a ANVISA!
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, vinculada ao Ministério da Saúde, alega (tentar) proteger a saúde da população ao realizar o controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços que devem passar por vigilância sanitária. Leia-se: comidas, remédios, suplementos alimentares, água para consumo e drogas (partidos políticos estão liberados!).
Sabe aquela lanchonete, o carro de pamonha, o picolé artesanal da praia e o vendedor de fruta da sua rua? Eles provavelmente são ilegais e só continuam funcionando graças à ineficiência do estado — algo que nesse caso merece ser comemorado. 
Infelizmente, às vezes os funcionários públicos decidem trabalhar e você já não pode comer aquilo que bem entender ou comercializar uma simples fruta sem a devida autorização. Foi o que aconteceu com esse violentíssimo e perigoso vendedor de goiabas. Um claro perigo para a sociedade. Ao menos na visão do estado.
Atenção para o detalhe: será feita uma investigação se houve abuso na abordagem. Quanta reflexão é necessária para obter uma resposta quando 5 guardas armados imobilizam de forma violenta um cidadão por cometer uma "infração" dessa gravidade? E ainda foi concluído que não houve nenhum tipo de abuso.
Quando é o estado quem dá o direito, é ele quem também tem o poder de tirá-lo. Que poder tem a constituição perante esse tipo de abuso policial? Nesse tipo de situação a tutela jurídica sempre chega tarde demais — você já perdeu a mercadoria, já apanhou e já foi humilhado.  Acabou, já era.
A violência não se limita ao comerciante — afinal, quem gostava daquele produto perde o seu fornecedor.  Enquanto os burocratas se preocupam com como você irá se defender dessas goiabas (tão perigosas!), ninguém se preocupa em defender a liberdade do cidadão de se responsabilizar por suas próprias escolhas. 
Já discuti aqui a proibição de suplementos alimentares.  A criminalização no Brasil é feita de forma ineficiente tanto na prática quanto na teoria, uma vez que não há lei no nosso ordenamento jurídico que defina o que são drogas, nem o porquê de elas serem proibidas.
O Código Penal e o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas utilizam a expressão drogas sem nenhuma vez citar quais são suas substâncias. E é assim porque quem define o que são e quais são as drogas no Brasil é a Anvisa, por meio de portarias — atos administrativos normativos de pouca expressão no campo jurídico.
Nesse sentido, é importante destacar que existe uma corrente doutrinária em nosso país, ainda que minoritária, que defende a inconstitucionalidade dos crimes relacionados ao comércio de drogas, uma vez que é necessária uma lei para definir o crime e sua pena, o que não existe nesse caso.
De um lado ou de outro, a Anvisa é a principal culpada pela patética guerra contra as drogas no Brasil. E seu poder é ilimitado, pois ela pode continuar elaborando portarias definidas segundo seus próprios critérios sobre quais substâncias devem ser consideradas proibidas ou permitidas.  Não há como domá-la.
Para saber mais sobre os abusos da Anvisa recomendo a leitura deste artigo e deste.
2. Anatel
Se o sinal do celular está ruim, se cada minuto com alguém de outra operadora custa uma fortuna, apresento-lhe a principal culpada: a Anatel.
A Agência Nacional de Telecomunicações alega promover o desenvolvimento do setor no país. A Anatel tem poderes de outorga, de regulamentação e de fiscalização, e deve, de acordo com suas diretrizes, adotar medidas necessárias para atender aos interesses dos cidadãos — uma pena terem esquecido de informar quais são, afinal, esses cidadãos.
Se você acredita que a telecomunicação brasileira foi realmente privatizada, você foi enganado. Diferentemente da Guatemala, nosso país abriu o mercado de telecomunicações apenas para as comadres, para aquelas empresas que aceitaram as suas regras, que prometeram obediência e apoio, que pagam os pedágios necessários, e que, em troca, são totalmente protegidas contra qualquer tipo de concorrência estrangeira.
As empresas de telecomunicações brasileiras são os principais focos de reclamação dos consumidores, tanto pelos preços, quanto pela baixa qualidade do serviço. O que a maioria dos clientes dessas empresas não sabe é que a Anatel é a principal responsável por deixá-los sem ter para onde correr.
