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sexta-feira, 21 de junho de 2019

Estado no Brasil: grande demais, segundo estudo - Luan Sperandio (Gazeta do Povo)

Estudo defende que “Estado mínimo” é o ideal para o Brasil

Estudo aponta que carga tributária ideal para o Brasil seria cinco pontos percentuais menor do que a atual.
Luan Sperandio, especial para a Gazeta do Povo, 20/06/2019
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O tamanho ideal do Estado é algo subjetivo e que varia de acordo com a ideologia de cada indivíduo. Há, por exemplo, quem considere o Estado brasileiro já “mínimo”, no sentido de que ele é pouco eficiente na prestação de serviços básicos. Outros grupos e indivíduos defendem uma redução maior no escopo de atuação da administração pública. Eles entendem que a eficiência aumentará na medida em que houver maior espaço da iniciativa privada.
A maior parte dos teóricos políticos e econômicos defende a necessidade de alguma forma de governo para garantir a propriedade privada, o cumprimento dos contratos, a oferta de bens públicos e para a realização de algumas políticas públicas. Eles entendem que a ação do governo pode gerar externalidades positivas para a sociedade. Mas eles também reconhecem que existe uma enorme tendência de os governos serem ineficientes, corruptos e, em última análise, gerarem um impacto negativo na atividade econômica produtiva.
Fora do mundo político e ideológico, a literatura científica possui parâmetros objetivos para delimitar o tamanho do Estado e qual seria o ponto de maior equilíbrio entre carga tributária e o desenvolvimento econômico. Inicialmente, a métrica para analisar o tamanho estatal se dá a partir do nível de despesa governamental em relação ao PIB.
A chamada Curva de Armey reflete a relação entre gasto público e atividade econômica. A metodologia considera que há uma associação positiva entre gasto público e crescimento econômico até determinado nível de despesa pública. Nesse caso, um governo limitado e com uma carga tributária limitada é benéfico para o desenvolvimento econômico e o bem-estar. Dessa forma, no início, a existência de um governo pode ser positiva para o desenvolvimento econômico. É o que se convencionou chamar de “carga tributária ótima”.
A partir de determinado limite, contudo, com um gasto público mais elevado e, portanto, drenando mais recursos da sociedade por meio da tributação, a atuação do Estado passa a ser ineficiente, prejudicando o desenvolvimento econômico.

Estado no Brasil é grande demais, segundo estudo

Com base nesses pressupostos, um estudo publicado na Economic Analysis of Law Review — principal revista de análise econômica do direito do país — analisou qual seria a carga tributária ótima brasileira. Os pesquisadores Cláudio Shikida, Andre Carraro, Rodrigo Nobre Fernandez, Ari Francisco de Araujo Jr. buscaram verificar a relação entre gasto governamental e crescimento econômico no Brasil.
A análise econométrica indicou que a carga tributária ótima seria de 28,38%. no equilíbrio de longo prazo. Nesse caso, a servidão ao Estado seria de 104 dias (do réveillon até 14 de abril de cada ano). O valor destoa em muito da carga tributária brasileira verificada em 2013, calculada em 33,74% (um cenário em que a servidão se arrasta até o dia 3 de maio).
Assim, o “tamanho ótimo do governo” brasileiro seria alcançado com uma redução arrecadatória de aproximadamente R$ 260 bilhões de reais naquele ano.
Para efeito de comparação, em 2018, o brasileiro só começou a trabalhar para si depois de 153 dias, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Isto é, o tamanho do Estado aumentou desde o ano em que o estudo foi feito. Segundo estudo da OCDE de 2016, apenas Cuba, com 41,7% de impostos sobre o PIB, supera a carga tributária brasileira na América Latina.
Ainda segundo o estudo, a carga tributária observada no início dos anos 1990 seria mais próxima do valor de carga tributária ótima. Ocorre que, a partir da segunda metade dos anos 1990, a sanha arrecadatória do fisco ultrapassou o nível ótimo e gradualmente se aproximou de um terço de toda a produção nacional.

O que daria para fazer com o “Estado Ótimo brasileiro”?

Os 28% de gastos em relação ao PIB corresponderiam, segundo os pesquisadores, a uma estrutura que comportaria basicamente os ministérios da Saúde, Educação, Justiça, Previdência Social, Defesa, Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Dessa forma, o Estado Ótimo brasileiro se aproximaria das ideias do intelectual escocês Adam Smith, mas acrescido de um aparato de Estado de bem-estar social enxuto. O “pai da Ciência Econômica” defendia uma atuação estatal restrita ao provimento de educação, defesa e segurança e de um sistema de justiça.

Apesar de grande, Estado brasileiro não prioriza mais pobres

A despeito de os 10% mais pobres pagarem proporcionalmente 44,5% mais impostos do que os 10% mais ricos, grande parte das políticas sociais financiadas com esse dinheiro não beneficia os brasileiros de menor renda. Um levantamento do Banco Mundial estimou que o Brasil gasta apenas 12,1% do PIB com os 40% mais pobres. Ou seja, há um benefício desproporcional aos mais ricos.
Há, portanto, diversas ações patrocinadas pelo Estado brasileiro que, embora vendidas por burocratas como “sociais”, resultam em aumento da concentração de renda. Segundo um estudo do Ipea, um terço da desigualdade nacional se dá em virtude da atuação da administração pública.

