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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Bye bye pre-sal! Quando vao anunciar o desastre consumado? - Luiz Fernando Rudge, Paulo Roberto de Almeida

Bye bye Pré-Sal! Quando alguém corajoso vai falar isto?

Prestem atenção ao último parágrafo da postagem do blog do Luiz Fernando Rudge (http://panoramadorudge.blogspot.com/2015/08/quando-sete-meses-e-mais-que-um-ano.html?spref=fb) sobre os resultados conjunturais catastróficos na área econômica.
A coisa é muito mais pior, como diria o principal responsável pela GRANDE DESTRUIÇÃO, do que os analistas refletem em seus dados. Mas transcrevo e depois comento:

"...o presidente da companhia [Petrobras] lamenta a dimensão da dívida que deve ser paga, atualmente no valor de R$ 415 bilhões, ou US$ 118 bilhões, considerada hoje a maior dívida empresarial do mundo, e que a empresa espera resgatar, até o nível operacional normal, nos próximos cinco anos. Além de tudo, o preço internacional do barril-referência no mercado de petróleo ronda os US$ 50, enquanto o custo de extrair e processar petróleo está em US$ 45, o que limita seu resultado."

Pois bem, há muitos anos venho repetindo a mesma coisa: se o preço do barril se mantiver abaixo de 60 dólares -- mas eu suspeito que o patamar, pelo aumento do custo mundial dos equipamentos offshore, deve ter aumentado para pelo menos 80 dólares -- o Brasil pode dizer adeus aos "fabulosos" recursos do pré-sal, simplesmente porque não haverá royalties a distribuir, não haverá nenhuma partilha a ser efetuada, não haverá simplesmente petróleo.
Tudo isso por razões obvias ululantes: se o custo de extração beira os 60-80 dólares o barril, como alguns analistas poderiam confirmar, seria uma loucura a Petrobras extrair um petróleo que custa mais caro na extração do que nos merfcados consumidores. Nenhuma empresa mantém uma atividade para fazer prejuízo certo?
De quem é a culpa, mais uma vez?
Ora, claro que é o do chefe da quadrilha.
Quando o pré-sal foi descoberto, se o apedeuta não tivesse sido tocado pela ambição rentista de meter a mão naquele dinheiro todo -- e sabemos agora quais eram as intenções dos petralhas -- e se o antigo regime de concessões tivesse sido mantido, de acordo com o quadro legal estabelecido em 1997, o Brasil teria feito leilões, via ANP, e recolhido centenas de milhões de dólares de companhias estrangeiras sequiosas de novos campos de exploração, num momento em que o barril se aproximava de 100 dólares. O Brasil teria ficado com o dinheiro, e as companhias com o risco.
Não, o Midas ao Contrário fez o seu toque de feiticeiro mal sucedido, e o Brasil acaba perdedor em toda a linha.
Podemos esquecer o pré-sal pelos próximos anos.
Só estou esperando alguma autoridade vir a público dizer isso.
Este é mais um dos crimes econômicos do lulo-petismo.
 
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 10/08/2015

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Petrobras, energia: os companheiros mataram a estatal e afundaram pre-sal: conseguiram...

Os companheiros amavam tanto a Petrobras que a ocuparam inteiramente, a ponto de asfixiá-la por completo, e inviabilizar seu desenvolvimento normal, como companhia comercial que era. Virou um feudo do partido totalitário, uma vaca petrolífera, tornada estéril pelas políticas alopradas, em todas as áreas.
Também mexeram, para pior, na lei do petróleo de 1997, por ganância, cupidez, desejo de extorquir dinheiro.
As condições mudaram desde que foi descoberto o pré-sal.
Se os companheiros idiotas tivessem leiloado imediatamente as áreas do pré-sal, segundo aquela legislação (excelente por sinal, pois deixava o risco todo com os investidores estrangeiros), o Brasil teria arrecadado bilhões de dólares, e o petróleo já teria jorrado.
Demoraram 4 anos para fazer um novo regime (estúpido, pois obriga a Petrobras a participar de qualquer prospecção), demoraram mais de 5 anos para fazer leilões pela ANP, e agora o mercado do petróleo está mudando rapidamente.
Basta o barril cair a menos de 80 dólares -- e isso pode ocorrer rapidamente -- que o do pré-sal não valerá mais nada, pois o custo de extração supera esse valor.
Companheiros estúpidos, idiotas, criminosos econômicos, é isso que eles merecem como novas gentilezas...
Paulo Roberto de Almeida

A paralisia da Petrobrás

20 de janeiro de 2014 | 2h 05

Editorial O Estado de S.Paulo
Submetida pelo governo do PT a uma política de preços que a asfixia financeiramente e a uma estratégia que a força a investir maciçamente na área do pré-sal sem ter recursos suficientes para isso, a Petrobrás não está conseguindo acompanhar as rápidas transformações pelas quais passa o mercado mundial de energia. Está perdendo grandes oportunidades e pode estar comprometendo sua capacidade de manter-se, a médio prazo, entre as principais empresas mundiais do setor. O fato de, em 2013, os Estados Unidos terem deixado de ser seu principal comprador de petróleo, que passou a ser a China, é para ela o sinal mais eloquente das mudanças no mundo da energia.
Nos últimos anos os EUA haviam se tornado fortemente dependentes de países dos quais importavam petróleo maciçamente, como a Arábia Saudita. Mas, com o aumento rápido de sua produção interna de gás e de óleo de xisto, essa dependência vem se reduzindo rapidamente, o que poderá ter consequências políticas.
Relatórios internacionais indicam que já em 2015 os EUA poderão tornar-se o principal produtor mundial de gás natural, à frente da Rússia. Em 2017, poderão superar a Arábia Saudita na produção de petróleo (deverão continuar atrás da Rússia nesse caso). E é possível que, de grandes importadores, se tornem exportadores líquidos de combustível em meados da próxima década.
Em algum momento, a rápida mudança do papel dos EUA na produção mundial de gás e óleo alterará também - para o bem ou para o mal dos diferentes agentes do mercado - as cotações desses produtos. Há o risco de as novas cotações tornarem inviáveis projetos em andamento de exploração de petróleo cujos custos baseiam-se no preço atual do óleo, de US$ 90 a US$ 120 o barril. Estudos combinando o aumento da produção em áreas novas, como a do pré-sal, com a eventual redução da demanda de petróleo convencional, em razão do aumento da produção a partir do xisto, não afastam a possibilidade de o preço do barril cair para US$ 50.
Tudo isso poderá ocorrer em intervalo relativamente curto. Basta ver que a fatia do gás de xisto na produção de gás natural dos EUA pulou de 4% a 5% do total em meados da década passada para 34% em 2012. A projeção da agência oficial americana de estudos de energia é de que, em 2040, o gás de xisto responda pela metade da produção do país. O impacto do aumento da produção de gás de xisto sobre os preços foi notável. Em 2008, a cotação do gás natural estava em cerca de US$ 13 por milhão de BTU (British Thermal Unit, tradicional medida de energia) e atualmente está em cerca de US$ 4.
No caso do petróleo, a fatia do xisto já está perto de 30% do total produzido nos Estados Unidos. É possível que, mesmo com o aumento do óleo de xisto, os EUA continuem sendo importadores líquidos de óleo pelo menos até 2040, mas em proporção bem menor do que a atual. A redução das importações, já em curso, teve como resultado mais visível para o Brasil a queda das exportações da Petrobrás para os EUA.
Nenhuma dessas mudanças foi levada em conta pelos integrantes do governo do PT que - desde o primeiro mandato de Lula, iniciado em 2003, até agora - impuseram o atual modelo de gestão à Petrobrás. Ela hoje arca com as consequências técnicas, financeiras e operacionais desse modelo.
Usada para a acomodação de interesses partidários, a empresa perdeu parte de sua capacidade gerencial em razão de nomeações de natureza política. Transformada em instrumento de combate à inflação, foi submetida a uma política de severo controle dos preços dos derivados de petróleo, que lhe impôs perdas substanciais, porque teve de produzir e importar - pois não ampliou sua capacidade de refino para atender à demanda crescente - a um custo maior do que o valor dos produtos que vende. A política de exploração do petróleo do pré-sal impôs obrigações técnicas e financeiras a que ela não consegue responder com a eficiência e a presteza necessárias.
Nesse quadro, dificilmente poderia acompanhar as rápidas mudanças que ocorrem em todo o mundo.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pre-sal: a maldicao brasileira do petroleo - Leandro Roque, Bernardo Santoro

A maldição do petróleo continua a atormentar o Brasil

Instituto Ludwig Von Mises Brasil, terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando o governo Lula anunciou, com a fanfarra que lhe era habitual, a existência de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro, ainda em 2006, a exultação foi enorme.  Quando, em 2008, a Petrobras extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal, a promessa era a de que todos os problemas do Brasil já estavam solucionados.  Bastava apenas extrair o petróleo lá das profundezas, e todos os problemas da educação e da saúde seriam miraculosamente resolvidos com o dinheiro que seria obtido com a exportação deste petróleo.
No entanto, não era necessário ser nenhum especialista em geologia para entender que a aposta era arriscada.  Bastava apenas entender o básico de economia.  A extração de petróleo da camada pré-sal não é uma operação qualquer.  Não é tão simples quanto a tradicional extração de petróleo da camada de pós-sal.  Veja a figura abaixo.

Uma coisa é extrair petróleo a 2.000 metros de profundidade, sem grandes obstáculos.  Outra coisa, completamente distinta, é extrair petróleo a 6.000 metros de profundidade, tendo de superar duas camadas (camada de pós-sal e camada de sal) para se chegar ao pré-sal.  Esta operação é tecnicamente cara.  Logo, só é economicamente viável se o preço do barril de petróleo estiver acima de um determinado valor.
E é aí que começa a encrenca.
Quando a euforia do pré-sal estava em seu apogeu, em meados de 2008, o preço do petróleo também estava em níveis recordes, chegando a bater em US$145 o barril, o que de fato tornava economicamente viável a exploração do pré-sal.  Logo, sob este aspecto, havia algum sentido político em se fazer demagogia e proselitismo a respeito dos supostos milagres que a extração do petróleo do pré-sal traria ao país. 
O problema é que esta alta do petróleo não se sustentou.  No final de 2008, o preço do barril desabou de US$145 para US$35 e, desde 2011, vem oscilando entre US$80 e US$100. Veja a evolução no gráfico abaixo.

Segundo estimativas otimistas, o início da produção do pré-sal brasileiro pode levar de 5 a 10 anos, a depender da geologia do local e dos investimentos feitos.  E o pico da produção pode levar 15 anos para ser atingido.  É tempo demais para um empreendimento tão caro e de preço final tão volátil. 
Essa total suscetibilidade aos preços futuros do barril de petróleo cria uma enorme incerteza ao empreendimento do pré-sal.  Por exemplo, qualquer descoberta de novas jazidas em qualquer parte do mundo, ou até mesmo a confirmação de novas fontes de energia, poderá derrubar o preço do petróleo, tornando ainda mais inviável o pré-sal.
No momento, a maior ameaça para os prosélitos do pré-sal vem dos EUA, onde surgiu um novo fenômeno que pode colocar tudo a perder: o gás de xisto.  Esta nova fonte de energia está fazendo com que o custo da energia venha caindo vigorosamente nos EUA.  No momento, em decorrência de um pesado lobby de gigantes industriais como Dow, Alcoa, Celanese e Nucor, a exportação de gás de xisto foi proibida pelo governo americano, o que vem garantindo energia abundante e barata a essas empresas dentro dos EUA e impedindo que o preço da energia caia ao redor do mundo.  No entanto, caso um futuro governo americano libere a exportação do gás de xisto, o pré-sal pode se tornar imediatamente inviável.
Segundo estimativas da Administração de Informação sobre Energia (EIA — Energy Information Administration), a reserva americana de gás de xisto é de 2,7 trilhões de metros cúbicos, o que seria suficiente para abastecer o mercado americano por mais de 100 anos.  No entanto, a produção de gás de xisto vem sofrendo pesadas restrições impostas por poderosos grupos ambientalistas, pois, segundo eles, a tecnologia utilizada na extração — popularmente chamada de fracking, que é um sistema de fratura hidráulica que consiste na injeção de grandes volumes de água a profundidades superiores a três quilômetros para liberar gás — apresenta risco de contaminação de fontes de água potável.
Além do gás de xisto, é preciso considerar que sempre há a possibilidade de o governo americano liberar a extração de petróleo na reserva selvagem de ANWR, no Alasca, o que garantiria mais 10 bilhões de barris de petróleo, o suficiente para alimentar os EUA por dois anos.
Não bastassem todas essas "ameaças", há também o fato de que os estados americanos de Colorado, Utah e Wyoming possuem as maiores reservas de xisto petrolífero do mundo, capazes de produzir, segundo estimativas da United States Geologic Survey, mais de 1,5 trilhão de barris.  No momento, a produção ainda é inviável, justamente por causa do atual preço do petróleo, considerado ainda baixo.  Vale enfatizar que as empresas são um tanto reticentes a este tipo de investimento por causa de uma desventura ocorrida no passado: durante a crise do petróleo da década de 1970, as petrolíferas imaginaram que os preços ficariam altos em definitivo (naquela época, US$70 o barril), e investiram somas consideráveis na extração deste xisto petrolífero.  No entanto, o preço do petróleo convencional caiu na década de 1980, e vários destes investimentos se tornaram inviáveis.  No dia 2 de maio de 1982, dia que ficou conhecido como o Domingo Negro, a Exxon cancelou um projeto de US$5 bilhões de dólares no Colorado por causa da queda do preço do petróleo, demitindo mais de 2.000 trabalhadores.  Em decorrência dos prejuízos da década de 1980, essas empresas se tornaram relutantes a fazer novos investimentos desse tipo.
Todos esses fatores concorrem para gerar incertezas quanto ao preço futuro do petróleo.
Nas atuais condições, para que a extração de petróleo do pré-sal brasileiro seja economicamente viável, ou o preço do barril de petróleo no mercado internacional teria de disparar ou a empresa exploradora teria de usufruir grandes benefícios tributários.  Fora isso, sempre há a terceira opção: entregar a exploração a empresas estatais, que não operam de acordo com o sistema de lucros e prejuízos e, consequentemente, não têm de se preocupar com o preço do petróleo.  Elas podem simplesmente espetar a conta nos pagadores de impostos.
Ao que tudo indica, as petrolíferas de fato pensam assim, e uma boa comprovação pôde ser testemunhada ontem, dia 21 de outubro, no leilão do campo de Libra realizado pelo governo brasileiro.  Propagandeado como a maior reserva de petróleo do Brasil e a maior área para exploração de petróleo no mundo, cujo potencial poderia se aproximar dos 12 bilhões de barris, o governo brasileiro esperava atrair pelo menos 40 empresas para o leilão de Libra.  Quantas realmente se candidataram?  Apenas quatro: duas estatais chinesas (CNPC e CNOOC), uma empresa francesa (Total) e a anglo-holandesa Shell.  As quatro formaram um único consórcio, o que significa que não houve nenhuma concorrência no leilão.  Gigantes do setor, como Chevron, Exxon Mobil, BHP Billiton, Statoil, BP e Repsol não se interessaram.
Como presente de grego, essas quatro empresas vencedoras terão a Petrobras como sócia compulsória e majoritária.
Toda a lambança começou com o regime de exploração escolhido pelo governo.  Havia duas opções: o regime de concessão — que é o utilizado desde 1997, e que ajudou a elevar sobremaneira o volume de petróleo produzido no Brasil —, e o regime de partilha, um monstrengo inventado por motivos puramente ideológicos.
Nenhum destes dois modelos representa uma privatização genuína.  Ambos são uma parceria público-privada, que nada mais é do que um arranjo corporativista no qual estado e grandes empresas se aliam para, sob o manto de estarem realizando serviços, extorquir os cidadãos e dividir entre si o butim, dando em troca algo que lembra um pouco, com muita boa vontade, uma prestação de serviço.  No entanto, o regime escolhido pelo governo, o de partilha, é o pior dentre os dois.
Em uma PPP tradicional — que continua sendo adotado nas áreas de petróleo existentes no pós-sal —, todos os gastos e todos os riscos da produção, bem como a propriedade dos hidrocarbonetos, são do consórcio que obteve a concessão.  Em troca, o consórcio paga ao Tesouro impostos e participações especiais sobre o valor da produção, além de pagar royalties aos estados e municípios onde a atividade é realizada. 
No arranjo adotado, que foi o "regime de partilha", o dono do petróleo é o Tesouro.  Neste arranjo, o estado fica com uma parcela da produção física em cada campo de petróleo.  O consórcio paga um bônus à União ao assinar o contrato e, se encontrar petróleo, será remunerado com uma parcela deste petróleo que seja suficiente para cobrir seus custos e garantir algum ganho.  Todo o resto do petróleo ficará para a União (daí o nome de "partilha").  Além disso, todas as decisões de investimento serão, em última instância, autorizadas ou negadas pela Petrobras, que também usufruirá uma participação mínima obrigatória de 30% entre as empresas componentes do consórcio — no caso de Libra, ela terá 40%.  
Como que para comprovar a irracionalidade da coisa, o modelo de partilha obriga a Petrobras a desembolsar R$6 bilhões, que correspondem a 40% do bônus de assinatura do contrato.  Dado que o senhor Mantega veio a público jurar que a Petrobras tem essa quantia, podemos então ter a certeza absoluta de que ela não tem, e terá de pegar com o Tesouro ou com o BNDES (leia-se: de nós).  No modelo de concessão, a Petrobras e o governo não teriam de pagar nada. 
Por último, a cereja do bolo: o governo obrigará as plataformas a terem um "elevado conteúdo de fabricação nacional", um privilégio nacional-desenvolvimentista que servirá para as indústrias fornecedoras aumentarem seus preços e encarecer ainda mais o processo produtivo.
Sabendo de tudo isso, é realmente de se estranhar que tenha havido um interesse quase nulo das petrolíferas privadas?  Quem iria se sujeitar a um marco regulatório tão arbitrário e politicamente subjetivo quanto este?  Dado que a Petrobras detém 40% de participação no consórcio, e é hoje a empresa mais endividada do mundo, por acaso seria algum exagero prever que todos esses direitos assegurados ao governo brasileiro é que irão ditar os investimentos e as decisões de desenvolvimento?  Como afinal será o critério para decidir qual será o volume de petróleo suficiente para cobrir os custos da produção e suficiente para garantir algum ganho às empresas? 
Não é nada surpreendente que as grandes e experientes petrolíferas privadas nem sequer tenham se apresentado para participar dessa presepada, deixando a encrenca para as estatais chinesas. 
O que está acontecendo, portanto, é um agigantamento do estado no setor petrolífero.  E isso está sendo vendido ao público como "privatização".  Realmente, é desesperadora a situação do debate econômico no Brasil.
Solução
Os problemas de um setor petrolífero nas mãos do estado são óbvios demais: ele gera muito dinheiro para políticos, burocratas, sindicatos e demais apaniguados.  Isso é tentador.  A teoria diz que toda e qualquer gerência governamental sobre uma atividade econômica sempre estará subordinada a ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais desvios de verba.  No setor petrolífero, Venezuela, Nigéria e todos os países do Oriente Médio comprovam essa teoria.
Um setor ser gerido pelo governo significa apenas que ele opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Um empreendimento estatal não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.  O interesse do consumidor é a última variável a ser considerada.

