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segunda-feira, 25 de março de 2024

Camões, 500 anos - José Paulo Cavalcanti Filho (Revista Será?)

Essa coisa do pelicano da edição "princeps" dos Lusíadas, se o bico estava virado para a esquerda ou para a direita, já caiu até em concurso de admissão à carreira diplomática, como se esse detalhe interessasse ao desempenho do diplomata em sua carreira. Certas coisas ridículas ainda preenchem o noticiário das inutilidades. PRA

Camões, 500 anos 

 

José Paulo Cavalcanti Filho* 


Revista Será? , 24/03/2024


Luís Vaz de Camões veio da pequena nobreza – assim se dizia, na época, dos nobres sem casas nem títulos em Portugal. Desde jovem, passava dias e noites pelas ruas entre pedintes, arruaceiros, prostitutas, desvalidos. Ou nas tabernas. E escrevendo versos, quando possível, às vezes em troca de gorjeta. Ou comida. 

Era conhecido, pelas incontáveis rixas em que se metia, como Trinca-Fortes. Em uma delas, na noite da procissão de Corpus-Christi, golpeou com espada o pescoço de Gonçalo Borges, cárrego (responsável) dos arreios do rei. Acabou preso no tronco. Libertado por Carta Régia de Perdão, em 7 de março de 1553, teve que pagar quatro mil réis para caridade e foi obrigado a ir servir na Índia. Seria mudança definitiva, em sua vida. Um destino jamais sonhado por seus pais – Simão Vaz de Camões, capitão de nau; e Ana de Sá, dos Macedo de Santarém, doméstica.

Em torno dele, quase tudo é incerto. Sabe-se, dos serviços que prestou na armada portuguesa, que nasceu em Lisboa – ou Coimbra, ou Santarém, ou Alenquer. Talvez em 1523 ou, mais provavelmente, em 1524 (havendo ainda que sugira começos de 1525). Tendo a lei portuguesa 1540, de 02/02/1924, definido que teria sido em 05.02.1524, agora completando essa data 500 anos. Estudou em Coimbra, entre 1542 e 1545, com o tio dom Bento de Camões, prior do Convento de Santa Cruz. Até que voltou para Lisboa. Mas a carreira das armas, logo percebeu, era mesmo das poucas opções que lhe restavam. 

Para cumprir aquela sentença de perdão embarcou pouco dias depois, em 24 de março, na poderosa armada do capitão-mor Fernão Álvares Cabral. Para Goa (Índia). Ali, naquele mundo para ele novo, sofreu todas as agruras. Em expedição a Ceuta, perdeu o olho direito numa batalha. Em 1558, naufragou na foz do rio Mekong – costa do Sião (hoje, Tailândia). Salvou-se despido, como todos os demais sobreviventes, tendo em uma das mãos os primeiros versos de seu Os Lusíadas. Nesse episódio teria morrido uma chinesa, a quem Camões deu o nome poético de Dinamene, e para quem depois escreveria uma série de poemas, entre eles o famoso Soneto 48:

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subsiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

Foi Provedor dos defuntos nas partes da China, desempenhando suas funções com não muita lisura, é de justiça reconhecer. E, vez por outra, frequentaria prisões. Por dívidas. Ou rixas.  Como dizia o próprio Camões, “Erros meus, má fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se conjuraram”. Mas, sobretudo, nunca parou de escrever.

Em 1570, afinal, estava novamente de volta a Lisboa. Com as carências financeiras de sempre. Segundo se conta, sobreviveu durante algum tempo graças ao fiel Jau, trazido das Molucas. Esse escravo esmolava, de noite, pedindo pão para seu mestre. Importante é que Os Lusíadas avançava. Sob o patrocínio de d. Manuel de Portugal, devotou-se então à sagração de seu país – naquela que é considerada, consensualmente, a mais bela epopéia do século XVI. 

A edição princeps – assim se diz das primeiras edições de um livro – foi impressa na tipografia de António Gonçalves, em Lisboa, no ano de 1572. Com privilégio real de impressão por 10 anos e publicada com um benévolo (e corajoso) parecer censório de frei Bartolomeu Ferreira, sem data. Terá tido também licença da Mesa Inquisitorial – que, todavia, não foi impressa. O aparato paratextual é simples, 8.816 versos e 1.102 estrofes divididas em 10 cantos. Utilizando a divisão da divina Comédia, de Dante – que assim tem, como cantos, seus 100 livros. Há, hoje, cerca de 25 exemplares ainda existentes, em bibliotecas ou nas mãos de colecionadores. Talvez menos que 10 completos. 

Até fins do século XIX, se acreditava ter havido duas edições princeps. Um mito devido a Manuel Faria e Souza – que (em 1639), ao comentar Os Lusíadas, confrontou dois volumes daquele mesmo ano de 1572; e verificou haver, neles, pequenas diferenças. Depois se comprovando terem sido bem mais que duas. Restando hoje assente que assim ocorreu pelo desejo de Camões, ou seu editor, em corrigir pequenas incorreções das impressões anteriores. Dando-se que, em alguns casos, foram sendo aproveitados conjuntos de páginas já impressas, antes, e não utilizadas. Fazendo-se, as correções, nas novas páginas impressas. Uma explicação que só se pode compreender pelos rudimentares sistemas de impressão daquela época.

Apesar de numerosos indicativos dessa edição princeps na comparação com as demais, e curiosamente, o que a identifica é um pelicano, à primeira página, com o bico virado para a esquerda do leitor. Além do pelicano, também um detalhe no terceiro verso da primeira estrofe, que começa por “E entre”; enquanto, nas versões corrigidas, começa por “Entre”. Essas edições de 1572 tornaram-se conhecidas, por isso, como “Ee” e “E”.         