Brasileiros preferem estado intervencionista

O tamanho do governo é definido basicamente por três aspectos: econômico, político e ideológico. A depender de cada sociedade e de seus fatores de influência, eles podem fazer com que a arrecadação tributária fique distante do que a literatura considera ser um nível ótimo em termos de bem-estar.
De acordo com uma pesquisa de 2018, realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, para o brasileiro a economia deve ser regulada mais pelo Estado do que pelo mercado. Os entrevistados disseram ainda que as principais empresas devem pertencer ao Estado, considerado o principal agente de redução de desigualdades e de provimento de serviços básicos.

sábado, 4 de junho de 2016

Estado Minimo e defesa nacional: existem ameacas nessa vertente? - Paulo Roberto de Almeida

Posto aqui um exemplo, entre muitos outros, de respostas elaboradas por mim para atender a questões ou demandas que de vez em quando me são colocadas por algum interesse específico de um estudante, mas que entendo possuirem algum interesse geral, de outros estudantes nessas mesmas questões. Daí a adaptação deste texto, com colchetes e parênteses suspensivos, para descaracterizar o atendimento próprio ao bilateralismo.
Paulo Roberto de Almeida


Estado Mínimo e defesa nacional: existem ameaças nessa vertente?
(Questões que de vez em quando me aparecem...)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 junho 2016, n. 2989.

De vez em quando, ou de quando em sempre, sou “assediado” por questões colocadas por estudantes (de diversas áreas) que tocam em problemas correntes da sociedade brasileira, ou até em questões teóricas, às quais não costumo dar muita importância (talvez equivocadamente). Mas é porque me fio mais na experiência e no conhecimento acumulado do que em construções teóricas. Como diria o escritor Mario Vargas Llosa, quando os intelectuais não conseguem responder a uma questão, eles inventam uma teoria (risos, como se “escreveria” na ferramentas sociais).
Bem, vou colocar algumas dessas questões que me chegam e tentar expressar minha opinião sobre o que me é perguntado. Por razões óbvias, permito-me não revelar fontes e particularidades dos perguntadores; também vou editar topicamente respostas elaboradas (por vezes vários meses antes), para tornar meus argumentos aplicáveis a casos mais gerais, deixando de lado especificidades das perguntas. Abaixo, um exemplo das questões que me chegam, editadas para adequar-se ao que acabo de dizer acima.

Boa noite, Tenho (...) algumas dúvidas [que] ainda remanescem e não consegui encontrar (...) respostas nas redes sociais (...). Sou estudante de Relações Internacionais com ênfase em Segurança Internacional e Geopolítica, que se refletem em políticas nacionais na área de Segurança e Defesa Nacional. Eu gostaria de saber (...): o Estado Mínimo abrange algum tipo de planejamento das três forças armadas? Seria correto dizer que haveria um enfraquecimento da área? Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas [no Estado Mínimo]? [No Estado Mínimo]as Relações Internacionais (...) seguiriam o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal - institucional, estabilidade hegemônica, etc.- ou algum relacionado? As dúvidas partem justamente de não ter muito claro em mente até onde o Estado Mínimo atua no sistema internacional. Em muitos casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar medidas para reduzir a vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a soberania dos Estados? No caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria a favor do separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou atuaria de modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território? E, por último: o capital privado nacional seria, de alguma forma, priorizado? Agradeço desde já a atenção.

Transcrevo a seguir as respostas editadas por mim para atender às questões colocadas.

[Car@...]
[Agradeço] seu interesse (...) em relação a temas da sua área de estudos, curso de Relações Internacionais, com ênfase em Segurança Internacional e Geopolítica, e [tentarei] atender suas demandas e responder às suas questões ao melhor de [minha] capacidade, embora algumas delas não façam normalmente parte de [minhas] reflexões e atividades (...). Por exemplo: [minhas] reflexões e posturas (...) no âmbito da política externa e das relações exteriores do Brasil não se guiam tanto pelos modelos acadêmicos que você discute no âmbito do seu curso universitário, quanto pelas questões práticas que se colocam na agenda internacional e regional do Brasil. Mas [vou] abordar cada um de seus questionamentos de maneira sistemática para ver se [posso] atender toda a sua curiosidade.

1) Eu gostaria de saber qual é a proposta (...) para essa área [Segurança e Defesa Nacional]: o Estado Mínimo abrange algum tipo de planejamento das três forças armadas? Seria correto dizer que haveria um enfraquecimento da área?
PRA: Em primeiro lugar [gostaria] de desfazer essa [caracterização] indevida (...) [no tocante ao] conceito de Estado Mínimo, uma caracterização provavelmente inventada por partidários de um Estado ativo, supostamente grande, e encarregado de um número considerável de serviços e prestações para a população em geral. Havia uma clara intenção de atribuir uma conotação negativo aos que, como os liberais, preferem ver o Estado dedicado essencialmente às suas obrigações fundamentais, deixando ao setor privado todos aqueles serviços que funcionam melhor em regime de concorrência aberta e segundo as preferencias dos consumidores. Você há de concordar [comigo em] que se a telefonia em geral, mas principalmente a celular, continuasse um monopólio estatal, como ainda era até quase o final dos anos 1990, os brasileiros não poderiam contar com a grande variedade de ofertas a preços diversificados. O mesmo se aplica a vários outros serviços públicos. Estado Mínimo é um fantasma que não existe em praticamente nenhum lugar do mundo, e certamente não existe para as áreas de Defesa e Segurança.
Todos os Estados exibem um aparato de segurança interna, e alguma estrutura para sua defesa externa, mesmo deficiente ou carente de recursos mais sofisticados. No caso do Brasil, as FFAA dispõem de uma boa organização e funcionamento, embora possam carecer, como diversos outros órgãos do Estado e setores de atividades de interesse coletivo, de recursos suficientes para manter uma estrutura que se julgaria ideal na concepção dos próprios militares. Não seria [minha] intenção (...) reduzir o Estado brasileiro a essa entidade fantasmagórica que seria um Estado Mínimo, e muito menos reduzir a capacitação e os equipamentos de nossas FFAA a proporções tais que elas não seriam capazes de preencher suas funções constitucionais – no plano doméstico portanto – ou colaborar com a Organização das Nações Unidas em missões de manutenção da paz, como elas já o fazem atualmente no âmbito de diversas resoluções do seu Conselho de Segurança, notadamente no Haiti.
As FFAA, bem como o Ministério da Defesa, já possuem suas instâncias de planejamento setorial e global – para grandes concepções estratégicas, para esquemas táticos, para logística e formação de quadros e provimento de materiais – e (...) não [se deve] (...) interferir com essas atividades bastante especializadas voltadas para as necessidades específicas das forças e em consonância com o que seja decidido pelo governo de maneira ampla (Executivo e comissões parlamentares). Tais atividades não tem nada a ver com o fato de o Estado ser superdimensionado ou reduzido às suas mais modestas expressões, pois elas derivam uma determinada concepção de Estado, por sua vez baseada em valores – defesa da soberania, independência nacional, defesa do território – e em elementos mais tangíveis – população, cobertura geográfica da defesa nacional, equipamentos disponíveis – ou intangíveis (preparação dos recursos humanos e adequação das concepções estratégicas aos meios materiais disponíveis).
Conhecendo-se o Brasil enquanto sociedade e Estado, bem como o pensamento dos responsáveis civis e militares na área de Defesa e Segurança, parece altamente improvável ocorrer um “enfraquecimento” da área, como atitude deliberada de dirigentes políticos, sejam eles liberais ou intervencionistas estatizantes. Parece haver um consenso em torno da necessidade de FFAA modernas, bem equipadas e dispondo de uma visão clara quanto às suas missões nos âmbitos regional e internacional. [Eu] não pretenderia alterar esse relativo consenso, ainda que possa haver diferenças de opinião quanto aos recursos a serem alocados e para quais tipos de equipamentos considerados (submarino nuclear, por exemplo, ou aviões de combate de tecnologia inteiramente nacional). [Eu preferiria que se desse] um tratamento bastante técnico, e cercado de assessoria especializada nesses terrenos, a todas as questões afetando a defesa e a segurança do Brasil, bem como sua participação em ações externas.

2) Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas? [O Estado Mínimo nas] Relações Internacionais seguiria o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal - institucional, estabilidade hegemônica, etc.- ou algum relacionado? As dúvidas partem justamente de não ter muito claro em mente até onde o Estado Mínimo atua no sistema internacional.
PRA: A diplomacia e a política exterior de um Estado ativo nas relações internacionais raramente – se é que isso seria possível – são guiadas por considerações de natureza abstrata como são essas concepções tipicamente acadêmicas, e que encontram pouco respaldo, se algum, na atividade corrente dos governos. Estes se atem a seus interesses fundamentais – desenvolvimento, cooperação, segurança, aumento do comércio, dos investimentos, dos intercâmbios em geral, etc. – para organizar a promoção e defesa desses interesses no plano externo, e nisso eles contam com uma agenda externa, geralmente traçada no plano multilateral ou regional por entidades intergovernamentais especializadas, e uma agenda interna, que são os seus objetivos de política doméstica que necessitam interagir com o ambiente externo (busca de parceiros comerciais, investidores estrangeiros, cooperação nos grandes temas de externalidades, como meio ambiente, problemas globais, segurança internacional, justamente, etc. Não há muito espaço para se debater todos esses temas em função de algum modelo teórico abstrato, uma vez que as questões exigem respostas práticas, não argumentos definidos a priori segundo um esquema pré-fabricado, concebido por algum analista acadêmico.
Nenhum Estado, mínimo ou máximo, organiza sua diplomacia e define a sua política exterior em função de concepções que são construídas para oferecer modelos explicativos, não para a condução das ações externas dos Estados em causa. É preciso ter bem presente que se trata de dois universos que se colocam em planos diferentes da reflexão responsável, seja por parte de estadistas e dirigentes políticos, seja a cargo de professores universitários e comentaristas da atualidade.

3) Em muitos casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar medidas para reduzir a vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a soberania dos Estados?
PRA: Certamente que a defesa do interesse nacional não apenas depende, mas exige que as vulnerabilidades externas – e muitas delas derivam de fragilidades internas – sejam reduzidas. [Qualquer] projeto [político, e não apenas um de tipo] “liberal”, [só pode responder a questões desse tipo] (...) com base numa visão clara do que seja o interesse nacional. Soberania nacional não é algo que se defenda retoricamente, com proclamações altissonantes e grandes discursos. Ela é exercida naturalmente, com base numa economia sólida, numa população instruída e produtiva, num processo de transformações estruturais na economia que dependem cada vez mais da inovação tecnológica e da economia do conhecimento, e com plena inserção internacional, pois é no comércio internacional e nos investimentos estrangeiros que países como o Brasil vão encontrar recursos e meios para fortalecer sua própria capacitação em defesa. Tomando exemplo em Estados mais desenvolvidos, que apresentam indicadores de produtividade e de inovação bem superiores aos do Brasil, e coeficientes de abertura externa igualmente maiores do que o do Brasil (que é metade da média mundial), [não tenho nenhuma] hesitação em proclamar que uma pujante economia de mercado, aberta aos mais diversos tipos de intercâmbios externos, é bem mais condizente com os requerimentos da defesa da soberania nacional do que uma base produtiva canhestra, voltada sobre si mesma, um potencial de investimentos limitados pela ausência de poupança doméstica, e certas exigências de conteúdo local que só encarecem o produto nacional, e o tornam pouco competitivo no plano internacional, como infelizmente tem sido o caso do Brasil nos últimos anos.
Sem deixar de ser “soberanista”, [sou] bem mais “internacionalista” do que a média (...), pois entendo que uma sólida inserção externa é uma boa base para o fortalecimento da capacitação interna nas mais diversas áreas.

