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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Sobre a Revolucao industrial - David Landes e Ludwig von Mises

Recebo, hoje, um comentário a uma resenha minha (de 2005) do livro de David Landes sobre a revolução industrial, Unbound Prometheus, que prefiro ao título brasileiro Prometeu Desacorrentado. Está aqui, nesta postagem de 31/01/2012:
 http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/01/revolucao-industrial-por-seu-mais.html
Quando fui ver, havia um outro comentário, também da mesma época, feito pelo

Eduardo Rodrigues, Rio

4 anos atrás
Paulo, obrigado por mais esse artigo. Ofereço-lhe um texto sobre o mesmo assunto escrito por um gigante. -- Fatos e mitos sobre a "Revolução Industrial" --, por Ludwig von Mises http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1056

remetendo a esse artigo do Ludwig von Mises, que transcrevo aqui:

Fatos e mitos sobre a "Revolução Industrial"
Instituto Ludwig von Mises Brasil, terça-feira, 1 de janeiro de 2013



Industrial.jpgAutores socialistas e intervencionistas costumam dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da "Revolução Industrial" na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada "realista" ou "institucional", e refuta inteiramente o dogmatismo "abstrato dos economistas".[1] Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura.  Porém, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.
Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas.  Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro.  A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.
São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno.  Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a "Revolução Industrial". Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias.  Os camponeses eram felizes.  Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas.  Mas, aí, "a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga" sobre essas pessoas.[2]  O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública.  Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.
A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias.  O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento.  Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional.  A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.
O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias.  A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas.  Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal.  Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.[3]
Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos.  As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção.  O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.
O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos.  Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas.  O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara.  Faltava experiência tecnológica e comercial.  A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos.  Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram.  Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.
A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões.  Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo.  A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada.  Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.
Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações.  As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver.  As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões.  Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.[4]
Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos.  Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar.  É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos.  Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos.  Essas crianças estavam carentes e famintas.  Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.
É deplorável que tal situação existisse.  Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la.  O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".
Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial.  A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.
A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente.  Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.
A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a "Revolução Industrial", destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar.  Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes.  A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos.  Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar.  Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento.  Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.
Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril.  A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão.  Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados.  Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia.  Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas.  As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, em um estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores.
Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos "proletários", enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida.  As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos.  Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.
O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas.  Os assalariados já não são mais pessoas trabalhando exaustivamente para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem.  A grande empresa depende do consumo de massa.  Em um livre mercado, não há uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas.  A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum.  Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial.  Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.
Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental.  Segundo eles, os assalariados labutam arduamente em benefício de outras pessoas.  Nunca questionaram quem são essas "outras" pessoas.
O Sr. e a Sra. Hammond [citados na nota de referência número 2] nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830.[5]  Trata-se de um julgamento de valor arbitrário.  Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.
Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830.  Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, ao passo que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões.[6]  Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial.  Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: "Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio".
Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio.  Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante.  Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos novos-ricos e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo.  Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.
A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados.  Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal.  Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional.  A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas.  Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas.  Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários.  Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos.  Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.
Os defensores da intervenção do governo na economia e do sindicalismo atribuem toda melhoria da situação dos trabalhadores às ações dos governos e dos sindicatos.  Se não fosse por isso, dizem eles, o padrão de vida atual dos trabalhadores não seria maior do que nos primeiros anos da Revolução Industrial.
Certamente essa controvérsia não pode ser resolvida pela simples recorrência à experiência histórica.  Os dois grupos não têm divergências quanto a quais tenham sido os fatos ocorridos.  Seu antagonismo diz respeito à interpretação desses fatos, e essa interpretação depende da teoria escolhida.  As considerações de natureza lógica ou epistemológica que determinam a correção ou a falsidade de uma teoria são, lógica e temporalmente, antecedentes à elucidação do problema histórico em questão.  Os fatos históricos, por si só, não provam nem refutam uma teoria.  Precisam ser interpretados à luz da compreensão teórica.
A maioria dos autores que escreveu sobre a história das condições de trabalho no sistema capitalista era ignorante em economia e disso se vangloriava.  Entretanto, tal desprezo por um raciocínio econômico bem fundado não significa que esses autores tenham abordado o tema dos seus estudos sem preconceitos e sem preferência por uma determinada teoria; na realidade, estavam sendo guiados pelas falácias tão difundidas que atribuem onipotência ao governo e consideram a atividade sindical como uma bênção.  Ninguém pode negar que os Webbs, assim como Lujo Brentano e uma legião de outros autores menores, estavam, desde o início de seus estudos, imbuídos de uma aversão fanática pela economia de mercado e de uma entusiástica admiração pelas doutrinas socialistas e intervencionistas.  Foram certamente honestos e sinceros nas suas convicções e deram o melhor de si.  Sua sinceridade e probidade podem eximi-los como indivíduos; mas não os eximem como historiadores.  As intenções de um historiador, por mais puras que sejam, não justificam a adoção de doutrinas falaciosas.  O primeiro dever de um historiador é o de examinar com o maior rigor todas as doutrinas a que recorrerá para elaborar suas interpretações históricas.  Caso ele se furte a fazê-lo e adote ingenuamente as ideias deformadas e confusas que têm grande aceitação popular, deixa de ser um historiador e passa a ser um apologista e um propagandista.
O antagonismo entre esses dois pontos de vista contrários não é apenas um problema histórico: está intimamente ligado aos problemas mais candentes da atualidade.  É a razão da controvérsia naquilo que se denomina hoje de relações industriais.
Salientemos apenas um aspecto da questão: em vastas regiões — Ásia Oriental, Índias Orientais, sul e sudeste da Europa, América Latina — a influência do capitalismo moderno é apenas superficial.  A situação nesses países, de uma maneira geral, não difere muito da que prevalecia na Inglaterra no início da "Revolução Industrial".  Existem milhões de pessoas que não encontram um lugar seguro no sistema econômico vigente.  Só a industrialização pode melhorar a sorte desses desafortunados; para isso, o que mais necessitam é de empresários e de capitalistas.
Como políticas insensatas privaram essas nações do benefício que a importação de capitais estrangeiros até então lhes proporcionava, precisam proceder à acumulação de capitais domésticos.  Precisam percorrer todos os estágios pelos quais a industrialização do Ocidente teve de passar.  Precisam começar com salários relativamente baixos e com longas jornadas de trabalho.  Mas, iludidos pelas doutrinas prevalecentes hoje em dia na Europa Ocidental e na América do Norte, seus dirigentes pensam que poderão consegui-lo de outra maneira.  Encorajam a pressão sindical e promovem uma legislação pretensamente favorável aos trabalhadores.  Seu radicalismo intervencionista mata no nascedouro a criação de uma indústria doméstica.  Seu dogmatismo obstinado tem como consequência a desgraça dos trabalhadores braçais indianos e chineses, dos peões mexicanos e de milhões de outras pessoas que se debatem desesperadamente para não morrer de fome.