Camões tinha com ele, ao morrer, aquela que acabou tida como a primeira edição autêntica, deixada ao frei Joseph Índio, que o acompanhava num hospital de Lisboa. Esse volume é conhecido como Holland House – por ter estado em casa do general Lord Holland, em Londres, a partir de 1812 e por mais de cem anos.

Outra edição famosa, em Portugal, é a segunda  conhecida como dos piscos. Surgida em 1584, dois anos após o fim do prazo do alvará que protegia a primeira (de 1572). Impressa pela tipografia Manuel de Lira, em Lisboa, e com licença do mesmo frei Bartolomeu Ferreira – responsável pela autorização da edição princeps. O nome jocoso dado à edição vem de uma citação, nos Lusíadas (Canto III, 65), sobre a “piscosa Cizimbra”. Sezimbra é uma vila portuguesa no distrito de Setúbal. Abundante em peixes, bom lembrar. Trata-se da primeira edição comentada de Os Lusíadas. Explicando a citação, o comentador, como referência aos pássaros que ali se juntam em passagem para a África, provavelmente se referindo ao Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus Rubecula).           

Camões segue a trilha de outras epopéias do passado.  Sobretudo a Eneida, de Virgílio; o que se vê até na comparação dos versos iniciais dos poemas: Canto as armas e o varão, Virgílio; e As armas e os Barões assinalados, Camões. Também a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Bem como a divina Comédia, de Dante. Além de numerosas epopéias surgidas em Portugal, no mesmo século XVI de Os Lusíadas, mas antes dele – como as de André de Resende, Manuel da Costa ou José de Anchieta; e manuscritos que circularam, antes de 1572, como os de António Ferreira e Jerónimo Corte-Real. 

Nele temos o passado, com a exaltação das conquistas em que o povo português foi muito além do Mar Tenebroso. O presente, com o lamento pelo abandono das terras africanas por Portugal – de Safim a Azanos, de Azila a Alcácer Cequer; sem contar a ameaça turca, conjurada só na batalha naval de Lepanto, em 7 de outubro de 1571. Mas é sobretudo a antevisão de um futuro grandioso, na linha da Utopia do Quinto Império.

“Para servir-vos, braço às armas feito; Para cantar-vos, mente às Musas dada” (Os Lusíadas, Canto X, 155). Pouco antes, em Desenganos, escreveu “Nascemos para morrer/ Morremos para ter vida/ Em ti morrendo”. Assim foi. Luís Vaz de Camões morreria em 10 de junho de 1580, pouco depois do desastre de Alcácer Quibir – em que desapareceu d. Sebastião, o Desejado, e Portugal passou a ter um rei espanhol. Foi enterrado na igreja de Santa Ana e seus restos acabaram transferidos, em 1894, ao mosteiro dos Jerônimos, onde repousam num túmulo esculpido em mármore bem na entrada. Consta que disse, ao morrer, “Ao menos morro com a pátria”. 


*Consultor de UNESCO e Banco Mundial Presidente de EBN, CADE e Conselho de Comunicação Social, do Congresso Nacional. Ministro da Justiça. Membro da Comissão Nacional da Verdade. Membro da Academia Pernambucana de Letras. Membro da Academia Brasileira de Letras Membro da Academia Portuguesa de Letras (Academia de Ciências de Lisboa).


O Rio de Janeiro e o Brasil contaminados: policia, politica, criminalidade - Mauro Lopes (revista Forum)

 

Marielle: uma nota extra de crueldade, o buraco do Rio e a sombra sobre o Brasil 

Mauro Lopes

Revista Forum, 24/03/2024




Todas as forças políticas do Rio exceto, aparentemente, o PSOL, têm relações promíscuas com o clã Brazão. Todas as instituições no estado têm representantes deste e de outros clãs. E o cenário trágico do Rio alcança Brasília e se espalha país adentro.

Uma nota extra de crueldade na descoberta dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes: as famílias foram recebidas no dia seguinte à morte pelo delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que cuidou de consolar as famílias e garantir que o caso era uma prioridade e seria solucionado rapidamente. Ele, que tinha planejado o crime. É simultaneamente uma nota cruel e reveladora do ponto a que chegou a degradação do Rio de Janeiro. Além dele, o deputado federal Chiquinho Brazão (UB-RJ) e o chefe do clã, Domingos Brazão, membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) foram igualmente presos. 

No Rio, 1) parte da cúpula da PM e da Polícia Civil é composta por subordinados dos bicheiros e milicianos, assim como alguns policiais federais que operam no estado; 2) a Câmara e a Assembleia Legislativa têm bancadas de representantes dos dois ramos criminosos, eleitos por diversos partidos; 3) o Poder Judiciário e o MP têm prestadores de serviços aos grupos na sua cúpula;  e 4) o cenário no Poder Executivo é idêntico, com membros ou representantes dos bicheiros ou das milícias em diversas instâncias no governo do Estado e a prefeitura da capital, mas não só -inclusive no primeiro escalão. Para completar, os laços entre milícias e algumas igrejas fundamentalistas cristãs são cada dia mais profundos. 

Se a situação no Rio é por si só gravíssima, há um acento ainda mais dramático, trágico: a influência das milícias e bicheiros já se expressa em âmbito federal e começa a ser replicada em outros estados. Um cenário sombrio para o país nos próximos anos.

