Posto aqui um exemplo, entre muitos outros, de respostas elaboradas por mim para atender a questões ou demandas que de vez em quando me são colocadas por algum interesse específico de um estudante, mas que entendo possuirem algum interesse geral, de outros estudantes nessas mesmas questões. Daí a adaptação deste texto, com colchetes e parênteses suspensivos, para descaracterizar o atendimento próprio ao bilateralismo.
Paulo Roberto de Almeida
Estado Mínimo e defesa nacional: existem ameaças nessa
vertente?
(Questões que de vez em quando me aparecem...)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 junho 2016, n. 2989.
De vez em quando, ou de
quando em sempre, sou “assediado” por questões colocadas por estudantes (de
diversas áreas) que tocam em problemas correntes da sociedade brasileira, ou
até em questões teóricas, às quais não costumo dar muita importância (talvez equivocadamente).
Mas é porque me fio mais na experiência e no conhecimento acumulado do que em
construções teóricas. Como diria o escritor Mario Vargas Llosa, quando os
intelectuais não conseguem responder a uma questão, eles inventam uma teoria
(risos, como se “escreveria” na ferramentas sociais).
Bem, vou colocar algumas
dessas questões que me chegam e tentar expressar minha opinião sobre o que me é
perguntado. Por razões óbvias, permito-me não revelar fontes e particularidades
dos perguntadores; também vou editar topicamente respostas elaboradas (por
vezes vários meses antes), para tornar meus argumentos aplicáveis a casos mais
gerais, deixando de lado especificidades das perguntas. Abaixo, um exemplo das
questões que me chegam, editadas para adequar-se ao que acabo de dizer acima.
Boa noite, Tenho (...) algumas dúvidas [que] ainda
remanescem e não consegui encontrar (...) respostas nas redes sociais (...).
Sou estudante de Relações Internacionais com ênfase em Segurança Internacional
e Geopolítica, que se refletem em políticas nacionais na área de Segurança e
Defesa Nacional. Eu gostaria de saber (...): o Estado Mínimo abrange algum tipo
de planejamento das três forças armadas? Seria correto dizer que haveria um
enfraquecimento da área? Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas
[no Estado Mínimo]? [No Estado Mínimo]as Relações Internacionais (...) seguiriam
o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal - institucional, estabilidade hegemônica,
etc.- ou algum relacionado? As dúvidas partem justamente de não ter muito claro
em mente até onde o Estado Mínimo atua no sistema internacional. Em muitos
casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar medidas para reduzir a
vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a soberania dos Estados? No
caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria a favor do
separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou atuaria de
modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território? E, por último: o
capital privado nacional seria, de alguma forma, priorizado? Agradeço
desde já a atenção.
Transcrevo a seguir as
respostas editadas por mim para atender às questões colocadas.
[Car@...]
[Agradeço] seu interesse (...)
em relação a temas da sua área de estudos, curso de Relações Internacionais,
com ênfase em Segurança Internacional e Geopolítica, e [tentarei] atender suas
demandas e responder às suas questões ao melhor de [minha] capacidade, embora
algumas delas não façam normalmente parte de [minhas] reflexões e atividades (...).
Por exemplo: [minhas] reflexões e posturas (...) no âmbito da política externa
e das relações exteriores do Brasil não se guiam tanto pelos modelos acadêmicos
que você discute no âmbito do seu curso universitário, quanto pelas questões
práticas que se colocam na agenda internacional e regional do Brasil. Mas [vou]
abordar cada um de seus questionamentos de maneira sistemática para ver se [posso]
atender toda a sua curiosidade.
1) Eu gostaria de saber qual é a proposta (...) para essa área [Segurança
e Defesa Nacional]: o Estado Mínimo abrange algum tipo de planejamento das três
forças armadas? Seria correto dizer que haveria um enfraquecimento da área?
PRA: Em primeiro lugar [gostaria]
de desfazer essa [caracterização] indevida (...) [no tocante ao] conceito de
Estado Mínimo, uma caracterização provavelmente inventada por partidários de um
Estado ativo, supostamente grande, e encarregado de um número considerável de
serviços e prestações para a população em geral. Havia uma clara intenção de
atribuir uma conotação negativo aos que, como os liberais, preferem ver o
Estado dedicado essencialmente às suas obrigações fundamentais, deixando ao
setor privado todos aqueles serviços que funcionam melhor em regime de
concorrência aberta e segundo as preferencias dos consumidores. Você há de
concordar [comigo em] que se a telefonia em geral, mas principalmente a
celular, continuasse um monopólio estatal, como ainda era até quase o final dos
anos 1990, os brasileiros não poderiam contar com a grande variedade de ofertas
a preços diversificados. O mesmo se aplica a vários outros serviços públicos.
Estado Mínimo é um fantasma que não existe em praticamente nenhum lugar do
mundo, e certamente não existe para as áreas de Defesa e Segurança.
