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quinta-feira, 4 de abril de 2024

Prisão de chineses em 1964: anistia em 2024 - Comissão Nacional de Anistia (revista Forum)

 Finalmente, resolvido. Falta pagar os 50 mil dólares que os chineses detinham no momento da prisão, assim como reparação por danos morais e físicos.

60 anos depois, Brasil reconhece nove chineses presos pela ditadura como anistiados políticos

Conhecido como "Caso dos 9 chineses" foi a primeira violação de direitos humanos do regime de exceção que ganhou repercussão internacional

China-Brasil, 3/04/2024

Revista Forum, 4/04/2024


https://www.google.com/url?rct=j&sa=t&url=https://revistaforum.com.br/global/chinaemfoco/2024/4/3/60-anos-depois-brasil-reconhece-nove-chineses-presos-pela-ditadura-como-anistiados-politicos-156663.html&ct=ga&cd=CAEYBioUMTExMzIyOTYzMTE2ODEzNjQ1NjkyGjVlNjYwYmIwMGNmZjczNDA6Y29tOnB0OlVT&usg=AOvVaw29fp6PGdsB3InVbq-kShMi


Há exatamente 60 anos, no dia 3 de abril de 1964, a ditadura militar instalada no Brasil cometeu a primeira infração aos direitos humanos com repercussão internacional: a prisão de nove cidadãos chineses no Rio de Janeiro (RJ).

O episódio ficou conhecido como o “Caso dos 9 chineses” e, nesta terça-feira (2), foi um dos processos de reparação coletiva julgados pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, junto com o das comunidades indígenas Krenak e Guyraroká.

O governo brasileiro finalmente reconheceu como anistiados políticos os noves chineses presos de forma arbitrária naquele semana de horror, há seis décadas.

Entenda o que aconteceu

Três dias após o golpe de Estado que deu início à ditadura militar brasileira (1964-1985), a polícia invadiu dois apartamentos na cidade do Rio de Janeiro e prendeu nove chineses sob a acusação de que seriam agentes estrangeiros trazidos ao Brasil para fazer uma revolução comunista.

Os chineses foram presos, torturados e rotulados como agentes subversivos, supostamente no país para promover o comunismo. Na realidade, eram parte de uma missão diplomática oficialmente reconhecida, formada por negociantes, tradutores e jornalistas.

As acusações contra os chineses foram baseadas em evidências forjadas. Medicamentos comuns e agulhas de acupuntura foram distorcidos como ferramentas para assassinatos.

Outra invenção descabida é de que os chineses planejavam envenenar figuras-chave do novo regime militar, entre elas o governador Carlos Lacerda e os generais Amauri Kruel e Castelo Branco.

Relações sino-brasileiras

Para compreender o contexto do “Caso dos 9 chineses” é necessário revisitar agosto de 1961, época em que o então vice-presidente da República, João Goulart, o Jango, assumiu a responsabilidade de prosseguir com as negociações para um acordo comercial com a China, após a visita de uma delegação chinesa.

Esse esforço era parte da Política Externa Independente, uma estratégia internacional proposta pelo ministro das Relações Exteriores, Santiago Dantas.

O Itamaraty acreditava que os interesses do Brasil seriam melhor servidos por uma política de não-alinhamento, que permitiria ampliar as relações comerciais sem compromissos políticos firmes, incluindo países socialistas.

As exportações brasileiras para a China focariam em matérias-primas, produtos agrícolas e bens de consumo, enquanto as importações da China incluiriam máquinas, minérios e artesanato.

Em julho de 1961 Jango chefiou uma missão diplomática brasileira à República Popular da China. Durante sua estada em Pequim, o vice-presidente acordou com a China a criação de um escritório comercial permanente e uma feira de produtos no Brasil, seguindo a lógica de reciprocidade que também permitia ao Brasil expor seus produtos na China.

A renúncia inesperada do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, fez com que Jango retornasse às pressas ao Brasil para assumir a presidência, posição que manteve até o golpe de 1964.