[1] A atribuição da expressão "Revolução Industrial" ao período dos reinados dos dois últimos reis da casa de Hanover — George III e George IV (1760-1830) — resultou do desejo de dramatizar a história econômica, de maneira a ajustá-la aos esquemas marxistas procustianos.* A transição dos métodos medievais de produção para o sistema de livre iniciativa foi um processo longo que começou séculos antes de 1760 e que, mesmo na Inglaterra, em 1830, ainda não tinha terminado.  Entretanto, é verdade que o desenvolvimento industrial na Inglaterra acelerou-se bastante na segunda metade do século XVIII.  Consequentemente, é admissível usar a expressão "Revolução Industrial" ao se examinarem as conotações emocionais que lhe foram imputadas pelo fabianismo, pelo marxismo e pela Escola Historicista.
* Relativo a Procusto, gigante salteador da Ática que, segundo a mitologia grega, despojava viajantes e torturava-os deitando-os num leito de ferro: se a vítima fosse maior, cortava-lhe os pés; se menor, esticava-a por meio de cordas até que atingisse as dimensões do leito. O termo serve para metaforizar o ato de se tentar ajustar arbitrariamente a realidade a um sistema ou teoria previamente concebidos. (N.T.)
[2] J.L. Hammond and Barbara Hammond, The Skilled Labourer, 1760-1832, 2. ed., Londres, 1920, p. 4.

[3] Na guerra dos Sete Anos, 1.512 marinheiros ingleses morreram em combate, enquanto 133.708 morreram de doenças ou desapareceram. Ver W.L.Dorn, Competition for Empire 1740-1763, Nova York, 1940, p.114.

[4] No sistema feudal inglês, a maior parte da área rural constituía-se de campos e florestas. Grande parte dessas áreas era utilizada para o cultivo de grãos e criação de gado para consumo próprio. Com o advento da produção agrícola para o mercado e não para o senhor feudal, essas terras começaram a ser cercadas e apropriadas.  Diversos atos do Parlamento, no século XVIII e parte do século XIX, endossaram esse movimento, que tinha oposição das classes inferiores.  Tal situação resultou num aumento da produção agrícola e na criação de um proletariado rural, que veio a se tornar a força de trabalho usada pelas fábricas inglesas na "Revolução Industrial".

[5] J.L. Hammond e Barbara Hammond, op. cit.

[6] F.C. Dietz, An Economic History of England, Nova York, 1942, p. 279 e 392.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Mises Brasil ascensao dos liberais desperta ataques raivosos daqueles mesmos seres raivosos de sempre...

Eles fizeram sua trajetória dividindo o país entre nós (eles) e eles (nós todos), com suas mensagens de ódio de classe, de raça, de região, de qualquer coisa...
Andaram até esfaqueando um boneco, poucos dias atrás...
Como o Mises vem crescendo nos últimos tempos, tornou-se alvo de ataques, como revelado nesta mensagem do Instituto.
Minha solidariedade, e meu alerta...
As coisas vão ainda ficar muito piores, antes de um dia (não sei quando), melhorar...
Paulo Roberto de Almeida

IMPORTANTE

O Instituto Mises Brasil vem a público informar, por meio de sua Diretoria, que o único meio oficial de comunicação do Instituto, conforme disposição estatutária, é o site www.mises.org.br

Nesse sentido, também gostaríamos de esclarecer que nossa conta no Twitter tem sido alvo de diversos ataques nos últimos meses, e por isso não deve ser considerada atualmente como um meio autêntico de comunicação por nossa parte. A mesma coisa aconteceu em nossa antiga conta do Youtube.
Agradecemos a inúmeros de nossos seguidores pelo apoio que temos recebido nas últimas horas no sentido de melhor esclarecer e dissipar qualquer mal entendido.