4) No caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria a favor do separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou atuaria de modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território?
PTA: Não parece existir atualmente no Brasil qualquer cenário propenso a algum tipo de “levante separatista”, como foi o caso, por razões muito especiais, no passado monárquico (na verdade regencial), quando as dificuldades de organização do Estado nacional a partir do Rio de Janeiro provocaram reações de natureza muito diferente no Nordeste e no extremo Sul do país. Esse período está definitivamente encerrado e subsistem hoje poucos sentimentos separatistas dotados de bases reais na sociedade, de forma a oferecer sequer uma possibilidade teórica de um evento desse tipo. Mesmo sem considerar essa hipótese plausível ou possível, [eu me atenho] exatamente à Constituição, que coloca essa questão nos princípios fundamentais de organização do Estado e da nação, definida como una e indivisível, mesmo quando estruturada segundo o modelo federativo, com certa autonomia para os demais entes federativos nas suas relações com a União. As FFAA estão aliás mandatadas para defender a unidade do país, e [eu] não pretenderia inovar nesse terreno.

5) E, por último: o capital privado nacional seria, [no Estado Mínimo] de alguma forma, priorizado?
PRA: O chamado capital nacional foi priorizado no texto original da Constituição de 1988, dispositivo que foi depois modificado por uma emenda constitucional de 1995, de maneira a eliminar os aspectos mais discriminatórios contra o capital estrangeiros presentes na redação aprovada pelo Congresso Constituinte. [Entendo] que as prioridades ao capital nacional devem existir naturalmente, como decorrência de um ambiente saudável, que não coloque a empresa nacional em desvantagem em face da concorrência estrangeira, em função de uma carga tributária extorsiva e de requerimentos regulatórios excessivamente complexos, impondo um custo adicional ao empreendedor nacional. Discriminações legais contra o capital estrangeiro são nefastas ao próprio desenvolvimento do capital nacional, como testemunhado pela Lei de Reserva de Mercado para Informática, ou pela proteção absurda concedida à indústria automobilística instalada no país – que nem nacional é – o que impediu e impede que as empresas sediadas no território nacional (não importa se nacionais ou estrangeiras) se insiram nas grandes redes de integração produtiva em escala nacional, que hoje caracterizam a interdependência econômica que está no bojo do processo de globalização. [Eu] entendo que a melhor forma de priorizar o capital nacional é fazê-lo participar plenamente dos processos de internacionalização em curso no mundo atual.
Existe uma correlação muito clara entre níveis de renda per capita – ou seja, de bem-estar e de prosperidade – e graus de abertura externa, ou seja, participação na globalização: (...) acredito, de maneira consistente – porque apoiado nas evidências já disponíveis a esse respeito –, nas virtudes da globalização e nos méritos de um tratamento igualitário para o capital estrangeiro e o nacional no ambiente doméstico.

[Paulo Roberto de Almeida;
Brasília, 4 junho 2016, 6 p.; com base no trabalho n. 2886; Hartford, 4 outubro 2015]

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O surgimento do "individuo minimo": so podia ser no Brasil, claro... - Milton Simon Pires

CULTURA E POLÍTICA - OS INDIVÍDUOS MÍNIMOS
Milton Simon Pires

Eu não conheço, em toda história da Filosofia Política, pensador que não escrevesse, direta ou indiretamente, sobre a questão do “tamanho do Estado”. Entenda-se disso que o que se discute fervorosamente até hoje é o grau de intervenção dele, o Estado, na vida das pessoas. Busca-se saber qual o melhor modelo para garantir determinados direitos, para melhor aplicar impostos ou gerenciar serviços...enfim..a coisa segue por esse lado. Modelos prontos fazem grande sucesso – o Estado “liberal”..o Estado de “bem estar social”...o Estado “Mínimo”..não tem fim o número de adjetivos que se coloca ao lado da palavra ..
Hoje, o objetivo do artigo vai ser o seguinte: discutir que tamanho deve ter o “indivíduo” dentro desse ou desses Estados sobre os quais tanto se escreve. A base da discussão é muito simples – sustento que tanto usando de métodos de coerção próprios do Totalitarismo quanto garantindo o bem estar social, o efeito final sobre o indivíduo foi sempre o mesmo – a sua atomização, a sua abdicação da capacidade de pensar e sua confiança cega na garantia da democracia fornecida pela velocidade das comunicações e pela apologia da sociedade tecnológica. Nada disso, meus amigos, poderia ser mais falso! Integrado por uma grande rede mundial de computadores, compartilhando informações nas redes sociais ou trocando e-mails, homem algum dispõem hoje do pré-requisito básico para atividade a filosófica – tempo para o recolhimento..
Não se consegue mais “processar sozinho” informação alguma. Necessita-se desesperadamente de informações “prontas”...de notícias “mastigadas” e classificadas em algum modelo prévio devidamente ajustado para provocar um determinado tipo de resposta emocional que vai pautar todas as nossas conclusões. Fazer, na prática, oposição política aos governos das democracias ocidentais torna-se cada vez mais difícil por que estes mesmos regimes apresentam-se como um caleidoscópio em que a velocidade e a contradição das suas medidas administrativas dão a impressão de serem eles mesmos governo e oposição ao mesmo tempo!
Nessas linhas, quero sustentar que essa crise da capacidade de fazer política, que essa perda da noção de uma cidadania que não dependa de militância partidária é reflexo de um gigantesco declínio da cultura. A ideia não tem absolutamente nada de original. Muita gente escreveu mais, e melhor do que eu, sobre isso. Aqui o recado é muito mais simples – desafio alguém a me provar que existe independência entre política e cultura. Quero que alguém me mostre que, terminadas todas as diferenças culturais, ainda possa existir oposição política seja lá ao que for.
Posso eu, realmente, descer com um i-phone na mão e falando inglês no aeroporto internacional de Shanghai fazer oposição ao governo chinês? A China, o Oriente Médio, a África, são realmente “outro mundo” para um ocidental como eu nos dias de hoje?? Faz sentido falar em cultura ocidental ainda??
Percebam vocês que se tenho dúvidas com relação aos exemplos que dei acima, e que não envolvem aquilo que chamo de “Ocidente”, com relação ao Brasil já não tenho mais esse problema – aqui vivemos numa ditadura. A oposição acabou há “séculos” por que a cultura é uma só! Ou constrói-se a partir da classe média brasileira uma nova maneira de ver o país que não se fundamente no relativismo e naquilo que chamei de “obsessão pelo consenso” ou não há, absolutamente, nenhuma chance de opor-se à coisa alguma. Vejam bem o que escrevi – não vai haver mais oposição à NADA ! Não estou escrevendo sobre o PT, sobre o Mensalão, luta de classes ou seja lá o que for que essa gente vem fazendo com o Brasil desde 2003. Digo que: ou o país passa a acreditar que existem pessoas que são “diferentes” e “melhor preparadas” para governá-lo (seja lá quem forem); ou nós vamos passar a viver uma Ditadura Eterna – a Ditadura dos Medíocres. O próprio fim do conceito de “mediocridade” é que vai permitir que isso seja possível. Não interessa se alguém tem pós-doutorado e ganha 20 mil reais por mês ou se só tem o primeiro grau e recebe 700 reais para limpar a rua..Os dois vão encher o cabelo de gel, colocar correntes douradas no pescoço e escutar Valesca Popozuda no i-phone! É isso que, ao meu ver, está se aproximando e ninguém, ou quase ninguém, percebe!
O fim da cultura representa muito claramente o fim da atividade política..e, independentemente do tamanho do Estado, anuncia o nascimento de um Indivíduo Mínimo..
PORTO ALEGRE, 12 DE AGOSTO DE 2013. 