O oligopólio atual de telefonia e internet no Brasil é claro e transparente. Grandes corporações que prestam serviços de qualidade nos mercados internacionais — como a AT&T, Vodafone, Verizon, T-Mobile, Orange — quando não são expressamente proibidas de entrar no mercado do nosso país, sofrem com uma carga de dificuldades tão alta, que tal proibição se torna desnecessária na prática. A carga tributária colossal, os encargos trabalhistas, as exigências de registro, fiscalização e principalmente a burocracia apagam o interesse de entrada de outras corporações no nosso mercado. Simplesmente não vale a pena, por maior que seja o interesse em obter lucro.
E o pior é que nem o Tiririca está certo nessa, pois pior do que está pode ficar, graças ao Marco Civil, pelos motivos que destaquei aqui mesmo.
Se você está mais interessado em conhecer uma análise dos preços que pagamos e do que não podemos comprar graças à Anatel, recomendo esse artigo do mestre e amigo Klauber Pires, e outro do sempre pertinente e admirado Fernando Chiocca.
3. Ancine
Todo mundo quer assistir a mais episódios da sua série favorita na TV por assinatura, todo mundo quer mais salas de cinema, ingressos mais baratos e menos desperdício de dinheiro público. Todo mundo.  Ou melhor, quase todo mundo: a Ancine não acha isso uma boa ideia.
Como se não bastasse a tutela estatal e a regulamentação dos bens e serviços necessários e essenciais para a população, o governo ainda quer crescer e engordar mais um pouco regulando algo que nenhum brasileiro considera como prioridade dentre os quase infinitos problemas nacionais: a produção cinematográfica.
Vinculada ao Ministério da Cultura, a Agência Nacional do Cinema tem como objetivo principal o fomento à produção, à distribuição e à exibição de obras cinematográficas e videofonográficas. O problema é que não é possível para nenhuma empresa — e muito menos para o governo — fomentar a produção, distribuição e exibição de todas as obras.
Logo, quais obras você acha que serão mais fomentadas: aquelas que valorizam e enaltecem o Brasil e a nossa cultura, ou a que critica seus problemas com uma carga ideológica contra o governo? Será possível a Ancine fomentar a criação de uma obra que critica o partido no poder?
Não bastasse, a Ancine regula e fiscaliza as indústrias que atuam nessas áreas, inclusive as empresas de TV por assinatura. Como é o caso da Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011, que definiu cotas de "conteúdo nacional" para as operadoras de TV por assinatura.
Nesse tipo de regulamentação, a Ancine se atribui o poder de qualificar previamente os conteúdos transmitidos pelos canais de TV, decidindo o que deve e o que não deve ser considerado "conteúdo nacional". A expressão é utilizada com aspas, pois a lei considera que, por exemplo, entrevistas feitas por jornalistas brasileiros, com personagens brasileiros e comentários produzidos por especialistas ou jornalistas brasileiros não servem para cumprir a quota semanal de três horas e meia de "conteúdo nacional" no horário nobre.
Outro exemplo bizarro é que os canais de esporte, mesmo transmitindo jogos, programas e debates sobre clubes nacionais, da seleção brasileira de vôlei ou da equipe de judô do Brasil, não servem para a cota de "conteúdo nacional". 
Conteúdo nacional não é mais o que for produzido no Brasil, por brasileiros e para brasileiros; seu significado saiu do dicionário.  Atualmente, "conteúdo nacional" é aquilo que o governo decidir que seja. 
Orwell já havia nos alertado sobre o controle estatal da linguagem.  Hoje, isso não mais parece ficção.  O estado utiliza expressões como "função social" ou "neutralidade da rede" e "conteúdo nacional" sem nenhum critério lógico ou específico, simplesmente distorcendo seu significado para incluir nele o conteúdo que mais convém para garantir seus plenos poderes.
Para finalizar, uma dica: cada vez que o estado atrapalhar ou se meter na sua vida, procure identificar qual agência ou órgão está agindo, e quem está por trás de cada um deles. Quanto mais se regula, mais se torna necessário regular.  Uma regulação sempre acaba levando a novas regulações que visam a corrigir as distorções geradas pela regulação anterior.  Esse ciclo vicioso tem de ser abolido.