As prisões e outras ações da PF deste domingo desnudam as relações dos partidos e forças políticas no Rio com as milícias. Todas as forças mantêm relações de promiscuidade com o clã Brazão e, indiretamente, com as milícias. As principais são: 1) o bolsonarismo; 2) o PT; 3) o grupo liderado pelo prefeito de Belford Roxo, Waguinho, marido da ex-ministra Daniela do Waguinho; 3) Eduardo Paes e 4) Cláudio Castro.

1) BOLSONARISMO 

Os clãs Bolsonaro e Brazão mantêm há anos relações de colaboração e concorrência na zona Oeste do Rio. Um dos elos que une os dois clãs é a utilização dos serviços do Escritório do Crime, um grupo de matadores oriundos da PM que prestava e ainda presta serviços tanto para milícias e bicheiros como para políticos no Estado. Ronnie Lessa era uma das figuras de maior destaque do Escritório do Crime, um matador famoso no submundo. O asssassinato de Marielle é o mais famoso de seus crimes, mas está longe de ser o único, e suas relações com os dois clãs são agora notórias. 

Outro líder do Escritório, ainda mais famoso que Lessa, é o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega. Por anos, sua mãe e esposa foram assessoras do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Nóbrega jactava-se de ser tanto um exímio matador como um perito em tortura. Acabou morto em 2020 na Bahia numa operação típica de queima de arquivo ainda hoje não esclarecida. 

Rivaldo Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro em 8 de março de 2018 e tomou posse no cargo um dia depois do assassinato de Marielle. Os responsáveis pela nomeação foram o general Braga Netto, então interventor na segurança pública no Estado, e pelo secretário de Segurança escolhido por ele, general Richard Fernandez Nunes. 

2) PT  

As relações entre o clã Brazão e o PT no Rio são antigas e não são propriamente secretas. Ainda em janeiro deste ano, quando vazaram as primeiras notícias da delação de Ronnie Lessa apontando para os Brazão, o deputado federal Washington Quaquá, vice-presidente do PT e um dos maiores caciques da legenda no Rio, saiu em defesa de Domingos Brazão. Ao fazer a defesa, reconheceu que as relações entre o partido e o clã são antigas: “Conheço o Domingos Brazão de longa data, inclusive de campanhas eleitorais nacionais onde ele esteve do nosso lado. Sinceramente, não creio que ele tenha cometido tal brutalidade”. 

A declaração de Quaquá não é um raio em céu azul. Outro cacique do PT do Rio, André Ceciliano, tem relações de intimidade com o clã. O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio é braço direito do ministro responsável pela articulação política do governo Lula, Alexandre Padilha -o gabinete de Ceciliano fica a poucos metros do de Padilha, e não muito longe do de Lula. 

Bem antes de ser eleito presidente da Alerj, Ceciliano foi articulador na Casa para a eleição de Domingos Brazão ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2015. Relator da indicação, Ceciliano ignorou a já longa ficha corrida de Domingos Brazão e referendou a indicação assegurando que tinha “reputação ilibada, conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos”. Anos depois, já presidente da Assembleia, nomeou Luciano Souza como  chefe da TV Alerj. Era um braço direito de Domingos Brazão, havia atuado nas campanhas de Flávio Bolsonaro, e geriu um orçamento anual superior a R$ 10 milhões. 

Além de Quaquá e Ceciliano, outros líderes do PT do Rio têm relações políticas de longa data com o clã Brazão. 

3) GRUPO DE WAGUINHO

O prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, que se aproximou do presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022, tem uma bancada própria na Câmara dos Deputados. Ele é o marido da deputada federal Daniela do Waguinho (UB-RJ), que entre janeiro e julho de 2023, como ministra do Turismo do governo Lula, assinou como Daniela Carneiro. As ligações do casal com as milícias são históricas e amplamente conhecidas, mas isso não impediu Daniela de se tornar ministra. Tudo pelas mãos de André Ceciliano, responsável pela aproximação de Lula com os Waguinho. 

A bancada de Waguinho na Câmara tem cinco parlamentares, todos eleitos pelo União Brasil no Rio:  

Chiquinho Brazão, um dos mandantes da morte de Marielle preso neste domingo. 

Juninho do Pneu, ex-vice prefeito de Nova Iguaçu, é outro nome vinculado às milícias. Foi secretário dos Transportes de Cláudio Castro, sucedido em 2022 por André Nahass. Quem indicou Nahass para o cargo? Domingos Brazão, de quem Nahass fora advogado. 

Marcos Soares, filho de RR Soares, dono da  Igreja Internacional da Graça de Deus e de mais 12 empresas, várias delas de mídias, e com fortuna estimada em R$ 800 milhões. 

Dani Cunha, filha de ninguém menos que Eduardo Cunha, outro velho aliado do clã Brazão. 

Durante o período de Daniela Carneiro como ministra, assumiu o suplente Ricardo Abrão -ele é ex-presidente da Beija-Flor e sobrinho de Anísio Abraão David, patrono da escola de samba e um dos maiores líderes da cúpula do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Caso Chiquinho Brazão seja cassado, o que deve acontecer em tempo recorde para a Câmara dos Deputados, ele reassume o mandato. O nome dele é ilustrativo da convergência entre as milícias e os bicheiros. 

4) EDUARDO PAES

Em outubro de 2023, quando o envolvimento do clã Brazão com o assassinato de Marielle Franco já era amplamente conhecido, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, nomeou Chiquinho Brazão como secretário municipal de Ação Comunitária. A  nomeação tem tons inacreditáveis: o prefeito do Rio entregou para as milícias do Rio a secretaria responsável pela ação nos bairros mais pobres da cidade! No ato da nomeação, ele alegou que a nomeação fez parte de um processo de articulação política encetado pelo governo Lula. 