domingo, 2 de maio de 2010

E já que estamos com aulas de economia, que tal falar de impostos?

Reproduzo aqui o artigo (longo, reconheço) do administrador do Instituto Von Mises do Brasil, sobre a questão sempre dolorosa dos impostos.

Imposto de renda vs. imposto sobre o consumo - uma abordagem liberal clássica
por Leandro Roque
Instituto Von Mises Brasil, segunda-feira, 26 de abril de 2010

Em toda e qualquer situação, menos impostos são sempre preferíveis a mais impostos. Sempre. Quanto menor for a carga tributária, maior a probabilidade de uma economia enriquecer. No extremo, é óbvio que uma carga tributária nula é preferível a uma carga tributária de, por exemplo, 2% do PIB — embora, hoje, esta última seria um êxtase.

Social-democratas sempre se referem à Escandinávia como exemplo de sociedade rica e com alta carga tributária, dando a entender que, se o Brasil elevar sua carga tributária para 50% do PIB, seremos rapidamente uma Dinamarca. O que eles ignoram é que os países escandinavos primeiro enriqueceram (o fato de não terem participado de nenhuma guerra ajudou bastante), e só depois adotaram um estado assistencialista. E com um detalhe inevitável: após essa adoção, a criação de riqueza estagnou (como foi relatado aqui e aqui).

Outra coisa que não é mencionada é o alto nível de desregulamentação da economia dinamarquesa. Você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130 no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média (7,9% no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem fazendas e a justiça os convida para um cafezinho); e, horror dos horrores, o mercado de trabalho é extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer justificativa e sem qualquer custo. E tudo com o apoio dos sindicatos, pois eles sabem que tal política reduz o desemprego. Estrovengas como a CLT (inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio Vargas) nunca seriam levadas a sério por ali.

Num ambiente assim, a eficiência e o dinamismo econômico são altos, o que resulta em uma economia rica, capaz de sustentar seu enorme sistema de bem-estar social. Não fosse pela economia desregulamentada e a riqueza por ela gerada, o assistencialismo dinamarquês não duraria dois dias.

Ou seja, ao contrário do que muitos imaginam, impostos não criam riqueza (exceto para quem os recebe); eles inevitavelmente destroem riqueza. É impossível extrair dinheiro de um grupo, entregar esse montante para outro grupo, e dizer que com isso você está enriquecendo toda a sociedade. Você estará, na melhor das hipóteses, distribuindo riqueza. Mas distribuir riqueza não é e nem nunca será sinônimo de criar riqueza.

Foi pensando nisso que muitos economistas de um matiz mais liberal se debruçaram para inventar impostos que seriam "neutros" — isto é, impostos cuja aplicação não afetaria a distribuição de renda, não destruiria riqueza e seria inócua ao funcionamento do mercado. Jamais encontraram um. O que é óbvio: qualquer taxação inevitavelmente destroi riqueza; jamais pode ser neutra em uma economia de mercado.

Entretanto, o governo, obviamente, tem seus métodos mais insidiosos. Um dos motivos por que ele sempre preferiu impostos indiretos e/ou que incidem em cascata — como COFINS, PIS/PASEP, IPI, CIDE, Imposto de Importação e ICMS — é que tais impostos são inevitavelmente transformados em preços mais altos, o que faz com que o consumidor, além de quase sempre não ter a mínima noção de que está pagando por eles, acabe culpando os empresários pelos altos preços. O contrário ocorreria com um imposto sobre consumo, daquele tipo que é discriminado separadamente na nota fiscal que o vendedor dá ao consumidor: nesse, o consumidor saberia perfeitamente quanto está dando ao governo, e isso poderia gerar inquietações civis.

Como Murray Rothbard explicou:

O imposto sobre valor agregado incide sobre cada etapa do processo de produção: sobre o agricultor, sobre o fabricante, sobre o atacadista e ligeiramente sobre o varejista.