(publicado originalmente no Liberzone)
Andrei Moreira é estudante de direito da UFPA e luta pela liberdade não como ideia ou ideal, mas como ato de vontade.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Trunfos petroliferos - Caderno especial do Valor sobre o pre-sal (18/10/2013)

Transcrevo a matéria do jornal Valor sobre o petróleo do pré-sal.
"Trunfos petrolíferos", por Cyro Andrade e Marcia Pinheiro, Valor Econômico, Caderno EU & Fim de Semana, Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de outubro de 2013, ano 14, n. 675, p. 9-11. 
A íntegra de minha entrevista foi postada neste blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/10/energia-no-brasil-e-no-mundo-caderno-do.html). 

Trunfos petrolíferos

Cyro Andrade e Márcia Pinheiro | Para o Valor, de São Paulo, 18/10/2013, Caderno Fim de Semana

Se confirmadas as melhores expectativas quanto às potencialidades das jazidas do pré-sal, de que o campo de Libra, na bacia de Santos, tornou-se símbolo de futura independência energética do país, o Brasil terá alcançado um patamar de segurança incomum nessa área - e atributos adicionais para fortalecer suas posições no jogo geopolítico global, em que o petróleo constitui carta relevante, tanto para quem a tem como para quem, sem ela, deve amoldar-se a inelutáveis insuficiências. 
O mapa global do petróleo passa por um momento particular. Com os preços em níveis historicamente altos, projetos de exploração antes engavetados tornaram-se viáveis nos últimos anos. O resultado é o início de um novo ciclo de crescimento de oferta no mundo, com consequências diversas, que vão contribuir para a reconfiguração do setor. Países com grande possibilidade de explorar petróleo de diferentes maneiras, como o Brasil na camada pré-sal, ganham força na cena global. 

Enquanto isso, produtores tradicionais, como os países do Oriente Médio, tendem a ter uma redução de relevância, principalmente para a América do Norte e a Europa. Os Estados Unidos, por exemplo, são um dos principais clientes da região, mas começam a reduzir sua dependência externa com a elevação da produção interna, principalmente de gás. 
Na mesa em que países vão assim jogando o jogo da segurança energética, a soma zero não é resultado infrequente em questões econômicas, de defesa, de sobrevivência de regimes e, não raro, tudo isso ao mesmo tempo. As equações com as quais se administram interesses, sejam quais forem, e respectivas variáveis, são inúmeras. Já agora, porém, e há bastante tempo, mesmo antes de realizadas as entusiasmantes previsões de produção do pré-sal no campo de Libra - entre 8 e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo - pode-se ver o Brasil exercitando a musculação derivada do petróleo em movimentos de uma política externa que analistas consideram privilegiada: é um trunfo o grau de flexibilidade de ação do país, que não estaria ao alcance de outros atores na mesa da geopolítica. China e Índia seriam casos de "players" de alguma forma constrangidos por insuficiências, em matéria de disponibilidade energética, que o Brasil vem superando com desenvoltura e correspondentes ganhos de autonomia em política externa - por exemplo, nas posições que assume em relação ao Irã e quando mantém em suspense, a um só tempo, fornecedores de aviões militares europeus e americanos. Não é difícil perceber triangulações de interesses em que o Brasil joga, ou pode vir a jogar, partidas geopolíticas em que deve interagir com interlocutores não exatamente dispostos ao diálogo entre eles mesmos. 

Para Ciro Marques Reis, doutorando em geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Grupo de Pesquisa GeoBrasil, "em um primeiro momento, a descoberta das enormes jazidas de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro foi vista como uma espécie de bilhete premiado, que permitiria ao país entrar em um grupo seleto de países com capacidade de barganha política e comercial baseada na condição de detentor de grandes reservas de petróleo". No entanto, mesmo nos melhores cenários futuros, que Reis desenha como eventualidades para 2030 ou 2040, possivelmente o Brasil ainda não estará produzindo petróleo suficiente para se tornar um exportador líquido de peso, e para subir novos degraus na escala de relevância global. Mas não há dúvida, também diz Reis, de que, em termos de segurança energética e de uma certa blindagem contra movimentos inesperados do mercado mundial do petróleo, o pré-sal agrega valor a uma já importante posição geopolítica do Brasil, principalmente na América do Sul. 

Demora para a realização do primeiro leilão no regime de partilha abriu um parêntesis na fortificação das posições brasileiras 


A demora de vários anos para a realização do primeiro leilão do pré-sal sob a regra de partilha iria abrir um parêntesis na regularidade do percurso de fortificação do perfil geopolítico do país. Razões de política interna pesaram bastante, na decisão de mudar o sistema e, depois, durante o debate que antecedeu a nova normatização. É fato, porém, que também se escrevia um capítulo novo na história da gestão dos interesses brasileiros em questões essenciais de economia política e orientação do desenvolvimento. A geopolítica prática condensa movimentos domésticos e externos, em constante reacomodação de mútuas influências. Nesse mesmo processo, exibiam-se para públicos externos novas referências escolhidas para o exercício do jogo geopolítico -, que começam a ser testadas, em seu acerto e relevância, já a partir do próprio leilão das jazidas do campo de Libra. 