As relações de Paes com o clã Brazão são de intimidade. Assista ao vídeo abaixo, de agosto de 2023, menos de dois meses antes da nomeação de Chiquinho como seu secretário.  

Nele, Paes afirma que “quem mais briga pelas coisas de Jacarepaguá é a família Brazão”. No comício, ele brinca carinhosamente com Chiquinho Brandão e seu irmão Pedro Brazão (deputado estadual), este último aparentemente não envolvido com o assassinato. O líder do clã, Domingos, não estava lá, mas Paes refere-se a ele como “Dominguinho”. Mais que isso: ele lança o filho de Domingos Brazão, Kaio, como candidato a vereador nas próximas eleições. Tudo em clima de congraçamento e festa. 

Neste domingo, Paes silenciou sobre as prisões. A  Prefeitura divulgou uma nota anódina informando que Chiquinho Brandão teria sido exonerado “no início de 2024”. Ele não foi exonerado, pediu demissão quando viu o cerco fechar-se para reassumir o mandato em Brasília. 

A aliança de Paes com o clã Brazão marca outra nota de crueldade no caso: candidato apoiado por Lula e pelo PT para reeleição, o nome que chegou a ser cogitado para candidata a vice foi o da ministra Anielle Franco -a hipótese não prosperou. Abraçada pelo delegado que arquitetou a morte de Marielle, dona Marinete correu o risco de ver sua outra filha candidata ao lado de um grupo político de relações íntimas com os mandantes do crime. 

5) CLAUDIO CASTRO

Para além das relações com o universo das milícias que marcam sua trajetória e uma aproximação ainda maior depois que se tornou um importante apoiador do bolsonarismo no Rio, o governador Claudio Castro manteve, desde 2021, toda a estrutura que submeteu a segurança pública do Rio ao jogo de interesses do bicho e das milícias. Somente em novembro passado reverteu a extinção da Secretaria de Segurança, feita em 2019 por Wilson Witzel, num período de festa para bicheiros e milicianos. Seu secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, que diz ter uma relação de “respeito” com Ronnie Lessa, foi preso em setembro de 2022, por ser um representante do bicho dentro da Polícia Civil.  

Castro é mencionado no relatório da PF que embasou a ação deste domingo por sua proximidade com o clã Brazão:  “Outro fato que aproxima Brazão do Governador Claudio Castro é o aparelhamento da Fundação Leão XIII, vista em tópico específico, cuja suspeita de desvio de recursos de seus contratos é objeto de Inquérito Policial de Relatoria do e. Ministro Raul Araújo, perante o c. Superior Tribunal de Justiça”. A investigação dizia respeito a contratos fraudulentos da Fundação estadual com envolvimento e parceria entre Claudio Castro quando vereador (2017-19) e vice-governador (2019-21), em parceria com os Brazão. 

Na última quarta-feira (20), às vésperas da operação da PF, Castro manifestou seu reiterado desprezo pelo caso de Marielle Franco. Em pleno Palácio do Planalto, depois de uma reunião com Lula, o governador do Rio, quando perguntado sobre a expectativa de desfecho do caso, cuspiu: “Só o que tem até agora são fofocas jurídicas e políticas”.  

Uma crise profunda 

A situação no Rio de Janeiro é de descalabro total, com o Estado em todas as suas dimensões entregue às organizações criminosas, especialmente às milícias e ao jogo do bicho. Conversa-se em off com políticos e autoridades do Rio e todos compartilham da mesma tese: não há o que fazer, a realidade é essa. A frase fatalista, unânime: é preciso se acomodar. O Rio foi lançado num buraco sem fundo. 

O processo de degradação do Rio já lança suas sombras para Brasília. E começa a espalhar-se para outras unidades da Federação. 

O cenário à frente não comporta otimismos fáceis. 

*Este artigo não refletenecessariamenteaopinião da Revista Fórum.

domingo, 24 de março de 2024

Medvedev's controversial map reignites tensions over Ukraine's future - EssaNews

Medvedev's controversial map reignites tensions over Ukraine's future

Essa News, 7:57 AM EST, March 9, 2024, updated: 4:22 AM EDT, March 10, 2024

https://essanews.com/medvedevs-controversial-map-reignites-tensions-over-ukraines-future,7004144472934017a

Former President Dmitry Medvedev sparked alarm by unveiling a map outlining Ukraine's division, a move that has even surprised some Russian commanders. "Sooner or later, we will unite. Why should we concede anything to anyone?" a Russian general remarked.

Reports by Russian media or government officials often serve as propaganda. These narratives are part of the Russian Federation's informational warfare.

At a youth forum in Sochi earlier this week, Dmitry Medvedev, now Deputy Chairman of the Russian Federation's Security Council, made remarks questioning Ukraine's sovereignty. Dressed in an outfit reminiscent of Stalin's, he displayed a map suggesting Ukraine's division among Poland, Romania, Hungary, and Russia.

The proposed division would reduce Ukraine to a fraction of its size, leaving only the Kyiv Oblast intact.


A sign of desperation

"Once, a Ukrainian leader asserted that Ukraine is distinct from Russia. This idea must vanish permanently. Ukraine undeniably belongs to Russia... Territories on either side of the Dnieper River are inseparable from Russia’s domain, and any division attempts are bound to fail," Medvedev inaccurately claimed, as reported by TASS, the Russian news agency.

"Medvedev's ludicrous map of Ukraine's division is a desperation act. Moscow is coming to terms with its inability to take over Ukraine and seeks partners in its wrongdoing. The European borders are inviolable," the Ministry of Foreign Affairs commented on the X platform.

Unanticipated even in Russia: "Where did this Poland come from?"