Quem foram os nove chineses presos pela ditadura

Jornalistas da Agência de Notícias Xinhua, enviados ao Brasil em dezembro de 1961:

  • Ju Qingdong
  • Wang Weizheng

Representantes enviados ao Brasil para organizar uma exposição comercial em 1963:

  • Su Ziping
  • Hou Fazeng
  • Wang Zhi kaj
  • Zhang Baosheng

Em fevereiro de 1964, chegaram os outros três chineses da missão diplomática:

  • Wang Yaoting, vice diretor da Companhia Chinesa de Importação e Exportação de Têxteis
  • Ma Yaozeng, classificador de algodão
  • Song Gueibao, intérprete, para comprar algodão brasileiro

Chineses tiveram o mesmo tratamento dos brasileiros

Os nove chineses foram presos pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil do antigo Estado da Guanabara, no Rio. O grupo enfrentou as mesmas atrocidades direcionadas aos presos políticos do país.

Em dezembro de 1964, foram sentenciados a uma década de encarceramento em julgamento de primeira instância. Apresentaram um recurso ao Superior Tribunal Militar (STM), que permanece sem julgamento até os dias atuais.

A defesa foi conduzida pelo advogado Sobral Pinto, notório por sua luta em defesa daqueles perseguidos pelo regime militar, marcado por práticas de tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados de críticos ao governo autoritário.

Assista à sessão da Comissão da Anistia



segunda-feira, 25 de março de 2024

O Rio de Janeiro e o Brasil contaminados: policia, politica, criminalidade - Mauro Lopes (revista Forum)

 

Marielle: uma nota extra de crueldade, o buraco do Rio e a sombra sobre o Brasil 

Mauro Lopes

Revista Forum, 24/03/2024




Todas as forças políticas do Rio exceto, aparentemente, o PSOL, têm relações promíscuas com o clã Brazão. Todas as instituições no estado têm representantes deste e de outros clãs. E o cenário trágico do Rio alcança Brasília e se espalha país adentro.

Uma nota extra de crueldade na descoberta dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes: as famílias foram recebidas no dia seguinte à morte pelo delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que cuidou de consolar as famílias e garantir que o caso era uma prioridade e seria solucionado rapidamente. Ele, que tinha planejado o crime. É simultaneamente uma nota cruel e reveladora do ponto a que chegou a degradação do Rio de Janeiro. Além dele, o deputado federal Chiquinho Brazão (UB-RJ) e o chefe do clã, Domingos Brazão, membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) foram igualmente presos. 

No Rio, 1) parte da cúpula da PM e da Polícia Civil é composta por subordinados dos bicheiros e milicianos, assim como alguns policiais federais que operam no estado; 2) a Câmara e a Assembleia Legislativa têm bancadas de representantes dos dois ramos criminosos, eleitos por diversos partidos; 3) o Poder Judiciário e o MP têm prestadores de serviços aos grupos na sua cúpula;  e 4) o cenário no Poder Executivo é idêntico, com membros ou representantes dos bicheiros ou das milícias em diversas instâncias no governo do Estado e a prefeitura da capital, mas não só -inclusive no primeiro escalão. Para completar, os laços entre milícias e algumas igrejas fundamentalistas cristãs são cada dia mais profundos. 

Se a situação no Rio é por si só gravíssima, há um acento ainda mais dramático, trágico: a influência das milícias e bicheiros já se expressa em âmbito federal e começa a ser replicada em outros estados. Um cenário sombrio para o país nos próximos anos.

As prisões e outras ações da PF deste domingo desnudam as relações dos partidos e forças políticas no Rio com as milícias. Todas as forças mantêm relações de promiscuidade com o clã Brazão e, indiretamente, com as milícias. As principais são: 1) o bolsonarismo; 2) o PT; 3) o grupo liderado pelo prefeito de Belford Roxo, Waguinho, marido da ex-ministra Daniela do Waguinho; 3) Eduardo Paes e 4) Cláudio Castro.