Questionou-se, e questiona-se ainda, a necessidade, do ponto de vista econômico, de um novo marco regulatório - o regime de partilha, em substituição ao de concessão. Neste, a empresa operadora paga de antemão um montante fixo ao Estado, que se apropria de toda a receita gerada depois. Na partilha, a receita é dividida entre a empresa vencedora (num leilão no qual o lance é uma porcentagem da receita gerada) e o Estado, que detém direitos parciais de acionista. 

O economista Samuel Pessôa, professor de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV), está entre os críticos. Lembra que, na argumentação do governo, a mudança de marco regulatório serviria ao aumento das receitas públicas, porque o risco geológico havia caído. Significa dizer que o campo de Libra tem um imenso reservatório de petróleo de boa qualidade. Na verdade, o primeiro objetivo, diz Pessôa, teria sido facilitar a coordenação, pela Petrobras, de uma política de substituição de importações no setor petrolífero, particularmente no segmento de bens de capital. Seu contra-argumento: a base de arrecadação será a mesma e a indústria do petróleo brasileira já era pujante com o regime de concessão. "Esse não era um problema grave, a ponto de parar um setor que andava muito bem." Para Pessôa, o custo político e financeiro da alteração não justifica a adoção do modelo de partilha. 

Com a demora na definição do novo sistema - sete anos, desde a descoberta do pré-sal - e enquanto, agora, apenas se inicia o traçado da exploração concreta do campo de Libra, surgiram outras fontes de produção. Rubens Barbosa, embaixador do Brasil em Washington no governo de Fernando Henrique Cardoso, observa que os Estados Unidos fizeram um monumental investimento a partir de 2003, a despeito das dificuldades iniciais envolvendo protestos de ambientalistas, no chamado gás de xisto (folhelho), em ação concatenada à perspectiva de reindustrialização do país - o que demandaria mais energia disponível. Em 2015, os Estados Unidos deverão superar a Rússia e se tornarão o maior produtor de gás natural do mundo. Até 2017, deverão desbancar a Arábia Saudita e passarão a ser exportadores líquidos de combustíveis em 2025. 

Não é pouco cacife, então, que os Estados Unidos acrescentam a um naipe de cartas exclusivas - seu PIB de US$ 15 trilhões e poderio político correspondente, ainda que um tanto relativizado em face da ascensão da China no cenário internacional. Mas a China está na mesa do jogo geopolítico como grande consumidora-importadora de petróleo. Não é pequeno, de todo modo, seu próprio cacife: suas reservas em moeda estrangeira andam por volta de US$ 3,5 trilhões, que alimentam um fundo soberano de investimentos, mundo afora, que no fim do ano passado chegava perto dos US$ 600 bilhões - em parte considerável aplicados em parcerias na área do petróleo, como as que os chineses pretendem estabelecer com o Brasil, a exemplo do que fazem com especial empenho na África, se empresas suas representadas saírem vencedoras no leilão de Libra. Está aí um bom exemplo da triangulação de interesses que o cacife petrolífero e a flexibilidade de movimentos no cenário internacional garantem ao Brasil. 

Outras fontes de produção surgiram no vácuo da indecisão brasileira, diz Rubens Barbosa; Samuel Pessôa questiona a utilidade real do regime de partilha, no lugar de concessões 


É evidente o declínio, ainda que lento, da importância do Oriente Médio no mercado de petróleo e a ascensão das Américas, que têm como eixo produtor Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela e Brasil. Do lado consumidor, a China passou a ser um "player" fundamental e o Japão poderá em breve entrar nessa lista. Naturalmente, o andamento da economia mundial, ainda às voltas com desdobramentos da crise exposta em 2007/2008, encerra fatores determinantes tanto da demanda de petróleo como das suas oscilações de preço. Nesse contexto de perspectivas não propriamente claras, que importância efetiva, de um ponto de vista geopolítico, o Brasil terá ganho com as potencialidades do pré-sal? 