Pro-Kremlin outlets deemed the territorial concessions to Poland and Romania as "unforeseen." According to Medvedev's map, Poland would acquire lands extending to the Zhytomyr Oblast, while Romania would be granted Bukovina together with the Vinnytsia Oblast, linked by a narrow corridor.

"Romania and Poland have close ties with Great Britain, making this proposal essentially an offer to the British. Notably, these two nations are pivotal in logistical support for military supplies to Ukraine," the Russian website Pravda.ru noted. 

In a gazeta.ru interview, State Duma Defense Committee member Gen. Viktor Sobolev addressed Medvedev's proposition, clarifying that President Vladimir Putin's discourse revolved around Ukraine's full integration with Russia, not partitioning it with Poland. "

"Where did this unexpected mention of Poland come from? I resonate with the statement that unification is inevitable. Why would we relinquish anything to anyone? Our predecessors fought for these lands, including during the Great Patriotic War. It’s inconceivable to consider giving them away," the retired military figure commented, reflecting propagandistic sentiments.

Source: Belsat


Por que o Brasil cresce pouco: pela falta de investimento, o físico e o social - Rolf Kuntz (Estadão)

 Interessante artigo do Rolf Kuntz, publicado no Estadão de hoje. Aponta um problema excluído das análises dos economistas do governo e do PT : a pífia taxa de investimento – 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) estimada pela Fundação Getúlio Vargas para o mês de janeiro ( menor que a taxa média mensal, de 16,3%, do período iniciado em janeiro de 2015

Maurício David

Novo país, só com novo crescimento

Se quiser produzir, em seu governo, um legado relevante, o presidente Lula terá de se empenhar nestes dois investimentos, o físico e o social 

Por Rolf Kuntz 

O Estado de S. Paulo, 24/03/2024


O morticínio em Gaza, a guerra na Ucrânia e as lambanças atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro são muito mais interessantes que a pífia taxa de investimento – 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) – estimada para o mês de janeiro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os cricris da imprensa, da Faria Lima e da academia podem apontar mais um detalhe sinistro. Além de pífia, essa taxa é menor que a mísera média mensal, de 16,3%, do período iniciado em janeiro de 2015. O presidente Lula pode ter excelentes motivos, ainda mais como presidente do Grupo dos 20, para dar mais atenção àqueles assuntos do que a uns números medíocres. Ministros da área econômica talvez possam, ou devam, gastar algum tempo com essas ninharias. Mas serão, mesmo, ninharias?

O otimismo presidencial só parece ter sido afetado, nos últimos dias, pela perda de popularidade apontada por algumas pesquisas. Ele cobrou mais trabalho dos ministros, mais atenção à saúde e maior esforço de comunicação. Maior empenho pode ser uma boa ideia, principalmente se houver objetivos claros e estratégias bem definidas. Os otimistas ainda esperam esses detalhes. O presidente pode, com razão, festejar o crescimento econômico de 2,9% no ano passado, mas o horizonte está pouco claro neste momento.

Os sinais positivos observados no começo do ano ainda são pouco entusiasmantes. A recuperação da indústria permanece como um dos desafios principais. A produção industrial diminuiu 1,6% em janeiro e acumulou avanço de 0,4% em 12 meses. Mas ainda ficou 0,8% abaixo do patamar pré-pandemia (começo de 2020) e em nível 17,5% inferior ao recorde alcançado em maio de 2011. Em fevereiro novo recuo deve ter ocorrido, segundo estimativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O País continua incapaz, tudo indica, de reverter a desindustrialização, mas o assunto foi pelo menos incluído na pauta do governo.

A produção deve ter aumentado 0,6% em janeiro, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O Monitor do PIB, atualizado mensalmente pela FGV, indicou expansão de apenas 0,1%, liderada pela agropecuária e pelos serviços. Mas a economia rural, embora ainda vigorosa, deve crescer menos neste ano que em 2023, segundo as últimas projeções. O avanço geral será mais dependente da indústria do que vem sendo há alguns anos. Mas o setor industrial dependerá de renovação e de muito investimento para reassumir, por um período longo, o velho papel de principal motor do crescimento.

Contudo, a formação de capital produtivo na indústria e na maior parte da infraestrutura tem sido, neste século, muito limitada. Tem-se investido muito mais na modernização e na expansão produtiva do agronegócio. Também os serviços têm avançado mais que o setor industrial na expansão da capacidade e na renovação. Somadas todas as parcelas, a taxa de investimento da economia continua muito abaixo da necessária para sustentar um crescimento mais vigoroso. A média do período iniciado em 2015 foi estimada pela FGV em 16,3% do PIB. É uma taxa muito inferior, portanto, àquelas observadas no mundo emergente, com frequências superiores a 20% do PIB.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conhece a importância da formação de capital produtivo, mas tem-se mostrado, na prática, pouco propenso a cuidar do assunto de uma forma ampla. Não se vai longe quando se concentra o esforço nos chamados “investimentos sociais” e pouco se trabalha pelos outros objetivos. Uma boa malha de transportes – para citar um exemplo fácil – pode beneficiar tanto o grande empresário rural ou industrial quanto as populações mais necessitadas.

A atenção a essas populações depende, é claro, de políticas especiais e às vezes complexas, mas um governo eficiente deve buscar ao mesmo tempo o aumento da produção e a promoção da igualdade. Importantes em todo o mundo, as políticas educacionais e de formação de mão de obra são especialmente relevantes no Brasil, assim como o saneamento e a promoção da saúde pública. O setor privado pode ter papel importante nessas tarefas, mas a responsabilidade básica e intransferível é do setor público.