1) BOLSONARISMO 

Os clãs Bolsonaro e Brazão mantêm há anos relações de colaboração e concorrência na zona Oeste do Rio. Um dos elos que une os dois clãs é a utilização dos serviços do Escritório do Crime, um grupo de matadores oriundos da PM que prestava e ainda presta serviços tanto para milícias e bicheiros como para políticos no Estado. Ronnie Lessa era uma das figuras de maior destaque do Escritório do Crime, um matador famoso no submundo. O asssassinato de Marielle é o mais famoso de seus crimes, mas está longe de ser o único, e suas relações com os dois clãs são agora notórias. 

Outro líder do Escritório, ainda mais famoso que Lessa, é o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega. Por anos, sua mãe e esposa foram assessoras do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Nóbrega jactava-se de ser tanto um exímio matador como um perito em tortura. Acabou morto em 2020 na Bahia numa operação típica de queima de arquivo ainda hoje não esclarecida. 

Rivaldo Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro em 8 de março de 2018 e tomou posse no cargo um dia depois do assassinato de Marielle. Os responsáveis pela nomeação foram o general Braga Netto, então interventor na segurança pública no Estado, e pelo secretário de Segurança escolhido por ele, general Richard Fernandez Nunes. 

2) PT  

As relações entre o clã Brazão e o PT no Rio são antigas e não são propriamente secretas. Ainda em janeiro deste ano, quando vazaram as primeiras notícias da delação de Ronnie Lessa apontando para os Brazão, o deputado federal Washington Quaquá, vice-presidente do PT e um dos maiores caciques da legenda no Rio, saiu em defesa de Domingos Brazão. Ao fazer a defesa, reconheceu que as relações entre o partido e o clã são antigas: “Conheço o Domingos Brazão de longa data, inclusive de campanhas eleitorais nacionais onde ele esteve do nosso lado. Sinceramente, não creio que ele tenha cometido tal brutalidade”. 

A declaração de Quaquá não é um raio em céu azul. Outro cacique do PT do Rio, André Ceciliano, tem relações de intimidade com o clã. O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio é braço direito do ministro responsável pela articulação política do governo Lula, Alexandre Padilha -o gabinete de Ceciliano fica a poucos metros do de Padilha, e não muito longe do de Lula. 

Bem antes de ser eleito presidente da Alerj, Ceciliano foi articulador na Casa para a eleição de Domingos Brazão ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2015. Relator da indicação, Ceciliano ignorou a já longa ficha corrida de Domingos Brazão e referendou a indicação assegurando que tinha “reputação ilibada, conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos”. Anos depois, já presidente da Assembleia, nomeou Luciano Souza como  chefe da TV Alerj. Era um braço direito de Domingos Brazão, havia atuado nas campanhas de Flávio Bolsonaro, e geriu um orçamento anual superior a R$ 10 milhões. 

Além de Quaquá e Ceciliano, outros líderes do PT do Rio têm relações políticas de longa data com o clã Brazão. 

3) GRUPO DE WAGUINHO

O prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, que se aproximou do presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022, tem uma bancada própria na Câmara dos Deputados. Ele é o marido da deputada federal Daniela do Waguinho (UB-RJ), que entre janeiro e julho de 2023, como ministra do Turismo do governo Lula, assinou como Daniela Carneiro. As ligações do casal com as milícias são históricas e amplamente conhecidas, mas isso não impediu Daniela de se tornar ministra. Tudo pelas mãos de André Ceciliano, responsável pela aproximação de Lula com os Waguinho. 

A bancada de Waguinho na Câmara tem cinco parlamentares, todos eleitos pelo União Brasil no Rio:  

Chiquinho Brazão, um dos mandantes da morte de Marielle preso neste domingo. 

Juninho do Pneu, ex-vice prefeito de Nova Iguaçu, é outro nome vinculado às milícias. Foi secretário dos Transportes de Cláudio Castro, sucedido em 2022 por André Nahass. Quem indicou Nahass para o cargo? Domingos Brazão, de quem Nahass fora advogado. 

Marcos Soares, filho de RR Soares, dono da  Igreja Internacional da Graça de Deus e de mais 12 empresas, várias delas de mídias, e com fortuna estimada em R$ 800 milhões. 