Para o diplomata Paulo Roberto Almeida, estudioso de relações internacionais, as incertezas relacionadas ao custo de produção e à tecnologia necessária para a exploração não permitem dizer que o país ganhará grau de proeminência global como participante do G-20 e de outros fóruns internacionais. 
Samuel Feldberg, coordenador dos estudos do Oriente Médio do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo, pensa de maneira semelhante. Em sua opinião, a importância do pré-sal, em termos geopolíticos, é "zero", porque o campo nem sequer começou a ser explorado e há ainda incertezas sobre como será a matriz energética no futuro, quando a produção começará a fluir. 
Jean-Paul Prates, diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, é otimista. "O Brasil já é tratado com deferência, por ser uma 'powerhouse' [potência]. Estamos muito bem consolidados no setor energético." Ciro Marques Reis afirma que o Brasil tem marcado presença entre as principais economias do mundo mesmo antes do pré-sal, e um reservatório dessa magnitude sempre será credencial relevante em fóruns mundiais. 
A identidade petrolífera que o Brasil projeta hoje no mundo veio sendo construída por caminhos nem sempre retos, nem em compasso constante. Até o início da década de 1970, o modelo de exploração foi genuinamente nacional. A flexibilização do monopólio da Petrobras começou com o então presidente Ernesto Geisel. "Ele viu que era impossível manter o nível de investimento necessário para o crescimento do setor", diz Barbosa. 

Geisel fortaleceu a Petrobras, da qual havia sido presidente, criando os contratos de risco de exploração de petróleo em 1976, que permitiam a associação da estatal com empresas estrangeiras. Levou a Petrobras à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. 

Ainda não é possível dizer que o pré-sal poderá garantir proeminência global ao Brasil no G-20 e outros fóruns internacionais, avalia Paulo Roberto Almeida 

Outro passo em direção à flexibilização se deu no governo Fernando Henrique Cardoso. Com ele, foi criado o modelo de concessão, diz Rubens Barbosa. "Essa mudança não foi isolada. Veio no bojo de um esforço para modernizar o país." 
Na opinião de Almeida, Fernando Henrique "se aproveitou de um momento único na história do Brasil: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária, que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e a política do país: a crise permitiu aprovar diversas medidas, constitucionais e infraconstitucionais". Os pilares das mudanças foram, então, a abertura da economia ao capital externo - de certo modo, iniciada no governo de Fernando Collor - a privatização das empresas controladas pelo Estado, a quebra dos monopólios estatais, o afastamento do Estado da regulamentação econômica e a modificação do conceito de empresa nacional. 

Com o compromisso de que a Petrobras não seria privatizada, Fernando Henrique conseguiu promulgar a lei 9.478, em 6 de agosto de 1997, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros carbonetos, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. Foram também criados os dois novos agentes que atuariam no setor: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), incumbido de propor políticas nacionais e medidas específicas para o setor, e a Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão regulador da indústria. 

O modelo de concessão vigorou até a descoberta do pré-sal, em 2006, cuja maior área de acumulação é a de Libra, com reservas calculadas entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo, incluindo gás natural. Quatro anos depois, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Lula a lei 12.351, do novo regime regulatório para o pré-sal, o contrato de partilha de produção. 
A descoberta do campo de Libra deve, em tese, suprir o descompasso entre produção e consumo no país. O Brasil, que produz 1,98 milhão de barris de petróleo por dia, nunca foi autossuficiente na produção de derivados, embora tecnicamente a Petrobras tenha anunciado esse fato em 2006. Isso, porque, nesse ano, a produção de petróleo igualou-se ao consumo de derivados (igualar ou superar significa "autossuficiência volumétrica" na metodologia da empresa). Entre 2007 e 2012, entretanto, o consumo de derivados cresceu mais fortemente. Segundo dados da ANP, a dependência externa média da gasolina é de 13%, enquanto a do diesel é de 15% e a de gás natural e querosene de aviação é de 20%. A conta petróleo da balança comercial é deficitária (US$ 9,9 bilhões em 2012, sendo US$ 9,1 bilhões apenas em derivados). 
O pré-sal é muito, mas não é tudo. No jogo geopolítico global, o Brasil poderá sempre ostentar a outra face de sua identidade energética, aquela constituída por amplas, e ainda modestamente exploradas, potencialidades dos biocombustíveis, em que o país é dominante nos mais ambiciosos espaços da fronteira tecnológica. Nesse quesito, dificilmente um outro país poderá ter carta melhor que esta - nem mesmo os Estados Unidos, e muito menos a China. Vislumbram-se aí novas possibilidades de triangulações. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Estados Regulados da America - Niall Ferguson (WSJ)


 The Regulated States of America

Tocqueville saw a nation of individuals who were defiant of 

authority. Today? Welcome to Planet Government.