Para isso é preciso gastar muito, com muita competência e com muito cuidado na fixação de objetivos, porque o dinheiro é escasso e o orçamento público é muito ruim. Recursos públicos são engessados, a gestão de pessoal é pouco flexível e a elaboração orçamentária é sujeita à apropriação de verbas para fins pessoais de parlamentares. Num país onde faltam recursos para investir em equipamentos materiais, pode ser especialmente difícil mobilizar capital e vontades para o desenvolvimento humano. Se quiser produzir, em seu governo, um legado relevante, o presidente Lula terá de se empenhar nestes dois investimentos, o físico e o social, ambos essenciais para a construção de um país mais produtivo e mais moderno em todos os sentidos. Se engajar todos os ministros nessa aventura, ainda terá de batalhar pelo apoio, muito mais difícil, de parlamentares muito raramente voltados para grandes questões nacionais.

*JORNALISTA


E por falar em Lincoln Gordon, minha homenagem a ele, no seu 90 aniversário - Paulo Roberto de Almeida

 Elogio a um Andarilho do Século XX: Homenagem ao Embaixador Lincoln Gordon em seu 90º aniversário

Paulo Roberto de Almeida

 

Nonagenários estão se tornando mais comuns em nossos dias, bem mais, é verdade, entre as mulheres do que entre os homens. Não é todavia ainda muito frequente a comemoração dos 90 anos de alguém em plena saúde física e vigor mental, sendo por isso motivo de grande satisfação participar de um evento como este, o nonagésimo aniversário do Embaixador Lincoln Gordon. Tenho não apenas o imenso prazer de estar presente neste aniversário, como sinto-me no direito de esperar que ele também possa estar presente em minha festa de 90 anos, daqui a exatamente 37 anos.

Nonagenários, eu dizia, são mais frequentes atualmente, mas eles não o eram no século que atravessou, e ao qual sobreviveu, o professor e diplomata Lincoln Gordon. O “breve século XX” – no dizer de Eric Hobsbawm, pois começou apenas em 1914 e já tinha terminado em 1989 – foi também, para todos os efeitos humanos, um dos mais mortíferos e destruidores de toda a história da civilização humana sobre este planeta. Algumas dezenas de milhões de indivíduos – e também espécies animais, não esqueçamos, assim como cidades inteiras – foram eliminados da face da terra pelas máquinas mortíferas criadas pelo homem: canhões, armas químicas e nucleares, ou então simples machetes foram usados para eliminar “excedentes demográficos”, substituindo-se às igualmente devastadoras epidemias naturais, hoje menos comuns do que nos séculos precedentes.

O embaixador Lincoln Gordon, um andarilho de quase todo o século XX, foi portanto um sobrevivente, algo mais fácil de ser, sendo americano, do que se tivesse nascido em alguma outra região, não apenas nos continentes do hemisfério meridional, mas igualmente do outro lado do Atlântico. Apenas para ficar nas hecatombes e processos destruidores mais “eficientes” deste breve século XX, vamos listar de maneira algo impressionista os eventos e catástrofes a que sobreviveu o nosso personagem. 

Tendo se atrasado por um ano para o naufrágio do Titanic (1912), o evento que simbolizou durante tanto tempo – de certa forma até hoje – a impotência humana em face de certos fenômenos naturais, o Embaixador Lincoln Gordon conseguiu também escapar incólume de muitos desastres provocados pela mão do homem (ou sobreviveu, no sentido positivo, a outros tantos eventos políticos e sociais). Minha lista pessoal comportaria os seguintes fatos e processos a que sobreviveu ou dos quais escapou Lincoln Gordon:

 

1)    à Primeira Guerra Mundial;

2)    aos dez dias que abalaram o mundo e ao nascimento do sistema soviético;

3)    à gripe espanhola e à NEP leninista;

4)    ao tratado de Versalhes e suas consequências econômicas;

5)    a proibição do álcool nos Estados Unidos;

6)    às consequências econômicas dos senhores Churchill, Coolidge e Hoover;

7)    à crise de 1929 e à estupidez protecionista da Tarifa Hawley-Smoth;

8)    a estudos em Harvard, em Oxford e a uma Europa em processo de nazificação;

9)    ao fim do padrão-ouro e à teoria geral da intervenção dos governos na economia;

10) ao filme “Gone with the Wind” e a J. Edgar Hoover;

11) a Pearl Harbor, a uma grande guerra quente e à toda a Guerra Fria;

12) ao nascimento, crise e fim posterior do sistema de Bretton-Woods;

13) ao macartismo de MacCarthy e ao existencialismo de Jean-Paul Sartre;

14) aos coquetéis da vida diplomática e à Aliança para o Progresso;

15) à crise dos foguetes em Cuba e aos longos discursos de Fidel;

16) aos discursos do Brizola, à inflação brasileira e à morte de John Kennedy; 

17) à Revolução Cultural Chinesa e ao debate estruturalismo versus monetarismo;

18) a Woodstock, a Richard Milhous Nixon e a vários aumentos e quedas do dólar;

19) aos ecologistas anti-econômicos e aos politicamente corretos de modo geral;

20) ao sistema DOS e depois ao Windows, inventados por Bill Gates;

21) à queda do muro do Berlim e ao desaparecimento do sistema soviético; 

22) ao fim das ideologias, à morte das religiões e ao fim da História;

23) a dois choques do petróleo, a dois ou três blackouts e a muitas crises financeiras; 

24) a novos e repetidos discursos do Brizola e à transformação do PT em partido socialdemocrata e,

25) finalmente, como que provando que a evolução intelectual não segue uma linha reta nem é irreversível, ele tem sobrevivido, mais ou menos bem, ao imenso arsenal de globobagens dos atuais anti-globalizadores, ludditas de uma nova era e arautos de uma volta a tempos que nunca existiram.