No setor petrolífero brasileiro, o dinheiro é retirado do subsolo e despejado no buraco sem fundo da burocracia, da corrupção, dos privilégios e das mamatas.  Todos os governos estaduais e todos os políticos do país querem uma fatia deste dinheiro para subsidiar suas burocracias e programas estatais preferidos.  Consequentemente, em todos os setores em que esse dinheiro é gasto, ele é desperdiçado.  Como é economicamente impossível o governo produzir algo de real valor, ele na prática apenas consome os ativos e a riqueza do país.
Caso o setor petrolífero estivesse sob o controle de empresas privadas, todo o dinheiro retirado do subsolo seria de propriedade destas empresas e de seus acionistas.  Sim, haveria impostos sobre esse dinheiro.  Mas a maior parte dele ainda iria para mãos privadas.  É assim nos EUA e em vários países da Europa.  Tal arranjo mantém o dinheiro longe das mãos do governo e dos demais parasitas, e garante que a produção e a distribuição sempre ocorrerão estritamente de acordo com interesses de mercado, e não de acordo com conveniências políticas.
Sendo assim, qual a maneira efetiva de se desestatizar o setor petrolífero do Brasil?  Legalizando a concorrência.  Para isso, bastaria o estado se retirar do setor petrolífero, deixando a Petrobras à sorte de seus próprios funcionários, que agora não contariam com nenhum monopólio, nenhuma proteção e nenhuma subvenção.  O estado não venderia nada para ninguém.  Apenas sairia de cena, aboliria a ANP e nada faria para impedir a chegada concorrência estrangeira.  
A Petrobras é do povo?  Então, nada mais coerente do que colocar este mantra em prática: após a retirada do governo do setor petrolífero, cada brasileiro receberia uma ação da Petrobras que estava em posse do governo.  E só.  Ato contínuo, cada brasileiro decidirá o que fazer com esta ação.  Se quiser vendê-la, que fique à vontade.  Se quiser mantê-la, boa sorte.  Se quiser comprar ações das outras empresas petrolíferas que agora estarão livres para vir operar aqui, sem os onerosos fardos da regulamentação da ANP, que o faça.  Se a maioria dos acionistas brasileiros quiser vender suas ações para investidores estrangeiros, quem irá questionar a divina voz do povo?  Se o povo é sábio o bastante para votar, então certamente também é sábio o bastante para gerenciar as ações da Petrobras. 
O objetivo supremo é fazer com que o dinheiro do petróleo vá para as mãos do povo, e não para o bolso de políticos e burocratas.  É assim que acontece em outros países, principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais barata que a nossa.
Conclusão
É claro que isso nunca será feito.  Isso significaria capitalismo genuíno.  Significaria cidadãos privados participando ativamente da riqueza gerada pela indústria petrolífera, e se beneficiando dela — algo proibido em arranjos socialistas como o que vigora no Brasil. 
Sem o estado participando ativamente do setor petrolífero, não mais seria possível ocorrer as manipulações, as indicações políticas e os jogos de favorecimento a companheiros no alto comando da Petrobras. 
Mas nenhum governo de nenhum partido fará esse tipo de reforma.  Imaginar que políticos irão voluntariamente abrir mão dos privilégios gerados pela Petrobras é tão lógico quanto imaginar que cupins irão voluntariamente abdicar da madeira.  O governo é naturalmente formado por insaciáveis praticantes da espoliação pública.  Tais pessoas não apenas querem utilizar o dinheiro do petróleo para financiar seus próprios projetos eleitoreiros, como também querem ter o governo subsidiando esses seus buracos sem fundo.  Só nos resta aguentar.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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Ainda sobre o leilão de Libra
BERNARDO SANTORO*

A banda “Nirvana” tinha uma música chamada “Lítio”. Não tem a ver com a Bolívia mas é tão depressiva quanto as políticas desse país.
O assunto relativo ao leilão dos campos de libra já foi magistralmente esgotado pelo artigo definitivo de Leandro Roque no IMB, que recomendo vivamente, onde o autor demonstra que o petróleo do pré-sal só é viável se o preço do barril estiver muito alto e que o modelo de partilha adotado vai sangrar os cofres públicos nacionais.
Mas cabe comentar, rapidamente, o dia seguinte desse leilão e a incrível reação da oposição política brasileira ao tema, que se recusa a tomar um papel de vanguarda racional em qualquer discussão nacional.

O candidato supostamente liberal, Aécio Neves, declarou, de maneira jocosa que houve uma privatização do campo de Libra, como se privatizar fosse ruim, e que nós precisamos reestatizar a Petrobras, entregar a Petrobras novamente aos brasileiros e aos seus interesses”.
Uma boa medida da irracionalidade de um discurso é quando o PSOL o apoia. O Dep. Ivan Valente, do PSOL-SP, declarou, na mesma medida, que “o que foi feito ontem foi um crime contra a soberania nacional. É privatização sim, e é a maior de todas, maior que a da Telebrás e da Vale“.
É com psolistas que Aécio Neves pretende marchar em 2014?
Como esclareceu o Presidente do IL em seu blog ontem, Dilma está certa ao dizer que não houve privatização. Uma privatização de verdade é conduzida de modo em que os efeitos benéficos do livre-mercado se faça presente na atividade econômica. Nada disso aconteceu no evento desta semana.
Senão vejamos: a Petrobras, e o governo, ainda são os sócios majoritários da exploração, o que significa que essa exploração vai atender a interesses políticos do governo, e não econômicos da população. Não haverá concorrência na exploração do campo, que foi entregue de maneira monopolística ao consórcio vencedor. Haverá a extrema regulação de quantidade e preço de petróleo extraído, sob a supervisão da ANP. E ainda temos uma estranha participação do governo chinês na exploração, o que significa que também vamos ter de atender interesses políticos do governo chinês.
A única parte lúcida do discurso de Aécio Neves ontem foi que o pagamento de 15 bilhões de reais feitos pelo consórcio ao governo ainda vai servir para fechar as contas dessa administração perdulária e descumpridora da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual vive driblando com truques contábeis e mercadológicos como este que vimos na segunda.
E enquanto isso vamos imitando o modelo boliviano sobre o lítio. A Bolívia tem 50% das reservas mundiais de lítio, que é um ótimo metal para uso em baterias, o que seria uma imensa riqueza no momento em que os carros elétricos estão se popularizando. A Bolívia impede de todos os meios a exploração do elemento em escala industrial, o que está levando países avançado a descobrir novos materiais para substituí-lo. Em breve a Bolívia estará em cima de um monte de “riquezas” que não valerão um tostão.
Que isso não aconteça com o sub-explorado petróleo brasileiro. (alguém falou em gás de xisto aí?)

*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Pre-sal: leilao e capitalizacao da Petrobras - Raul Velloso

As informações oficiais falam em "disputa" e mencionam um "consórcio vencedor".
Ora, não houve NENHUMA disputa, e não houve nenhum consórcio VENCEDOR.
 Só teve perdedores, por enquanto.
O governo, por ter imposto um modelo que não vingou, não atraiu ninguém e ficou nos acertos entre companhias, para gastar o mínimo e obter o que fosse possível.
As companhias também perderam, pois já tem de desembolsar um montante considerável de recursos (15 bilhões de reais) e depois fazer investimentos arriscados para um campo que até pode ter muito petróleo, mas não se sabe quanto vai custar extrair, e se será rentável em função do preço do barril nos mercados internacionais.
Paulo Roberto de Almeida

“O governo não tem como capitalizar a Petrobras”
21 de outubro de 2013
Raul VellosoComunicação Millenium
  
Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), as reservas recuperáveis no campo de Libra, na Bacia de Santos, chegam a 15 bilhões de barris de óleo. No entanto, os petroleiros que, esta segunda-feira, 21 de outubro, protestaram na Barra da Tijuca, bairro carioca em que o leilão aconteceu, acusam o governo de entregar a riqueza nacional ao capital privado e por um valor irrisório.

O economista Raul Velloso diz que não existe argumentos que impeçam o setor privado de investir nessa área. O ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento acrescenta que o governo não dispõem de recursos para tanto. “O governo não tem como capitalizar a Petrobras”, enfatiza.
Velloso acredita que o uso do dinheiro obtido a partir das concessões deve ser a principal preocupação. “Há o risco de o setor público desperdiçar recursos que deveriam ser investidos em áreas críticas, como infraestrutura, que dão um retorno à sociedade. O dinheiro não pode ser empregado em nenhum gasto corrente”, argumenta.
Citando o leilão das rodovias, Velloso chama a atenção para a distorção do modelo de concessão. Segundo ele, o formato favorece a entrada de empresas despreparadas na disputa. O economista explica que o governo deixa de realizar duas etapas importantes para a licitação: a pré-qualificação e o plano de negócios.
“O governo contrata às cegas, baseado apenas nas ofertas dos candidatos, que, muitas vezes, oferecem tarifas irreais só para vencer a concorrência e depois pedem socorro”, critica.

Do ponto de vista financeiro, Velloso reforça que a Petrobras não está preparada para explorar o pré-sal sem o apoio do setor privado. Ele lembra que o governo interferiu de tal forma na dinâmica de preços que empurrou a empresa para dificuldades financeiras além do normal. “Analisando ainda a questão da gestão, as empresas estrangeiras podem proporcionar mais ganhos em produtividade”, conclui.
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21/10/2013. SEPARATA. MME. ANP. PETROBRÁS– RESULTADO DO LEILÃO DO CAMPO DE LIBRA. PRÉ-SAL. 

MME. ANP. PETROBRAS, SHELL, TOTAL, CNPC E CNOOC VENCEM A 1ª RODADA DO PRÉ-SAL. 

O consórcio formado pelas empresas Petrobras (40%), Shell (20%), Total (20%), CNPC (10%) e CNOOC (10%) foi o vencedor da 1ª.Rodada do Pré-sal, realizada hoje (21/10), no Rio de Janeiro, com a oferta da área de Libra, na Bacia de Santos. O excedente em óleo oferecido pelo consórcio, critério que define o primeiro colocado na licitação, foi de 41,65%. A Petrobras, que será a operadora de Libra, entrou com 10% na oferta vencedora, além da sua participação mínima de 30% na área. O consórcio também terá que pagar um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões e arcar com um programa exploratório mínimo de cerca de R$ 610.903.087,00 milhões. A diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, afirmou que a licitação é uma excelente oportunidade de aceleração do desenvolvimento industrial do país e do crescimento dos níveis de emprego e renda no país. “Serão aplicados 75% dos royalties do pré-sal na Educação e 25% na Saúde. E estimamos que apenas Libra seja capaz de gerar cerca de R$ 300 bilhões em royalties ao longo de 30 anos de produção”, frisou a diretora-geral da Agência. Para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a exploração de Libra dá início a um novo tempo no Brasil. “Libra será um divisor de águas entre o passado e o futuro do setor de petróleo no país”, destacou o ministro. A licitação do bloco de Libra é a primeira experiência do Brasil no regime de partilha da produção. A área está localizada na Bacia de Santos a cerca de 170 km do litoral do estado do Rio de Janeiro e tem cerca de 1.500 km2. 