Dani Cunha, filha de ninguém menos que Eduardo Cunha, outro velho aliado do clã Brazão. 

Durante o período de Daniela Carneiro como ministra, assumiu o suplente Ricardo Abrão -ele é ex-presidente da Beija-Flor e sobrinho de Anísio Abraão David, patrono da escola de samba e um dos maiores líderes da cúpula do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Caso Chiquinho Brazão seja cassado, o que deve acontecer em tempo recorde para a Câmara dos Deputados, ele reassume o mandato. O nome dele é ilustrativo da convergência entre as milícias e os bicheiros. 

4) EDUARDO PAES

Em outubro de 2023, quando o envolvimento do clã Brazão com o assassinato de Marielle Franco já era amplamente conhecido, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, nomeou Chiquinho Brazão como secretário municipal de Ação Comunitária. A  nomeação tem tons inacreditáveis: o prefeito do Rio entregou para as milícias do Rio a secretaria responsável pela ação nos bairros mais pobres da cidade! No ato da nomeação, ele alegou que a nomeação fez parte de um processo de articulação política encetado pelo governo Lula. 

As relações de Paes com o clã Brazão são de intimidade. Assista ao vídeo abaixo, de agosto de 2023, menos de dois meses antes da nomeação de Chiquinho como seu secretário.  

Nele, Paes afirma que “quem mais briga pelas coisas de Jacarepaguá é a família Brazão”. No comício, ele brinca carinhosamente com Chiquinho Brandão e seu irmão Pedro Brazão (deputado estadual), este último aparentemente não envolvido com o assassinato. O líder do clã, Domingos, não estava lá, mas Paes refere-se a ele como “Dominguinho”. Mais que isso: ele lança o filho de Domingos Brazão, Kaio, como candidato a vereador nas próximas eleições. Tudo em clima de congraçamento e festa. 

Neste domingo, Paes silenciou sobre as prisões. A  Prefeitura divulgou uma nota anódina informando que Chiquinho Brandão teria sido exonerado “no início de 2024”. Ele não foi exonerado, pediu demissão quando viu o cerco fechar-se para reassumir o mandato em Brasília. 

A aliança de Paes com o clã Brazão marca outra nota de crueldade no caso: candidato apoiado por Lula e pelo PT para reeleição, o nome que chegou a ser cogitado para candidata a vice foi o da ministra Anielle Franco -a hipótese não prosperou. Abraçada pelo delegado que arquitetou a morte de Marielle, dona Marinete correu o risco de ver sua outra filha candidata ao lado de um grupo político de relações íntimas com os mandantes do crime. 

5) CLAUDIO CASTRO

Para além das relações com o universo das milícias que marcam sua trajetória e uma aproximação ainda maior depois que se tornou um importante apoiador do bolsonarismo no Rio, o governador Claudio Castro manteve, desde 2021, toda a estrutura que submeteu a segurança pública do Rio ao jogo de interesses do bicho e das milícias. Somente em novembro passado reverteu a extinção da Secretaria de Segurança, feita em 2019 por Wilson Witzel, num período de festa para bicheiros e milicianos. Seu secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, que diz ter uma relação de “respeito” com Ronnie Lessa, foi preso em setembro de 2022, por ser um representante do bicho dentro da Polícia Civil.  

Castro é mencionado no relatório da PF que embasou a ação deste domingo por sua proximidade com o clã Brazão:  “Outro fato que aproxima Brazão do Governador Claudio Castro é o aparelhamento da Fundação Leão XIII, vista em tópico específico, cuja suspeita de desvio de recursos de seus contratos é objeto de Inquérito Policial de Relatoria do e. Ministro Raul Araújo, perante o c. Superior Tribunal de Justiça”. A investigação dizia respeito a contratos fraudulentos da Fundação estadual com envolvimento e parceria entre Claudio Castro quando vereador (2017-19) e vice-governador (2019-21), em parceria com os Brazão. 

