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sábado, 16 de março de 2019

Um cenario desolador na principal potencia ocidental: retrocessos mercantilistas a perder de vista - Carlos Gustavo Poggio

Boa relação com Trump é suficiente para garantir acordo comercial?

A boa notícia para Bolsonaro é que a relação pessoal com Trump deve fluir de forma positiva. A má notícia é que isso não deve ter muita importância.
Um fator que não pode ser negligenciado em qualquer negociação com os Estados Unidos é a importância do Congresso americano em questões de política externa. Acordos que necessitam de aprovação do Congresso têm um tempo próprio. É extremamente comum serem iniciados com um presidente e finalizados por outro.
As negociações para o NAFTA, por exemplo, começaram por iniciativa do presidente mexicano Carlos Salinas em 1990, mas o tratado foi assinado nos estertores do governo do Republicano George Bush em 1992 e ratificado pelo Congresso apenas sob o Democrata Bill Clinton, em 1993. Importante notar que, mesmo após anos de negociação e apoio de dois presidentes de partidos diferentes, o NAFTA foi aprovado com uma margem de apenas 34 votos na Câmara dos Representantes, que conta com 435 membros.
Da mesma forma, Peru e Colômbia iniciaram conversas com os Estados Unidos sob a presidência de Bush-filho, mas esses acordos foram implementados apenas durante o governo Obama. O caso do Chile é ainda mais gritante. Desde 1992 os chilenos almejavam um tratado comercial com os Estados Unidos, e Bill Clinton chegou a concordar em incluir o Chile no NAFTA. Porém, Clinton encontrou dificuldades no Congresso e o Chile acabou assinando acordos separados com o Canadá e com o México, mas não com os Estados Unidos. Apenas em 2003, com Bush, o Chile finalmente conseguiria assinar um acordo comercial com o país norte-americano.
A menção a esses casos passados também serve para ilustrar as dificuldades na comparação com o atual contexto. Quando o NAFTA foi aprovado, Clinton estava em seu primeiro ano de mandato e contava com sólida maioria Democrata na Câmara e no Senado. Além disso, o Democrata foi eleito com um discurso que enfatizava as virtudes do livre-comércio. Mesmo nessas condições, menos da metade dos Democratas nas duas casas legislativas votaram a favor do NAFTA.
O principal crítico do acordo durante a campanha presidencial de 1992 era Ross Perot, um milionário populista sem experiência política que se vendia como um “outsider” e concorreu como candidato independente. Perot acabou tendo a melhor performance da história entre os candidatos independentes à presidência dos Estados Unidos ao angariar quase 20% dos votos naquela eleição. O bom desempenho de Perot, tirando votos sobretudo dos setores mais conservadores do eleitorado, é considerada uma das principais razões pela não-reeleição de Bush.
Desde 2016, o cenário é bastante distinto. Os Republicanos elegeram um presidente que lembra mais Perot que Bush. O partido Democrata, por outro lado, está cada vez mais distante das visões liberais de Clinton, com um número crescente de apoiadores que se auto denominam socialistas. Dentre os candidatos do partido que têm se apresentado para as eleições de 2020, poucos defendem abertamente o livre-comércio.