PORTAL G1. CONSÓRCIO FORMADO POR PETROBRAS E MAIS 4 EMPRESAS VENCE LEILÃO DE LIBRA. GRUPO 

TAMBÉM É COMPOSTO POR SHELL, TOTAL, CNPC E CNOOC. CONSÓRCIO REPASSARÁ À UNIÃO 41,65% DO ÓLEO EXTRAÍDO DO CAMPO DO PRÉ-SAL. O consórcio formado pelas empresas Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC arrematou nesta segunda-feira (21) o campo de Libra e foi o vencedor do primeiro leilão do pré-sal sob o regime de partilha – em que parte do petróleo extraído fica com a União. Único a apresentar proposta, contrariando previsões do governo, o consórcio ofereceu repassar à União 41,65% do excedente em óleo extraído do campo – percentual mínimo fixado pelo governo no edital. Nesse leilão, vencia quem oferecesse ao governo a maior fatia de óleo – o regime se chama partilha porque as empresas repartem a produção com a União. O consórcio vencedor também terá que pagar à União um bônus de assinatura do contrato de concessão no valor de R$ 15 bilhões. Segundo a Agência Nacional do Petróleo(ANP), esse valor deve ser pago de uma vez. O pagamento tem que estar depositado para que o contrato seja assinado – o que a Magda Chambriard, diretora geral da agência, previu que aconteça em cerca de 30 dias. A Petrobras deverá arcar com 40% desse pagamento. A Petrobras terá a maior participação no consórcio vencedor, de 40%. Isso porque, embora a proposta aponte uma fatia de 10% para a estatal, a empresa tem direito, pelas regras do edital, a outros 30%. A francesa Total e a Shell terão, cada uma, 20%. Já as chinesas CNPC e CNOOC terão 10% cada. 

'SUCESSO'. Apesar da proposta única, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, adotaram um discurso otimista nas respostas aos jornalistas que os questionaram sobre o resultado do leilão, diferente da previsão do governo. “O que aconteceu foi um sucesso absoluto, onde Libra vai ter resultado da ordem de trilhão de reais ao longo de 35 anos [para o governo]. Ninguém pode ficar triste com isso”, disse Chambriard. 

"Houve competição e o resultado não poderia ter sido melhor". “Não houve nenhuma frustração, na medida que temos um bônus de assinatura que é considerável [R$ 15 bilhões, que será pago pelas vencedoras, inclusive a Petrobras] e o mínimo de 41,65% de excedente de óleo. Portanto, nenhuma frustração”, disse Lobão. A diretora-geral da ANP apontou que as empresas que formam o consórcio estão entre as maiores do setor de energia no mundo. Ela disse ainda que, somados os ganhos com o bônus de assinatura, a partilha do óleo, o retorno da participação na Petrobras e o pagamento de royalties pelas concessionárias, entre outros, a União deve ficar com o equivalente a cerca de 80% do óleo extraído de Libra. Sobre a desistência de grandes petroleiras do leilão, Magda disse que a BP procurou a ANP e mostrou interesse em participar da exploração do campo de Libra, mas a empresa ficou com receio devido aos prejuízos que teve com o desastre ambiental no Golfo do México. A previsão inicial da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (ANP) era que até 40 empresas poderiam participar do leilão de Libra – gigantes do setor como as norte-americanas Exxon Mobil e Chevron e as britânicas BP e BG nem chegaram a se inscrever. 

TOTAL E SHELL SURPREENDERAM. Analistas ouvidos pelo G1 afirmam que a entrada das empresas Total e Shell no consórcio vencedor surpreendeu. Isso porque o regime de partilha é visto por eles como desvantajoso para as empresas participantes. “Já era esperado que teria só um consórcio e que a Petrobras entraria. Eu acho que a única surpresa é a Shell e a Total terem entrado, porque num primeiro momento as pessoas achavam que elas não entrariam”, disse o ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn. “É um modelo que nunca vai permitir competição. 
O fato de ter sido ofertado o mínimo [de 41,65% do óleo produzido] também não é surpresa, porque o modelo não ocorre a competição e vai dar sempre o mínimo desse jeito”. O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, também disse, em entrevista à Globonews, ter ficado surpreso com a entrada das duas empresas no consórcio. Ele também avaliou que o fato de ter apenas uma proposta é ruim para o Brasil. "Era esperado o passe mínimo. Quando não tem concorrente, você dá uma oferta mínima, porque teria a certeza que não haveria concorrente, o que é ruim para o país. Se tivesse concorrente, teria um excedente para a união maior do que 41,65%". Outro fato que surpreendeu no resultado do leilão foi a pequena participação das estatais chinesas. CNPC e CNOOC terão 10% do consórcio cada.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Trunfos petroliferos - Caderno especial do Valor sobre o pre-sal (18/10/2013)

Transcrevo a matéria do jornal Valor sobre o petróleo do pré-sal.
"Trunfos petrolíferos", por Cyro Andrade e Marcia Pinheiro, Valor Econômico, Caderno EU & Fim de Semana, Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de outubro de 2013, ano 14, n. 675, p. 9-11. 
A íntegra de minha entrevista foi postada neste blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/10/energia-no-brasil-e-no-mundo-caderno-do.html). 

Trunfos petrolíferos

Cyro Andrade e Márcia Pinheiro | Para o Valor, de São Paulo, 18/10/2013, Caderno Fim de Semana

Se confirmadas as melhores expectativas quanto às potencialidades das jazidas do pré-sal, de que o campo de Libra, na bacia de Santos, tornou-se símbolo de futura independência energética do país, o Brasil terá alcançado um patamar de segurança incomum nessa área - e atributos adicionais para fortalecer suas posições no jogo geopolítico global, em que o petróleo constitui carta relevante, tanto para quem a tem como para quem, sem ela, deve amoldar-se a inelutáveis insuficiências. 
O mapa global do petróleo passa por um momento particular. Com os preços em níveis historicamente altos, projetos de exploração antes engavetados tornaram-se viáveis nos últimos anos. O resultado é o início de um novo ciclo de crescimento de oferta no mundo, com consequências diversas, que vão contribuir para a reconfiguração do setor. Países com grande possibilidade de explorar petróleo de diferentes maneiras, como o Brasil na camada pré-sal, ganham força na cena global. 

Enquanto isso, produtores tradicionais, como os países do Oriente Médio, tendem a ter uma redução de relevância, principalmente para a América do Norte e a Europa. Os Estados Unidos, por exemplo, são um dos principais clientes da região, mas começam a reduzir sua dependência externa com a elevação da produção interna, principalmente de gás. 
Na mesa em que países vão assim jogando o jogo da segurança energética, a soma zero não é resultado infrequente em questões econômicas, de defesa, de sobrevivência de regimes e, não raro, tudo isso ao mesmo tempo. As equações com as quais se administram interesses, sejam quais forem, e respectivas variáveis, são inúmeras. Já agora, porém, e há bastante tempo, mesmo antes de realizadas as entusiasmantes previsões de produção do pré-sal no campo de Libra - entre 8 e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo - pode-se ver o Brasil exercitando a musculação derivada do petróleo em movimentos de uma política externa que analistas consideram privilegiada: é um trunfo o grau de flexibilidade de ação do país, que não estaria ao alcance de outros atores na mesa da geopolítica. China e Índia seriam casos de "players" de alguma forma constrangidos por insuficiências, em matéria de disponibilidade energética, que o Brasil vem superando com desenvoltura e correspondentes ganhos de autonomia em política externa - por exemplo, nas posições que assume em relação ao Irã e quando mantém em suspense, a um só tempo, fornecedores de aviões militares europeus e americanos. Não é difícil perceber triangulações de interesses em que o Brasil joga, ou pode vir a jogar, partidas geopolíticas em que deve interagir com interlocutores não exatamente dispostos ao diálogo entre eles mesmos. 

Para Ciro Marques Reis, doutorando em geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Grupo de Pesquisa GeoBrasil, "em um primeiro momento, a descoberta das enormes jazidas de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro foi vista como uma espécie de bilhete premiado, que permitiria ao país entrar em um grupo seleto de países com capacidade de barganha política e comercial baseada na condição de detentor de grandes reservas de petróleo". No entanto, mesmo nos melhores cenários futuros, que Reis desenha como eventualidades para 2030 ou 2040, possivelmente o Brasil ainda não estará produzindo petróleo suficiente para se tornar um exportador líquido de peso, e para subir novos degraus na escala de relevância global. Mas não há dúvida, também diz Reis, de que, em termos de segurança energética e de uma certa blindagem contra movimentos inesperados do mercado mundial do petróleo, o pré-sal agrega valor a uma já importante posição geopolítica do Brasil, principalmente na América do Sul. 

Demora para a realização do primeiro leilão no regime de partilha abriu um parêntesis na fortificação das posições brasileiras 


A demora de vários anos para a realização do primeiro leilão do pré-sal sob a regra de partilha iria abrir um parêntesis na regularidade do percurso de fortificação do perfil geopolítico do país. Razões de política interna pesaram bastante, na decisão de mudar o sistema e, depois, durante o debate que antecedeu a nova normatização. É fato, porém, que também se escrevia um capítulo novo na história da gestão dos interesses brasileiros em questões essenciais de economia política e orientação do desenvolvimento. A geopolítica prática condensa movimentos domésticos e externos, em constante reacomodação de mútuas influências. Nesse mesmo processo, exibiam-se para públicos externos novas referências escolhidas para o exercício do jogo geopolítico -, que começam a ser testadas, em seu acerto e relevância, já a partir do próprio leilão das jazidas do campo de Libra. 

Questionou-se, e questiona-se ainda, a necessidade, do ponto de vista econômico, de um novo marco regulatório - o regime de partilha, em substituição ao de concessão. Neste, a empresa operadora paga de antemão um montante fixo ao Estado, que se apropria de toda a receita gerada depois. Na partilha, a receita é dividida entre a empresa vencedora (num leilão no qual o lance é uma porcentagem da receita gerada) e o Estado, que detém direitos parciais de acionista. 

O economista Samuel Pessôa, professor de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV), está entre os críticos. Lembra que, na argumentação do governo, a mudança de marco regulatório serviria ao aumento das receitas públicas, porque o risco geológico havia caído. Significa dizer que o campo de Libra tem um imenso reservatório de petróleo de boa qualidade. Na verdade, o primeiro objetivo, diz Pessôa, teria sido facilitar a coordenação, pela Petrobras, de uma política de substituição de importações no setor petrolífero, particularmente no segmento de bens de capital. Seu contra-argumento: a base de arrecadação será a mesma e a indústria do petróleo brasileira já era pujante com o regime de concessão. "Esse não era um problema grave, a ponto de parar um setor que andava muito bem." Para Pessôa, o custo político e financeiro da alteração não justifica a adoção do modelo de partilha. 

Com a demora na definição do novo sistema - sete anos, desde a descoberta do pré-sal - e enquanto, agora, apenas se inicia o traçado da exploração concreta do campo de Libra, surgiram outras fontes de produção. Rubens Barbosa, embaixador do Brasil em Washington no governo de Fernando Henrique Cardoso, observa que os Estados Unidos fizeram um monumental investimento a partir de 2003, a despeito das dificuldades iniciais envolvendo protestos de ambientalistas, no chamado gás de xisto (folhelho), em ação concatenada à perspectiva de reindustrialização do país - o que demandaria mais energia disponível. Em 2015, os Estados Unidos deverão superar a Rússia e se tornarão o maior produtor de gás natural do mundo. Até 2017, deverão desbancar a Arábia Saudita e passarão a ser exportadores líquidos de combustíveis em 2025. 

Não é pouco cacife, então, que os Estados Unidos acrescentam a um naipe de cartas exclusivas - seu PIB de US$ 15 trilhões e poderio político correspondente, ainda que um tanto relativizado em face da ascensão da China no cenário internacional. Mas a China está na mesa do jogo geopolítico como grande consumidora-importadora de petróleo. Não é pequeno, de todo modo, seu próprio cacife: suas reservas em moeda estrangeira andam por volta de US$ 3,5 trilhões, que alimentam um fundo soberano de investimentos, mundo afora, que no fim do ano passado chegava perto dos US$ 600 bilhões - em parte considerável aplicados em parcerias na área do petróleo, como as que os chineses pretendem estabelecer com o Brasil, a exemplo do que fazem com especial empenho na África, se empresas suas representadas saírem vencedoras no leilão de Libra. Está aí um bom exemplo da triangulação de interesses que o cacife petrolífero e a flexibilidade de movimentos no cenário internacional garantem ao Brasil. 

Outras fontes de produção surgiram no vácuo da indecisão brasileira, diz Rubens Barbosa; Samuel Pessôa questiona a utilidade real do regime de partilha, no lugar de concessões 


É evidente o declínio, ainda que lento, da importância do Oriente Médio no mercado de petróleo e a ascensão das Américas, que têm como eixo produtor Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela e Brasil. Do lado consumidor, a China passou a ser um "player" fundamental e o Japão poderá em breve entrar nessa lista. Naturalmente, o andamento da economia mundial, ainda às voltas com desdobramentos da crise exposta em 2007/2008, encerra fatores determinantes tanto da demanda de petróleo como das suas oscilações de preço. Nesse contexto de perspectivas não propriamente claras, que importância efetiva, de um ponto de vista geopolítico, o Brasil terá ganho com as potencialidades do pré-sal? 

Para o diplomata Paulo Roberto Almeida, estudioso de relações internacionais, as incertezas relacionadas ao custo de produção e à tecnologia necessária para a exploração não permitem dizer que o país ganhará grau de proeminência global como participante do G-20 e de outros fóruns internacionais. 
Samuel Feldberg, coordenador dos estudos do Oriente Médio do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo, pensa de maneira semelhante. Em sua opinião, a importância do pré-sal, em termos geopolíticos, é "zero", porque o campo nem sequer começou a ser explorado e há ainda incertezas sobre como será a matriz energética no futuro, quando a produção começará a fluir. 
Jean-Paul Prates, diretor-geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, é otimista. "O Brasil já é tratado com deferência, por ser uma 'powerhouse' [potência]. Estamos muito bem consolidados no setor energético." Ciro Marques Reis afirma que o Brasil tem marcado presença entre as principais economias do mundo mesmo antes do pré-sal, e um reservatório dessa magnitude sempre será credencial relevante em fóruns mundiais. 
A identidade petrolífera que o Brasil projeta hoje no mundo veio sendo construída por caminhos nem sempre retos, nem em compasso constante. Até o início da década de 1970, o modelo de exploração foi genuinamente nacional. A flexibilização do monopólio da Petrobras começou com o então presidente Ernesto Geisel. "Ele viu que era impossível manter o nível de investimento necessário para o crescimento do setor", diz Barbosa. 