Todos os Estados exibem um
aparato de segurança interna, e alguma estrutura para sua defesa externa, mesmo
deficiente ou carente de recursos mais sofisticados. No caso do Brasil, as FFAA
dispõem de uma boa organização e funcionamento, embora possam carecer, como
diversos outros órgãos do Estado e setores de atividades de interesse coletivo,
de recursos suficientes para manter uma estrutura que se julgaria ideal na
concepção dos próprios militares. Não seria [minha] intenção (...) reduzir o
Estado brasileiro a essa entidade fantasmagórica que seria um Estado Mínimo, e
muito menos reduzir a capacitação e os equipamentos de nossas FFAA a proporções
tais que elas não seriam capazes de preencher suas funções constitucionais – no
plano doméstico portanto – ou colaborar com a Organização das Nações Unidas em
missões de manutenção da paz, como elas já o fazem atualmente no âmbito de
diversas resoluções do seu Conselho de Segurança, notadamente no Haiti.
As FFAA, bem como o Ministério
da Defesa, já possuem suas instâncias de planejamento setorial e global – para
grandes concepções estratégicas, para esquemas táticos, para logística e
formação de quadros e provimento de materiais – e (...) não [se deve] (...)
interferir com essas atividades bastante especializadas voltadas para as
necessidades específicas das forças e em consonância com o que seja decidido
pelo governo de maneira ampla (Executivo e comissões parlamentares). Tais
atividades não tem nada a ver com o fato de o Estado ser superdimensionado ou
reduzido às suas mais modestas expressões, pois elas derivam uma determinada
concepção de Estado, por sua vez baseada em valores – defesa da soberania,
independência nacional, defesa do território – e em elementos mais tangíveis –
população, cobertura geográfica da defesa nacional, equipamentos disponíveis –
ou intangíveis (preparação dos recursos humanos e adequação das concepções
estratégicas aos meios materiais disponíveis).
Conhecendo-se o Brasil
enquanto sociedade e Estado, bem como o pensamento dos responsáveis civis e
militares na área de Defesa e Segurança, parece altamente improvável ocorrer um
“enfraquecimento” da área, como atitude deliberada de dirigentes políticos,
sejam eles liberais ou intervencionistas estatizantes. Parece haver um consenso
em torno da necessidade de FFAA modernas, bem equipadas e dispondo de uma visão
clara quanto às suas missões nos âmbitos regional e internacional. [Eu] não
pretenderia alterar esse relativo consenso, ainda que possa haver diferenças de
opinião quanto aos recursos a serem alocados e para quais tipos de equipamentos
considerados (submarino nuclear, por exemplo, ou aviões de combate de
tecnologia inteiramente nacional). [Eu preferiria que se desse] um tratamento
bastante técnico, e cercado de assessoria especializada nesses terrenos, a
todas as questões afetando a defesa e a segurança do Brasil, bem como sua
participação em ações externas.
2) Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas? [O Estado Mínimo
nas] Relações Internacionais seguiria o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal -
institucional, estabilidade hegemônica, etc.- ou algum relacionado? As dúvidas
partem justamente de não ter muito claro em mente até onde o Estado Mínimo atua
no sistema internacional.
PRA: A diplomacia e a
política exterior de um Estado ativo nas relações internacionais raramente – se
é que isso seria possível – são guiadas por considerações de natureza abstrata
como são essas concepções tipicamente acadêmicas, e que encontram pouco
respaldo, se algum, na atividade corrente dos governos. Estes se atem a seus
interesses fundamentais – desenvolvimento, cooperação, segurança, aumento do
comércio, dos investimentos, dos intercâmbios em geral, etc. – para organizar a
promoção e defesa desses interesses no plano externo, e nisso eles contam com
uma agenda externa, geralmente traçada no plano multilateral ou regional por
entidades intergovernamentais especializadas, e uma agenda interna, que são os
seus objetivos de política doméstica que necessitam interagir com o ambiente
externo (busca de parceiros comerciais, investidores estrangeiros, cooperação
nos grandes temas de externalidades, como meio ambiente, problemas globais,
segurança internacional, justamente, etc. Não há muito espaço para se debater
todos esses temas em função de algum modelo teórico abstrato, uma vez que as
questões exigem respostas práticas, não argumentos definidos a priori segundo um
esquema pré-fabricado, concebido por algum analista acadêmico.
Nenhum Estado, mínimo ou
máximo, organiza sua diplomacia e define a sua política exterior em função de
concepções que são construídas para oferecer modelos explicativos, não para a
condução das ações externas dos Estados em causa. É preciso ter bem presente
que se trata de dois universos que se colocam em planos diferentes da reflexão
responsável, seja por parte de estadistas e dirigentes políticos, seja a cargo
de professores universitários e comentaristas da atualidade.
3) Em muitos casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar
medidas para reduzir a vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a
soberania dos Estados?