Em 2016, Hillary Clinton encontrou dificuldades para bater Bernie Sanders pela nomeação do partido Democrata. Sanders teve como uma de suas principais bandeiras de campanha naquele ano a rejeição ao Tratado Transpacífico (TPP), negociado por Obama com o apoio de Clinton. Sanders já está novamente em campanha e suas posições são hoje mais populares no partido do que as de Hillary Clinton, que por sua vez já anunciou que está fora da disputa pela presidência.
As eleições de 2020 podem ser as primeiras da história recente dos Estados Unidos sem nenhum candidato dos principais partidos a empunhar a bandeira da liberalização comercial.  Nesse contexto, as condições para um acordo do Brasil com os Estados Unidos são muito menos auspiciosas que as encontradas pelos países Latino-Americanos mencionados acima. E o Brasil, ao contrário de México, Peru, Colômbia e Chile, ainda teria que equacionar restrições impostas pelo Mercosul.
Além disso, o grau de polarização no atual ambiente político nos Estados Unidos é consideravelmente mais alto do que no passado recente, o que tem levado a constantes paralisias no governo americano e cada vez menos cooperação entre os dois partidos no Congresso.
Um exemplo para se prestar atenção é o caso do novo NAFTA (rebatizado como USCMA), renegociado por Trump e atualmente parado no Congresso com poucas chances de ser aprovado sem modificações relevantes. Já circulam comentários em Washington que a líder do partido Democrata e presidente da Câmara Nancy Pelosi não facilitaria a aprovação do acordo, isto que isso seria visto como uma vitória de Trump. Isso é uma pequena ilustração de como a polarização política tem impedido a construção de consensos domésticos nos Estados Unidos.
A conclusão óbvia é que, se o governo brasileiro considerar que seu único interlocutor é Trump, estará cometendo um erro colossal. Adicionalmente, se levarmos em conta o histórico da atual presidência americana em termos de negociações comerciais, o governo brasileiro deveria ter razões adicionais para ser cauteloso. Trump tem uma visão basicamente mercantilista das relações internacionais, que interpreta a existência de déficits comerciais como uma evidência de que os demais países tiram vantagens dos Estados Unidos.
Um alerta para o Brasil nesse sentido foi a recente decisão do governo Trump de suspender o tratamento tarifário preferencial dado à Índia por fazer parte do Sistema Geral de Preferências (SGP), que beneficia países em desenvolvimento, e do qual o Brasil também é parte. A alegação da administração Trump foi que a Índia não teria sido capaz de assegurar aos Estados Unidos, que tem um déficit comercial de mais de 20 bilhões de dólares com o país, um “acesso razoável e equitativo” ao mercado indiano. Isso, apesar de o país ser um importante aliado dos Estados Unidos e o primeiro-ministro Narendra Modi ter boa relação pessoal com Trump.
A vantagem de Bolsonaro é que os Estados Unidos possuem um superávit comercial com o Brasil que mais do que dobrou entre 2016 e 2018. Mas isso não vai adiantar de nada se o presidente não agir estrategicamente e priorizar relações pessoais de curto prazo.
*Carlos Gustavo Poggio é professor dos cursos de relações internacionais da FAAP e da PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Militar brasileiro no Comando Sul dos EUA - RFI