Atenciosamente, Diretoria do Instituto Mises Brasil.
Instituto Ludwig von Mises Brasil
www.mises.org.br

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Capitalismo regulado (nos outros paises), no Brasil: ultra-regulado, restrito, cerceado...

Os reais beneficiados por um capitalismo regulado
Instituto Ludwing Von Mises Brasil, quinta-feira, 5 de junho de 2014

 

ReuniaoDilmaEmpresarios_tvdestaques.jpg
Proteja seu bolso: governo em conluio com grandes empresários
A palavra "capitalismo" é utilizada de duas maneiras contraditórias.  Em algumas ocasiões, ela é utilizada com o intuito de denotar um mercado livre e desimpedido, ou laissez-faire.  Em outras ocasiões, ela é utilizada para denotar exatamente o arranjo atual em que vive o mundo, uma economia mista em que o governo intervém para privilegiar grandes empresas, criando monopólios e oligopólios. 
Logicamente, "capitalismo" não pode ser ambas as coisas.  Ou os mercados são totalmente livres, ou o governo os controla.  Não é possível ter os dois arranjos ao mesmo tempo.
Mas a verdade é que não há um mercado genuinamente livre em nenhum país do mundo.  As regulamentações governamentais, as tarifas, os subsídios, os decretos e as intromissões são generalizados, variando apenas o grau de intensidade com que ocorrem em cada país.  Sendo assim, o termo "capitalismo" denotando mercados livres não pode ser aplicado nos dias de hoje.
O que existe é um capitalismo mercantilista, um capitalismo de compadrio, um capitalismo regulado em prol dos regulados e dos reguladores, e contra os consumidores.
O que seria esse capitalismo mercantilista?  Trata-se de um sistema econômico no qual o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes sindicatos.  Neste arranjo, o governo concede a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado, como restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros.  Em troca, as empresas beneficiadas lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas.
O capitalismo mercantilista é tão antigo, que Adam Smith já o criticava — e combatia — no século XVIII.  Atualmente, não é necessário procurar muito para se encontrar exemplos deste tipo de capitalismo.  Basta olhar para o seu próprio país.  Todos os cartéis, oligopólios e monopólios que você conhece estão em setores altamente regulados pelo governo, como o setor bancário, o setor aéreo, o setor de transportes terrestres, o setor de transportes aquaviários, o setor de telecomunicações, o setor elétrico, o setor energético (petróleo, postos de gasolina), o setor minerador, o setor farmacêutico etc.
Quem cria cartéis, oligopólios e monopólios é e sempre foi o estado, seja por meio de regulamentações que impõem barreiras à entrada da concorrência no mercado (agências reguladoras), seja por meio de altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam, seja por meio da burocracia que desestimula todo o processo de formalização de empresas, seja por meio da imposição de altas tarifas de importação que encarecem artificialmente a aquisição de produtos importados (pense nas fabricantes de automóveis).
Um capitalismo de livre mercado é um sistema em que os lucros e os prejuízos são privados.  Já um capitalismo mercantilista é um arranjo em que os lucros são privados, mas os prejuízos são socializados.  Quando são bem-sucedidas, as empresas mantêm seus lucros; quando sofrem prejuízos, recorrem ao governo em busca ou de pacotes de ajuda ou de novas medidas que restrinjam a concorrência.  No extremo, pedem ao governo para jogar a fatura do prejuízo sobre os pagadores de impostos.
O papel das regulamentações em um capitalismo mercantilista não é corretamente entendido pelos intervencionistas.  Eles genuinamente acreditam que as regulamentações são uma forma de o governo subjugar e domar as grandes corporações.  Só que, historicamente, as regulamentações sempre foram uma maneira tida como lícita de determinadas empresas (geralmente as grandes e bem-conectadas politicamente) ganharem vantagens à custa de outras, geralmente menos influentes. 
Por exemplo, em teoria, agências reguladoras existem para proteger o consumidor.  Na prática, elas protegem as empresas dos consumidores.  Por um lado, as agências reguladoras estipulam preços e especificam os serviços que as empresas reguladas devem ofertar.  Por outro, elas protegem as empresas reguladas ao restringir a entrada de novas empresas neste mercado.  No final, agências reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que tem a missão de cartelizar os setores regulados — formados pelas empresas favoritas do governo —, determinando quem pode e quem não pode entrar no mercado, e especificando quais serviços as empresas escolhidas podem ou não ofertar, impedindo desta maneira que haja qualquer "perigo" de livre concorrência.
Em seu cerne, a regulação é anti-livre iniciativa, anti-livre mercado e anti-concorrência.  A regulação não se baseia nas preferências dos consumidores e nem nos valores subjetivos dos consumidores em relação aos bens e serviços ofertados.  Ao contrário, ela faz com que as empresas ajam como se fossem ofertantes monopolistas, de modo que os preços passam a ser determinados pelos custos de produção das empresas e não pela preferência dos consumidores. 