The Wall Street Journal, June 19, 2013

In "Democracy in America," published in 1833, Alexis de Tocqueville marveled at the way Americans preferred voluntary association to government regulation. "The inhabitant of the United States," he wrote, "has only a defiant and restive regard for social authority and he appeals to it . . . only when he cannot do without it."
Unlike Frenchmen, he continued, who instinctively looked to the state to provide economic and social order, Americans relied on their own efforts. "In the United States, they associate for the goals of public security, of commerce and industry, of morality and religion. There is nothing the human will despairs of attaining by the free action of the collective power of individuals."
What especially amazed Tocqueville was the sheer range of nongovernmental organizations Americans formed: "Not only do they have commercial and industrial associations . . . but they also have a thousand other kinds: religious, moral, grave, futile, very general and very particular, immense and very small; Americans use associations to give fetes, to found seminaries, to build inns, to raise churches, to distribute books, to send missionaries to the antipodes; in this manner they create hospitals, prisons, schools."

Tocqueville would not recognize America today. Indeed, so completely has associational life collapsed, and so enormously has the state grown, that he would be forced to conclude that, at some point between 1833 and 2013, France must have conquered the United States.
Barbara Kelley
The decline of American associational life was memorably documented in Robert Puttnam's seminal 1995 essay "Bowling Alone," which documented the exodus of Americans from bowling leagues, Rotary clubs and the like. Since then, the downward trend in "social capital" has only continued. According to the 2006 World Values Survey, active membership even of religious associations has declined from just over half the population to little more than a third (37%). The proportion of Americans who are active members of cultural associations is down to 14% from 24%; for professional associations the figure is now just 12%, compared with more than a fifth in 1995. And, no, FacebookFB +0.78% is not a substitute.
Instead of joining together to get things done, Americans have increasingly become dependent on Washington. On foreign policy, it may still be true that Americans are from Mars and Europeans from Venus. But when it comes to domestic policy, we all now come from the same place: Planet Government.
As the Competitive Enterprise Institute's Clyde Wayne Crews shows in his invaluable annual survey of the federal regulatory state, we have become the regulation nation almost imperceptibly. Excluding blank pages, the 2012 Federal Register—the official directory of regulation—today runs to 78,961 pages. Back in 1986 it was 44,812 pages. In 1936 it was just 2,620.
True, our economy today is much larger than it was in 1936—around 12 times larger, allowing for inflation. But the Federal Register has grown by a factor of 30 in the same period.
The last time regulation was cut was under Ronald Reagan, when the number of pages in the Federal Register fell by 31%. Surprise: Real GDP grew by 30% in that same period. But Leviathan's diet lasted just eight years. Since 1993, 81,883 new rules have been issued. In the past 10 years, the "final rules" issued by our 63 federal departments, agencies and commissions have outnumbered laws passed by Congress 223 to 1.
Right now there are 4,062 new regulations at various stages of implementation, of which 224 are deemed "economically significant," i.e., their economic impact will exceed $100 million.
The cost of all this, Mr. Crews estimates, is $1.8 trillion annually—that's on top of the federal government's $3.5 trillion in outlays, so it is equivalent to an invisible 65% surcharge on your federal taxes, or nearly 12% of GDP. Especially invidious is the fact that the costs of regulation for small businesses (those with fewer than 20 employees) are 36% higher per employee than they are for bigger firms.
Next year's big treat will be the implementation of the Affordable Care Act, something every small business in the country must be looking forward to with eager anticipation. Then, as Sen. Rob Portman (R., Ohio) warned readers on this page 10 months ago, there's also the Labor Department's new fiduciary rule, which will increase the cost of retirement planning for middle-class workers; the EPA's new Ozone Rule, which will impose up to $90 billion in yearly costs on American manufacturers; and the Department of Transportation's Rear-View Camera Rule. That's so you never have to turn your head around when backing up.
President Obama occasionally pays lip service to the idea of tax reform. But nothing actually gets done and the Internal Revenue Service code (plus associated regulations) just keeps growing—it passed the nine-million-word mark back in 2005, according to the Tax Foundation, meaning nearly 19% more verbiage than 10 years before. While some taxes may have been cut in the intervening years, the tax code just kept growing.
I wonder if all this could have anything to do with the fact that we still have nearly 12 million people out of work, plus eight million working part-time jobs, five long years after the financial crisis began.
Genius that he was, Tocqueville saw this transformation of America coming. Toward the end of "Democracy in America" he warned against the government becoming "an immense tutelary power . . . absolute, detailed, regular . . . cover[ing] [society's] surface with a network of small, complicated, painstaking, uniform rules through which the most original minds and the most vigorous souls cannot clear a way."
Tocqueville also foresaw exactly how this regulatory state would suffocate the spirit of free enterprise: "It rarely forces one to act, but it constantly opposes itself to one's acting; it does not destroy, it prevents things from being born; it does not tyrannize, it hinders, compromises, enervates, extinguishes, dazes, and finally reduces [the] nation to being nothing more than a herd of timid and industrious animals of which the government is the shepherd."
If that makes you bleat with frustration, there's still hope.
Mr. Ferguson's new book "The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die" has just been published by Penguin Press.
A version of this article appeared June 19, 2013, on page A15 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: The Regulated States of America.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Agencia Nacional do Petroleo quer uma economia nazista no Brasil...