Indicação de brasileiro às Forças Armadas dos EUA não implica em intervenção do Brasil na Venezuela, diz especialista

mediaO general Alcides Valeriano de Faria Junior foi indicado para ocupar o cargo de subcomandante de interoperabilidade das Forças Armadas dos Estados Unidos. Captura de vídeo
A indicação de um militar brasileiro para o Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos (Southcom) gerou uma enxurrada de especulações sobre uma possível participação do Brasil em uma intervenção militar na Venezuela. Entrevistado pela RFI, o professor Vinicius Mariano de Carvalho, do Departamento de Estudos sobre Guerra do King’s College, em Londres, descartou a hipótese: “De uma perspectiva de diplomacia de defesa brasileira, não há nenhuma intenção ou interesse que haja uma intervenção militar na Venezuela”, afirma. 

Pela primeira vez, o Brasil terá um oficial no Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos. O general de Brigada Alcides Valeriano de Faria Junior teve seu nome confirmado há poucos dias para ocupar o cargo de subcomandante de interoperabilidade do Southcom. 
A informação teve forte repercussão no Brasil. Há especulações que, com a nomeação do general brasileiro, os Estados Unidos estariam contando com a ajuda do Brasil para uma intervenção militar na Venezuela. 
Ajuda humanitária ou pretexto para intervenção?
Desde o início deste mês, toneladas de ajuda humanitária enviadas pelos Estados Unidos estão bloqueadas na fronteira da Colômbia com a Venezuela. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, proibiu que os carregamentos de alimentos e remédios entrem no país, alegando que o envio do material é um pretexto para a ingerência dos Estados Unidos. 
Carvalho reconhece o interesse americano no fim do regime chavista, mas descarta uma colaboração do Brasil em uma operação militar. “É claro que esse apoio humanitário que tem sido mandado pelos Estados Unidos à Venezuela está vindo com um rótulo de mudança de regime. Mas embora o Brasil venha se manifestando contra Maduro desde a presidência anterior, também se mostra contrário a qualquer tipo de intervenção militar nesse nível”, diz.
Ao contrário das especulações, um brasileiro no Southcom poderia, segundo o especialista, evitar um conflito na região. “Podemos pensar que a presença brasileira no Comando Sul seja de certa forma até um contrabalanço desta percepção ou sonho de uma intervenção militar na Venezuela”, avalia. 
Segundo ele, ter um brasileiro dentro deste comando não fere a soberania militar nacional e pode ser algo positivo para o Brasil. “Ao contrário, esse representante dentro do Southcom é alguém que pode defender o interesse nacional em relação à segurança e à estratégia nacional de defesa em um ambiente diplomático externo.”
Primeiro brasileiro no Southcom
O anúncio da nomeação de um militar brasileiro foi realizado pelo almirante Craig Faller, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, durante uma audiência na Comissão das Forças Armadas do Senado americano, em 7 de fevereiro. Já a decisão pela indicação do general Alcides Valeriano de Faria Junior teria acontecido após uma visita de Faller ao Ministério da Defesa ao Brasil, em 11 de fevereiro. 
O Ministério da Defesa do Brasil nega, no entanto, que a visita de Faller tenha relação direta com a nomeação do general brasileiro ao Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos. Em nota, o governo brasileiro afirmou que o objetivo da visita do oficial foi “promover a cooperação no âmbito da defesa entre o Brasil e os Estados Unidos, além de fortalecer os laços de amizade entre as duas nações”. 
Em Brasília, o almirante americano se reuniu com o comandante da Marinha do Brasil, Ilques Barbosa Júnior, que a apresentou as operações desenvolvidas pelas forças brasileiras, no país e no exterior, além de projetos estratégicos, como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). Faller também se encontrou com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Raul Botelho, segundo ele, para discutir “possíveis tratativas entre os dois países”.  
Para Carvalho, a nomeação de Faria Junior tem relação direta com a aproximação do governo Bolsonaro com a administração americana. “O governo que assumiu o Brasil em 2019 declarou-se claramente mais favorável a uma política externa alinhada com os Estados Unidos. Consequentemente, uma série de linhas de relações exteriores vão se estabelecer neste sentido. Portanto, é um momento favorável ou oportuno para que essas relações de diplomacia e de defesa também se reforcem.”
Como atua o Southcom
Ligado ao Departamento de Defesa americano, o Comando Sul dos Estados Unidos ou Southcom é uma das dez unidades de combate do país e integra tropas do Exército, Força Aérea, da Marinha e guarda costeira dos Estados Unidos. O órgão é responsável pelo planejamento de contingência e por operações de cooperação no setor de segurança para as Américas do Sul, Central e Caribe. 
O especialista do King’s College não se surpreende com indicação de um brasileiro para integrar o Comando Sul dos Estados Unidos e considera que a decisão não passou de “um procedimento”. De acordo com Carvalho, o Southcom conta com a presença de outros militares de vários países sul-americanos.
“Faz parte de instrumentos de diplomacia de defesa esse convite para que militares de outros países participem até mesmo de tomadas de decisão entre nações amigas. Eu, pessoalmente, não sou pessimista sobre a nomeação do general brasileiro”, conclui.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Relacionamento Brasil-EUA, com realismo - Rubens Barbosa