Na última quarta-feira (20), às vésperas da operação da PF, Castro manifestou seu reiterado desprezo pelo caso de Marielle Franco. Em pleno Palácio do Planalto, depois de uma reunião com Lula, o governador do Rio, quando perguntado sobre a expectativa de desfecho do caso, cuspiu: “Só o que tem até agora são fofocas jurídicas e políticas”.  

Uma crise profunda 

A situação no Rio de Janeiro é de descalabro total, com o Estado em todas as suas dimensões entregue às organizações criminosas, especialmente às milícias e ao jogo do bicho. Conversa-se em off com políticos e autoridades do Rio e todos compartilham da mesma tese: não há o que fazer, a realidade é essa. A frase fatalista, unânime: é preciso se acomodar. O Rio foi lançado num buraco sem fundo. 

O processo de degradação do Rio já lança suas sombras para Brasília. E começa a espalhar-se para outras unidades da Federação. 

O cenário à frente não comporta otimismos fáceis. 

*Este artigo não refletenecessariamenteaopinião da Revista Fórum.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Sistema educacional chinês: Como a educação vem modificando o futuro do país - Alessandro Teixeira (Forum)

 Mais relevante do que o extraordinário crescimento econômico chinês nas últimas quatro décadas foi a verdadeira revolução educacional em curso no país desde o final da Revolução Cultural e o início dos processos de modernização, lançados por Deng Xiaoping. Cabe registrar que em 1949 a taxa de analfabetismo alcançava 80% da população. É isto que está na base do excepcional desempenho do país atualmente, não qualquer socialismo com características chinesas, que é pura propaganda do PCC.

Paulo Roberto de Almeida

Sistema educacional chinês: Como a educação vem modificando o futuro do país 

Coluna Desvendando a China: A redenção educacional surgiu no final na década de 1980, estendendo-se por toda a década de 1990, realizada por meio de reformas profundas, as quais permitiram a expansão do acesso à educação de qualidade 

Hoje, eu vou tratar do sistema educacional chinês. Como o leitor já deve ter visto, nas últimas três décadas, a China tem apresentado a maior taxa média de crescimento do PIB do mundo com uma média anual entre 7% e 8%, tornando-se a segunda maior economia mundial em termos de PIB nominal total (Banco Mundial, 2017). Como resultado, a nação chinesa possui não só o maior sistema de educação do planeta, compreendendo quase 260 milhões de estudantes, mais de 15 milhões de professores e cerca de 514.000 escolas — e não estou considerando aqui os números pertinentes às instituições de ensino superior —, mas que é também diverso.

Em termos históricos, o sistema de educação chinês é milenar e remonta ao período imperial de aproximadamente 2.000 anos atrás. Por muitos séculos, o ensino era excludente e só aceitava oficiais e burocratas pertencentes ao sistema imperial, os populares “mandarins”. Foi somente na dinastia Tang (618-907 d.C.) que esse sistema de ensino daria um salto qualitativo e inclusivo. Sob esse aspecto, diversos estudantes originários de famílias humildes passaram a ocupar cargos na corte, o que atenuou grandemente as discrepâncias de classe social. Mesmo assim, do final do período imperial (1912) até a formação da República Popular da China (1949), o nível de desenvolvimento educacional permanecia muito atrasado. Em termos numéricos, cerca de 80% da população era analfabeta, e a taxa de matrícula para o ensino fundamental e médio era de apenas 20% e 6%, respectivamente.

Infelizmente, ainda que o governo comunista chinês considerasse a educação básica universal como o principal objetivo do desenvolvimento educacional, durante a Revolução Cultural iniciada em 1966, a cultura e a educação permaneceram estagnadas. A redenção educacional surgiu no final na década de 1980, estendendo-se por toda a década de 1990, realizada por meio de reformas profundas, as quais permitiram a expansão do acesso à educação de qualidade. Com isso, o governo chinês assumiu, de fato, a educação como valor central, a qual deveria ser compatível com o desenvolvimento socioeconômico do país. Assim, nasceu o moderno sistema educacional chinês.

