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terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Estado sequestrado pelo governo - o caso das agencias reguladoras

Parece que vai ser difícil reconstruir, reconstituir a independência, a autonomia e a seriedade das agências reguladoras. O governo conseguiu colocá-las a seu serviço, numa das involuções mais vergonhosas a que se assistiu nos oito anos do governo atual.
Uma marca lamentável para o Estado brasileiro.
Paulo Roberto de Almeida

Um plano em execução

Editorial - O Estado de S.Paulo, 17.08.2010

O caos nos principais aeroportos brasileiros registrado no início do mês, por causa da mudança do sistema de escala das tripulações da Gol, bem como o ocorrido no fim do ano passado, em decorrência da adoção de um novo sistema de check-in pela TAM, deixaram claras a incompetência operacional da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e sua incapacidade de evitar colapsos como o ocorrido.

Mas a Anac é apenas um exemplo de como, por meio de asfixia financeira, de nomeações de dirigentes sem as qualificações técnicas necessárias para exercer o cargo e até de redução de responsabilidades, o governo Lula vem esvaziando as agências reguladoras, na execução daquilo que tem todas as características de um plano preconcebido.

Agências imunes aos interesses políticos do governo são incompatíveis com a política petista de açambarcamento do Estado Nacional. Por isso, desde o início deste governo, boa parte das verbas orçamentárias das agências vem sendo retida pelo Tesouro Nacional, a pretexto de assegurar o cumprimento das metas de superávit fiscal. No ano passado - como mostrou o Estado na segunda-feira, em reportagem de Renée Pereira - o contingenciamento dessas verbas atingiu um nível recorde.

Deixaram de ser repassados às agências nada menos do que 85,7% das receitas totais a que elas tinham direito, o que tornou impossível a realização de serviços essenciais, especialmente os de fiscalização. Esse número foi levantado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), com base em dados do Tesouro Nacional.

Criadas para regular e fiscalizar a prestação de serviços públicos por empresas privadas ou estatais, as agências são órgãos do Estado brasileiro, que não deveriam estar subordinados ao governo. Por isso, não estão vinculadas à estrutura dos Ministérios e, assim, não deviam receber ordens do presidente da República, de ministros ou de outros funcionários do Executivo. Para exercer sua função, devem dispor de autonomia financeira, administrativa e operacional, além de amplos poderes de fiscalização e de liberdade para impor sanções.

Mas, com o contingenciamento das suas verbas, o Executivo limita drasticamente a sua capacidade de atuação. Em 2009, por exemplo, a Anac só dispôs de R$ 20 milhões para garantir a operação da aviação civil de acordo com os padrões internacionais de qualidade e segurança. Em 2010, foram autorizados para essa função R$ 34 milhões, mas R$ 10 milhões foram contingenciados.

A sequência de apagões elétricos iniciada em 2009 e que se estendeu até este ano poderia ter sido pelo menos contida, se a Agência Nacional de Energia Elétrica mantivesse a amplitude das fiscalizações. No ano passado, estavam previstas 2.017 fiscalizações, mas, por causa do corte de verbas, só foram executadas 1.866, um número menor do que o de 2008.

A Agência Nacional de Telecomunicações dispõe de receitas que, em 2009, estavam orçadas em R$ 3,8 bilhões. Desse valor, porém, só recebeu R$ 302 milhões.

É isso que explica boa parte da piora da qualidade da atuação das agências nos últimos sete anos.

Mas o governo recorre a outros meios para asfixiar as agências. Um deles é a atribuição a empresas estatais, controladas pelo Executivo, de tarefas típicas de agências independentes. Os contratos para a exploração do petróleo da camada pré-sal, por exemplo, serão definidos pela nova estatal, a Petro Sal. “Esse tipo de medida reduz o poder de decisão das agências”, adverte o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carlos Ari Sundfeld.

Há ainda a interferência direta do governo nas agências, por meio da nomeação de diretores de acordo com critérios político-partidários, como acaba de ocorrer com a Agência Nacional de Transportes Terrestres, para a qual foi nomeado um ex-dirigente de basquete cuja experiência mais importante no setor público foi a de assessorar um ex-senador do PMDB. Na verdade, só uma derrota da candidata do PT em outubro salvaria as agências. Se Dilma Rousseff for eleita, a sentença de morte será executada.

Provavelmente não por asfixia, mas por apedrejamento…

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Aos companheiros, tudo
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 16 de agosto de 2010

O governo Lula tem feito enorme confusão entre atribuições de governo e atribuições de Estado, para grande prejuízo do interesse público. A mais gritante está no desempenho das agências reguladoras.

Logo depois de sua posse, em 2003, Lula estranhou que as agências reguladoras, criadas para garantir a observância das regras do jogo nos principais setores da atividade econômica, se comportavam com certa autonomia. Não entendeu que não são organismos do governo, mas são organismos do Estado, como o são o Judiciário e o Banco Central.

Seu aparecimento ficou necessário após o processo de privatização, de maneira a que o Estado (e não o governo) regulasse e fiscalizasse setor por setor. A relativa autonomia e neutralidade é uma decorrência de sua natureza. Para regular isentamente o mercado, as agências não podem ser reféns dos políticos que orbitam o poder. Para isso, os dirigentes de cada agência deveriam ter mandatos fixos, cassáveis apenas em casos de graves transgressões comprovadas da lei.

No entanto, apenas chegou ao Palácio do Planalto, Lula tratou de submeter os cargos de direção das agências às barganhas políticas, dentro do jogo franciscano do “é dando que se recebe”, que vem caracterizando a administração do PT.

Assim, um a um, os dirigentes das agências foram sendo removidos ou enquadrados às determinações comandadas pela Presidência da República. Foi assim que a Anatel, o organismo que deveria regular o mercado de telefonia, passou a permitir estranhos movimentos e outras tantas fusões e confusões, cujo resultado mais importante foi beneficiar controladores de algumas companhias.

Outro exemplo de desmandos e incompetência teve como foco a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), onde dirigentes, apadrinhados por figurões do governo, permitiram o mergulho do setor e a administração dos aeroportos brasileiros no caos em que se encontram hoje.

Anomalia semelhante acontece na Agência Nacional do Petróleo (ANP), cujo comando foi entregue a um prócer do PCdoB, Haroldo Lima, dentro do jogo de alianças da administração Lula. Depois de passar bom tempo do seu mandato tentando arrancar dinheiro da Petrobrás para satisfazer o interesse de alguns políticos por supostas diferenças no repasse de royalties a Estados e municípios, Haroldo Lima advoga agora o pagamento máximo da Petrobrás à União pela cessão onerosa, a transferência de 5 bilhões de barris de petróleo ainda no chão, a título de subscrição da parcela correspondente ao Tesouro no capital da empresa.

Em princípio, nada haveria de errado na fixação de um preço ainda que máximo desses barris, se a própria ANP não tivesse estabelecido como critério o que viesse a ser certificado pela consultoria Gaffney, Cline & Associates, especialmente contratada para isso. Outra vez, a direção da ANP está mais interessada em fazer o jogo político da hora do que em impor o critério técnico previamente acertado.

Essas e outras deformações acontecem porque o governo Lula permite e incentiva o aparelhamento do Estado em benefício da companheirada política. O maior prejudicado é o interesse público.

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