ALINHAMENTO AUTOMÁTICO OU INTERESSE NACIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/12/2018

A nova geopolítica nas relações hemisféricas abre oportunidades para a expansão das relações Brasil-EUA que não existiram em nenhum outro momento nas últimas décadas. As duas maiores democracias no hemisfério, como é normal, têm interesses e valores convergentes, mas também outros divergentes, que impediam uma maior aproximação entre os dois governos. Razões ideológicas, nos últimos anos, impediram que matérias de nosso interesse fossem tratadas, com prejuízo direto ao cidadão comum e a projetos de grande alcance. 
As relações políticas e diplomáticas do Brasil com os EUA a partir de 2019 devem passar por radical transformação. Declarações do presidente eleito de que "as relações com os EUA ganharão prioridade", de Eduardo Bolsonaro de que "o Brasil está pronto a trabalhar com os EUA em todas as frentes, por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações" abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O chanceler designado, Ernesto Araújo, já disse que "o céu é o limite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis". Em uma perspectiva de médio e longo prazo, parece ser de nosso interesse a ampliação da relação, dentro de ambiente de respeito mutuo e de confiança restaurada, desde que sempre fique claro que nem tudo o que bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Brasil e EUA devem superar os estereótipos e preconceitos recíprocos e têm de definir o que desejam da relação com o outro. As assimetrias em todos os setores entre Brasil e EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as politicas norte-americanas em relação à China, a Síria e ao conflito Israel-Palestina, por exemplo. Um alinhamento automático - não esperado, nem desejado pelos EUA - poderia materializar-se em algumas decisões como a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, ou em politicas globais (mudança de clima, direitos humanos, migração, comércio) - seria um deserviço à politica externa e aos interesses mais amplos do paEis.
            Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenos de Brasilia a Washington. As recentes visitas ao Brasil do vice-presidente Mike Pence, do ex-Ministro da Defesa Jim Mattis, e do Subsecretário do Tesouro Sullivan, começaram a modificar a percepção de Washington sobre o Brasil. Alto funcionário da vice-presidência dos EUA declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil.” A percepção é de que a eleição de Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro”. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos?
O foco da relação Brasil-EUA é basicamente econômico-comercial. Clara mensagem está sendo dada pelo novo governo com a abertura da economia, com meta para o crescimento das relações comerciais, hoje ainda abaixo do potencial das duas economias, e o estímulo do investimento de companhias norte-americanas a partir de novos marcos regulatórios.  
Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e parte do primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. O levantamento do bloqueio de Washington ao pedido de adesão à OCDE, a finalização do acordo de salvaguardas tecnológicas que viabilizará o Centro de Lançamentos de Satélites e restrições protecionistas a produtos nacionais são hoje as principais prioridades. 
Na área política e diplomática, a possibilidade de encontros regulares em alto nível presidencial, poderia facilitar o entendimento entre o Brasil e os EUA no encaminhamento de questões pendentes na América do Sul, como a crise política, econômica e social na Venezuela. O desconvite ao governo de Caracas para a posse presidencial não contribuirá para que o Brasil colabore construtivamente para uma solução pacifica e democrática. Nos organismos internacionais, políticos, financeiros e comerciais, em que o Brasil mantém uma posição de influência, apesar de ter abaixado a voz em algumas áreas, o entendimento poderá ser proveitoso para os dois lados. 
Com visão de futuro, seria de interesse do setor privado dos dois países se o Brasil passasse a receber dos EUA o mesmo tratamento da Coréia, da Índia e da Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores como defesa, espaço e nuclear para permitir o acesso as empresas brasileiras a tecnologias sensíveis na cooperação bilateral. 
Segundo estudos otimistas do National Intelligence Council, de WDC, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global entre as cinco maiores economias em termos de PIB.  Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como uma potência econômica colocará novos desafios para a política externa e para a política comercial externa do Brasil, o que poderá contribuir para a construção de uma madura e profícua parceria com os EUA.  
Chegou o momento de um “novo” normal nas relações do Brasil com os EUA.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Brasil e os Estados Unidos: contraponto a Roberto Mangabeira Unger (2002)

Sempre que eu me confrontava a uma matéria sobre a política externa brasileira com a qual eu estivesse de acordo, eu buscava colocá-la à disposição de outros eventuais leitores. Mas sempre que eu me confrontava a uma matéria com a qual eu NÃO estava de acordo, também procedia da mesma forma, mas eventualmente precedida de meus comentários e observações críticas, por vezes um artigo inteiro como esse abaixo.
Caberia talvez ler antes o artigo de Roberto Mangabeira Unger, e depois o meu...
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 18 agosto 2018