PRA: Certamente que a
defesa do interesse nacional não apenas depende, mas exige que as
vulnerabilidades externas – e muitas delas derivam de fragilidades internas – sejam
reduzidas. [Qualquer] projeto [político, e não apenas um de tipo] “liberal”, [só
pode responder a questões desse tipo] (...) com base numa visão clara do que
seja o interesse nacional. Soberania nacional não é algo que se defenda
retoricamente, com proclamações altissonantes e grandes discursos. Ela é
exercida naturalmente, com base numa economia sólida, numa população instruída
e produtiva, num processo de transformações estruturais na economia que
dependem cada vez mais da inovação tecnológica e da economia do conhecimento, e
com plena inserção internacional, pois é no comércio internacional e nos
investimentos estrangeiros que países como o Brasil vão encontrar recursos e
meios para fortalecer sua própria capacitação em defesa. Tomando exemplo em
Estados mais desenvolvidos, que apresentam indicadores de produtividade e de
inovação bem superiores aos do Brasil, e coeficientes de abertura externa
igualmente maiores do que o do Brasil (que é metade da média mundial), [não
tenho nenhuma] hesitação em proclamar que uma pujante economia de mercado,
aberta aos mais diversos tipos de intercâmbios externos, é bem mais condizente
com os requerimentos da defesa da soberania nacional do que uma base produtiva
canhestra, voltada sobre si mesma, um potencial de investimentos limitados pela
ausência de poupança doméstica, e certas exigências de conteúdo local que só
encarecem o produto nacional, e o tornam pouco competitivo no plano
internacional, como infelizmente tem sido o caso do Brasil nos últimos anos.
Sem deixar de ser “soberanista”,
[sou] bem mais “internacionalista” do que a média (...), pois entendo que uma
sólida inserção externa é uma boa base para o fortalecimento da capacitação
interna nas mais diversas áreas.
4) No caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria
a favor do separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou
atuaria de modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território?
PTA: Não parece existir
atualmente no Brasil qualquer cenário propenso a algum tipo de “levante
separatista”, como foi o caso, por razões muito especiais, no passado
monárquico (na verdade regencial), quando as dificuldades de organização do
Estado nacional a partir do Rio de Janeiro provocaram reações de natureza muito
diferente no Nordeste e no extremo Sul do país. Esse período está
definitivamente encerrado e subsistem hoje poucos sentimentos separatistas
dotados de bases reais na sociedade, de forma a oferecer sequer uma
possibilidade teórica de um evento desse tipo. Mesmo sem considerar essa
hipótese plausível ou possível, [eu me atenho] exatamente à Constituição, que
coloca essa questão nos princípios fundamentais de organização do Estado e da
nação, definida como una e indivisível, mesmo quando estruturada segundo o
modelo federativo, com certa autonomia para os demais entes federativos nas
suas relações com a União. As FFAA estão aliás mandatadas para defender a
unidade do país, e [eu] não pretenderia inovar nesse terreno.
5) E, por último: o capital privado nacional seria, [no Estado Mínimo] de
alguma forma, priorizado?
PRA: O chamado capital
nacional foi priorizado no texto original da Constituição de 1988, dispositivo
que foi depois modificado por uma emenda constitucional de 1995, de maneira a
eliminar os aspectos mais discriminatórios contra o capital estrangeiros
presentes na redação aprovada pelo Congresso Constituinte. [Entendo] que as
prioridades ao capital nacional devem existir naturalmente, como decorrência de
um ambiente saudável, que não coloque a empresa nacional em desvantagem em face
da concorrência estrangeira, em função de uma carga tributária extorsiva e de
requerimentos regulatórios excessivamente complexos, impondo um custo adicional
ao empreendedor nacional. Discriminações legais contra o capital estrangeiro
são nefastas ao próprio desenvolvimento do capital nacional, como testemunhado
pela Lei de Reserva de Mercado para Informática, ou pela proteção absurda
concedida à indústria automobilística instalada no país – que nem nacional é –
o que impediu e impede que as empresas sediadas no território nacional (não
importa se nacionais ou estrangeiras) se insiram nas grandes redes de
integração produtiva em escala nacional, que hoje caracterizam a
interdependência econômica que está no bojo do processo de globalização. [Eu]
entendo que a melhor forma de priorizar o capital nacional é fazê-lo participar
plenamente dos processos de internacionalização em curso no mundo atual.
Existe uma correlação
muito clara entre níveis de renda per capita – ou seja, de bem-estar e de
prosperidade – e graus de abertura externa, ou seja, participação na
globalização: (...) acredito, de maneira consistente – porque apoiado nas
evidências já disponíveis a esse respeito –, nas virtudes da globalização e nos
méritos de um tratamento igualitário para o capital estrangeiro e o nacional no
ambiente doméstico.
[Paulo Roberto de Almeida;
Brasília, 4 junho 2016, 6 p.; com base no trabalho n. 2886; Hartford, 4 outubro 2015]