 

Por tudo isso, e ainda por muitos eventos mais, que falhamos em registrar aqui, podemos ver no embaixador Lincoln Gordon um sobrevivente do século 20, mas também um jovem andarilho do século 21, como todos nós aliás. Comparando sua vida com a de muitos outros seres humanos, dentre os mais de 3 bilhões de habitantes deste planeta, ele pode se considerar como um verdadeiro felizardo, pois que finalmente produziu um rico legado de realizações intelectuais e práticas que enriqueceu esta mesma humanidade.

Mas para enriquecer ainda um pouco mais a parte de felicidade de seus muitos amigos e admiradores, ele precisaria avançar e terminar, o quanto antes, o seu projeto de depoimento pessoal para a história. Nele teremos um quadro das ideias, dos principais eventos e das realizações concretas que formulou, a que assistiu, ou de que participou, ao longo de uma longa vida rica de experiências marcantes nos campos político, econômico, diplomático e intelectual.

Portanto, ele não está autorizado a se aposentar antes de terminar a redação de suas memórias do século passado, bem como suas reflexões para este nosso século, como testemunha e pensador que foi, e ainda é, de um mundo em transformação.

Longa vida ao embaixador Lincoln Gordon!

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 7 de setembro de 2003

Texto entregue com um presente (livro de Peter Watson, The Modern Mind) ao Emb. Lincoln Gordon em almoço com Paulo Sotero e John Williamson no National Press Club, dia 9/09/2003.

 

 

Dois diplomatas americanos tiveram papel relevante em 1964: Thomas Mann e Lincoln Gordon - Elio Gaspari (FSP, O Globo)

Antes de transcrever o artigo abaixo, de Elio Gaspari, agradecendo a Maurício David a gentileza da transcrição, permito-me indicar que convivi com Lincoln Gordon, durante minha estada na embaixada em Washington (1999-2003), incentivando-o a publicar um livro sobre o Brasil. Quando saiu, providenciei uma edição brasileira, mas cobrando um capítulo extra sobre o golpe de 1964. Ele o fez. Está aqui a ficha do livro, do qual fiz primeiro uma resenha da edição americana, depois a da edição brasileira: 

788. “Mr. Gordon e o Brazil”, Washington, 3 mai. 2001, 5 p. Resenha do livro de Lincoln Gordon: Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World (Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001). Publicado na Revista Eletrônica de História do Brasil, Dep. de História e Arquivo Histórico da Universidade Federal de Juiz de Fora, v. 4, n. 2, jul/dez. 2000.  Divulgado no blog Diplomatizzando (17/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/lincoln-gordon-o-embaixador-do-golpe.html).


894. “Mr. Gordon e o Brazil”, Washington, 22 abr. 2002, 8 p. Apresentação à edição brasileira do livro de Lincoln Gordon: Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World (Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2001, xviii+243 p.; ISBN 0-8157-0032-6); A Segunda Chance do Brasil: a caminho do Primeiro Mundo (São Paulo: Editora Senac, 2002). Divulgado no blog Diplomatizzando (17/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/lincoln-gordon-o-embaixador-do-golpe.html). Relação de Publicados n. 384. 


 Duas dicas de leitura : "Lincoln Gordon", de Bruce Smith e "Thomas C. Mann", de Thomas Allcock (ambos podem ser encomendados pela internet, via a Amazon Books)

Via Maurício David: 

Elio Gaspari ( O Globo e Folha de São Paulo, domingo 24 de março de 2004)

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada

 

Dois diplomatas americanos tiveram papel relevante em 1964 

Thomas Mann foi um conservador resolvido e Lincoln Gordon, um liberal atormentado 

Os 60 anos da deposição do presidente João Goulart são um bom pretexto para lembrar de dois diplomatas americanos que tiveram papel relevante naqueles dias.

Um é Lincoln Gordon, o professor de Harvard que o presidente John Kennedy mandou para o Brasil em 1961 como seu embaixador. Falava muito, sempre. Adquiriu tamanha proeminência que o jornalista Otto Lara Resende propôs: "Chega de intermediários, Gordon para presidente".

O outro é Thomas C. Mann, ex-embaixador no México e secretário de Estado adjunto a partir de dezembro de 1963. Esteve em todas: na armação do golpe que derrubou o presidente da Guatemala em 1954, foi uma das molas do desembarque de tropas americanas na República Dominicana, em 1965, e deixou digitais nos golpes do Brasil e da Bolívia. Atribui-se a ele o que seria a doutrina Mann de apoio a governos militares na América Latina. Falava pouco.

Mann era um texano conservador e resolvido. Os liberais detestavam-no e a recíproca era verdadeira. Gordon era um liberal atormentado e os dias de 1964 fizeram dele uma figura trágica. Morreu em 2009, aos 96 anos, repetindo que, ao colaborar com a queda de Jango, não preconizava a ditadura. De fato, condenou-a, mas ninguém o ouvia.

Na sua cerimônia fúnebre, a filha Anne lembrou: "Apesar de ter sido um democrata progressista que apoiou o New Deal de Franklin Roosevelt, (....) na minha opinião seu antagonismo diante dos movimentos reformistas de esquerda foi imediatista e acabou prejudicando o povo da região".

Gordon, o liberal trágico

Gordon saiu da cepa de liberais da Costa Leste dos Estados Unidos. Seu nome completo era Abraham Lincoln Gordon, marca da origem judaica da família de imigrantes russos. Aluno brilhante de Harvard, ganhou bolsas para temporadas na Europa. Em 1941, com a entrada dos Estados Unidos na guerra, colaborou na adoção de um novo veículo militar, o jipe.