Mas isso é apenas o primeiro passo: uma empresa regulada pode encontrar várias maneiras de fazer as regulações funcionarem em proveito próprio e contra os interesses dos consumidores. 
Por exemplo, não é incomum que grandes empresas façam lobby para criar regulamentações complicadas e onerosas sobre seu próprio setor.  Por que elas fazem isso?  Para dificultar uma potencial concorrência de empresas novas, pequenas e com pouco capital.  Empresas grandes e já estabelecidas têm mais capacidade e mais recursos para atender regulações minuciosas e onerosas.  Empresas pequenas, que querem entrar naquele mercado mas que ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm essa capacidade.  Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem atendidos por empresas pequenas e recém-criadas. 
O livro "The Big Ripoff: How Big Business and Big Government Steal Your Money", de Timothy Carney, explica em detalhes como a própria Phillip Morris estimulou a "guerra contra o tabaco" para se beneficiar, como a própria General Motors agitou pela aprovação de rígidas legislações ambientalistas nos EUA (cujas restrições mais rígidas afetariam a concorrência), e como a poderosa megacorporação Archer Daniels Midland se beneficia dos subsídios para o etanol (algo adorado pelos ambientalistas).
O apoio das grandes empresas às regulamentações criadas pelos governos não apenas não é algo raro, como, na realidade, sempre foi a norma.
Caso ainda não esteja convencido, apenas faça a si mesmo a seguinte pergunta: Qual destas tem uma maior probabilidade de ser afetada por vigorosas regulamentações: grandes corporações com boas conexões políticas e com enormes departamentos jurídicos e contábeis, ou micro e pequenas empresas ainda incipientes e em processo de formalização? 
Regulamentações aniquilam a concorrência — e as empresas já estabelecidas adoram que seja assim.
Este arranjo de economia mista é também, como já explicado, ótimo para os governos.  Políticos e burocratas adquirem poderes sobre as empresas e, com tais poderes, garantem que seus cofres estejam sempre cheios.  Políticos ganham generosas doações de campanha e reguladores ganham fartas propinas.  Ambas essas contribuições são feitas pelas grandes empresas e pelos grandes sindicatos em troca da promessa de novas regulamentações que irão lhes favorecer e afetar a concorrência.
Trata-se de uma mistura de socialismo em um arranjo basicamente capitalista, uma mistura suficiente para manter fluidas as receitas do governo e garantir a continuidade dos assistencialismos sociais e corporativos.  A porção capitalista dessa economia mista possibilita um confortável estilo de vida para políticos e para milhões de funcionários públicos.
Defensores das regulações não percebem que elas são essencialmente uma forma de controle estatal.  É por isso que todos os partidos políticos atuais endossam agências reguladoras e todo o seu aparato burocrático.  Afinal, qual político não gostaria de comandar amplos setores da economia? 
Em vez de proteger os inocentes e incautos, regulações estimulam os escroques e incentivam as grandes empresas a manipular o sistema com o intuito de aumentar sua própria fatia de mercado e seus lucros.  Como sempre ocorre com todas as interferências governamentais nas questões econômicas e sociais, a regulação gera o efeito exatamente oposto do seu proclamado objetivo.  E o pior: em um esforço para se tentar corrigir as inevitáveis consequências desastrosas das regulações, mais e mais regulações vão sendo criadas, levando a um controle estatal da economia cada vez mais paralisante.
Já passou da hora de a população entender a diferença entre livre mercado, que se baseia na liberdade e na concorrência, e capitalismo mercantilista, que se baseia em privilégios concedidos pelo estado.
A conclusão é que os socialistas se reinventaram, trocaram seu rótulo para social-democratas, deixaram de lado sua ânsia de estatizar diretamente os meios de produção e optaram por um mais suave modelo fascista, no qual estado e grandes empresas atuam em conluio para se beneficiar mutuamente e prejudicar o cidadão, que tem de aceitar serviços ruins e caros, pois não há mais livre mercado.  Exatamente o intuito original dos socialistas.
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Participaram deste artigo:
Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.
Mark Borkowski é o presidente da corretora Mercantile Mergers & Acquisitions Corp., sediada em Toronto.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do  Instituto Ludwig von Mises Brasil.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

E por falar em Correios: um golpe de guilhotina no monopolio, por Leandro Roque (Mises Brasil)

A urgente necessidade de se desestatizar os Correios
por , Instituto Ludwig Von Mises Brasil, sábado, 16 de junho de 2012

 

O artigo a seguir foi publicado no dia 26 de outubro de 2010. De lá pra cá, pelo visto, as coisas só pioraram.