Geisel fortaleceu a Petrobras, da qual havia sido presidente, criando os contratos de risco de exploração de petróleo em 1976, que permitiam a associação da estatal com empresas estrangeiras. Levou a Petrobras à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. 

Ainda não é possível dizer que o pré-sal poderá garantir proeminência global ao Brasil no G-20 e outros fóruns internacionais, avalia Paulo Roberto Almeida 

Outro passo em direção à flexibilização se deu no governo Fernando Henrique Cardoso. Com ele, foi criado o modelo de concessão, diz Rubens Barbosa. "Essa mudança não foi isolada. Veio no bojo de um esforço para modernizar o país." 
Na opinião de Almeida, Fernando Henrique "se aproveitou de um momento único na história do Brasil: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária, que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e a política do país: a crise permitiu aprovar diversas medidas, constitucionais e infraconstitucionais". Os pilares das mudanças foram, então, a abertura da economia ao capital externo - de certo modo, iniciada no governo de Fernando Collor - a privatização das empresas controladas pelo Estado, a quebra dos monopólios estatais, o afastamento do Estado da regulamentação econômica e a modificação do conceito de empresa nacional. 

Com o compromisso de que a Petrobras não seria privatizada, Fernando Henrique conseguiu promulgar a lei 9.478, em 6 de agosto de 1997, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros carbonetos, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. Foram também criados os dois novos agentes que atuariam no setor: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), incumbido de propor políticas nacionais e medidas específicas para o setor, e a Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão regulador da indústria. 

O modelo de concessão vigorou até a descoberta do pré-sal, em 2006, cuja maior área de acumulação é a de Libra, com reservas calculadas entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris equivalentes de petróleo, incluindo gás natural. Quatro anos depois, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Lula a lei 12.351, do novo regime regulatório para o pré-sal, o contrato de partilha de produção. 
A descoberta do campo de Libra deve, em tese, suprir o descompasso entre produção e consumo no país. O Brasil, que produz 1,98 milhão de barris de petróleo por dia, nunca foi autossuficiente na produção de derivados, embora tecnicamente a Petrobras tenha anunciado esse fato em 2006. Isso, porque, nesse ano, a produção de petróleo igualou-se ao consumo de derivados (igualar ou superar significa "autossuficiência volumétrica" na metodologia da empresa). Entre 2007 e 2012, entretanto, o consumo de derivados cresceu mais fortemente. Segundo dados da ANP, a dependência externa média da gasolina é de 13%, enquanto a do diesel é de 15% e a de gás natural e querosene de aviação é de 20%. A conta petróleo da balança comercial é deficitária (US$ 9,9 bilhões em 2012, sendo US$ 9,1 bilhões apenas em derivados). 
O pré-sal é muito, mas não é tudo. No jogo geopolítico global, o Brasil poderá sempre ostentar a outra face de sua identidade energética, aquela constituída por amplas, e ainda modestamente exploradas, potencialidades dos biocombustíveis, em que o país é dominante nos mais ambiciosos espaços da fronteira tecnológica. Nesse quesito, dificilmente um outro país poderá ter carta melhor que esta - nem mesmo os Estados Unidos, e muito menos a China. Vislumbram-se aí novas possibilidades de triangulações. 

Energia no Brasil e no mundo: caderno do Valor e material PRAlmeida (completo)

O Caderno de Fim de Semana do jornal Valor Econômico publicou, nesta sexta-feira 18 de outubro, uma reportagem especial sobre petróleo do pré-sal e suas implicações para o Brasil, tanto do ponto de vista econômico, como de seu possível impacto geopolítico nas relações internacionais.
Fui contatado por jornalista para responder algumas perguntas, o que fiz de modo obviamente bem mais completo do que o que é possível acomodar numa simples matéria de jornal. Sempre é assim e isso faz parte das regras do jogo do trabalho dos jornalistas.
Acontece que sempre aproveito essas oportunidades para ver mais claro no panorama proposto e acabo escrevendo mais do que o esperado. Mas se trata de meu próprio esclarecimento, e acredito que possa servir aos curiosos na matéria e aos estudantes de forma geral.
Por isso transcrevo aqui tudo o que redigi em torno dos pontos focados pela matéria.
Paulo Roberto de Almeida

A questão energética no Brasil: petróleo, Petrobras e políticas de governo

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas pela jornalista Marcia Pinheiro
Valor Econômico (pinheiromarcia@terra.com.br)
Princeton, 7-8/10/2013
Publicada apenas uma frase na matéria: 
"Trunfos petrolíferos", por Cyro Andrade e Marcia Pinheiro,
Valor Econômico, Caderno EU & Fim de Semana, Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de outubro de 2013, ano 14, n. 675, p. 9-11.


Questão inicial: Como FHC conseguiu flexibilizar o mercado de petróleo, com tanta campanha contra?

PRA: FHC NÃO flexibilizou o mercado do petróleo, pois isso seria impossível, não só a ele, como a qualquer governo, socialista ou neoliberal. O que FHC fez, em meio a um processo inteligente – mas incompleto – de correção das muitas estupidezes econômicas da Constituição de 1988, foi adequar o Brasil a algumas realidades dos mercados mundiais. Os mercados do e para o petróleo – existem vários, não um único mercado global, alguns deles dominados por carteis, outros teoricamente livres, outros influenciados por ditaduras petrolíferas, e várias outras modalidades intermediárias – são gigantescos, e o Brasil participa de uma pequena parte deles, antes importando 80% do que consumia, atualmente em situação de equilíbrio instável, mais ainda exportando muito cru, e importando também muito cru e derivados, o que é irracional, mas é fruto das políticas erradas mais recentes.
            FHC se aproveitou de um momento único na história do Brasil, que provavelmente vai demorar para voltar: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária e que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e para a política do País: a crise permitiu aprovar diversas medidas – constitucionais e infra – que não tiveram, infelizmente continuidade. Os esquerdistas atrasados – concentrados no PT e nos outros partidos de esquerda, ainda que alguns sejam propriamente fascistas – estiveram momentaneamente na defensiva, embora todo governo constituído sempre possa contar com a boa disposição fisiológica da maior parte dos políticos em apoiar o governo em vigor, qualquer governo. Uma liderança dotada de visão de futuro pode, assim, reformar as regras constitucionais e a legislação do setor do petróleo a essa abertura ao capital estrangeiro, combinada a um tratamento puramente comercial da Petrobras, que teve liberdade para se desenvolver como companhia, não como cabide de emprego de políticos, o que ela era antes e voltou a ser depois. Infelizmente, não se avançou na abertura total do setor e na privatização da Petrobras, o que teria sido excelente para o Brasil e para a própria companhia, que assim poderia crescer mais ainda sem interferências dos governos e sem essa promiscuidade gerada por políticos rentistas. Lamentavelmente, o setor retrocedeu absoluta e relativamente depois que terminou o governo FHC, com várias distorções se acumulando ao longo do tempo, num verdadeiro trabalho de destruição da Petrobras, processo conduzido pelos governos posteriores.
Mas a campanha contra a mudança de regime foi e é relevante, tanto que se conseguiu convencer os brasileiros que a Petrobras é um “patrimônio do povo brasileiro”, quando ela é apenas uma empresa estatal, importante, certo, mas manipulada antes e atualmente por interesses políticos que não tem nada a ver com a atividade-fim. Os brasileiros – como ocorria antes no caso da Vale, uma empresa na origem estrangeira, privatizada pelo governo Vargas, e que vale imensamente mais agora, privatizada, do que durante o meio século que permaneceu em mãos do governo – estão convencidos de que o petróleo é um bem estratégico, o que ele é, mas muito mais é a educação, inclusive para compreender que o petróleo deve ser tratado como mercadoria, não como a salvação do Brasil. Salvação só existe com povo educado, não com petróleo. O Japão quase não tem petróleo, e não deixou de alcançar a riqueza mesmo sem muita energia. Educação é a chave, não mercadorias.

1. O petróleo sempre desempenhou papel geopolítico de primeira importância na história moderna, interligando produtores e compradores numa rede de interesses ora comuns, ora conflitantes.

PRA: Como qualquer mercado sempre existe oposição de princípio entre compradores e vendedores, cada um querendo maximizar os seus ganhos. Mas não existe um mercado para o petróleo e sim muitos, múltiplos mercados, muito diversos, com características muito diferenciadas dos demais mercados, pois no caso do petróleo cru não se trata de uma commodity como qualquer outra, mas sim de um produto natural, não renovável, relativamente concentrado em pontos determinados do planeta – variáveis em função das tecnologias de exploração – mas que é absolutamente estratégico, central, determinando, absolutamente indispensável à moderna civilização industrial. Para uma informação mais detalhada sobre as características desse produto, e de seus diversos mercados, recomendo uma leitura dos dois livros indispensáveis de Daniel Yergin sobre a economia política do petróleo, já traduzidos e publicados no Brasil: são, provavelmente,  mais de 1.600 páginas, no conjunto, mas vale a pena o esforço. Uma consulta a seu site de consultoria em energia, baseado em Cambridge, Massachussetts, também seria recomendável.

2. Grandes produtores (países do Oriente Médio e do Norte da África), de um lado, e grandes consumidores (países centrais, em sentido amplo), estabeleceram-se há muito tempo como protagonistas no xadrez geopolítico global.

PRA: Essa realidade já mudou muito e está mudando cada vez mais. A China já é uma grande consumidora global – embora não per capita – de petróleo, e há muito tempo deixou de ser uma produtora autossuficiente: para ela, ter acesso a fontes seguras de petróleo é absolutamente vital, mais até do que para os países ocidentais, que podem contar com diversas fontes relativamente seguras, inclusive porque dominam amplamente tecnologias e os mercados de futuros e o mercado spot de petróleo. Ou seja, o mundo ocidental ainda tem algum controle – não sobre fontes, mas – sobre comercialização e industrialização desse produto estratégico. Mas, grandes países periféricos vem igualmente adquirindo certa preeminência em alguns dos mercados, inclusive de derivados, e no consumo.
A geopolítica do petróleo também mudou bastante: até o segundo choque do petróleo (1979), a OPEP (e dentro dela a OPAEP, árabes) eram responsáveis por parte substancial da oferta mundial e quase 70% das reservas declaradas. Já não é mais o caso, e o cartel da OPEP já não tem condições de ditar as regras dos diversos mercados de petróleo cru, inclusive porque os próprios países membros não cumprem suas decisões por inteiro. Hoje mais da metade das reservas e da oferta de petróleo é não-OPEP. Se trata de uma diferença importante em relação ao passado. Ver Yergin para essas mudanças.

3. Graças a avanços técnicos que possibilitam a descoberta de grandes reservas e, sobretudo, a exploração e produção de petróleo e gás de fontes não convencionais, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela podem levar o continente americano a uma posição de menor ou nenhuma dependência energética em relação às regiões fornecedoras tradicionais.

PRA: O continente americano não pode ser tomado no plano hemisférico. A América do Norte é tanto produtora quanto consumidora, e este aspecto domina no caso do Canadá e EUA, que vem se tornando novamente um grande produtor de energia, em suas diversas formas. A América Latina, por sua vez, é excedentária em energia, em suas diversas formas, e é uma consumidora moderada, mas isso deve crescer. Mas ela ainda detém tecnologia restrita – com algumas exceções, entre elas o Brasil – e não controla mercados de comercialização. Dependência energética todos os países têm, dependendo das fontes disponíveis, da tecnologia mobilizada, do ritmo de exploração e da intensidade de consumo (hoje, por exemplo, os países avançados consomem muito menos petróleo por unidade de produção do que nos anos 1970, enquanto a China ainda “desperdiça” petróleo no seu setor industrial). Na América Latina, a despeito de existirem grandes produtores, os países também são dependentes, e mesmo o Brasil, com o pré-sal, não deve se tornar um grande protagonista nos mercados ofertantes, pois seu consumo também deve crescer (isso se o pré-sal se revelar realmente produtivo). O Brasil deve continuar a ser relativamente marginal na geopolítica mundial do petróleo, ainda que venha a se tornar um grande produtor: ele não reúne as condições para se tornar um grande protagonista nos diversos cenários que podem ser traçados para seu futuro energético, embora venha a assumir algum papel relevante, mas isso deve ocorrer nas energias renováveis, não nas fósseis, provavelmente, e mesmo assim, muito depende das políticas do governo, que nos últimos dez anos errou tremendamente nas diversas vertentes da política energética.

4. Essa condição de agrupamento geográfico não uniformiza, porém, os interesses correntes e estratégicos de cada um desses países no cenário internacional. Bem ao contrário (com exceção, talvez, em certo grau, de Estados Unidos e Canadá.

PRA: Não existe, no cenário previsível, possibilidade de unificar interesses estratégicos dos grandes, médios e pequenos atores nos diversos mercados energéticos, e mesmo nos mercados do petróleo. Os interesses nacionais são extremamente diversos, embora possa existir alguma coordenação e diálogo entre os grandes atores. A OPEP é um cartel, que como todo cartel, pretende apenas extrair renda dos seus clientes e consumidores. Os países da OCDE estão mais ou menos coordenados na Agência Internacional de Energia, que funciona na OCDE, em Paris, justamente, mas se trata mais de um fórum para intercambiar opiniões, trocar informações, desenvolver estatísticas e estudos técnicos de grande sofisticação, que não pode ter a pretensão de coordenar realmente as políticas nacionais dos países. Ou seja, se trata de cada um por si, pois a energia é absolutamente estratégica, vital para o nosso modo de vida, mas assume tantas formas e características que seria totalmente impossível esperar uniformização de interesses nesses mercados. Não se trata mais, como no passado, de uma luta entre impérios para controle das fontes, mas de uma concorrência entre grandes companhias, num mercado fortemente desigual e altamente competitivo, colocando em face, uns dos outros, governos, companhias privadas, estatais, ditadores e especuladores, o que torna difícil coordenar interesses. Ou seja, o mundo deve continuar na relativa anarquia que hoje o caracteriza, sendo porém de se excluir grandes guerras globais para acesso às fontes, o que não exclui escaramuças e guerras localizadas entre países e dentro dos países.
            Existe, como se sabe, uma “maldição do petróleo”, com muitos livros a respeito. Recomendo ler Peter Maass, Crude World: the violent twilight of oil.

5. Nessa rede de interesses geopolíticos internacionais em transformação, o Brasil tem presença que variou de patamar ao longo do tempo, com narrativas políticas que se desenrolaram, ora na frente doméstica, ora na frente externa, mas quase sempre exprimindo alguma forma de conjugação de iniciativas, nos dois campos, em termos de ação governamental consequente. Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? 