A diferença entre o imposto sobre o valor agregado e o imposto sobre o consumo é que, quando um consumidor, a cada compra, paga por exemplo 7% de imposto sobre o consumo, sua indignação aumenta e ele inevitavelmente vai direcionar sua fúria para os políticos que estão no governo; porém, se esses 7% estiverem escondidos e forem pagos pelas várias empresas envolvidas no processo de produção — ao invés de ser pago apenas pelo consumidor final —, a culpa pelos preços inevitavelmente maiores será jogada não no governo, mas sim nos gananciosos empresários.

Enquanto consumidores, empresários e sindicalistas estiverem se engalfinhando, culpando uns aos outros pela inflação de preços, o papai governo poderá preservar sua inabalável aura de pureza moral, e reforçar o coro denunciando todos esses grupos por estarem "causando inflação."

Portanto, em termos de impostos indiretos, um imposto sobre o consumo — do tipo cujo valor é discriminado à parte — seria um método mais "honesto" e franco de se roubar as pessoas do que impostos sobre valor agregado e que operam em cascata.

Feito esse preâmbulo sobre impostos indiretos, vamos ao ponto.

A abordagem liberal clássica (minarquista)

Sabemos que não são todos os libertários que são anarcocapitalistas. Vários são minarquistas. Para os minarquistas, é função do estado prover polícia e tribunais. Logo, em uma sociedade minarquista, o estado precisa arrumar meios para financiar sua força policial e seu sistema judiciário. O debate infindável é qual o melhor método para tal.

Muitos propõem "impostos voluntários", isto é, os cidadãos voluntariamente pagariam a quantia que quisessem para o governo. Tal sugestão, embora moralmente correta, não só seria insustentável (pois haveria muitas pessoas com almoço grátis) como também seria perigosa: se, por algum motivo, a arrecadação do estado fosse maior do que a necessária (talvez em decorrência da existência de muitos milionários caridosos), nada impediria que ele, por deter o monopólio da coerção, começasse a se expandir até os níveis atuais. Levaria tempo, é verdade, mas tal ocorrência denunciaria a impossibilidade de uma sociedade minarquista duradoura.

Por outro lado, também é verdade que tal arrecadação acima do necessário também poderia ocorrer caso fosse adotado um outro sistema tributário qualquer. Eis aí um dilema que nenhum minarquista conseguiu resolver satisfatoriamente.

Porém, isso não pode de maneira alguma servir de motivo para se abandonar o ideal minarquista. Afinal, é preferível uma carga tributária de, digamos, 5% do PIB do que a atual, de 35% do PIB (carga essa que não leva em conta as necessárias e importantes sonegações).

Ademais — e isso é uma opinião totalmente pessoal — não consigo enxergar o anarcocapitalismo sendo adotado em um futuro humanamente suportável, principalmente em um país de grande extensão territorial e que não pratica o federalismo, como o Brasil. Mesmo nos EUA, também não consigo visualizar tal arranjo. Tenho pra mim que, enquanto Suíça, Hong Kong, Luxemburgo e Andorra — países de estado enxuto e já propícios para a experiência anarco — não se tornarem de fato anarcocapitalistas, nenhum outro país o fará. (Na Somália não só já existe governo desde 2006, como também o país já era um caos quando havia governo. Entretanto, vale ressaltar que o grande salto na economia e no desenvolvimento humano daquele país se deu exatamente no período em que não havia governo.)

Já no Brasil, para que o anarcocapitalismo fosse possível, pelo menos um estado teria de se tornar completamente independente de Brasília, declarando sua secessão não em relação à Federação — com a qual ele continuaria comercializando livremente e com fronteiras totalmente abertas, assim como ocorre hoje — mas em relação ao Planalto Central. Somente assim esse estado estaria apto a adotar o anarcocapitalismo — e mesmo assim, seria muito difícil sumir com o governo estadual.

Mas como há um partido libertário em formação no Brasil — e a minha sugestão é que, acima de tudo, eles defendam que estados possam sair do jugo de Brasília —, aqui vai minha humilde contribuição para uma política tributária minarquista a ser defendida pelo partido em seus debates (desnecessário dizer que a desregulamentação da economia, com o fim de todas as burocracias, é condição essencial para o bom funcionamento dessa proposta). Se eles vão utilizar essa política tributária para financiar apenas polícia e tribunais, ou se vão querer manter também universidades e hospitais públicos, ministérios e estatais, subsídios e assistencialismos, isso é com eles. A minha intenção é apenas discutir qual método de tributação seria o menos maléfico — neutro e justo, nenhum pode ser.

O imposto de renda tem de ser abolido

O imposto de renda é, de longe, o pior método que pode existir para se extrair dinheiro da população — do ponto de vista do pagador de impostos, claro. Não só é o que gera a mais dispendiosa burocracia para operá-lo, como também é o mais intrusivo sistema já concebido. Você que provavelmente está às voltas com sua declaração — o prazo final de entrega é dia 30 de abril —, sabe bem do que estou falando. Quantas manobras você tem de fazer para reduzir ao máximo o esbulho? Recibo de dentista, de médico, de oftalmologista, de aluguel etc., qualquer papel pode ser útil para ajudar na dedução (dedução essa que implicará custos adicionais para o dentista, para o médico, para o oftalmologista e para o senhorio, que terão de pagar imposto sobre a quantia que você lhes pagou). Devo ou não declarar aquele lote que possuo? O carro em nome do meu filho, que era isento e deixou de ser, vai me gerar problemas?

Pense em toda a energia e desperdício de riqueza que são gastas apenas para fazer com que o ladrão tome um pouquinho menos do seu patrimônio que você arduamente juntou em um ano. É pra matar qualquer um de raiva.