correios.gifTudo indica que a bagunça e o loteamento de cargos nos Correios vierem pra ficar.  A estatal foi totalmente loteada pelo PT, e a roubalheira instalada dentro da empresa, com centenas de milhões de reais sendo desviados para os mandantes do partido no governo federal, está prejudicando irreversivelmente seus consumidores cativos — ou seja, todos os brasileiros, que simplesmente estão proibidos de utilizar ou ofertar alguma concorrência.
Recentemente, perdi um casamento por causa dos Correios.  A cerimônia estava marcada para o dia 16 de outubro.  O convite me foi enviado (SP-BH) no dia 27 de setembro, mas chegou apenas no dia 19 de outubro, três dias após o evento para o qual fui convidado.  Se o convite tivesse sido enviado no casco de um cágado, a entrega teria sido mais rápida.
Mas há outros exemplos ainda piores.  Um parente meu, dono de um apartamento alugado em um prédio que está em reformas, terá de pagar multa por causa dos Correios.  Como houve um acréscimo na taxa de condomínio por causa das reformas, e o boleto do condomínio não lhe foi entregue dentro do prazo de vencimento (a carta chegou com atraso de 10 dias), essa pessoa agora terá de pagar multa simplesmente pelo fato de os Correios terem entregado o boleto já vencido.
Vários outros casos de encomendas atrasadas, extraviadas e até mesmo violadas já foram relatados.  Não obstante seus comerciais[1] demonstrando a cordialidade, a afabilidade e a presteza de seus funcionários, o fato é que os Correios, como toda estatal monopolista, existem não para atender a seus consumidores, mas sim para servir aos interesses de seu sindicato, do governo e de seus membros, principalmente daqueles que ali estão por indicação política. 
O fetiche estatizante
Nacionalistas e estatistas em geral (ambos são praticamente sinônimos) dizem que, quando o governo é dono de uma empresa — ou de alguma jazida mineral ou petrolífera —, isso automaticamente faz com que "o povo" seja o proprietário dos recursos em questão.  Isso significa que cada brasileiro é igualmente dono de uma fatia daquela empresa, e isso supostamente irá beneficiá-lo.  Sendo assim, como existem 190 milhões de brasileiros, então cada brasileiro é "dono" de aproximadamente 1/190 milionésimo dos Correios. 
E daí?  Ser "dono" de uma ínfima fatia de um estatal não traz benefício algum ao cidadão médio.  Ademais, a prerrogativa básica para que alguém se considere dono de algo é poder vender ou se desfazer desse bem quando quiser.  Os brasileiros têm essa liberdade?
Uma empresa ser gerida pelo governo significa apenas que ela opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos.  Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos.  Sendo monopolista, a estatal não precisa de incentivos e não sofre a concorrência de nenhum tipo de livre iniciativa individual — estas são proibidas por lei, em um flagrante ato de agressão e violência da parte do governo contra a liberdade de empreender.
Os resultados desse arranjo serão sempre uma ineficiência grosseira, custos operacionais mais altos que os que ocorreriam em um ambiente competitivo, e serviços de baixa qualidade.  O brasileiro médio está muito mais bem servido por empresas de telefonia celular e companhias aéreas privadas[2] do que pelos Correios ou por qualquer outra estatal blindada da concorrência do mercado.  Mesmo que ele não tenha uma só ação dessas empresas privadas, ele está em muito melhor situação ao lidar com elas do que ao lidar com estatais, que supostamente são suas.  E a explicação é simples: ao lidar com empresas privadas, o cidadão não apenas se beneficia do capital acumulado por essas empresas, como também se beneficia do fato de que elas empregam esse capital de modo a buscar o lucro e a evitar os prejuízos, sempre tentando ganhar eficiência sobre os produtos e serviços da concorrência.
Uma empresa que não é gerida privadamente, que não está sujeita a uma concorrência direta, nunca terá de enfrentar riscos genuínos e nunca terá de lidar com a possibilidade de prejuízos reais.  No Brasil, para limitar os prejuízos, o governo proíbe que os Correios sofram a concorrência de importantes categorias: cartas — cujo conceito engloba cartas pessoais, contas de água, luz e telefone, boletos de cartões de crédito e qualquer outro documento que seja de interesse pessoal do destinatário —, cartões-postais e malotes só podem ser transportados pela estatal.
Outros tipos de correspondências, como jornais, revistas e encomendas podem ser entregues por empresas privadas, cujos preços são, em média, 30% inferiores aos dos Correios.  Porém, é considerado crime uma empresa privada fazer entregas de cartas.  Por isso, devemos glórias à invenção do e-mail, que possibilitou que as comunicações se mantivessem em níveis modernos.  Sem ele — e com a proibição da concorrência aos Correios — ainda seríamos reféns de um serviço típico do mundo antigo, com sua arcaica prática de carregar sacos de um lado para o outro.
Monopólio X Desestatização
Um dos argumentos favoritos dos defensores do monopólio dos Correios para a entrega de cartas e malotes é o de que, se tirarem o monopólio da estatal, aquele morador lá do sertão do Piauí poderá ficar sem receber cartas, porque tal serviço não interessaria às empresas privadas.  Ou seja, é com o monopólio que os Correios se mantêm, pois o que fatura nos grandes centros urbanos permite que o deficitário serviço de entrega de cartas no interior do país, que não tem lucratividade, seja mantido.[3] 
Em primeiro lugar, vale lembrar que os Correios se recusam a fazer entregas em lugares perigosos, o que é um absurdo quando se considera sua posição monopolística.  Porém, a questão mais premente é outra: por que um serviço de entrega de correspondências deve ter o mesmo preço, não importando o local da entrega?  Em outras palavras, por que uma entrega no sertão do Piauí deveria custar o mesmo que uma entrega no centro de São Paulo?  Os críticos da desestatização dos Correios dizem que a quebra do monopólio irá fazer com que as empresas privadas passem a cobrar mais por entregas em locais fora de mão vis-à-vis locais mais próximos do remetente.