PRA: Discordo da expressão “ação governamental consequente”. O Brasil, na verdade, nunca teve uma política coerente para o petróleo, terreno muito submetido a paixões “nacionalisteiras” as mais nefastas e deprimentes do ponto de vista da racionalidade estrita do setor, embora tenha tido políticas energéticas razoáveis, ao longo do tempo. Nos atrasamos na revolução industrial, em parte pela falta de fontes seguras de energia, carvão e petróleo, justamente, o que veio mais tarde, mas com grandes dificuldades e com interferências políticas nefastas em diversas áreas. Mas, por outro lado, soubemos explorar, com algum grau de racionalidade, as fontes naturais, ou seja hídricas. Nesse terreno, as possibilidades ainda existentes vêm sendo sabotadas pelos novos malthusianos da era contemporânea, que são os ecologistas não científicos, essa horda de ambientalistas românticos, que poderiam nos fazer retroceder ao neolítico, se por acaso comandassem governos e políticas públicas (e não só em energia, mas ele alimentos também).
            A matriz energética brasileira é relativamente positiva, com muitos recursos renováveis, e deveríamos continuar assim. Infelizmente (no sentido alegórico da palavra), estamos caminhando para sujar um pouco essa matriz, com a aparente abundância de petróleo do pré-sal, que também pode ser uma “maldição”, dependendo de como seja explorado. O fato é que o pré-sal determinou grandes mudanças nas políticas públicas de energia no Brasil, todas elas nefastas até o momento, pois despertou os instintos rentistas dos políticos e tende a deformar as outras políticas setoriais, inclusive no próprio petróleo.
            Respondo à esta questão – Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? pela negativa, por fatores puramente objetivos, e não com base nas minhas opiniões negativas quanto à “baixa política” governamental em relação ao pré-sal. O pré-sal NÃO vai transformar o Brasil em ator geopolítico relevante no terreno do petróleo, simplesmente porque existem muitas outras fontes mais baratas e acessíveis de petróleo e outros combustíveis fósseis, assim como de renováveis (inclusive no próprio Brasil, se as políticas corretas forem aplicadas, o que ainda não é o caso). Em primeiro lugar, seria preciso ver se o pré-sal é de fato real, o que depende não apenas da tecnologia – que existe mas pode ser difícil – mas basicamente dos mercados ofertantes de energia e de petróleo em particular: a AIE calcula que a extração do petróleo do pré-sal pode estar em torno de 80 dólares o barril (comparando: a média no Oriente Médio deve andar em torno de 12 a 15 dólares, sendo que em alguns lugares pode estar abaixo de 5; se fossemos extrair petróleo no Ártico, não seria possível a menos de 150 dólares). Ou seja, se o barril cair muito nos mercados internacionais, melhor deixar o petróleo do pré-sal onde está, dar até logo e esperar que o preço supere 100 dólares (será sorte do Brasil se ele se mantiver nessa faixa, o que é bastante provável, pois outros produtores, basicamente ditaduras petrolíferas e rentistas do petróleo, têm interesse que seja assim).
Mesmo que tudo dê certo, haverá muito pouco petróleo para fazer com que o Brasil altere radicalmente a balança mundial; o que houver de excedentário ao seu próprio consumo (que deve crescer bastante), será comercializado marginalmente nos mercados globais, pelas companhias que o estão explorando e pela Petrobras. Nada que altere a balança mundial energética, ou a “simples” geopolítica do petróleo. Aquela visão do Lula, do Brasil grande produtor, como sempre é megalomaníaca e não corresponde à realidade.

6. Como variaram, no tempo, as políticas externas brasileiras sob relações de interseção com as posições alcançadas pelo país em termos de suficiência energética? Que peso tiveram, em momentos mais expressivos dessa conexão, as peculiaridades do momento político doméstico vivido pelo país? (Vamos fazer uma linha do tempo com os dados assim levantados).

PRA: O Brasil teve políticas erráticas em relação ao petróleo, um pouco menos erráticas nas outras vertentes energéticas. No petróleo, perdemos muito tempo com bravatas nacionalistas que só nos atrasaram, na produção, na exploração, na comercialização, e sobretudo na distribuição interna, pois a Petrobras sempre foi politizada e usada pelos governos, seja num sentido econômico (como na era militar), seja num sentido baixamente fisiológico, como ocorre desde o início da gestão Lula. Quanto ela começou a funcionar corretamente, na gestão FHC – e sobretudo depois da aprovação da lei do petróleo e da ANP, em 1997 – e prometia grandes avanços nos dois terrenos (exploração e produção, ou seja, prospecção, extração e transformação em derivados, mas menos na comercialização, onde se manteve, infelizmente, o monopólio de fato da Petrobras), veio a nova gestão dos companheiros, que praticamente dinamitou, não apenas a Petrobras, mas boa parte da política energética, ambas submetidas a critérios políticos nefastos e indefensáveis.
            Além da politização da Petrobras, e sua utilização por máfias sindicais, ocorreu um desvio fundamental das políticas corretas anteriormente colocadas em vigor pelo governo FHC, ou seja, tratar a Petrobras – que nunca se cogitou de privatizar – como uma empresa comercial, e deixa-la aplicar critérios técnicos e comerciais em todos os aspectos de suas atividades. A gestão Lula foi negativa, chegando a cometer crimes econômicos, sob certos aspectos, contra Petrobras, contra a matriz energética do Brasil, contra os acionistas e contra o próprio Brasil. Um desastre completo, que está longe de ser corrigido, pois a nova lei aplicada ao pré-sal, de 2010 (ainda não totalmente em vigor, pois além de tudo também destruiu a federação, com o acirramento dos comportamentos rentistas em todos os governos estaduais e em todos os políticos), simplesmente desequilibra completamente uma estratégia racional para o petróleo e para outros combustíveis.
            Um dia vai se poder avaliar, racionalmente, todos os desastres e crimes econômicos cometidos pela gestão lulista nessa área. O Brasil ainda está muito dominado pela euforia nefasta do pré-sal, para que os dirigentes façam uma análise isenta dos equívocos cometidos. Alguns economistas, mas muito poucos, vêm apontando os erros perpetrados pelo governo, em praticamente todas as frentes (renováveis e fósseis), e continuam a ser praticados, sem que se tome consciência da má direção tomada pelo país. Se o Brasil tivesse continuado na lei de 1997 (que permanece, mas os leilões pararam, praticamente), teria conseguido royalties para o governo, sem riscos para a Petrobras, e sobretudo sem o caos legislativo e judiciário criado com a estatização do pré-sal pelo governo irresponsável do presidente Lula. Ou seja, os equívocos no tratamento do petróleo são gigantescos e talvez não sejam mais reversíveis, pois o governo, criminosamente, incitou no mais alto grau os instintos rentistas dos políticos, praticamente “distribuindo” royalties do pré-sal que talvez nem venham a existir, e criando um conflito distributivo entre os estados que não se resolverá sequer no Judiciário (STF). Um caos completo.
            No terreno dos renováveis, os erros não são menores, tanto em relação ao etanol (“afogado” pelo controle de preços criminoso aplicado aos derivados de petróleo), como em relação ao biodiesel. Aqui, o governo foi absolutamente estúpido, ao misturar matriz energética com problemas sociais, criando um programa de biodiesel de mamona a ser fornecido por “agricultura familiar”. Um outro desastre incomensurável, que eliminou o Brasil do mapa dos biocombustíveis, aparentemente tão promissor antes dos desastres cometidos pelo governo Lula. Neste terreno, como em diversos outros, ainda falta fazer a história real, verdadeira, dos equívocos cometidos pelo governo Lula em diversas frentes: na produção, na comercialização, nos estímulos setoriais, no tratamento do capital privado e dos investimentos estrangeiros: ele não acertou uma única vez, errou em todas...

7. O Brasil tem hoje um governo que se pode chamar de esquerda e democrático (como já era com Lula).  É um governo que se relaciona bem, no continente, com governos radicais de esquerda, esquerdistas progressistas, e de centro-direita. É considerado pelos Estados Unidos uma potência sub-regional e um aliado de primeira importância. É membro do G-20. Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética. Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos? Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?

PRA: O governo é de esquerda, certamente, mas de uma esquerda atrasada, estatizante, centralizadora, populista e demagógica, quando existem outros governos de esquerda, no mundo, abertos, reformistas, racionais em economia e dotados de uma visão econômica moderna, receptiva a investimentos estrangeiros e sem muita demagogia populista (no Chile, por exemplo, ou no Uruguai, e em vários países europeus). O governo certamente não é democrático, ainda que não possa implantar um regime autoritário, mas é dominado por um partido neobolchevique que faz de tudo para eliminar as oposições, controlar a imprensa e impor o controle do Estado sobre praticamente todos os setores da vida pública. A bem da verdade, o partido hegemônico e seu governo possuem tendências fascistas, que se revela justamente nessa tentativa de colocar sob o controle do Estado a vida de todas as empresas e de todos cidadãos, e que trata os mais pobres como massa de manobra.
            Quanto ao ambiente externo, se pode dizer que o governo tem tendência a apoiar todas as ditaduras supostamente esquerdistas, como governos autoritários de modo geral, e age com uma grande motivação contra o que ele chama de países hegemônicos, ou seja, as grandes democracia de mercado. Não se deve tomar discursos diplomáticos – como essa expressão usada e abusada de “parceiros estratégicos” – pelo seu valor face, pois existe muita hipocrisia nessas proclamações; se formos julgar pelos discursos, o Brasil tem “parceiros estratégicos” em todos os continentes, e eles são tão mais estratégicos quanto menos “hegemônicos” forem, ou seja, antiocidentais e anti-Estados Unidos. Esta é uma realidade fática, que pode ser comprovada por diversas iniciativas e proclamações do governo atual, não se trata de uma opinião. Basta ler nas entrelinhas e ver as ações reais.
            Quanto às perguntas, respondo topicamente:
            (a) Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética.
            PRA: Não é seguro que o Brasil se torne um exportador líquido de petróleo, e se isso se confirmar, será marginal no mercado mundial, ainda que possa trazer divisas para o Brasil. Creio que haverá um equilíbrio entre consumo e produção com o pré-sal, e os movimentos de comércio exterior nessa área vão depender da capacidade industrial de refino e novas explorações.
(b) Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos?
PRA: Quase nenhuma no plano mundial, apenas tornar o Brasil menos dependente de petróleo importado, mas isso não é em si relevante, pois o petróleo é uma commodity amplamente comercializável nos mercados livres, sem qualquer problema de acesso aos demandantes. Basta ter renda, e renda se consegue exportando quaisquer outros produtos.
(c) Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?
PRA: Não existe independência plena no campo da energia. Nenhum país e totalmente independente, e isso se aplica inclusive e principalmente ao petróleo. Mesmo os países produtores e exportadores de petróleo são em geral dependentes da importação de derivados e, como se disse, o petróleo é, e pode ser, fonte de problemas enormes, como a distorção da economia, e algumas “maldições” não desejadas. Não é seguro que o Brasil (pelo menos no governo atual) consiga desenvolver um modelo “norueguês” de exploração racional do petróleo e de utilização de seus royalties. O que é seguro, até aqui, é que o governo Lula conseguiu piorar amplamente o ambiente geral do Brasil para a exploração racional desse produto estratégico, deteriorando amplamente o quadro institucional e as relações federativas. Em relação à Petrobras, os desastres são visíveis.

8. Talvez essa independência coincida com a dos Estados Unidos, a julgar pelo otimismo com que vem sendo saudada a descoberta de importantes jazidas de óleo e gás de xisto naquele país e possibilidades de sua extração. Quais efeitos poderia ter essa coincidência (se ocorrer) para o fator ‘energia’ na equação geopolítica brasileira?

PRA: Qualquer que seja a evolução energética, pelos seus vetores, nos EUA, parece que o país está motivado para diminuir sua dependência de fontes externas, fósseis e renováveis, e pode conseguir, parcialmente. Isso significa que o Brasil perdeu e está perdendo oportunidades, por cegueira econômica e miopia ideológica, de desenvolver políticas de cooperação com esse gigante econômico, sobretudo em razão da estatização irracional, demagógica, totalmente política, desse setor. O Brasil, como já dizia Roberto Campos, é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades. Pois perdeu também no petróleo e nos renováveis, com os EUA, e com os investidores estrangeiros de modo geral. Só estamos tendo relacionamento com estatais de países autoritários, que não tem o critério do lucro como básico, como é o caso de alguns investidores no campo de Libra.

9. A independência americana pode ser mais difícil de ocorrer do que a brasileira: a extração de óleo e gás de xisto ainda apresenta dificuldades técnicas e traria acréscimos apenas graduais à produção, e as jazidas em águas profundas também não seriam facilmente alcançáveis. Quais as possibilidades de o Brasil ganhar essa corrida e com quais consequências geopolíticas, no continente, nas relações com os Estados Unidos e no plano global?

PRA: O conceito de corrida é totalmente inadequado neste terreno, só se for uma corrida contra si mesmo, pois cada país tem recursos naturais e dotações tecnológicas (e sobretudo humanas) muito diferentes, que precisam ser mobilizadas para obter o melhor retorno possível das oportunidades existentes dentro e FORA do país. No que concerne uma corrida para melhorar ainda mais nossa matriz energética, o Brasil, infelizmente, está perdendo a corrida contra consigo mesmo: temos um governo sem condições financeiras, técnicas, de gestão e sem visão para impulsionar as diversas vertentes da matriz; o governo tem aversão ao capital privado, sobretudo estrangeiro, e com isso perde enormes chances de desenvolver as diversas frentes; o Brasil é errático nas suas políticas de preços (na verdade, ele é controlador, o que é mortal para qualquer setor econômico), nas tecnologias, no equilíbrio das diversas fontes, e se mostra refém dos malthusianos ecológico-românticos; o governo é estúpido na gestão dos renováveis, pois mistura problemas sociais (camponeses pobres, que supostamente cultivariam mamona) com a matriz energética; o governo foi criminoso na condução do assunto do pré-sal, pois criou uma querela monumental entre os estados, que não vai ser resolvida sequer no STF. Ou seja, o governo, até aqui, só errou, e está perdendo a corrida consigo mesmo, e de todos os demais países.

10. Como a China entraria na equação geopolítica brasileira? (o governo brasileiro considera diferentes hipóteses para as relações com a China na área de energia; no caso do Pré-Sal, as estatais chinesas poderão entrar com força relevante para a Petrobras financiar sua participação na exploração, em troca de fornecimento de petróleo).

PRA: Um governo estatizante como o atual governo brasileiro pode se dar muito bem com a China, em detrimento de uma política mais inteligente de exploração de seus recursos. A China precisa, necessita absolutamente de segurança energética, basicamente petróleo, pois ainda tem muito carvão e está desenvolvendo energias renováveis e nuclear. O Brasil entra como fornecedor, e a China como financiador, ou seja, uma relação desequilibrada e que só convém aos chineses. Como a China tem muitos recursos financeiros, a Petrobras vai ser mantida nessa relação esquizofrênica criada pelo próprio governo.

11. O modelo brasileiro de regras para a exploração das jazidas do Pré-Sal tem forte viés estatal. Como se deve interpretar essa opção -- a escolha, em si mesma e no contexto de perspectivas atuais e futuras de interinfluências geopolíticas do Brasil com as principais economias do mundo, de um lado, e outras economias latino-americanas? (as ‘bolivarianas’ do Sul e o México, ao norte) É um modelo que veio para ficar, ou poderá ser modificado no futuro, caso se constatem falhas de eficácia?