Desculpem a rudeza do termo, mas ele se aplica inteiramente. Só os nazistas pretendiam 100% de autossuficiência, ou seja, de autarquia, na economia alemã dos anos 1930.

É o que a ANP exige de empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive a Petrobras, na exploração de blocos petrolíferos concedidos a elas.
Leio nos jornais (Estadão, 19/08/2011, caderno de Economia, p. B9), que a ANP está impondo R$ 30 milhões em multas a diversas empresas porque ELAS NÃO CONSEGUIRAM PROVAR QUE TIVERAM 100% DE CONTEÚDO NACIONAL em seus projetos. A Petrobras chegou a 95%, ou até mesmo 99% de conteúdo local, mas não os 100% exigidos pela ANP.

Ou seja, ou obedece às normas de conteúdo local estabelecidas pela ANP (também conhecida como Agência Nacional da Propina) ou paga multa.
Isso é o que eu chamo de economia nazista.

Além de nazista é irracional economicamente, pois só pessoas estúpidas acreditam que uma empresa tenha de trabalhar com 100% de conteúdo local, sabendo-se que o Brasil tornou-se um dos países mais caros do mundo, com a extorsão tributária do governo e a burocracia de agências nazistas como a ANP.
O governo se mete até na operação de empresas privadas, que não são livres para decidir como montar o seu mix de fornecimento, entre o Brasil e o exterior.
Isso é NAZISMO...
Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Estado sequestrado pelo governo - o caso das agencias reguladoras

Parece que vai ser difícil reconstruir, reconstituir a independência, a autonomia e a seriedade das agências reguladoras. O governo conseguiu colocá-las a seu serviço, numa das involuções mais vergonhosas a que se assistiu nos oito anos do governo atual.
Uma marca lamentável para o Estado brasileiro.
Paulo Roberto de Almeida

Um plano em execução

Editorial - O Estado de S.Paulo, 17.08.2010

O caos nos principais aeroportos brasileiros registrado no início do mês, por causa da mudança do sistema de escala das tripulações da Gol, bem como o ocorrido no fim do ano passado, em decorrência da adoção de um novo sistema de check-in pela TAM, deixaram claras a incompetência operacional da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e sua incapacidade de evitar colapsos como o ocorrido.

Mas a Anac é apenas um exemplo de como, por meio de asfixia financeira, de nomeações de dirigentes sem as qualificações técnicas necessárias para exercer o cargo e até de redução de responsabilidades, o governo Lula vem esvaziando as agências reguladoras, na execução daquilo que tem todas as características de um plano preconcebido.

Agências imunes aos interesses políticos do governo são incompatíveis com a política petista de açambarcamento do Estado Nacional. Por isso, desde o início deste governo, boa parte das verbas orçamentárias das agências vem sendo retida pelo Tesouro Nacional, a pretexto de assegurar o cumprimento das metas de superávit fiscal. No ano passado - como mostrou o Estado na segunda-feira, em reportagem de Renée Pereira - o contingenciamento dessas verbas atingiu um nível recorde.

Deixaram de ser repassados às agências nada menos do que 85,7% das receitas totais a que elas tinham direito, o que tornou impossível a realização de serviços essenciais, especialmente os de fiscalização. Esse número foi levantado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), com base em dados do Tesouro Nacional.

Criadas para regular e fiscalizar a prestação de serviços públicos por empresas privadas ou estatais, as agências são órgãos do Estado brasileiro, que não deveriam estar subordinados ao governo. Por isso, não estão vinculadas à estrutura dos Ministérios e, assim, não deviam receber ordens do presidente da República, de ministros ou de outros funcionários do Executivo. Para exercer sua função, devem dispor de autonomia financeira, administrativa e operacional, além de amplos poderes de fiscalização e de liberdade para impor sanções.

Mas, com o contingenciamento das suas verbas, o Executivo limita drasticamente a sua capacidade de atuação. Em 2009, por exemplo, a Anac só dispôs de R$ 20 milhões para garantir a operação da aviação civil de acordo com os padrões internacionais de qualidade e segurança. Em 2010, foram autorizados para essa função R$ 34 milhões, mas R$ 10 milhões foram contingenciados.