Ora, mas é claro que tem de ser assim.  Não há qualquer justificativa econômica para que serviços com custos tão díspares tenham o mesmo preço.  É até bem possível que a concorrência entre as empresas privadas levasse, no final, a um preço único para todo tipo de entrega, assim como empresas telefônicas têm suas promoções para ligações de longa distância, cobrando uma tarifa única por minuto.  Mas não necessariamente tem de ser assim.  É natural que determinados percursos de entrega — para os quais as péssimas estradas estatais contribuem em muito para o aumento dos custos — exijam preços mais altos que os de outros percursos, mais simples e acessíveis.
Em todo caso, a decisão final seria do consumidor.  Com a desestatização do Correios, e a subsequente concorrência gerada pela livre entrada de várias empresas, ninguém será obrigado a pagar nada para ninguém.  Por que, afinal, seria mais justo termos um monopólio com um preço único (que varia de acordo com o peso e não com a localidade de entrega) e não uma livre concorrência com preços variáveis, inclusive mais baratos que o SEDEX?  Essa regra do preço único por peso é tão ignara, que ilustra perfeitamente o problema do gerenciamento estatal: a empresa é administrada por burocratas acomodados e não por capitalistas em busca de lucro, eficiência e bons serviços prestados.
Como desestatizar
800px-Mailboxes_Queen_Street_Auckland.jpgUm exemplo de desestatização dos serviços postais aconteceu na Nova Zelândia.  Com a desregulamentação do setor, o que permitiu a livre entrada de empresas privadas no ramo, diferentes empresas agora podem instalar seus recipientes de coleta nas ruas das cidades, como mostra a foto ao lado.
Em um cenário como esse, de intensa concorrência, seria inconcebível que uma empresa atrasasse suas entregas em quase um mês, prejudicando seu cliente e até mesmo fazendo com que ele pagasse multas por estar inadimplente com alguma mensalidade não quitada dentro do prazo especificado.
O principal objetivo da desestatização dos Correios é criar concorrência.  Mas uma genuína concorrência só pode ocorrer em um ambiente onde exista propriedade privada.  É a instituição da propriedade privada que torna a concorrência e o mercado possíveis.  E é a existência de mercado e de concorrência que possibilita a existência de preços.  E é a existência de preços que possibilita qualquer tipo de cálculo econômico racional.  Ao impedirem a existência de concorrência — isto é, ao impedirem que outras pessoas possam usar sua propriedade para concorrer com os Correios ou para escolher outras empresas concorrentes —, os Correios, assim como qualquer empresa estatal que opere sem concorrência, ficam sem essa ferramenta essencial para atuar como uma genuína empresa capitalista.  Consequentemente, a estatal opera sem informações corretas de preços, o que impossibilita um cálculo racional de lucros e prejuízos, algo que afeta sua eficiência.  Daí a necessidade de sua desestatização.
E a melhor maneira de transformar os Correios em uma empresa eficiente seria levando-a ao livre mercado.  Seu capital seria aberto e empreendedores utilizariam seu próprio dinheiro para concorrer em um mercado competitivo, fornecendo serviços eficientes aos consumidores, sempre procurando métodos financeiramente viáveis para entregar correspondências e encomendas.  Esses investidores se tornariam os donos de todas as agências dos correios, de seus caminhões e instalações, podendo inclusive utilizar aviões próprios, como faz a FedEx nos EUA.  Ao mesmo tempo, todas as restrições à entrada no mercado seriam abolidas, permitindo que empresas estrangeiras, como  DHL, UPS e TNT, além da própria FedEx, viessem competir livremente aqui dentro.  Greves nos correios, algo que emperra toda a economia, virariam folclore e os preços entrariam em queda livre.
Conclusão
Quem disse que a iniciativa privada não pode entregar cartas?  Quando vemos os incríveis avanços ocorridos na economia de mercado e comparamos ao que eram os bureaus soviéticos, é preciso ter uma enorme fé no planejamento central para crer que uma estatal monopolista como os Correios prestaria um serviço pior caso fosse desestatizada e submetida à livre concorrência.
Os consumidores já protestaram e a atual situação dos Correios, um mero cabide de empregos para burocratas e apadrinhados políticos, apenas confirma a realidade: a estatal é obsoleta e antiquada.  Que ela tenha seu capital aberto e suas ações sejam vendidas integralmente para empreendedores.  Ou que ela seja entregue para seus funcionários, que deverão batalhar para competir no livre mercado sem a muleta do estado.  De um jeito ou de outro, se houver algo na estrutura que mereça ser mantido, deixemos para que empreendedores decidam.
O melhor método de privatização pode ser debatido, mas o fato é que ninguém pode alegar que a desestatização dos Correios — e a subsequente quebra do seu monopólio — não faria sentido econômico.
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Notas
[1] Por que uma estatal monopolista precisa gastar dinheiro com propaganda?  Ela está concorrendo com quem?
[2] As quais desfrutam de um oligopólio garantido pelo estado, o que significa que elas, consequentemente, também oferecem serviços de baixa qualidade — embora melhores por se tratar de um mercado um pouco mais concorrencial.
[3] O mesmo argumento, curiosamente, é usado no oligopólio da telefonia celular, que obriga, por exemplo, que empresas que adquirem o privilégio de operar em São Paulo tenham de fornecer o serviço em outras regiões menos lucrativas.