Com o enorme desenvolvimento socioeconômico na China, a educação ainda é gerida pelo Estado, proporcionando um ensino gratuito, o que agrada as famílias, não só pelas pequenas taxas que pagam pelo ensino público, mas por ser este também de altíssima qualidade. Mesmo assim, pode-se observar uma crescente participação do setor privado no ensino cada vez mais de maneira descentralizada.

Nos últimos anos, o Ministério da Educação tem transferido o controle direto da gestão do sistema educacional, na tentativa de descentralização, para os governos estadual e municipal, os quais se tornaram responsáveis pela administração e supervisão do ensino. Em grande parte, as autoridades regionais também administram instituições de ensino superior.

Outro ponto importante a destacar é a valorização crescente dos profissionais da educação. A China não só tem aumentado a remuneração dos professores e demais profissionais diretos da educação, mas também investido fortemente em qualificação, sobretudo dos profissionais das escolas primárias e secundárias. De acordo com a nova política de formação, cada professor de escola primária e secundária pública deve ter, no mínimo, 360 horas-aulas de formação de cinco em cinco anos. Essas formações são concebidas de acordo com as responsabilidades dos profissionais e dos professores, e elas visam a melhoria e a modernização das competências desses profissionais.

Soma-se a isso a necessidade de qualificar mais os professores das zonas rurais, os quais têm prioridade nesse programa. Nesse sentido, o governo chinês pretende investir, até 2025, o valor de US$1,3 bilhão no programa de qualificação que compreende cerca de 6,5 milhões de professores nas zonas rurais e nas partes central e ocidental do país, considerando-se, assim, o investimento em: (i) áreas rurais, remotas, pobres e minoritárias; (ii) educação pré-escolar, ensino primário e ensino profissional; (iii) subsídios para alunos de famílias carentes; e (iv) construção de uma equipe de professores de alta qualidade. Tem-se, assim, que as recentes reformas educacionais deram ênfase a: (i) erradicação do analfabetismo; (ii) aceleração do desenvolvimento do ensino pré-escolar; (iii) universalização do ensino obrigatório de nove anos; e (iv) melhoria da qualidade do ensino obrigatório, especialmente em zonas rurais, cujos esforços têm sido recompensados pelos resultados socioeconômicos.

No entanto, o leitor deve estar se perguntando o que há de tão especial nesse sistema de ensino. Embora possua uma estrutura muito do sistema educacional brasileiro — pré-escola, ensino primário, ensino secundário e ensino superior — os estudantes chineses devem completar nove anos de escolaridade obrigatória. Aqui na China, as crianças a partir dos três anos de idade já estão aptas a ingressarem na pré-escola, ou creche, se preferir, e permanecem até os seis anos. Detalhe, a educação pré-escolar não é obrigatória, e muitas pré-escolas são privadas.

A seguir, temos o ensino primário (ensino fundamental). Este começa aos seis anos de idade e no qual as crianças permanecem por um período de seis anos. Este é seguido do ensino secundário, o qual é dividido em dois, a saber, o ensino secundário júnior, no qual os alunos permanecem por mais três anos, seguido do ensino secundário sênior (ensino médio), por iguais três anos. Existem cinco tipos de escolas secundárias na China: (i) o geral; (ii) o técnico ou especializado; (iii) para adultos; (iv) profissional; e (v) a escola de artesanato. Estes quatro últimos são considerados como escolas de ensino secundário profissional. Os estudantes, ao concluírem o ensino primário, são submetidos a um exame público chamado de Zhongkao, o qual o governo utiliza para designar os alunos a diferentes escolas secundárias, e a admissão na escola secundária depende da pontuação obtida nesse exame. Nos últimos anos, governo chinês tem promovido esforços significativos para expandir a participação em escolas secundárias, sobretudo as profissionais, a fim de satisfazer as necessidades econômicas e de mão de obra do país, em rápida evolução, tendo em vista que, em 2014, as escolas secundárias profissionais representavam pouco menos de 22% do total de matrículas em escolas secundárias s sêniores na China (UNESCO-UIS, 2016). Por sua vez, ainda que o ensino secundário sênior não faça parte da escolaridade obrigatória na China, em 2018, 95% dos diplomados do ensino secundário júnior continuaram os seus estudos em escolas secundárias sêniores. Este número é notável porque, em 2005, apenas cerca de 40% dos jovens diplomados do ensino secundário júnior continuavam seus estudos.