PRA: As políticas atuais brasileiras para o pré-sal são totalmente irracionais, e já criaram prejuízos irreparáveis, além de um enorme custo para o país. Um governo racional, se por acaso tiver futuro no país, deveria simplesmente eliminar toda a legislação do pré-sal e retornar ao regime de 1997. Parece que algumas decisões já tomadas vão continuar criando problemas, mesmo se um retorno como esse viesse ocorrer. Infelizmente, o governo Lula fez um enorme mal ao Brasil em todas as áreas energéticas em que tocou: foi um Midas ao contrário. A ineficácia da política já foi colocada: estão “leiloando” royalties entre políticos muitos anos antes de existir qualquer rótulo. Uma das piores maldições que pode ocorrer numa política desse tipo são os mais baixos instintos rentistas entre os políticos, além de uma deformação da área energética do país, sem falar da própria indústria, desviada para essa maldição concentradora de recursos. O Brasil estaria muito melhor sem o pré-sal, e isso por razões políticas mas também econômicas.

12. O modelo brasileiro de abertura da exploração do petróleo à participação estrangeira parece voltado mais para a garantia de fornecimento do que para a oferta de atrativos de retorno (lucratividade), como no caso das estatais chinesas que manifestaram interesse pelo leilão de Libra. Considerando-se também os termos regulatórios dessa participação, tem-se um modelo marcadamente ‘estatal’. Que importância terão os resultados (bons ou maus) da adoção desse viés, digamos, menos ‘privatista’ para a afirmação da presença política brasileira no G-20?

PRA: A tendência é a consolidação do ogro estatal no setor energético, concentrando recursos, benefícios, favores, enfim, distorcendo um pouco mais a economia brasileira, em geral, e o setor de petróleo em particular. Isso não tem absolutamente nada a ver com o G20, a não ser muito indiretamente. O G20 é um grupo informal de diálogo sobre questões financeiras e monetárias – e por extensão de outras questões econômicas também, embora pretenda se meter um pouco em todos os assuntos – mas ele não tem qualquer poder sobre as políticas nacionais dos seus integrantes. A imagem que o Brasil consolida no G20, em todo caso, é a de um país estatizante, refratário à abertura econômica, pouco propenso a uma política de acolhimento de investimentos privados estrangeiros e praticando um tipo de nacionalismo econômico ultrapassado nas condições de interdependência mundial atual.

13. Em que medida as grandes empresas de energia de capital privado, elas mesmas, têm poder de influenciar, com suas decisões estratégicas (e probabilíssimos lobbies, os movimentos de governos no xadrez geopolítico? E as grandes estatais asiáticas, especialmente as chinesas?

PRA: Pergunta impossível de ser respondida em geral e no abstrato. Companhias de energia podem ser mais ou menos influenciáveis pelos governos, mas nem sempre. Por exemplo: se o governo americano desejasse, realmente, estrangular o governo de Hugo Chávez (e do seu sucessor), há muito tempo teria decretado o final da importação de petróleo venezuelano, e sua substituição por outras fontes. Por que não o fez, por que não o faz? Por que o governo americano não é ditatorial e não pode determinar sozinho as políticas de importação de petróleo. A despeito de controlar uma enorme reserva estratégica de petróleo, o governo americano não possui nenhuma companhia estatal de petróleo, e são as companhias privadas que exploram, produzem derivados, importam, comercializam todo o setor. Companhias estatais de petróleo podem ter uma gestão mais comercial – em alguns emirados e monarquias árabes, por exemplo – ou ser inteiramente submetidas à gestão política do governo, como parece ser o caso com as chinesas e outras estatais em petro-ditaduras. Outros países podem ser ditaduras petrolíferas mesmo sem ter companhias estatais, como alguns da ex-URSS. Ou seja, o cenário é muito diverso para se ter um retrato uniforme de como são tomadas certas decisões nos diferentes atores relevantes.

14. Com a entrada no mercado de outras fontes de energia abundante, como o óleo e o gás de xisto  americanos, o petróleo vai perdendo importância estratégica, o que também ajudaria a explicar a perda de atratividade do Pré-Sal. Mas o Brasil pode se tornar bastante “forte” na produção de biocombustíveis. Em que medida essa possível vantagem estratégica específica pesaria na balança, a favor da preservação, ou mesmo aumento, da presença geopolítica brasileira no cenário internacional?

PRA: Não existem cenários fiáveis em nenhum terreno – mesmo nas teorias fantasiosas do “pico do petróleo”, jamais alcançado e ninguém sabe onde está – e mesmo nos renováveis o futuro é muito incerto, pois muito depende de políticas de governo, que costumam ser erráticas, quando não prejudiciais ao próprio país, quando preconceitos e ideologia tomam conta do espaço que deveria estar reservado a análises técnicas por especialistas. Por exemplo, o pré-sal brasileiro pode ser considerado um desastre completo pelas políticas erradas do governo, mas também o setor de renováveis foi submetido a políticas da mesma forma equivocadas. A decisão alemã de excluir completamente o vetor nuclear pode ser considerada igualmente uma decisão irracional e de alto custo para o país.
            O Brasil, de fato, poderia se tornar, em 500 anos de história econômica concentrada na produção de produtos de “sobremesa”: açúcar, café, cacau, etc. – um país relevante no futuro mercado de renováveis, não tanto pela oferta de bens, mas de tecnologia, e de know-how do setor, para produção na América Latina, na África e em outros países de perfil similar ao Brasil. Mas até aqui as políticas foram também equivocadas. Pode ser que no futuro, um governo menos irracional venha a colocar um pouco de ordem e de critérios exclusivamente técnicos e econômicos num setor importante.

15. As relações internacionais guiam-se, em grande medida, por expectativas. A quais alturas a soma de potencialidades em petróleo e em biocombustíveis poderá elevar a influência brasileira no cenário global e com quais efeitos sobre a capacidade de o país formular políticas públicas (para uso doméstico) com acréscimos de autonomia decisória?

PRA: O Brasil é um país que frustra expectativas, não apenas do seu próprio povo, mas também de parceiros estrangeiros, que certamente gostariam de vender tecnologia, comprar produtos brasileiros (renováveis, por exemplo), se associar a investimentos produtivos neste país de imensos recursos naturais hoje escassamente explorados. Tudo depende de políticas corretas de governo, o que até agora se revelou totalmente frustrante. Não acredito que o Brasil tenha grandes perspectivas na geopolítica mundial do petróleo; no máximo terá uma grande fonte para seu próprio consumo, e interagirá com os investidores estrangeiros nessa área de prospecção, exploração e produção interna de derivados (se o monopólio de fato da Petrobras for rompido, o que é um enorme problema para nós mesmos). Mas sua participação nos mercados mundiais de petróleo continuará marginal, ainda que possa ter grande expressão numérica: grandes negócios, certamente, mas nenhuma revolução geopolítica nessa área.
            Onde o Brasil poderia fazer diferença seria nos renováveis, mas até aqui, as políticas foram erráticas, e até retrocedemos nesse terreno. Importar etanol de milho subsidiado dos EUA é um exemplo perfeito da estupidez econômica do governo Lula no terreno dos renováveis. Fazer biodiesel com mamona de camponês pobre é outra estupidez econômica que não tem tamanho. Enfim, o governo Lula colecionou diversas estupidezes econômicas ao longo dos dez últimos anos, e infelizmente as mesmas bobagens continuam a ser cometidas no governo sucessor. Além dos vários crimes econômicos, a estatização ampliada do setor é a outra grande estupidez que continua ser praticada pelos governos petistas. Não se sabe quando, e se, essas estupidezes serão corrigidas. Mas enquanto não forem o Brasil continuará patinando, senão retrocedendo, no petróleo e nos renováveis.

Uma sub-retranca
Em quais detalhes as condições brasileiras (dadas nos leilões) diferem das condições de parceria oferecidas por outros grandes produtores a investidores estrangeiros (privados ou estatais)? Ou seja: como estão definidas as políticas para a abertura do setor de petróleo à participação estrangeira? Por quais razões foram definidas com estes ou aqueles principais traços? Com quais eventuais influências de condições ditadas por possíveis investidores e/ou práticas consagradas de mercado? Com quais efeitos sobre o ânimo dos investidores e suas decisões?

PRA: O modelo brasileiro é um híbrido, mas registre-se que no setor do petróleo existem muitos regimes diferentes, pois cada governo tem suas possibilidades e preferências. De maneira geral, quanto mais democrático e avançado for o país, mais livres, mais abertos, mais comercialmente orientados, mais tecnicamente fundamentados e mais amigáveis aos investimentos privados são e serão os regimes aplicados ao petróleo; quanto mais ditatorial for o governo, ou mais “subdesenvolvido”, mais irracional, mais rentista, prejudicial ao país e ao povo será o setor, com as diversas “maldições” do petróleo se acumulando. O Brasil fica entre os dois extremos: não é uma ditadura (mas o governo atual gostaria de ter uma no setor do petróleo, confirmando as piores expectativas rentistas dos políticos em geral e desses políticos em particular), e tampouco é uma perfeita democracia avançada, pois existe um enorme predomínio do Executivo na determinação das políticas do setor, uma vez que o congresso ou é inerme, ou desenvolve, justamente, os comportamentos rentistas mais deploráveis já vistos na história econômica do país.
            Uma pA questão energética no Brasil: petróleo, Petrobras e políticas de governo

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas pela jornalista Marcia Pinheiro
Valor Econômico (pinheiromarcia@terra.com.br)
Princeton, 7-8/10/2013

Respondo topicamente às questões, mas faço comentários intercalados ao texto, uma vez que detecto algumas imprecisões ou pontos ainda obscuros quanto à substância.

Questão inicial: Como FHC conseguiu flexibilizar o mercado de petróleo, com tanta campanha contra?

PRA: FHC NÃO flexibilizou o mercado do petróleo, pois isso seria impossível, não só a ele, como a qualquer governo, socialista ou neoliberal. O que FHC fez, em meio a um processo inteligente – mas incompleto – de correção das muitas estupidezes econômicas da Constituição de 1988, foi adequar o Brasil a algumas realidades dos mercados mundiais. Os mercados do e para o petróleo – existem vários, não um único mercado global, alguns deles dominados por carteis, outros teoricamente livres, outros influenciados por ditaduras petrolíferas, e várias outras modalidades intermediárias – são gigantescos, e o Brasil participa de uma pequena parte deles, antes importando 80% do que consumia, atualmente em situação de equilíbrio instável, mais ainda exportando muito cru, e importando também muito cru e derivados, o que é irracional, mas é fruto das políticas erradas mais recentes.
            FHC se aproveitou de um momento único na história do Brasil, que provavelmente vai demorar para voltar: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária e que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e para a política do País: a crise permitiu aprovar diversas medidas – constitucionais e infra – que não tiveram, infelizmente continuidade. Os esquerdistas atrasados – concentrados no PT e nos outros partidos de esquerda, ainda que alguns sejam propriamente fascistas – estiveram momentaneamente na defensiva, embora todo governo constituído sempre possa contar com a boa disposição fisiológica da maior parte dos políticos em apoiar o governo em vigor, qualquer governo. Uma liderança dotada de visão de futuro pode, assim, reformar as regras constitucionais e a legislação do setor do petróleo a essa abertura ao capital estrangeiro, combinada a um tratamento puramente comercial da Petrobras, que teve liberdade para se desenvolver como companhia, não como cabide de emprego de políticos, o que ela era antes e voltou a ser depois. Infelizmente, não se avançou na abertura total do setor e na privatização da Petrobras, o que teria sido excelente para o Brasil e para a própria companhia, que assim poderia crescer mais ainda sem interferências dos governos e sem essa promiscuidade gerada por políticos rentistas. Lamentavelmente, o setor retrocedeu absoluta e relativamente depois que terminou o governo FHC, com várias distorções se acumulando ao longo do tempo, num verdadeiro trabalho de destruição da Petrobras, processo conduzido pelos governos posteriores.
Mas a campanha contra a mudança de regime foi e é relevante, tanto que se conseguiu convencer os brasileiros que a Petrobras é um “patrimônio do povo brasileiro”, quando ela é apenas uma empresa estatal, importante, certo, mas manipulada antes e atualmente por interesses políticos que não tem nada a ver com a atividade-fim. Os brasileiros – como ocorria antes no caso da Vale, uma empresa na origem estrangeira, privatizada pelo governo Vargas, e que vale imensamente mais agora, privatizada, do que durante o meio século que permaneceu em mãos do governo – estão convencidos de que o petróleo é um bem estratégico, o que ele é, mas muito mais é a educação, inclusive para compreender que o petróleo deve ser tratado como mercadoria, não como a salvação do Brasil. Salvação só existe com povo educado, não com petróleo. O Japão quase não tem petróleo, e não deixou de alcançar a riqueza mesmo sem muita energia. Educação é a chave, não mercadorias.

1. O petróleo sempre desempenhou papel geopolítico de primeira importância na história moderna, interligando produtores e compradores numa rede de interesses ora comuns, ora conflitantes.

PRA: Como qualquer mercado sempre existe oposição de princípio entre compradores e vendedores, cada um querendo maximizar os seus ganhos. Mas não existe um mercado para o petróleo e sim muitos, múltiplos mercados, muito diversos, com características muito diferenciadas dos demais mercados, pois no caso do petróleo cru não se trata de uma commodity como qualquer outra, mas sim de um produto natural, não renovável, relativamente concentrado em pontos determinados do planeta – variáveis em função das tecnologias de exploração – mas que é absolutamente estratégico, central, determinando, absolutamente indispensável à moderna civilização industrial. Para uma informação mais detalhada sobre as características desse produto, e de seus diversos mercados, recomendo uma leitura dos dois livros indispensáveis de Daniel Yergin sobre a economia política do petróleo, já traduzidos e publicados no Brasil: são, provavelmente,  mais de 1.600 páginas, no conjunto, mas vale a pena o esforço. Uma consulta a seu site de consultoria em energia, baseado em Cambridge, Massachussetts, também seria recomendável.

2. Grandes produtores (países do Oriente Médio e do Norte da África), de um lado, e grandes consumidores (países centrais, em sentido amplo), estabeleceram-se há muito tempo como protagonistas no xadrez geopolítico global.

PRA: Essa realidade já mudou muito e está mudando cada vez mais. A China já é uma grande consumidora global – embora não per capita – de petróleo, e há muito tempo deixou de ser uma produtora autossuficiente: para ela, ter acesso a fontes seguras de petróleo é absolutamente vital, mais até do que para os países ocidentais, que podem contar com diversas fontes relativamente seguras, inclusive porque dominam amplamente tecnologias e os mercados de futuros e o mercado spot de petróleo. Ou seja, o mundo ocidental ainda tem algum controle – não sobre fontes, mas – sobre comercialização e industrialização desse produto estratégico. Mas, grandes países periféricos vem igualmente adquirindo certa preeminência em alguns dos mercados, inclusive de derivados, e no consumo.
A geopolítica do petróleo também mudou bastante: até o segundo choque do petróleo (1979), a OPEP (e dentro dela a OPAEP, árabes) eram responsáveis por parte substancial da oferta mundial e quase 70% das reservas declaradas. Já não é mais o caso, e o cartel da OPEP já não tem condições de ditar as regras dos diversos mercados de petróleo cru, inclusive porque os próprios países membros não cumprem suas decisões por inteiro. Hoje mais da metade das reservas e da oferta de petróleo é não-OPEP. Se trata de uma diferença importante em relação ao passado. Ver Yergin para essas mudanças.