O Brasil e os Estados Unidos:
Contraponto a Roberto Mangabeira Unger

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 18 maio 2002

            Em artigo na Folha de São Paulode 7 de maio de 2002, o Prof. Mangabeira Unger reincide no diagnóstico de que o Brasil estaria “sem política exterior”, ficando apenas com a “prática de negociações comerciais e com o medo dos Estados Unidos”. Ele recomenda, em lugar do medo, uma “estratégia de reposicionamento no mundo, que exprima e consolide projeto nacional de desenvolvimento”, propondo, então, uma série de ações que integre um “novo projeto brasileiro, (e que) comece a mudar as premissas da nossa relação com os Estados Unidos” De maneira a não deixar que suas idéias caiam no vazio, mas não concordando em que o Brasil esteja com medo ou diminuido frente aos EUA, vejamos quais são suas propostas e como poderiam elas ser colocadas a serviço da afirmação do Brasil no cenário mundial, em especial nas relações com os EUA. 
“Primeiro: buscar aliados dentro dos Estados Unidos que ajudem a reorientar a agenda americana com respeito à Alca e ao Brasil.” De acordo, mas seria importante identificar precisamente que forças são essas num país de mais de 250 milhões de  habitantes, atomizado em milhares de organizações de interesse específico, e que de toda forma não parecem ser capazes de se opor às forças muito mais poderosas que atuam junto ao Congresso americano, que acaba de aprovar uma série de ações – subsídios maciços aos produtores primários, mandato restritivo para negociações comerciais, apoio às salvaguardas para produtos siderúrgicos e várias outras mais – que vão todas contra nossos interesses concretos. O Prof. Mangabeira começaria bem por nos indicar quais são essas forças que ainda não lograram concretizar-se e como fazer, com a modéstia de meios que são os nossos no plano da ação externa, para mobilizá-las em nosso favor.
“Segundo: trazer à tona a empatia imensa e suprimida que os americanos nutrem pelo Brasil.” O que os americanos nutrem mesmo por nós é uma imensa e profunda ignorância, como aliás em relação a qualquer outro povo, com exceção daqueles estereótipos do mexicano de sombrero e coisas do gênero. Eles podem até gostar de nossa música e entreter imagens “exóticas” sobre nossa licenciosidade “relacional” e a exuberância de nossas florestas, mas não parecem ir muito além disso. Parece-me por outro lado ingenuidade acreditar que aUnião Européia insiste “em vincular mais comércio com maior igualdade”, o que não é de forma nenhuma confirmado pelas práticas absolutamente nefastas, para o Brasil e outros países em desenvolvimento, da “loucura agrícola comum” e toda sorte de obstáculos protecionistas ao acesso de nossos produtos aos mercados da UE.
“Terceiro: compreender que só seremos levados a sério pelos Estados Unidos quando começarmos a atuar seriamente no mundo.” De acordo, mas será que os “outros grandes países continentais periféricos, sobretudo a China, a Índia e a Rússia” podem prover-nos daquilo que mais necessitamos para “atuar seriamente no mundo”, ou seja: capitais, mercados, tecnologia, know-how, sem falar do necessário diálogo para influenciar efetivamente o processo de tomada de decisões em determinados organismos que se situam no coração de nossa inserção internacional (como OMC, FMI, BIRD, etc)?. De acordo, também, em criar “contrapesos ao unilateralismo americano”, mas o que significam, concretamente, “trajetórias alternativas de desenvolvimento”? Alguma nova receita não explicitada para a promoção de nosso progresso econômico e social? Seria preciso conhecer os componentes ativos dessa nova receita.
Mas, o professor também adverte que “Ao atuar como catalisadores de uma aproximação entre os países continentais em desenvolvimento, criando contrapeso ao poderio dos Estados Unidos, nós nos arriscamos a amedrontar o governo americano e a afastar a sociedade americana.” Trata-se aqui daquilo que os economistas chamam de “trade-off”, ou seja as consequências involuntárias, ou não desejadas, de determinadas ações, que sempre provocam impacto em outras áreas não necessariamente submetidas ao nosso controle ou influência. Este aliás me parece ser o perigo menos evidente, pois o Brasil tem mantido com os países indicados (China, Índia, Rússia) um diálogo que se tem desdobrado em alguns casos – como nos satélites com os chineses, por exemplo – em resultados concretos em termos de parcerias tecnológicas e comerciais. Não há portanto novidade na recomendação.
Finalmente, o professor termina por um afirmação que me parece pelo menos duvidosa do ponto de vista de sua legitimidade democrática ou simplesmente de sua viabilidade política prática. Ele diz, por exemplo, que essa “empreitada, inseparável de nossa afirmação nacional”, seria “digna, pela multiplicidade de seus elementos e pela vastidão do terreno em que se terá de desdobrar, de um Bismarck.” Ora, invocar um notório autocrata, conhecido representante histórico daquilo que os sociólogos – como um Barrington Moore, por exemplo – chamam de “modernização conservadora”, ou de “via prussiana para o desenvolvimento” (com todas as suas implicações em termos de processo político), invocar essa personagem desencarnada do século XIX como suposta inspiradora da ação de homens públicos no Brasil do século XXI representa, para os democratas sinceros, um curioso sintoma de involução democrática.
Em todo caso, aguardemos novas propostas concretas do conhecido professor, de maneira a podermos também prosseguir nosso diálogo à distância com o mentor intelectual de uma das candidaturas presidenciais no Brasil. 