Quando concluem o ensino secundário, os estudantes chineses são submetidos a um outro exame, que é muito parecido com o nosso vestibular, e o qual é chamado de Gao Kao. Essa prova, realizada em nível nacional, permite que os estudantes escolham, segundo a nota obtida no exame, a instituição de ensino na qual desejam ingressar. Vale ressaltar também que, devido à pressão extremamente elevada causada pela disputa dos estudantes que prestam anualmente esse o concurso — em 2019 foram 10,3 milhões para 9,1 milhões de vagas —, o segmento de “cursinhos pré-vestibulares”, tal como ocorre no Brasil, é outro componente do segmento educacional que tem crescido enormemente.

O ensino superior, na China, teve uma enorme expansão a partir do final da década de 1990. As taxas de matrículas no ensino superior aumentaram de 21%, em 2006, para 39%, em 2014, e mais de 45%, em 2018, no país. Hoje, a China possui mais de 2.700 instituições de ensino superior. Muito semelhante ao sistema brasileiro, no sistema chinês, os cursos de graduação exigem quatro anos de estudo, e na pós-graduação stricto sensu, o mestrado exige três anos, enquanto o doutorado exige de quatro a cinco anos.

As reformas educacionais compreenderam também a melhoria do currículo escolar, não se limitando às tradicionais disciplinas de idiomas como o mandarim e o inglês, ou disciplinas de ciências exatas como a matemática, física, química, biologia, ou mesmo atividades práticas abrangentes como a educação física e artes. O currículo estudantil é complementado por atividades extras como tecnologia da informação, pesquisa em ciência, serviços comunitários sociais, sociologia, música e, em alguns casos, robótica e tecnologias disruptivas como biotecnologias, tecnologias espaciais são disciplinas cursadas pelos estudantes dos ensinos primário e secundário, e as quais têm como objetivo melhorar a criatividade e o desenvolvimento de responsabilidade social através de experiências práticas dos jovens.

Mas a “revolução estudantil” chinesa não se limita às suas fronteiras. O país tem investido pesadamente em intercâmbio. Como exemplo, a China tornou-se o maior exportador mundial de estudantes estrangeiros. Em 2016, o número total de estudantes chineses que estudavam no exterior era de 545.000, e, em 2018, esse número cresceu para 663.000. Além disso, 80% em média dos estudantes intercambistas optam por retornar à China, bem como o país recebe aproximadamente 100 mil estudantes estrangeiros por ano, oriundos de um total de 205 países, tornando-se a o maior destino na Ásia para estudar. Também, as instituições de ensino chinesas estão entre as melhores da Ásia, tal como a Universidade de Tsinghua e a Universidade de Pequim ocupam a 23ª e 24ª posição, respectivamente, do Times Higher Education World University Rankings de 2020.

Em suma, essas melhorias sistêmicas na educação foram diretamente responsáveis por mudar o perfil da economia chinesa, na qual a inovação tem um papel central (em uma coluna futura abordarei a inovação na China). Os investimentos feitos pelo governo chinês (desde de 2012 a China investe 4% do PIB em educação) têm rendido frutos na medida em que as melhores oportunidades na educação dos cidadãos refletiram-se no nível de capital humano no país.

Por fim, quando a República Popular da China foi fundada em 1949, isto é, 72 anos atrás, possuía mais de 80% da população analfabeta. Em menos de um século o governo chinês reverteu essa realidade ao entender que não existe desenvolvimento de uma economia, de uma sociedade madura, de ciência, de tecnologia e inovação sem um alto nível de educação. A educação tornou-se um direito de todo cidadão chinês e a sua obrigatoriedade universal deve ser a base e o símbolo da moderna civilização chinesa. A educação é o fator central para o desenvolvimento em longo prazo de um país.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.