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Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sábado, 10 de maio de 2014

Instituto Liberal do Centro-Oeste: criacao e seminario sobre a vinda de Hayek ao Brasil, 12 e 13 de maio de 2014

Transcrevo da página do Instituto Mises Brasil, esta notícia, e convido a ouvir o podcast com o primeiro presidente do Instituto Liberal do Centro-Oeste, com o qual colaborarei na medida de minhas possibilidades, uma vez que acredito nas suas causas, muito diferentes das que estão sendo patrocinadas atualmente no Brasil.
O evento programado será filmado e depois disseminado pela internet, o que registrarei aqui.
Paulo Roberto de Almeida

INSTITUTO LIBERAL DO CENTRO-OESTE
PODCAST 123 – FÁBIO GOMES FILHO


Na segunda e terça-feira da próxima semana (dias 12 e 13 de maio), o Grupo de Estudos Lobos da Capital vai realizar um simpósio para celebrar os 33 anos da visita e palestra de F. A. Hayek na Universidade de Brasília (UnB), em maio de 1981. Estão programadas palestras do embaixador Carlos Henrique Cardim, um dos idealizadores da ida do economista Austríaco, de Helio Beltrão (presidente do Instituto Mises Brasil), e de Rodrigo Saraiva Marinho (presidente do Instituto Liberal do Nordeste).

E o evento também será marcante por outra razão: será anunciada a fundação e início dos trabalhos do Instituto Liberal do Centro-Oeste (IL-CO). Para falar sobre o seminário e sobre a nova instituição, o Podcast do IMB entrevistou Fábio Gomes Filho, membro do Grupo Lobos da Capital e que será o primeiro presidente do IL-CO. Engenheiro elétrico de formação, Fábio falou sobre o seminário, acerca das atividades do Lobos da Capital e sobre o trabalho que será desenvolvido pelo IL-CO junto com os outros grupos liberais/libertários da região.





A propósito do simpósio sobre a vinda de Hayek ao Brasil, transcrevo um texto de Roberto Ellery no Liberzone: 


ECONOMIZANDO
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5 Razões para um Economista Neoclássico apreciar Hayek


Fui surpreendido com o convite da página para escrever a respeito de Hayek por ocasião de seu aniversário. Conhecendo o Liberzone e apreciador do trabalho deles não tive como recusar, porém aceitar não foi uma decisão simples. Existem excelentes economistas brasileiros que seguem a Escola Austríaca e poderiam falar de Hayek com bem mais propriedade do que eu, afinal sou um economista neoclássico. Desconfiado, é verdade, mas definitivamente neoclássico. Sou desconfiado por duas razões: desconfio dos modelos que uso e desconfio das intenções de quem diz que vai aplicar os modelos para trazer mais bem-estar à sociedade. Talvez por ser desconfiado eu tenha recebido a confiança do Liberzone.
Como sempre ocorre de ser, o convite ainda era mais complicado do que parecia. Não bastava escrever sobre Hayek, o pedido incluía listar razões que fizeram de Hayek um símbolo do liberalismo. É complicado, vejo o liberalismo como uma doutrina essencialmente individualista, no sentido que é uma doutrina que supõe cada indivíduo como muito complexo para ser enquadrado em um grupo específico. Como então listar razões para alguém ser símbolo do liberalismo se eu tenho dificuldades para definir quem são os liberais. Ao escrever esse texto me propus a superar o desafio de homenagear Hayek sem ser um seguidor da Escola Austríaca, o desafio de escrever a respeito de um grupo que não sei definir eu não vou tentar superar. Desta forma em vez de escrever as razões para Hayek ser um símbolo do liberalismo escreverei as razões que me levaram a apreciar Hayek. Fazendo isto facilito minha tarefa e de saída me mantenho fiel a uma das razões que me levaram a apreciar Hayek.
Seguem as razões:

1. Não existe liberdade política sem liberdade econômica

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Hayek sabia que a liberdade é indivisível. Não existe liberdade política sem liberdade econômica e vice-versa. Essa é uma lição fundamental para economistas que vivem na América Latina e que são constantemente confrontados com a necessidade de avaliar políticas econômicas de ditadores que periodicamente assombram o continente. Isto quando não são convidados a participar de governos autoritários. Se um dia receberem tal convite lembrem a lição de Hayek e saibam que não vão criar um livre mercado a partir de um governo autoritário. Antes que perguntem, eu aviso que recomendação é válida mesmo se Pinochet o convidar para um certo “Centro de Estudios Públicos”.