3. Graças a avanços técnicos que possibilitam a descoberta de grandes reservas e, sobretudo, a exploração e produção de petróleo e gás de fontes não convencionais, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela podem levar o continente americano a uma posição de menor ou nenhuma dependência energética em relação às regiões fornecedoras tradicionais.

PRA: O continente americano não pode ser tomado no plano hemisférico. A América do Norte é tanto produtora quanto consumidora, e este aspecto domina no caso do Canadá e EUA, que vem se tornando novamente um grande produtor de energia, em suas diversas formas. A América Latina, por sua vez, é excedentária em energia, em suas diversas formas, e é uma consumidora moderada, mas isso deve crescer. Mas ela ainda detém tecnologia restrita – com algumas exceções, entre elas o Brasil – e não controla mercados de comercialização. Dependência energética todos os países têm, dependendo das fontes disponíveis, da tecnologia mobilizada, do ritmo de exploração e da intensidade de consumo (hoje, por exemplo, os países avançados consomem muito menos petróleo por unidade de produção do que nos anos 1970, enquanto a China ainda “desperdiça” petróleo no seu setor industrial). Na América Latina, a despeito de existirem grandes produtores, os países também são dependentes, e mesmo o Brasil, com o pré-sal, não deve se tornar um grande protagonista nos mercados ofertantes, pois seu consumo também deve crescer (isso se o pré-sal se revelar realmente produtivo). O Brasil deve continuar a ser relativamente marginal na geopolítica mundial do petróleo, ainda que venha a se tornar um grande produtor: ele não reúne as condições para se tornar um grande protagonista nos diversos cenários que podem ser traçados para seu futuro energético, embora venha a assumir algum papel relevante, mas isso deve ocorrer nas energias renováveis, não nas fósseis, provavelmente, e mesmo assim, muito depende das políticas do governo, que nos últimos dez anos errou tremendamente nas diversas vertentes da política energética.

4. Essa condição de agrupamento geográfico não uniformiza, porém, os interesses correntes e estratégicos de cada um desses países no cenário internacional. Bem ao contrário (com exceção, talvez, em certo grau, de Estados Unidos e Canadá.

PRA: Não existe, no cenário previsível, possibilidade de unificar interesses estratégicos dos grandes, médios e pequenos atores nos diversos mercados energéticos, e mesmo nos mercados do petróleo. Os interesses nacionais são extremamente diversos, embora possa existir alguma coordenação e diálogo entre os grandes atores. A OPEP é um cartel, que como todo cartel, pretende apenas extrair renda dos seus clientes e consumidores. Os países da OCDE estão mais ou menos coordenados na Agência Internacional de Energia, que funciona na OCDE, em Paris, justamente, mas se trata mais de um fórum para intercambiar opiniões, trocar informações, desenvolver estatísticas e estudos técnicos de grande sofisticação, que não pode ter a pretensão de coordenar realmente as políticas nacionais dos países. Ou seja, se trata de cada um por si, pois a energia é absolutamente estratégica, vital para o nosso modo de vida, mas assume tantas formas e características que seria totalmente impossível esperar uniformização de interesses nesses mercados. Não se trata mais, como no passado, de uma luta entre impérios para controle das fontes, mas de uma concorrência entre grandes companhias, num mercado fortemente desigual e altamente competitivo, colocando em face, uns dos outros, governos, companhias privadas, estatais, ditadores e especuladores, o que torna difícil coordenar interesses. Ou seja, o mundo deve continuar na relativa anarquia que hoje o caracteriza, sendo porém de se excluir grandes guerras globais para acesso às fontes, o que não exclui escaramuças e guerras localizadas entre países e dentro dos países.
            Existe, como se sabe, uma “maldição do petróleo”, com muitos livros a respeito. Recomendo ler Peter Maass, Crude World: the violent twilight of oil.

5. Nessa rede de interesses geopolíticos internacionais em transformação, o Brasil tem presença que variou de patamar ao longo do tempo, com narrativas políticas que se desenrolaram, ora na frente doméstica, ora na frente externa, mas quase sempre exprimindo alguma forma de conjugação de iniciativas, nos dois campos, em termos de ação governamental consequente. Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? 

PRA: Discordo da expressão “ação governamental consequente”. O Brasil, na verdade, nunca teve uma política coerente para o petróleo, terreno muito submetido a paixões “nacionalisteiras” as mais nefastas e deprimentes do ponto de vista da racionalidade estrita do setor, embora tenha tido políticas energéticas razoáveis, ao longo do tempo. Nos atrasamos na revolução industrial, em parte pela falta de fontes seguras de energia, carvão e petróleo, justamente, o que veio mais tarde, mas com grandes dificuldades e com interferências políticas nefastas em diversas áreas. Mas, por outro lado, soubemos explorar, com algum grau de racionalidade, as fontes naturais, ou seja hídricas. Nesse terreno, as possibilidades ainda existentes vêm sendo sabotadas pelos novos malthusianos da era contemporânea, que são os ecologistas não científicos, essa horda de ambientalistas românticos, que poderiam nos fazer retroceder ao neolítico, se por acaso comandassem governos e políticas públicas (e não só em energia, mas ele alimentos também).
            A matriz energética brasileira é relativamente positiva, com muitos recursos renováveis, e deveríamos continuar assim. Infelizmente (no sentido alegórico da palavra), estamos caminhando para sujar um pouco essa matriz, com a aparente abundância de petróleo do pré-sal, que também pode ser uma “maldição”, dependendo de como seja explorado. O fato é que o pré-sal determinou grandes mudanças nas políticas públicas de energia no Brasil, todas elas nefastas até o momento, pois despertou os instintos rentistas dos políticos e tende a deformar as outras políticas setoriais, inclusive no próprio petróleo.
            Respondo à esta questão – Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? pela negativa, por fatores puramente objetivos, e não com base nas minhas opiniões negativas quanto à “baixa política” governamental em relação ao pré-sal. O pré-sal NÃO vai transformar o Brasil em ator geopolítico relevante no terreno do petróleo, simplesmente porque existem muitas outras fontes mais baratas e acessíveis de petróleo e outros combustíveis fósseis, assim como de renováveis (inclusive no próprio Brasil, se as políticas corretas forem aplicadas, o que ainda não é o caso). Em primeiro lugar, seria preciso ver se o pré-sal é de fato real, o que depende não apenas da tecnologia – que existe mas pode ser difícil – mas basicamente dos mercados ofertantes de energia e de petróleo em particular: a AIE calcula que a extração do petróleo do pré-sal pode estar em torno de 80 dólares o barril (comparando: a média no Oriente Médio deve andar em torno de 12 a 15 dólares, sendo que em alguns lugares pode estar abaixo de 5; se fossemos extrair petróleo no Ártico, não seria possível a menos de 150 dólares). Ou seja, se o barril cair muito nos mercados internacionais, melhor deixar o petróleo do pré-sal onde está, dar até logo e esperar que o preço supere 100 dólares (será sorte do Brasil se ele se mantiver nessa faixa, o que é bastante provável, pois outros produtores, basicamente ditaduras petrolíferas e rentistas do petróleo, têm interesse que seja assim).
Mesmo que tudo dê certo, haverá muito pouco petróleo para fazer com que o Brasil altere radicalmente a balança mundial; o que houver de excedentário ao seu próprio consumo (que deve crescer bastante), será comercializado marginalmente nos mercados globais, pelas companhias que o estão explorando e pela Petrobras. Nada que altere a balança mundial energética, ou a “simples” geopolítica do petróleo. Aquela visão do Lula, do Brasil grande produtor, como sempre é megalomaníaca e não corresponde à realidade.

6. Como variaram, no tempo, as políticas externas brasileiras sob relações de interseção com as posições alcançadas pelo país em termos de suficiência energética? Que peso tiveram, em momentos mais expressivos dessa conexão, as peculiaridades do momento político doméstico vivido pelo país? (Vamos fazer uma linha do tempo com os dados assim levantados).

PRA: O Brasil teve políticas erráticas em relação ao petróleo, um pouco menos erráticas nas outras vertentes energéticas. No petróleo, perdemos muito tempo com bravatas nacionalistas que só nos atrasaram, na produção, na exploração, na comercialização, e sobretudo na distribuição interna, pois a Petrobras sempre foi politizada e usada pelos governos, seja num sentido econômico (como na era militar), seja num sentido baixamente fisiológico, como ocorre desde o início da gestão Lula. Quanto ela começou a funcionar corretamente, na gestão FHC – e sobretudo depois da aprovação da lei do petróleo e da ANP, em 1997 – e prometia grandes avanços nos dois terrenos (exploração e produção, ou seja, prospecção, extração e transformação em derivados, mas menos na comercialização, onde se manteve, infelizmente, o monopólio de fato da Petrobras), veio a nova gestão dos companheiros, que praticamente dinamitou, não apenas a Petrobras, mas boa parte da política energética, ambas submetidas a critérios políticos nefastos e indefensáveis.
            Além da politização da Petrobras, e sua utilização por máfias sindicais, ocorreu um desvio fundamental das políticas corretas anteriormente colocadas em vigor pelo governo FHC, ou seja, tratar a Petrobras – que nunca se cogitou de privatizar – como uma empresa comercial, e deixa-la aplicar critérios técnicos e comerciais em todos os aspectos de suas atividades. A gestão Lula foi negativa, chegando a cometer crimes econômicos, sob certos aspectos, contra Petrobras, contra a matriz energética do Brasil, contra os acionistas e contra o próprio Brasil. Um desastre completo, que está longe de ser corrigido, pois a nova lei aplicada ao pré-sal, de 2010 (ainda não totalmente em vigor, pois além de tudo também destruiu a federação, com o acirramento dos comportamentos rentistas em todos os governos estaduais e em todos os políticos), simplesmente desequilibra completamente uma estratégia racional para o petróleo e para outros combustíveis.
            Um dia vai se poder avaliar, racionalmente, todos os desastres e crimes econômicos cometidos pela gestão lulista nessa área. O Brasil ainda está muito dominado pela euforia nefasta do pré-sal, para que os dirigentes façam uma análise isenta dos equívocos cometidos. Alguns economistas, mas muito poucos, vêm apontando os erros perpetrados pelo governo, em praticamente todas as frentes (renováveis e fósseis), e continuam a ser praticados, sem que se tome consciência da má direção tomada pelo país. Se o Brasil tivesse continuado na lei de 1997 (que permanece, mas os leilões pararam, praticamente), teria conseguido royalties para o governo, sem riscos para a Petrobras, e sobretudo sem o caos legislativo e judiciário criado com a estatização do pré-sal pelo governo irresponsável do presidente Lula. Ou seja, os equívocos no tratamento do petróleo são gigantescos e talvez não sejam mais reversíveis, pois o governo, criminosamente, incitou no mais alto grau os instintos rentistas dos políticos, praticamente “distribuindo” royalties do pré-sal que talvez nem venham a existir, e criando um conflito distributivo entre os estados que não se resolverá sequer no Judiciário (STF). Um caos completo.
            No terreno dos renováveis, os erros não são menores, tanto em relação ao etanol (“afogado” pelo controle de preços criminoso aplicado aos derivados de petróleo), como em relação ao biodiesel. Aqui, o governo foi absolutamente estúpido, ao misturar matriz energética com problemas sociais, criando um programa de biodiesel de mamona a ser fornecido por “agricultura familiar”. Um outro desastre incomensurável, que eliminou o Brasil do mapa dos biocombustíveis, aparentemente tão promissor antes dos desastres cometidos pelo governo Lula. Neste terreno, como em diversos outros, ainda falta fazer a história real, verdadeira, dos equívocos cometidos pelo governo Lula em diversas frentes: na produção, na comercialização, nos estímulos setoriais, no tratamento do capital privado e dos investimentos estrangeiros: ele não acertou uma única vez, errou em todas...

7. O Brasil tem hoje um governo que se pode chamar de esquerda e democrático (como já era com Lula).  É um governo que se relaciona bem, no continente, com governos radicais de esquerda, esquerdistas progressistas, e de centro-direita. É considerado pelos Estados Unidos uma potência sub-regional e um aliado de primeira importância. É membro do G-20. Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética. Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos? Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?

PRA: O governo é de esquerda, certamente, mas de uma esquerda atrasada, estatizante, centralizadora, populista e demagógica, quando existem outros governos de esquerda, no mundo, abertos, reformistas, racionais em economia e dotados de uma visão econômica moderna, receptiva a investimentos estrangeiros e sem muita demagogia populista (no Chile, por exemplo, ou no Uruguai, e em vários países europeus). O governo certamente não é democrático, ainda que não possa implantar um regime autoritário, mas é dominado por um partido neobolchevique que faz de tudo para eliminar as oposições, controlar a imprensa e impor o controle do Estado sobre praticamente todos os setores da vida pública. A bem da verdade, o partido hegemônico e seu governo possuem tendências fascistas, que se revela justamente nessa tentativa de colocar sob o controle do Estado a vida de todas as empresas e de todos cidadãos, e que trata os mais pobres como massa de manobra.
            Quanto ao ambiente externo, se pode dizer que o governo tem tendência a apoiar todas as ditaduras supostamente esquerdistas, como governos autoritários de modo geral, e age com uma grande motivação contra o que ele chama de países hegemônicos, ou seja, as grandes democracia de mercado. Não se deve tomar discursos diplomáticos – como essa expressão usada e abusada de “parceiros estratégicos” – pelo seu valor face, pois existe muita hipocrisia nessas proclamações; se formos julgar pelos discursos, o Brasil tem “parceiros estratégicos” em todos os continentes, e eles são tão mais estratégicos quanto menos “hegemônicos” forem, ou seja, antiocidentais e anti-Estados Unidos. Esta é uma realidade fática, que pode ser comprovada por diversas iniciativas e proclamações do governo atual, não se trata de uma opinião. Basta ler nas entrelinhas e ver as ações reais.
            Quanto às perguntas, respondo topicamente:
            (a) Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética.
            PRA: Não é seguro que o Brasil se torne um exportador líquido de petróleo, e se isso se confirmar, será marginal no mercado mundial, ainda que possa trazer divisas para o Brasil. Creio que haverá um equilíbrio entre consumo e produção com o pré-sal, e os movimentos de comércio exterior nessa área vão depender da capacidade industrial de refino e novas explorações.
(b) Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos?
PRA: Quase nenhuma no plano mundial, apenas tornar o Brasil menos dependente de petróleo importado, mas isso não é em si relevante, pois o petróleo é uma commodity amplamente comercializável nos mercados livres, sem qualquer problema de acesso aos demandantes. Basta ter renda, e renda se consegue exportando quaisquer outros produtos.
(c) Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?
PRA: Não existe independência plena no campo da energia. Nenhum país e totalmente independente, e isso se aplica inclusive e principalmente ao petróleo. Mesmo os países produtores e exportadores de petróleo são em geral dependentes da importação de derivados e, como se disse, o petróleo é, e pode ser, fonte de problemas enormes, como a distorção da economia, e algumas “maldições” não desejadas. Não é seguro que o Brasil (pelo menos no governo atual) consiga desenvolver um modelo “norueguês” de exploração racional do petróleo e de utilização de seus royalties. O que é seguro, até aqui, é que o governo Lula conseguiu piorar amplamente o ambiente geral do Brasil para a exploração racional desse produto estratégico, deteriorando amplamente o quadro institucional e as relações federativas. Em relação à Petrobras, os desastres são visíveis.