Portanto, a primeira coisa a ser feita é abolir completamente o imposto de renda, tanto o de pessoa física quanto o de pessoa jurídica. Afinal, o que poucos entendem é que uma carga tributária alta e complexa, como no Brasil, é uma ótima aliada das grandes empresas: elas impedem que pequenas empresas cresçam, que novas empresas surjam e que empresas estrangeiras aqui se instalem. Uma alta carga tributária — auxiliada por um IRPJ proibitivo e acompanhada de um emaranhado indecifrável de códigos tributários — serve como barreira de entrada no mercado, o que apenas ajuda as grandes empresas já estabelecidas e que, em sua maioria, só se tornaram grandes por causa de algum apadrinhamento do governo.

Além de ter esse pendor protecionista, o IR é algo insidiosamente intrusivo. Pense em todas as informações particulares que você tem de dar para a quadrilha federal. Você perde absolutamente toda a privacidade. Há também o trabalho escravo: você próprio tem de fazer todo o trabalho de calcular a quantia que você dará aos parasitas. Ou seja, além de ter sua propriedade saqueada, você ainda tem de trabalhar gratuitamente para o governo.

Pessoas mais endinheiradas e empresas de todos os portes precisam manter um detalhado e criterioso registro de informações — afinal, qualquer detalhe esquecido é o suficiente para o sujeito ser chamado de sonegador e bandido (ao passo que o verdadeiro bandido, o governo, posa de vítima, tendo ao seu lado sua fiel escudeira, a grande mídia, pronta para dizer que o governo está sendo lesado). Justamente para evitar esse infortúnio, os ricos e as empresas são obrigados a pagar um exército de advogados e contadores apenas para fazer sua declaração. Pense em todo o desperdício de recursos que isso representa. Riqueza que poderia estar sendo empregada na geração de mais riqueza acaba sendo desperdiçada em uma indústria de contadores que só existe para satisfazer demandas do governo. Tudo o que essa indústria faz é preparar declarações de imposto de renda — um serviço que, além de ser totalmente improdutivo, representa um verdadeiro extermínio de recursos, recursos esses que poderiam ser direcionados para fins muito mais produtivos.

Mais ainda: quando você faz a declaração de imposto de renda, você está afirmando que todas as informações por você dadas são verdadeiras e completas. Porém, caso tenha havido algum erro na declaração, o governo pode acusá-lo de perjúrio, multá-lo e até mesmo mandá-lo pra cadeia.

Obviamente, não é assim que um país pobre vai enriquecer rapidamente.

Portanto, se o IR for abolido, não apenas todo esse exército de contadores e advogados terá de voltar seus esforços para fins mais produtivos, como também o setor produtivo da economia terá uma vida mais tranquila. Da mesma forma, tempo e dinheiro serão preservados e melhor investidos, já que as pessoas e as empresas não mais terão de manter um calhamaço de criteriosos registros de informações.

Imposto sobre consumo

Já que seria preciso tributar alguma coisa, seria muito "menos pior" que se tributasse o consumo — no caso, imposto sobre vendas no varejo, com o valor discriminado na nota fiscal.

Uma verdade incontestável da economia é que sempre haverá menos daquilo que é tributado e mais daquilo que é subsidiado. O imposto de renda penaliza o trabalho, a poupança e o investimento, irracionalmente tributando os três progressivamente. Consequentemente, há menos estímulo para o trabalho árduo, para poupar e para investir. Ao mesmo tempo, o código tributário subsidia o endividamento. Para muitos casos, você consegue uma dedução no imposto de renda dependendo do empréstimo que você contrai — o que inevitavelmente subsidia o ato de se endividar, algo que não deve ser estimulado.

Assim, seria mais racional (e eu escrevo isso com os olhos cheios d'água) tributar as pessoas quando elas estão gastando o dinheiro, e não quando estão ganhando dinheiro — dói escrever isso, mas como a minarquia precisa de um estado e um estado precisa arrecadar, estou falando qual seria a "menos pior" das tributações. Adiante.

Muitas pessoas irão protestar dizendo que tributar o consumo final não é justo, pois isso seria uma tributação regressiva, que atinge com mais intensidade os pobres. Afinal, é fato que os pobres gastam, em termos proporcionais, quase toda a sua renda, ao passo que os ricos gastam menos. Isso é indiscutível. Mas há duas observações importantes.

Primeiro: a maioria dos gastos dos pobres se dá com comida. Eles gastam uma porcentagem muito maior da sua renda com comida do que o fazem os ricos. Assim sendo, esse imposto sobre consumo teria de isentar não só os alimentos como também várias outras necessidades básicas. Decidir o que são necessidades básicas e quais alimentos podem ser tributados seria um grande problema político. Mas é um fato que a grande maioria dos alimentos teria de ser isenta.

E segundo: suponha um rico que ganhe 1 milhão de reais por ano. Suponha também que ele gaste apenas 300 mil reais nesse mesmo período, poupando o resto. Os opositores a esse sistema tributário diriam que não é "justo" ele pagar impostos sobre "apenas" 300 mil, enquanto que os 700 mil restantes não estão sendo tributados. Mas a questão é: o que ele vai fazer com esses 700 mil? Como ele não os está gastando, isso significa que ele não está usufruindo essa quantia; ele não está gastando consigo próprio. Então, o que ele fará com esse dinheiro?

Uma hipótese seria a de que ele daria uma parte para a caridade. Nada de errado com isso, certo? Não creio que alguém queira punir uma pessoa por estar doando dinheiro para serviços caritativos. É muito melhor ver instituições beneficentes ganhando esse dinheiro do que o governo. Quando tais instituições gastam dinheiro, pessoas necessitadas se beneficiam. Quando o governo gasta dinheiro querendo fazer caridade, como bem expôs Lew Rockwell, "esse dinheiro vai em grande parte não para os pobres, que ficam com as migalhas, mas para aqueles grupos de interesse poderosos o suficiente para subornar e fazer lobby a favor da redistribuição. O dinheiro real vai é para os "pobristas" — os reais defensores da pobreza —, para os consultores, para as empreiteiras que constroem as moradias populares, para os funcionários de hospitais públicos, e principalmente para os próprios membros da burocracia que coordena todo o esquema".