2. O Uso do Conhecimento na Sociedade

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Hayek sabia que é impossível substituir o mercado por um planejador central. Não por acaso “The Use of Knowledge in Society”, artigo publicado por Hayek em 1945 na American Economic Review, foi listado em 2011 entre os vinte melhores artigos publicados quando das comemorações dos cem anos da revista. No artigo, Hayek argumenta que um planejamento centralizado nunca poderá substituir o mercado porque cada indivíduo detém apenas uma pequena fração do conhecimento existente na sociedade.

3.  A ordem econômica não é resultado de um desenho consciente

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Hayek sabia que o sistema de preços, melhor dizendo, a ordem econômica não é resultado de um desenho consciente. Pelo contrário, é uma ordem espontânea resultante da ação humana, mas não de planos humanos. Willian Eaterly, no excelente livro “The Tyranny of Experts: Economists, Dictators, and the Forgotten Rights of the Poor” recupera o tema da ordem espontânea e questiona as razões e as consequências de especialistas em desenvolvimento econômico dentro e fora da academia terem abraçado a tese oposta que suponha a ordem econômica como decorrente de um desenho consciente e, portanto, passível de substituição por outro desenho consciente, talvez melhor desenhado.

4. Hayek sabia da necessidade de uma teoria do capital

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Hayek sabia da necessidade de uma teoria do capital. Até hoje capital é um tema difícil de inserir na análise econômica, basta dizer que a maioria das estimativas do estoque de capital toma o custo do investimento como a medida de capital. Hayek sabia mais do que isto, sabia que o valor do capital é o valor presente esperado do fluxo de bens ou serviços produzidos pelo capital. Não é pouca coisa. Hayek tentou construir uma teoria do capital integrada à análise macroeconômica, queria uma teoria do capital que fosse útil para analisar economias monetárias. Tenho minhas dúvidas a respeito da relação entre capital, investimento e moeda, mas a despeito destas dúvidas aprecio a teoria do capital de Hayek.

5. Hayek sabia que o governo tem papéis importantes a cumprir

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Hayek sabia que o governo tem papéis importantes a cumprir. Que me desculpem os que sonham viver em um mundo sem governo, mas eu aprecio Hayek por saber e dizer que o governo tem funções na economia. O autor de “The Road to Serfdom”, livro que apontou os perigos da intervenção, apontou a importância de existir regulações que restrinjam métodos de produção, desde que não desenhadas para favorecer alguns grupos, a prevenção de fraudes e, fundamental para o Brasil de hoje, a existência de uma rede de seguridade social não é incompatível com o sistema de competição. O perigo não está no governo ajudar os pobres, o perigo está no governo decidir quem serão os ricos.
Os seguidores da Escola Austríaca devem ter notado pelo menos duas ausências em minha lista: a teoria dos ciclos econômicos e a teoria do investimento. A primeira talvez seja a que mais incomode. Entendo a relevância da teoria austríaca dos ciclos, mas como disse sou um economista neoclássico, mais precisamente: estou entre os que acreditam no ciclo econômico como advindo de respostas ótimas de famílias e empresas a choques reais na economia. Não nego que a moeda e crédito tenham algum papel na explicação do ciclo econômico, mas não os coloco como principal razão da existência do ciclo econômico. Desta forma não sigo a teoria de Hayek que o ciclo é devido a expansões da moeda e o crédito decorrentes de ações do Banco Central.
O investimento entrou na lista de ausências para marcar posição. Quando falei da teoria do capital fiz a ressalva da relação entre capital, investimento e política monetária. Marquei o investimento como ausência para ressaltar esta ressalva. Não discordo que diferentes bens de investimento mereçam tratamentos diferentes e reconheço que a teoria neoclássica é pobre neste quesito, porém a relação entre política monetária e investimento proposta por Hayek me parece superestimar o papel da política monetária. A ideia de que juros baixos e crédito fácil levam a um excesso de investimento de longo prazo e isto é a razão dos ciclos de expansão e recessão me parece difícil de conciliar com um investidor racional que maximiza lucro esperado mesmo com informação imperfeita. Sei que para Escola Austríaca isto não é um problema, mas para mim é um problema. No fundo as duas ausências são uma só.
O leitor atento deve ter reparado que antes de fazer a lista fiz referência a uma razão para apreciar Hayek e não toquei mais no assunto, não foi esquecimento, pelo contrário, queria encerrar o texto com este tema. Hayek sabia dos perigos de dar muita autoridade a um economista, disse isto quando recebeu o prêmio Nobel e alertou a respeito de um economista com tanto reconhecimento. Só isto seria motivo para colocar Hayek na minha galeria de heróis, só isto já é suficiente para justificar minha hesitação em listar razões para colocar Hayek como símbolo do liberalismo e optar por listar apenas minhas razões para aprecia-lo.