A sequência de apagões elétricos iniciada em 2009 e que se estendeu até este ano poderia ter sido pelo menos contida, se a Agência Nacional de Energia Elétrica mantivesse a amplitude das fiscalizações. No ano passado, estavam previstas 2.017 fiscalizações, mas, por causa do corte de verbas, só foram executadas 1.866, um número menor do que o de 2008.

A Agência Nacional de Telecomunicações dispõe de receitas que, em 2009, estavam orçadas em R$ 3,8 bilhões. Desse valor, porém, só recebeu R$ 302 milhões.

É isso que explica boa parte da piora da qualidade da atuação das agências nos últimos sete anos.

Mas o governo recorre a outros meios para asfixiar as agências. Um deles é a atribuição a empresas estatais, controladas pelo Executivo, de tarefas típicas de agências independentes. Os contratos para a exploração do petróleo da camada pré-sal, por exemplo, serão definidos pela nova estatal, a Petro Sal. “Esse tipo de medida reduz o poder de decisão das agências”, adverte o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carlos Ari Sundfeld.

Há ainda a interferência direta do governo nas agências, por meio da nomeação de diretores de acordo com critérios político-partidários, como acaba de ocorrer com a Agência Nacional de Transportes Terrestres, para a qual foi nomeado um ex-dirigente de basquete cuja experiência mais importante no setor público foi a de assessorar um ex-senador do PMDB. Na verdade, só uma derrota da candidata do PT em outubro salvaria as agências. Se Dilma Rousseff for eleita, a sentença de morte será executada.

Provavelmente não por asfixia, mas por apedrejamento…

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Aos companheiros, tudo
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 16 de agosto de 2010

O governo Lula tem feito enorme confusão entre atribuições de governo e atribuições de Estado, para grande prejuízo do interesse público. A mais gritante está no desempenho das agências reguladoras.

Logo depois de sua posse, em 2003, Lula estranhou que as agências reguladoras, criadas para garantir a observância das regras do jogo nos principais setores da atividade econômica, se comportavam com certa autonomia. Não entendeu que não são organismos do governo, mas são organismos do Estado, como o são o Judiciário e o Banco Central.

Seu aparecimento ficou necessário após o processo de privatização, de maneira a que o Estado (e não o governo) regulasse e fiscalizasse setor por setor. A relativa autonomia e neutralidade é uma decorrência de sua natureza. Para regular isentamente o mercado, as agências não podem ser reféns dos políticos que orbitam o poder. Para isso, os dirigentes de cada agência deveriam ter mandatos fixos, cassáveis apenas em casos de graves transgressões comprovadas da lei.

No entanto, apenas chegou ao Palácio do Planalto, Lula tratou de submeter os cargos de direção das agências às barganhas políticas, dentro do jogo franciscano do “é dando que se recebe”, que vem caracterizando a administração do PT.

Assim, um a um, os dirigentes das agências foram sendo removidos ou enquadrados às determinações comandadas pela Presidência da República. Foi assim que a Anatel, o organismo que deveria regular o mercado de telefonia, passou a permitir estranhos movimentos e outras tantas fusões e confusões, cujo resultado mais importante foi beneficiar controladores de algumas companhias.

Outro exemplo de desmandos e incompetência teve como foco a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), onde dirigentes, apadrinhados por figurões do governo, permitiram o mergulho do setor e a administração dos aeroportos brasileiros no caos em que se encontram hoje.

Anomalia semelhante acontece na Agência Nacional do Petróleo (ANP), cujo comando foi entregue a um prócer do PCdoB, Haroldo Lima, dentro do jogo de alianças da administração Lula. Depois de passar bom tempo do seu mandato tentando arrancar dinheiro da Petrobrás para satisfazer o interesse de alguns políticos por supostas diferenças no repasse de royalties a Estados e municípios, Haroldo Lima advoga agora o pagamento máximo da Petrobrás à União pela cessão onerosa, a transferência de 5 bilhões de barris de petróleo ainda no chão, a título de subscrição da parcela correspondente ao Tesouro no capital da empresa.

Em princípio, nada haveria de errado na fixação de um preço ainda que máximo desses barris, se a própria ANP não tivesse estabelecido como critério o que viesse a ser certificado pela consultoria Gaffney, Cline & Associates, especialmente contratada para isso. Outra vez, a direção da ANP está mais interessada em fazer o jogo político da hora do que em impor o critério técnico previamente acertado.

Essas e outras deformações acontecem porque o governo Lula permite e incentiva o aparelhamento do Estado em benefício da companheirada política. O maior prejudicado é o interesse público.