Terminada a guerra, Gordon esteve no coração do Plano Marshall, que ajudaria a recuperação econômica da Europa. Era o maior time de craques que a elite americana produziu. Todos bem-educados, autoconfiantes e liberais.

Em 1961, eles voltaram ao poder com o presidente John Kennedy, e Gordon ganhou embaixada no Brasil. Com a memória do Plano Marshall, ele ajudou a conceber a Aliança para o Progresso, um programa de ajuda a reformas sociais na América Latina. Elas seriam uma resposta ao fascínio gerado pela revolução cubana do guerrilheiro Fidel Castro.

Ia tudo muito bem, até que Gordon passou a desconfiar do presidente João Goulart. Temia que Jango marchasse para a esquerda e para um golpe.

No dia 30 de julho de 1962, quando o presidente Kennedy começou a operar o grampo das conversas em sua sala de trabalho, Gordon foi a primeira vítima. Pediu que fosse reforçada sua equipe militar e recomendou que se jogassem alguns milhões de dólares para influenciar as eleições brasileiras.

Nessa conversa de meia hora, pela primeira vez, falou-se na deposição de Jango. Ela veio de Richard Goodwin, jovem assessor de Kennedy: "É bem provável que tenhamos de pedir a eles [os militares brasileiros] que tomem o poder lá pelo fim do ano".

O tema não prosperou, mas Gordon alarmava-se com Jango. Em agosto de 1963, Thomas Hughes, o diretor de pesquisas do Departamento de Estado, condenou seu alarmismo, sustentando que Goulart era um reformista.

Em outubro, o Brasil caiu de novo na roda e Kennedy levantou a possibilidade de uma ação direta dos Estados Unidos, mas Gordon a descartou. Contudo, dias depois, o embaixador pediu um plano de contingência militar para o Brasil. Ele resultaria mais tarde na Operação Brother Sam. Incluiu o porta-aviões Forrestal e petroleiros, sem tropa de desembarque. Tratava-se de "mostrar a bandeira", mas não foi necessário, e o Forrestal voltou para o alto mar no dia 3 de abril. 

Jango, seu dispositivo militar e suas bases sindicais ruíram como um castelo de cartas.

Gordon sustentou por décadas que chegou à embaixada pouco depois das 9h do dia 31 de março, sem saber do levante do general Mourão Filho. Vá lá.

Quatro dias antes, ele pediu que a frota fosse colocada de prontidão porque Jango radicalizava e, "se ele for bem-sucedido, é mais do que provável que o Brasil caia sob pleno controle comunista".

Um telegrama da CIA, do dia 30 de março, avisou que o golpe viria nos próximos dias. À noite, o secretário de Estado, Dean Rusk, avisou ao presidente Lyndon Johnson, que estava no Texas:

"Tive uma reunião com Tom Mann e um grupo daqui, incluindo a CIA (Agência Central de Inteligência), sobre a situação brasileira. A crise vai chegar ao auge nos próximos um ou dois dias, talvez até mesmo de hoje para amanhã."

Pouco depois, Johnson avisou ao secretário de imprensa que deveriam voltar para Washington.

Thomas Mann, o conservador resolvido

Tom Mann, um texano de Laredo, tinha 52 anos. Era o embaixador no México no dia 22 de novembro de 1963, quando o presidente John Kennedy foi assassinado e assumiu o vice Lyndon Johnson, também texano e seu amigo.

Johnson resolveu colocá-lo na chefia da diplomacia americana para a América Latina. Essa escolha marcou o primeiro racha com a equipe deixada por Kennedy. Tentaram barrá-lo, em vão.

Quando os militares brasileiros se rebelaram, o governo de Johnson abriu a pasta e seguiu o roteiro pedido por Gordon e deixado por Kennedy.

Mann fez isso com fé. Em março ele já havia reunido os embaixadores americanos da região, dizendo-lhes que deviam parar de maltratar os militares, pois as prioridades da Casa Branca deviam ser a defesa do patrimônio das empresas americanas e o combate ao comunismo. Mann já havia dito a Johnson que Jango era "um irresponsável".

Às 11h46 do dia 31 de março, a pouca tropa do general Mourão Filho continuava no quartel e ele se preparava para almoçar e dormir a sesta. Em Washington, Dean Rusk discutia com Mann o apoio americano e a formação de uma equipe para trabalhar num apoio de emergência ao Brasil depois do golpe.

Com Jango deposto, Mann ligou para Johnson: "Espero que o senhor esteja tão feliz como eu a respeito do Brasil".

"Estou", respondeu o presidente. "Eu acho que foi a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos", acrescentou Mann.

Em tempo: Johnson nunca acreditou que Lee Oswald tivesse sido o assassino solitário de Kennedy. Em pelo menos duas ocasiões, disse que "ele tentou pegar Fidel e Fidel pegou-o".

Em novembro de 1963, Mann era o embaixador no México, por onde Oswald havia passado, tentando conseguir um visto para Havana. Ele acreditava na conexão cubana e incentivou a investigação, até que o Departamento de Estado disse-lhe que abandonasse o caso: "Foi a experiência mais estranha da minha vida", disse a um senador que era grande amigo de Johnson, havia sido membro da comissão que investigara o crime e também não acreditava no atirador solitário.

Serviço: Estão na rede, em inglês, dois livros. Um, rico, com a vida de Gordon, e outro sobre um aspecto lateral de Mann. Um é "Lincoln Gordon", de Bruce Smith, e o outro é "Thomas C. Mann", de Thomas Allcock.