8. Talvez essa independência coincida com a dos Estados Unidos, a julgar pelo otimismo com que vem sendo saudada a descoberta de importantes jazidas de óleo e gás de xisto naquele país e possibilidades de sua extração. Quais efeitos poderia ter essa coincidência (se ocorrer) para o fator ‘energia’ na equação geopolítica brasileira?

PRA: Qualquer que seja a evolução energética, pelos seus vetores, nos EUA, parece que o país está motivado para diminuir sua dependência de fontes externas, fósseis e renováveis, e pode conseguir, parcialmente. Isso significa que o Brasil perdeu e está perdendo oportunidades, por cegueira econômica e miopia ideológica, de desenvolver políticas de cooperação com esse gigante econômico, sobretudo em razão da estatização irracional, demagógica, totalmente política, desse setor. O Brasil, como já dizia Roberto Campos, é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades. Pois perdeu também no petróleo e nos renováveis, com os EUA, e com os investidores estrangeiros de modo geral. Só estamos tendo relacionamento com estatais de países autoritários, que não tem o critério do lucro como básico, como é o caso de alguns investidores no campo de Libra.

9. A independência americana pode ser mais difícil de ocorrer do que a brasileira: a extração de óleo e gás de xisto ainda apresenta dificuldades técnicas e traria acréscimos apenas graduais à produção, e as jazidas em águas profundas também não seriam facilmente alcançáveis. Quais as possibilidades de o Brasil ganhar essa corrida e com quais consequências geopolíticas, no continente, nas relações com os Estados Unidos e no plano global?

PRA: O conceito de corrida é totalmente inadequado neste terreno, só se for uma corrida contra si mesmo, pois cada país tem recursos naturais e dotações tecnológicas (e sobretudo humanas) muito diferentes, que precisam ser mobilizadas para obter o melhor retorno possível das oportunidades existentes dentro e FORA do país. No que concerne uma corrida para melhorar ainda mais nossa matriz energética, o Brasil, infelizmente, está perdendo a corrida contra consigo mesmo: temos um governo sem condições financeiras, técnicas, de gestão e sem visão para impulsionar as diversas vertentes da matriz; o governo tem aversão ao capital privado, sobretudo estrangeiro, e com isso perde enormes chances de desenvolver as diversas frentes; o Brasil é errático nas suas políticas de preços (na verdade, ele é controlador, o que é mortal para qualquer setor econômico), nas tecnologias, no equilíbrio das diversas fontes, e se mostra refém dos malthusianos ecológico-românticos; o governo é estúpido na gestão dos renováveis, pois mistura problemas sociais (camponeses pobres, que supostamente cultivariam mamona) com a matriz energética; o governo foi criminoso na condução do assunto do pré-sal, pois criou uma querela monumental entre os estados, que não vai ser resolvida sequer no STF. Ou seja, o governo, até aqui, só errou, e está perdendo a corrida consigo mesmo, e de todos os demais países.

10. Como a China entraria na equação geopolítica brasileira? (o governo brasileiro considera diferentes hipóteses para as relações com a China na área de energia; no caso do Pré-Sal, as estatais chinesas poderão entrar com força relevante para a Petrobras financiar sua participação na exploração, em troca de fornecimento de petróleo).

PRA: Um governo estatizante como o atual governo brasileiro pode se dar muito bem com a China, em detrimento de uma política mais inteligente de exploração de seus recursos. A China precisa, necessita absolutamente de segurança energética, basicamente petróleo, pois ainda tem muito carvão e está desenvolvendo energias renováveis e nuclear. O Brasil entra como fornecedor, e a China como financiador, ou seja, uma relação desequilibrada e que só convém aos chineses. Como a China tem muitos recursos financeiros, a Petrobras vai ser mantida nessa relação esquizofrênica criada pelo próprio governo.

11. O modelo brasileiro de regras para a exploração das jazidas do Pré-Sal tem forte viés estatal. Como se deve interpretar essa opção -- a escolha, em si mesma e no contexto de perspectivas atuais e futuras de interinfluências geopolíticas do Brasil com as principais economias do mundo, de um lado, e outras economias latino-americanas? (as ‘bolivarianas’ do Sul e o México, ao norte) É um modelo que veio para ficar, ou poderá ser modificado no futuro, caso se constatem falhas de eficácia?

PRA: As políticas atuais brasileiras para o pré-sal são totalmente irracionais, e já criaram prejuízos irreparáveis, além de um enorme custo para o país. Um governo racional, se por acaso tiver futuro no país, deveria simplesmente eliminar toda a legislação do pré-sal e retornar ao regime de 1997. Parece que algumas decisões já tomadas vão continuar criando problemas, mesmo se um retorno como esse viesse ocorrer. Infelizmente, o governo Lula fez um enorme mal ao Brasil em todas as áreas energéticas em que tocou: foi um Midas ao contrário. A ineficácia da política já foi colocada: estão “leiloando” royalties entre políticos muitos anos antes de existir qualquer rótulo. Uma das piores maldições que pode ocorrer numa política desse tipo são os mais baixos instintos rentistas entre os políticos, além de uma deformação da área energética do país, sem falar da própria indústria, desviada para essa maldição concentradora de recursos. O Brasil estaria muito melhor sem o pré-sal, e isso por razões políticas mas também econômicas.

12. O modelo brasileiro de abertura da exploração do petróleo à participação estrangeira parece voltado mais para a garantia de fornecimento do que para a oferta de atrativos de retorno (lucratividade), como no caso das estatais chinesas que manifestaram interesse pelo leilão de Libra. Considerando-se também os termos regulatórios dessa participação, tem-se um modelo marcadamente ‘estatal’. Que importância terão os resultados (bons ou maus) da adoção desse viés, digamos, menos ‘privatista’ para a afirmação da presença política brasileira no G-20?

PRA: A tendência é a consolidação do ogro estatal no setor energético, concentrando recursos, benefícios, favores, enfim, distorcendo um pouco mais a economia brasileira, em geral, e o setor de petróleo em particular. Isso não tem absolutamente nada a ver com o G20, a não ser muito indiretamente. O G20 é um grupo informal de diálogo sobre questões financeiras e monetárias – e por extensão de outras questões econômicas também, embora pretenda se meter um pouco em todos os assuntos – mas ele não tem qualquer poder sobre as políticas nacionais dos seus integrantes. A imagem que o Brasil consolida no G20, em todo caso, é a de um país estatizante, refratário à abertura econômica, pouco propenso a uma política de acolhimento de investimentos privados estrangeiros e praticando um tipo de nacionalismo econômico ultrapassado nas condições de interdependência mundial atual.

13. Em que medida as grandes empresas de energia de capital privado, elas mesmas, têm poder de influenciar, com suas decisões estratégicas (e probabilíssimos lobbies, os movimentos de governos no xadrez geopolítico? E as grandes estatais asiáticas, especialmente as chinesas?

PRA: Pergunta impossível de ser respondida em geral e no abstrato. Companhias de energia podem ser mais ou menos influenciáveis pelos governos, mas nem sempre. Por exemplo: se o governo americano desejasse, realmente, estrangular o governo de Hugo Chávez (e do seu sucessor), há muito tempo teria decretado o final da importação de petróleo venezuelano, e sua substituição por outras fontes. Por que não o fez, por que não o faz? Por que o governo americano não é ditatorial e não pode determinar sozinho as políticas de importação de petróleo. A despeito de controlar uma enorme reserva estratégica de petróleo, o governo americano não possui nenhuma companhia estatal de petróleo, e são as companhias privadas que exploram, produzem derivados, importam, comercializam todo o setor. Companhias estatais de petróleo podem ter uma gestão mais comercial – em alguns emirados e monarquias árabes, por exemplo – ou ser inteiramente submetidas à gestão política do governo, como parece ser o caso com as chinesas e outras estatais em petro-ditaduras. Outros países podem ser ditaduras petrolíferas mesmo sem ter companhias estatais, como alguns da ex-URSS. Ou seja, o cenário é muito diverso para se ter um retrato uniforme de como são tomadas certas decisões nos diferentes atores relevantes.

14. Com a entrada no mercado de outras fontes de energia abundante, como o óleo e o gás de xisto  americanos, o petróleo vai perdendo importância estratégica, o que também ajudaria a explicar a perda de atratividade do Pré-Sal. Mas o Brasil pode se tornar bastante “forte” na produção de biocombustíveis. Em que medida essa possível vantagem estratégica específica pesaria na balança, a favor da preservação, ou mesmo aumento, da presença geopolítica brasileira no cenário internacional?

PRA: Não existem cenários fiáveis em nenhum terreno – mesmo nas teorias fantasiosas do “pico do petróleo”, jamais alcançado e ninguém sabe onde está – e mesmo nos renováveis o futuro é muito incerto, pois muito depende de políticas de governo, que costumam ser erráticas, quando não prejudiciais ao próprio país, quando preconceitos e ideologia tomam conta do espaço que deveria estar reservado a análises técnicas por especialistas. Por exemplo, o pré-sal brasileiro pode ser considerado um desastre completo pelas políticas erradas do governo, mas também o setor de renováveis foi submetido a políticas da mesma forma equivocadas. A decisão alemã de excluir completamente o vetor nuclear pode ser considerada igualmente uma decisão irracional e de alto custo para o país.
            O Brasil, de fato, poderia se tornar, em 500 anos de história econômica concentrada na produção de produtos de “sobremesa”: açúcar, café, cacau, etc. – um país relevante no futuro mercado de renováveis, não tanto pela oferta de bens, mas de tecnologia, e de know-how do setor, para produção na América Latina, na África e em outros países de perfil similar ao Brasil. Mas até aqui as políticas foram também equivocadas. Pode ser que no futuro, um governo menos irracional venha a colocar um pouco de ordem e de critérios exclusivamente técnicos e econômicos num setor importante.

15. As relações internacionais guiam-se, em grande medida, por expectativas. A quais alturas a soma de potencialidades em petróleo e em biocombustíveis poderá elevar a influência brasileira no cenário global e com quais efeitos sobre a capacidade de o país formular políticas públicas (para uso doméstico) com acréscimos de autonomia decisória?

PRA: O Brasil é um país que frustra expectativas, não apenas do seu próprio povo, mas também de parceiros estrangeiros, que certamente gostariam de vender tecnologia, comprar produtos brasileiros (renováveis, por exemplo), se associar a investimentos produtivos neste país de imensos recursos naturais hoje escassamente explorados. Tudo depende de políticas corretas de governo, o que até agora se revelou totalmente frustrante. Não acredito que o Brasil tenha grandes perspectivas na geopolítica mundial do petróleo; no máximo terá uma grande fonte para seu próprio consumo, e interagirá com os investidores estrangeiros nessa área de prospecção, exploração e produção interna de derivados (se o monopólio de fato da Petrobras for rompido, o que é um enorme problema para nós mesmos). Mas sua participação nos mercados mundiais de petróleo continuará marginal, ainda que possa ter grande expressão numérica: grandes negócios, certamente, mas nenhuma revolução geopolítica nessa área.
            Onde o Brasil poderia fazer diferença seria nos renováveis, mas até aqui, as políticas foram erráticas, e até retrocedemos nesse terreno. Importar etanol de milho subsidiado dos EUA é um exemplo perfeito da estupidez econômica do governo Lula no terreno dos renováveis. Fazer biodiesel com mamona de camponês pobre é outra estupidez econômica que não tem tamanho. Enfim, o governo Lula colecionou diversas estupidezes econômicas ao longo dos dez últimos anos, e infelizmente as mesmas bobagens continuam a ser cometidas no governo sucessor. Além dos vários crimes econômicos, a estatização ampliada do setor é a outra grande estupidez que continua ser praticada pelos governos petistas. Não se sabe quando, e se, essas estupidezes serão corrigidas. Mas enquanto não forem o Brasil continuará patinando, senão retrocedendo, no petróleo e nos renováveis.

Uma sub-retranca
Em quais detalhes as condições brasileiras (dadas nos leilões) diferem das condições de parceria oferecidas por outros grandes produtores a investidores estrangeiros (privados ou estatais)? Ou seja: como estão definidas as políticas para a abertura do setor de petróleo à participação estrangeira? Por quais razões foram definidas com estes ou aqueles principais traços? Com quais eventuais influências de condições ditadas por possíveis investidores e/ou práticas consagradas de mercado? Com quais efeitos sobre o ânimo dos investidores e suas decisões?

PRA: O modelo brasileiro é um híbrido, mas registre-se que no setor do petróleo existem muitos regimes diferentes, pois cada governo tem suas possibilidades e preferências. De maneira geral, quanto mais democrático e avançado for o país, mais livres, mais abertos, mais comercialmente orientados, mais tecnicamente fundamentados e mais amigáveis aos investimentos privados são e serão os regimes aplicados ao petróleo; quanto mais ditatorial for o governo, ou mais “subdesenvolvido”, mais irracional, mais rentista, prejudicial ao país e ao povo será o setor, com as diversas “maldições” do petróleo se acumulando. O Brasil fica entre os dois extremos: não é uma ditadura (mas o governo atual gostaria de ter uma no setor do petróleo, confirmando as piores expectativas rentistas dos políticos em geral e desses políticos em particular), e tampouco é uma perfeita democracia avançada, pois existe um enorme predomínio do Executivo na determinação das políticas do setor, uma vez que o congresso ou é inerme, ou desenvolve, justamente, os comportamentos rentistas mais deploráveis já vistos na história econômica do país.
            Uma prova de quão errado está o governo foi dado pelo leilão de Libra: poucas grandes empresas sérias se apresentaram, tal a confusão criada pelo governo quanto às condições reais de exploração. Reina no setor uma completa insegurança jurídica, além das incertezas tecnológicas e quanto à própria “rentabilidade” do petróleo do pré-sal. Como se suspeita: se o preço internacional não for muito alto, melhor deixar o petróleo no fundo do mar e esquecer.
Seria bem melhor para o Brasil se seus dirigentes se ocupassem de questões reais, como o estado deplorável da educação, por exemplo. Essa é a verdadeira “mercadoria” estratégica: educação de qualidade. O Brasil só precisa disso para ser grande. E, claro, precisaria dispor de elites mais esclarecidas, para que se possa ter governos minimamente racionais, o que parece não ser o caso atualmente.

Paulo Roberto de Almeida
Princeton, New Jersey, 8 de outubro de 2013.