Paulo Roberto de Almeida é sociólogo.

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O Brasil e os Estados Unidos


Roberto Mangabeira Unger
Folha de São Paulo(7 de maio de 2002)

Quando o Brasil deixou de ter política exterior, ficou, no lugar dela, com a prática das negociações comerciais e com o medo dos Estados Unidos. Combinação desastrosa. O que convém não é medo: é estratégia de reposicionamento no mundo, que exprima e consolide projeto nacional de desenvolvimento.
A situação dos entendimentos em torno da Alca revela o paradoxo. Enquanto continuarmos a conduzir nossa relação com os Estados Unidos dentro dos limites de um mercantilismo pontual e despolitizado, todas as soluções serão ruins. Ruim render-nos ao tipo de acordo prefigurado pelas restrições que o Congresso americano impôs às negociações. E ruim ficarmos sozinhos, abraçados a vizinhos que não nos acompanharão numa fuga ao isolamento sul-americano.
A insistência em negociar duramente não bastará para resolver o problema; Estados não são empresas. A solução está em ação política e diplomática que, fundada em novo projeto brasileiro, comece a mudar as premissas da nossa relação com os Estados Unidos.
Primeiro: buscar aliados dentro dos Estados Unidos que ajudem a reorientar a agenda americana com respeito à Alca e ao Brasil. Maior abertura às nossas exportações depende de acertos com as empresas numerosas e com os muitos Estados americanos que exportam ou querem exportar para nós. Ou que possam colaborar para nossa capacitação tecnológica. Sem tais alianças não derrubaremos barreiras a nossas exportações nem aproveitaremos o potencial do relacionamento com a economia americana.
Segundo: trazer à tona a empatia imensa e suprimida que os americanos nutrem pelo Brasil. Entre esses dois países tão diferentes e tão parecidos, em que a fé no possível esbarra na muralha da desigualdade, há base para parceria que ultrapasse a esfera dos governos e os interesses do dinheiro. Que engaje a sociedade americana em nosso trabalho de redenção social. E que insista, como na União Européia, em vincular mais comércio com maior igualdade. Não podemos calar a voz do egoísmo comercial. Não precisamos deixar que ela fale sozinha.
Terceiro: compreender que só seremos levados a sério pelos Estados Unidos quando começarmos a atuar seriamente no mundo. A lógica da nossa situação nos exige aproximação econômica, tecnológica e política com os outros grandes países continentais periféricos, sobretudo a China, a Índia e a Rússia. É o Brasil hoje o país com melhores condições para construir cadeia de entendimentos que una esses países. Que crie contrapeso ao unilateralismo americano. E que amplie oportunidades para trajetórias alternativas de desenvolvimento.
O êxito do pequeno comercialismo depende da sorte da grande política: não realizaremos o primeiro desses três conjuntos de objetivos sem avançar também nos outros dois. Entre o segundo e o terceiro, porém, há tensão. Ao atuar como catalisadores de uma aproximação entre os países continentais em desenvolvimento, criando contrapeso ao poderio dos Estados Unidos, nós nos arriscamos a amedrontar o governo americano e a afastar a sociedade americana.
Daí a delicadeza dessa empreitada, inseparável de nossa afirmação nacional. E digna, pela multiplicidade de seus elementos e pela vastidão do terreno em que se terá de desdobrar, de um Bismarck. Na relação com os Estados Unidos, somos, de longe, os mais fracos. Teremos de ser, de longe, os mais clarividentes.