Outra hipótese, bem mais provável, é a de que ele deixará o dinheiro em sua conta bancária ou irá utilizá-lo para comprar ações ou investir em empresas. O que isso significa? Ora, quando ele poupa esse dinheiro, ou quando ele o investe diretamente, ele está fazendo a economia crescer. Sua abstenção do consumo (poupança) está criando capital. E é isso que cria empresas, que aumenta a produtividade, que gera maior abundância de bens e serviços e que cria oportunidades de emprego. Por que alguém iria querer tributar isso? Qual a razão para tolher esse processo?

Se esse capital (a poupança) que foi investido e que possibilitou toda essa formação tivesse sido tributado e entregue ao governo, a economia certamente não teria crescido dessa forma. E isso não é uma mera opinião; é ciência econômica.

E para aqueles que desconsideram questões morais e que ainda insistem que não é justo não tributar esse ganho, basta apenas dizer que, embora o rico tenha ganhado esse dinheiro, ele não o gastou; ele não o usufruiu; ele deixou que outras pessoas o utilizassem mais produtivamente, para benefício de todo o resto. Mais ainda: qualquer quantia que o rico poupar (ou investir) hoje, ele vai gastá-la no futuro. Afinal, é exatamente para essa finalidade que ele está investindo: para ficar mais rico e poder usufruir mais o futuro, gastando mais consigo próprio. E é exatamente quando isso ocorrer, que seu dinheiro será tributado.

Ou seja: ele será penalizado (afinal, a minarquia exige um imposto) apenas quando estiver gastando o dinheiro consigo próprio, e não quando estiver disponibilizando seu dinheiro para o mercado, para investimentos que trarão benefícios e empregos para toda a sociedade. Por que, por favor me digam, alguém iria querer tributar e penalizar esse processo? Qual o sentido econômico? Hoje, é exatamente isso o que ocorre.

Vale enfatizar: toda a renda obtida por uma pessoa inevitavelmente será consumida um dia. Por isso, ela não deve de modo algum ser tributada antes de ser consumida. Porque enquanto ela não for consumida, ela certamente estará sendo utilizada para crescer a economia.

E tem mais (e os governistas vão adorar essa parte): imagine que o indivíduo rico supracitado investiu os 700 mil reais que poupou (e que não foram tributados), abriu uma empresa, criou empregos, produziu bens e serviços e, no final, essa empresa lhe trouxe um retorno de 7 milhões de reais. Assim, quando esses 7 milhões de reais forem gastos, o governo irá coletar mais dinheiro em impostos do que teria coletado caso tivesse tributado os 700 mil reais. E, nesse ínterim, a economia se beneficiou de toda a produtividade e de todos os empregos que tal investimento propiciou, simplesmente porque aquele indivíduo não teve sua renda tributada.

Da mesma forma, se houver um outro indivíduo que também ganhou 1 milhão de reais, mas que preferiu torrar tudo em carros, bebidas, mulheres, boa mesa, viagens, drogas etc., então ele, ao praticar esse consumo, gastando consigo próprio, estará pagando impostos. O.K., é verdade que não é justo tributá-lo só porque ele está se dando ao prazer de usufruir seu dinheiro; porém, como se trata de uma minarquia e existe um governo a ser sustentado, que a tributação se dê então no consumo, e não no investimento, que é o que faz a economia crescer.

Portanto, fica aí a minha contribuição para o debate tributário. Minha posição continua sendo a do imposto nulo. Porém, qualquer política tributária que já diminua a carga tributária para menos de 15% do PIB já teria todo o meu apoio. Se é para existir governo, que seja esse o único sistema de tributação vigente.

Conclusão

Além de tudo o que foi dito, vale ressaltar que um único imposto sobre o consumo, além de livrar as pessoas de todo o terror tributário imposto pela Receita Federal, de toda a invasão de privacidade que ela empreende e do risco de ir pra cadeia, é um sistema muito mais honesto que o atual, simplesmente porque você sabe exatamente quanto está pagando de impostos em cada produto consumido. Exatamente por se tratar de uma tributação transparente, seria bastante difícil para qualquer político tentar elevá-la.

Outra vantagem deste sistema é que, embora ele ainda seja péssimo, pois você tem de pagar de impostos, é possível você escapar da tributação. Basta se abster de comprar os produtos mais pesadamente tributados. Sim, isso é um cerceamento da liberdade, mas já que o povo quer estado, que se escolha então o sistema menos ruinoso possível. Com um imposto de renda, por outro lado, qualquer fuga é impossível.

Isso posto, restam agora os problemas.

O principal seria como achar alguém com a sabedoria para escolher quais produtos seriam taxados. Comida certamente não poderia ser. Cigarro? Uísque? Charuto? Maconha? Cocaína? Pode ser. A parte boa é que a receita não precisaria ser alta. Porém, a escolha de quais produtos seriam ou não tributados certamente excitaria vários e poderosos grupos lobistas. Eis aí um problema para os minarquistas resolverem.

Além deste, há também mais três encrencas:

1) Qual será a taxa aplicada sobre cada produto? Por que esse valor e não outro?

2) Como será montada a burocracia para aplicar e praticar essa coleta?

E, principalmente,

3) Como vão garantir que tal burocracia não cresça e vire um monstro?

Na minha humilde opinião, esse último item é impossível.

Porém, volto a dizer, tal arranjo seria um monumental avanço em relação ao que temos hoje. Deixar que cada indivíduo mantenha a totalidade dos frutos de seu trabalho e deixar que as empresas retenham a totalidade de seus lucros é o único arranjo que realmente representaria uma situação em que "todo o poder emana do povo", como manda aquele compêndio de besteiras patrocinado por Ulysses Guimarães e promulgado em 1988.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.